Entrevista ao Vigário Regional (Lusa)

O vigário regional do Opus Dei em Portugal deu recentemente uma entrevista ao jornalista João Luís Gomes da Agência Lusa e que foi publicada em vários meios de comunicação em Portugal.

Esta entrevista foi a fonte de elaboração de algumas notícias nos seguintes meios de comunicação: Correio da Manhã  Diário de Notícias  Observador  Porto Canal  RTP (Notícia 1 Notícia 2) SICNotícias   Visão


75 anos depois da chegada a Portugal, como caracteriza o caminho percorrido pelo Opus Dei no país?

O Opus Dei veio a Portugal realizar o que faz em todos os países: tornar presente a Igreja Católica pela difusão da mensagem de que aos olhos do nosso Bom Deus a vida do cristão comum, talvez rotineira, tem muito valor.

A Deus importam as minúcias da família, as tarefas do trabalho, o contributo para o bem comum, pois Jesus, Deus feito homem, viveu tudo isso em primeira pessoa.

Há 75 anos, um jovem de 24 anos, Francisco Martinez, farmacêutico, foi o primeiro a vir trabalhar para Portugal, e viveu a mesma proposta de vida que hoje muitas pessoas em todo o país se sentem atraídas por Deus a viver, através deste caminho na Igreja.

Vejo três notas nestes 75 anos: o amadurecimento, feito de acertos e desacertos; a contínua atualidade da mensagem da santificação do trabalho e da vida corrente, tanto mais urgente e necessária quanto maior vem sendo o esquecimento de Deus nesta sociedade apressada; e a crescente perceção do contributo desta instituição no contexto da Igreja Católica.

O Opus Dei organiza atividades abertas a todos e não estão reservadas aos membros, nem carecem de convite prévio

Há umas palavras de João Paulo II que resumem a forma como procuro fazer este balanço: “lembrar com gratidão o passado, viver com paixão o presente, abrir-se com confiança ao futuro”.

Qual a situação atual em termos de membros (numerários, supranumerários, sacerdotes e cooperadores) em Portugal?

O Opus Dei é uma mensagem dirigida a todos, e é, além da mensagem, uma instituição que reúne as pessoas que sentem, por parte de Deus, o apelo a viver esta mensagem.

Por se dirigir a todos, as atividades de formação católica que o Opus Dei organiza (retiros, recoleções, encontros regulares de oração e de formação na fé, acompanhamento espiritual pessoal) são abertas e não estão reservadas aos membros, nem carecem de convite prévio.

Falando apenas dos que pertencem ao Opus Dei, com dados de início de 2021, em Portugal são 1625 pessoas, 1027 mulheres e 543 homens (destes, 89 são padres, dos quais 33 da prelatura e 56 de diversas dioceses, através da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz).

Destas 1625 pessoas, 1105 são casadas ou solteiras sem o compromisso do celibato, e as restantes 520 são celibatárias.

Os cooperadores não pertencem ao Opus Dei, e podem não ser católicos, nem crentes, são pessoas que apreciam o serviço que o Opus Dei presta e desejam colaborar com oração, ou esmola ou algum outro tipo de colaboração. Neste momento são à volta de 3000.

É recorrente dizer-se que a influência que o Opus Dei tem na sociedade portuguesa não é proporcional ao relativamente pequeno número de membros. Há a preocupação de procurar os mais influentes para o seio do Opus Dei? Há uma rede de interesses que liga os membros do Opus Dei e, se sim, essa rede faz sentir a sua influência na sociedade?

A realidade é outra. O Opus Dei é mais uma entre todas as realidades da Igreja Católica e com todas elas quer ter uma influência religiosa para bem da sociedade.

A fé católica abre ao crente a proximidade com Deus, que é fonte de bondade, verdade e beleza, e permite uma nova visão da vida, da morte, da natureza e da humanidade. Experimentar esta proximidade ou não, é determinante e muda tudo. Por isso, a fé influencia tudo. Só as pessoas mais influenciadas por Deus – os santos – é que foram verdadeiramente transmissores desta influência.

Porém, à parte essa influência da fé, para a Igreja é hoje fundamental, no exato sentido de que “constitui um fundamento”, o respeito pela liberdade de opinião e pela autonomia de atuação dos cristãos em tudo o que não é de fé. É muito de saudar que haja pluralismo de convicções e opções. E é muito de censurar servir-se do pretexto religioso para fins não religiosos. Este aspeto é intrínseco ao modo de ser e de atuar do Opus Dei.

Sei que há quem faça as leituras que refere, contrárias ao que acabo de dizer. Continuaremos a tentar esclarecer.

Em Portugal, muito mais que na maioria dos países, o Opus Dei é muitas vezes referido em público por pessoas sem qualquer relação direta com a instituição, criando um problema de comunicação pouco habitual que se caracteriza por uma notoriedade da instituição muito maior do que seria natural para a dimensão que tem, notoriedade que é muito alimentada por pessoas que não têm conhecimento direto da realidade e que repetem de modo acrítico ideias de grande efeito mediático.

A educação, com alguns colégios, e a formação de líderes, com a AESE, por exemplo, são marcas do Opus Dei em Portugal. Poder-se-á pensar que tudo é feito em função da chegada ao topo. E junto dos menos favorecidos, como se sente a ação do Opus Dei?

As coisas não são assim. Ao Prelado do Opus Dei, o Papa Francisco disse que queria que o Opus Dei divulgasse a mensagem do Evangelho na periferia que hoje encontramos na classe média da sociedade, referindo-se àqueles ambientes onde já não há lugar para Deus, e onde escasseiam valores e ideais.

As escolas que refere estão claramente situadas nesse contexto. O Opus Dei deseja ter uma parceria com esses projectos formativos e educacionais para, sempre com respeito pela liberdade religiosa das pessoas que aí trabalham ou beneficiam dos seus serviços, abrir mais uma possibilidade de aproximação à fé católica, pois a experiência de Deus permite o maior conhecimento da realidade.

Apostar na formação e na educação sempre foi visto, na Igreja e fora da Igreja, como um serviço às pessoas, que lhes permite libertar talentos, ampliar conhecimento, crescer em cultura, expandir a liberdade, contribuir para o bem comum. Tenho dificuldade em compreender que se queira ler doutra maneira.

Para além disso, muitos fiéis do Opus Dei intervêm estavelmente, por sua iniciativa, em ações e organismos de apoio a desfavorecidos, e algumas pessoas do Opus Dei são pessoas desfavorecidas e em dificuldade.

Um exemplo é a iniciativa a propósito dos 75 anos da presença em Portugal, dos 75 cabazes para 75 famílias, que, em Lisboa, Porto e Braga, procura ajudar em cada cidade 75 famílias que agora sofrem mais pela pandemia, conseguindo um cabaz cada mês e ajudando a assumir uma meta de melhoria.

Em Portugal, temos o desejo de, como já se faz de forma consistente noutros países, envolver formalmente o Opus Dei em projectos de assistência social directa, mas infelizmente ainda não passámos das fases preliminares de planeamento. É um dos desejos para o futuro.

 temos o desejo de envolver formalmente o Opus Dei em projectos de assistência social directa

O que caracteriza um membro do Opus Dei? Quais as suas práticas, as suas obrigações?

Uma pessoa do Opus Dei é um baptizado ou baptizada, leigo ou sacerdote, de qualquer condição social, que, por um apelo interior, experimentado no âmbito da relação com Deus alimentada na oração, ganha consciência do que significa a sua pertença à Igreja, concretizada na sua diocese, e do compromisso que tem para servir a sociedade, sobretudo através do trabalho profissional, e encontra no Opus Dei uma proposta de vida, formação e oração que concretiza a sua vocação cristã.

O modelo de vida é o tempo prolongado que Jesus, até aos 30 anos, viveu em Nazaré, no seio de uma família como as outras, com Maria e José, um habitante semelhante a todos os habitantes daquela terra da Galileia.

O caminho do Opus Dei inclui uma proposta formativa, que permite aprofundar na vivência prática da fé, no conhecimento teológico do pensamento cristão e da Igreja, na divulgação da fé, na sintonia com os ensinamentos da Igreja, do Papa e dos bispos. Essa formação acontece através, seja de acompanhamento pessoal, seja de encontros regulares de duração diversa, uns com frequência semanal, outros, mensal, outros, anual.

Este caminho inclui também uma proposta de oração que leva progressivamente a ter uma relação real com Deus, na eucaristia, na confissão, na leitura das sagradas escrituras e em vários momentos diários de oração, que levam a envolver no diálogo com Deus todas as ocupações do dia.

Tudo isto conduz a viver uma profunda liberdade, com a consequente alegria, que é um ponto basilar do Opus Dei.

Tendo em conta o frenesim dos tempos de hoje, as dificuldades de toda a ordem – desde económicas a sociais e laborais -, como é superado o desafio de alcançar a santidade no trabalho e na vida quotidiana? Face às solicitações do mundo de hoje, como é que aquele objetivo é apelativo?

A ideia principal é recordar que Deus não está longe, e que cada um de nós, independentemente do que tenha sido o seu passado e do que seja o seu presente, está em ótima posição para se abrir a Deus e tentar falar com Deus. Agora mesmo. Esse é um começo. E como Deus está vivo e é bondade, se dermos autorização, Ele próprio Se aproxima e podemos experimentar como nos acompanha e sustenta em tudo o que fazemos. Claro que depois é preciso ir procurar Deus onde ouvimos dizer que está. Talvez começando pela leitura da Bíblia, ou falando com alguém que nos pareça ser bom conselheiro, ou entrando numa igreja, ou indo ao confessionário. Há muitos caminhos.

O que é que isso tem a ver com a santificação do trabalho? Tudo. Porque “santificar” é abrir espaço ao Deus “santo” no trabalho, não é primeiramente “caprichar” fazendo as coisas impecavelmente.

É claro que, sabendo que Deus feito homem, Jesus, trabalhou, viveu a sua condição de cidadão servindo os outros com o seu trabalho, e necessariamente trabalhou bem, teremos cada vez mais, e só, razões para fazer as coisas do melhor modo possível, com desejos de servir os outros e o bem comum. E podemos oferecê-las a Deus, que é mais ou menos o mesmo que faz quem dedica um livro, um feito, um golo, ou uma vitória.

Oferecer o trabalho a Deus é mais ou menos o mesmo que faz quem dedica um livro, um feito, um golo, ou uma vitória

E podemos procurar tornar Jesus presente através do nosso trabalho, tentando ver as pessoas sob quem, com quem, sobre quem e para quem trabalhamos não apenas como chefes, colegas, subordinados, clientes, com as suas peculiaridades, admiráveis ou, por vezes, irritantes, mas, cada um e cada uma, como alguém por quem o mesmo Deus tem um amor de predileção. E assim a delicadeza, o respeito, o “calçar os sapatos dos outros” será o paradigma do modo como nos relacionamos com todos.

Como se pode constatar, procurar pôr em prática estas ideias é um antídoto para o frenesim, para os desânimos, para a agressividade, e um estímulo cheio de esperança para o empenho pela justiça, pela solidariedade e por uma sociedade mais humana, mais fraterna.

Uma outra ideia aliciante é a que o Concílio Vaticano II lembrou: todos os frutos excelentes da natureza e do nosso esforço voltaremos a encontrá-los, limpos de toda insuficiência, iluminados e transfigurados, na vida futura com Deus para lá da morte.

As mortificações corporais (como o cilício ou a disciplina) são, muitas vezes, vistas como obrigatórias (ou, pelo menos, incentivadas) no seio do Opus Dei. Fazem sentido nos dias que correm? Não terão outros sacrifícios quotidianos, como abdicar de alguns bens ou de alguns prazeres, ou ações como o voluntariado ou o apoio aos mais desfavorecidos um maior significado?

É sempre inspirador começar por entender qual o sentido da penitência cristã.

Quem ama está disponível para prescindir das suas conveniências e necessidades, pelo bem de quem ama. É a linguagem do amor e da amizade, dos homens e de Deus. Deus, como disse Bento XVI, “virou-se contra si próprio” pelo nosso bem. O momento máximo dessa atitude foi a morte na cruz “por nós homens, e para nossa salvação”, em que o seu corpo foi “entregue por nós”. Esse é o sentido do jejum e da esmola, que a Igreja recomenda.

Para o cristão comum, cumprir os deveres, as relações familiares, o sorriso habitual são as formas mais importantes para mostrar um amor disposto a sacrificar-se

Para o cristão comum, cumprir os deveres diários, manter a boa qualidade das relações familiares, e até o simples sorriso habitual são as formas mais importantes que encontra todos os dias – e que não deve desperdiçar - para mostrar um amor disposto a sacrificar-se, a ir para além do interesse próprio. E São Josemaria sempre incentivou a viver estes pormenores como a primeira e fundamental manifestação do espírito de sacrifício, que nos une à Cruz de Jesus.

É sempre inspirador começar por entender qual o sentido da penitência cristã. Quem ama está disponível para prescindir das suas conveniências e necessidades, pelo bem de quem ama.

De facto, as expressões de penitência corporal que referiu, – que nem de longe se aproximam ou se parecem do exagero de caricaturas às vezes difundidas – embora pertençam à vida da Igreja e são por ela aceites (o Papa Francisco em 2017 afirmou ter feito a experiência e referiu o seu sentido positivo), não são de todo essenciais, e a maioria das pessoas do Opus Dei não as vive. 

Quem as vive na Igreja, e em concreto as pessoas do Opus Dei que o fazem, vive-as sempre voluntariamente, dando-lhes o sentido positivo de união à paixão de Cristo, portanto como manifestação do amor pelos que se afastam de Deus e assim da sua verdadeira felicidade. É bom recordar o apelo de Nossa Senhora a oferecer sacrifícios pelos pecadores, que a Irmã Lúcia sintetizou em alguns pontos concretos de mortificação: “existem alguns instrumentos de penitência que têm sido usados por muitos Santos, como são as disciplinas, os cilícios, etc. Praticam-se estas penitências unindo-nos a Cristo. Se Cristo assim sofreu por nós, é mais que justo que façamos alguma coisa por Ele e pela sua obra redentora”. Como é patente, isto não se entende sem uma lógica de vida de fé.

Recentemente, o parlamento aprovou a obrigatoriedade de os políticos e titulares de altos cargos públicos passarem a ser obrigados a declarar a sua pertença e funções em associações como as desportivas, políticas e de “caráter secreto” (como alegadamente a Maçonaria e o Opus Dei). O Opus Dei reagiu, defendendo que essa declaração não é obrigatória se “revelar dados constitucionalmente protegidos, como sejam os relativos à saúde, orientação sexual, filiação sindical ou convicções religiosas ou políticas”. Como vê o desejo que inicialmente foi sugerido de tornar esta informação obrigatória no caso dos membros do Opus Dei? O Opus Dei é defensor do “secretismo” em relação aos seus membros?

Não foi muito animador vermos vários políticos referirem o Opus Dei sem terem previamente tido o cuidado de se informar connosco ou com quem pudesse dar informações credíveis sobre qual a natureza, finalidade e missão desta instituição da Igreja.

Quando o debate começa, fomos nós que tomámos a iniciativa de contactar os vários grupos parlamentares, e foi possível dialogar com vários deles de forma cordial, e pudemos assim dar a nossa visão das questões. Creio que é um método que deveria ser aplicado mais vezes, preferentemente antes dos pronunciamentos públicos.

Fizemos também um contributo escrito que está disponível no site do parlamento.

Estamos em total sintonia com todos os que pensam que é mesmo crucial que o poder político seja exercido para o bem comum e com exigências de transparência.

Porém, nos debates e na exposição de motivos da proposta inicial, assumiram-se sobre o Opus Dei alguns pressupostos que eram insinuações graves.

Por isso esclarecemos desta forma nesse contributo escrito: “os cristãos do Opus Dei têm uma consciência reforçada da sua liberdade plena de atuação política e profissional, do dever grave – perante Deus – de respeitar as leis e as regras deontológicas, e da exclusão de qualquer dever de segredo quanto à sua pertença ao Opus Dei e aos conteúdos formativos próprios da acção pastoral da Prelatura.”

Ao mesmo tempo, também afirmámos que a Prelatura do Opus Dei quer ter o mesmo tratamento e regime que qualquer instituição católica, e recordámos que os estatutos que a Santa Sé deu ao Opus Dei excluem expressamente qualquer tipo de secretismo. Referenciámos todos os documentos que sustentam estas afirmações, e estamos sempre disponíveis para qualquer esclarecimento suplementar.

O OPUS DEI QUER TER O MESMO TRATAMENTO E REGIME QUE QUALQUER INSTITUIÇÃO CATÓLICA; OS ESTATUTOS QUE A SANTA SÉ DEU AO OPUS DEI EXCLUEM EXPRESSAMENTE QUALQUER TIPO DE SECRETISMO

Feita esta clarificação sobre o Opus Dei, alertámos também para uma questão mais importante: estaria salvaguardada a liberdade religiosa que a nossa Constituição claramente protege? Essa já não era uma questão somente pertinente ao Opus Dei mas a todo e qualquer cidadão crente, qualquer que seja a sua religião. Apenas levantámos a questão, pois compete aos peritos resolver esse problema. O parecer emitido sobre o assunto pela Comissão da Liberdade Religiosa, assinado pelo Dr. José Vera Jardim, é um texto clarividente, de leitura obrigatória para se entender o que está em causa.

No “Caminho”, no número 631, é feito um veemente apelo ao desprendimento dos bens materiais, a viver com sobriedade. Quando figuras públicas pertencentes ao Opus Dei, com reformas milionárias litigam para não perderem alguns privilégios materiais, não estão a contribuir para criar o pior cartão de visita que a “Obra” pode ter?

Compreendo essa perplexidade. Não referirei situações e actuações pessoais, vou apontar algumas ideias importantes.

Efectivamente, o cristianismo recorda que não se pode servir a Deus e às riquezas. Além disso, o desprendimento pessoal e a relação austera com os bens predispõem à partilha com os outros, e são um factor indispensável para tornar realista e duradouro o combate à pobreza em que infelizmente vivem tantos milhões de pessoas.

É pois um dever de todos, que não se pode simplesmente e comodamente delegar em instituições, públicas ou privadas, da Igreja ou não.

Penso agora nos cristãos comuns, incluindo tanto as pessoas do Opus Dei como todos os cristãos envolvidos nalgumas das instituições eclesiais para leigos, e também a esmagadora maioria dos cristãos que não estão, nem têm de estar, ligados a nenhuma instituição e apenas têm ligação à paróquia e à diocese. Têm vidas muito cheias com trabalho, transportes, afazeres domésticos e familiares, preocupações com os filhos, o dinheiro e o futuro. Para eles a austeridade de vida é um equilíbrio que cada um há-de procurar entre desejar ter uma vida própria das pessoas do seu estado e condição de vida, sem nada escusadamente chocante, e ao mesmo tempo ter um real e exigente desprendimento das coisas que é consequência de uma real e efectiva confiança em Deus.

No Opus Dei não faltam pessoas em situação de pobreza, sobretudo neste tempo de pós-pandemia, e muitas outras que, por iniciativa própria, fazem uma acção social notável

Este equilíbrio é, em última análise, um ponto a que tem de chegar cada um por si mesmo, talvez por tentativas, e com a ajuda de Deus. Não é fácil fazer juízos certeiros de fora.

No Opus Dei não faltam pessoas em situação de pobreza, sobretudo neste tempo de pós-pandemia, e muitas outras que, por iniciativa própria, fazem uma acção social notável em projectos próprios ou em projectos já existentes, sejam ou não da Igreja.

É frequente surgirem informações polémicas sobre o património que o Opus Dei tem ou não tem em Portugal. Na sua página na Internet, o Opus Dei afirma que “não tem património em Portugal. Têm património as várias instituições que mantêm uma relação estável com o Opus Dei para garantir o mínimo suporte material para facilitar a sua ação evangelizadora”. Que instituições são?

O Opus Dei presta assistência religiosa, assumida e pública a algumas escolas, residências universitárias, centros de actividades juvenis, e por isso é natural pensar que também as respectivas instalações seriam do Opus Dei.

A realidade é que o Opus Dei, pelos seus estatutos, não é habitualmente proprietário, prefere concentrar-se nos aspectos religiosos da sua missão. É um modo de atuar em que fica claro que as entidades proprietárias do património utilizado são entidades de carácter totalmente civil, e que não dispõem de nenhum benefício que se pudesse conceder a entidades de tipo religioso.

Os donos são instituições civis, onde há sobretudo pessoas do Opus Dei, com quem o Opus Dei faz parcerias que são sempre do conhecimento público. São instituições que, na sua realidade de entidades da sociedade civil, têm autonomia em relação ao Opus Dei, e que prestam contas nos termos legais e estatutários.

Em Portugal essas entidades proprietárias dos edifícios utilizados pelas iniciativas apostólicas foram surgindo de acordo com as necessidades e possibilidades do momento, e vendo no seu conjunto, fica uma certa sensação de desordem, fruto das circunstâncias. São o Centro de Atividades Culturais do Campo Grande, a COFIC, a Cooperativa Telheiras, a Cooperativa Atalaia, a Cooperativa Almançor, a Cooperativa da Rechã, a Fundação Maria Antónia Barreiro, a Fundação Maria Beatriz Lopes da Cunha, a ISCAL.

Em qualquer caso são projectos de serviço à comunidade, são uma aposta nas pessoas, são abertos a todos, crentes ou não crentes.

É previsível que nos próximos tempos a Prelatura do Opus Dei, em Portugal, se torne proprietária da sua sede, adoptando uma solução prevista nos estatutos, e diferente da atual, que foi assumida por meras razões de ordem prática.

No boletim oficial da prelatura, “Romana”, estão publicadas as contas dos serviços centrais da Prelatura em Roma.

Estamos a dois anos da Jornada Mundial da Juventude que se realizará em Lisboa. Qual o papel que o Opus Dei vai desempenhar junto da juventude portuguesa nestes dois anos de preparação para a JMJ Lisboa 2023?

Vivemos com muito entusiasmo o anúncio, e estamos a acompanhar com atenção e disponibilidade os preparativos. A JMJ vai ser uma ótima ocasião para ajudar muitos jovens portugueses a terem nova confiança em Deus e desejarem ser tocados por Deus, e, por essa via, tornarem-se uma presença refrescante na sociedade.

A JMJ VAI AJUDAR MUITOS JOVENS PORTUGUESES A TEREM NOVA CONFIANÇA EM DEUS E TORNAREM-SE UMA PRESENÇA REFRESCANTE NA SOCIEDADE

Nos encontros de formação católica para jovens, o Opus Dei vai desafiá-los a renovarem a sua relação com Deus, a aprenderem a arte da oração, a darem a sua ajuda na organização, e a mobilizarem o máximo número de colegas, familiares e amigos a estarem presentes.

Qual a ação que o Opus Dei tem no dia a dia dirigida em especial aos jovens?

A formação para jovens é, exceto na frequência e nos modos de exposição, igual à formação para adultos, com os mesmos ingredientes: aprofundar no conhecimento da fé quanto à relação com Deus, com a Igreja, e com todas as pessoas, abrir-se a uma relação filial e confiada de tu a tu com Deus deixando sobretudo Deus agir, traduzir essa proximidade com Deus em serviço e bondade para com os outros, a partir dos mais próximos: família, amigos, colegas, conhecidos, e também em responsabilidade pela sociedade e pelos mais desfavorecidos.

Quando os jovens são menores de idade, é sempre necessário o consentimento expresso dos pais.

Qual o processo de entrada de um jovem no Opus Dei?

Como já disse, o Opus Dei é uma proposta de vida cristã, uma mensagem, aberta a todos, e essa é a sua finalidade, e por isso não é necessário pertencer ao Opus Dei para integrar a sua ação formativa e pastoral.

Além de ser uma mensagem é também uma instituição a que se podem ligar as pessoas que por motivação religiosa se identifiquem com esta mensagem.

Só se podem incorporar ao Opus Dei pessoas adultas, portanto a partir dos 18 anos. A incorporação é antecedida de uma formação prévia destinada ao conhecimento recíproco que se inicia com o pedido de admissão. Se o pedido de admissão anterior à incorporação for feito antes dos 18 anos, conta sempre com o consentimento expresso dos pais.

Exceto nesse ponto, o processo de entrada no Opus Dei é igual para todos.

Jovens ou adultos ou idosos, mulheres ou homens, que tenham essa motivação religiosa, que já tenham suficiente experiência vivida da proposta do Opus Dei, e que tenham desejo de se vincular ao Opus Dei por perceber intimamente que Deus os chama a isso, pedem para ser admitidos por carta dirigida ao Prelado.

Habitualmente visto como uma instituição conservadora, como analisa o Opus Dei o pontificado o Papa Francisco, tido como o mais progressista dos pontífices?

Os cristãos recordam bem que Jesus disse ao apóstolo Pedro, o primeiro Papa, “tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. São palavras fortes e são um compromisso firme que Jesus Cristo quis contrair e que nos dá como garantia em cada momento da história da Igreja.

Essas palavras são a fonte da segurança que permitem aos cristãos olhar sempre para o Papa com confiança, adesão, e seguimento. Cada pontificado traz consigo, além dessa segurança, um contributo próprio que é mais um passo no crescimento da Igreja.

No Papa Francisco, podemos destacar, entre outros, o retrato de Deus como bondade e ternura, rico em misericórdia; a valorização máxima das pessoas que tendemos a não valorizar, como os migrantes, os presos, os desfavorecidos, os doentes, os perseguidos, os pobres; o esforço incansável por envolver a todos na vida da Igreja; o sonho de que cada um de nós encontre na Igreja alguém que nos acolha pessoalmente, acompanhe e integre; a proposta renovada da santidade ao alcance de todos a que chama a “santidade da classe média” ou “santidade da porta ao lado”; a recuperação da confissão habitual como elemento normal da vida dos cristãos; a arte de reforçar as famílias tanto na preparação, como na celebração, nos primeiros anos, e na difícil “maratona” da vida fiel no casamento; o realismo de considerar o demónio como um ser existente que boicota de mil formas a vida pessoal, social, e eclesial; o empenho concreto por levar a cabo a reforma da Cúria, desejada já pelos seus antecessores; a continuação do combate inflexível ao flagelo dos abusos; a valorização do papel insubstituível da mulher na Igreja; a consciencialização da necessidade do cuidado da natureza como dom de Deus.

Como vê a divisão crescente na Igreja entre conservadores e progressistas, que muitos apontam como potencial geradora de um novo cisma (veja-se o que se passa na Alemanha)? Acha que o setor ultraconservador se tem tornado mais sectário durante o pontificado do Papa Francisco?

Tendo em conta que Jesus Cristo rezou especialmente na sua última ceia com os discípulos pela unidade dos seus seguidores, que deveria ser um espelho da unidade entre as três pessoas que há em Deus, é natural que sintamos tristeza e preocupação perante vários sinais de agitação e protesto, de várias proveniências, que assolam a vida da Igreja, com mais ou menos intensidade.

Disse bem o Papa: "A solução para as divisões não é opor-se a alguém, porque a discórdia gera mais discórdia. O verdadeiro remédio começa pelo pedir a Deus a paz, a reconciliação, a unidade"

Mas ao mesmo tempo é muito grande a confiança de que a Igreja poderá continuar o seu caminho, pois o Espírito Santo não a abandona e vai realizando o seu trabalho misteriosamente.

Disse bem o Papa Francisco em janeiro deste ano: “A solução para as divisões não é opor-se a alguém, porque a discórdia gera mais discórdia. O verdadeiro remédio começa pelo pedir a Deus a paz, a reconciliação, a unidade.”

Em julho, o Papa publicou um ‘motu proprio’ limitando a celebração das missas tridentinas. O Opus Dei ainda celebra a chamada “missa antiga” nalgumas ocasiões? Se sim, vai deixar de celebrar? Será esta decisão do Papa um aviso aos ultraconservadores?

Descobre-se nas medidas do Papa a preocupação, acima de qualquer outra, por manter o propósito do Concílio Vaticano II de realizar uma reforma das formas do culto em continuidade com a tradição, e o desejo de reforçar o papel dos bispos no sentido de fazerem, mais próximo da realidade, a ponderação prudente da possibilidade de se manter, por exceção, a chamada “missa antiga”, faculdade que tem sido exercida com grande largueza.

O Opus Dei não tem uma liturgia própria, e portanto seguiu sempre o que foi determinado pela Santa Sé para toda a Igreja e pelas Conferencias Episcopais para cada país. Eu fui ordenado padre em 1987 e nunca celebrei missa chamada tridentina, nem nunca assisti a nenhuma desde que em Portugal se foi implementando a reforma do Concílio Vaticano II nos anos 60.

O mais importante no rito não é o seu formalismo externo, mas é o sentido profundo da fé e do sagrado que o celebrante e o povo que participa são convidados a manter, pois, antes de mais, na liturgia queremos experimentar a presença de Deus que se revela e nos abraça, e não o protagonismo do celebrante e das pessoas.

O ambiente, os direitos das minorias, os refugiados, os direitos das mulheres, dos idosos e dos mais jovens ou o combate aos abusos de menores no seio da Igreja, têm estado na linha da frente das preocupações do Papa Francisco, a par de um caminho tendente à abertura da Igreja aos novos tempos e às novas necessidades. É um caminho sem retorno ou admite – lendo os sinais das várias sensibilidades – que o futuro pode trazer alguma reversão deste “programa”?

Naturalmente, não sei antecipar o futuro. Se olharmos para a sucessão de pontificados desde meados do século XIX nunca temos a noção de que qualquer deles, mesmo tendo sido muito diferente do anterior, tenha imposto uma rutura em relação ao anterior. Cada Papa recebe o que herda, encaminha-o por onde sente que o Espírito o conduz, e deixa-o como herança para quem o segue.

É mais como uma espécie de “corrida de estafetas” em que os atletas são diferentes e correm de maneira diferente, mas cada um dá o melhor de si, corre na mesma direção, quer fazer a melhor marca possível, e transmite um testemunho que não foi ele que fabricou ou alterou.

Por isso, não vejo que em nenhum desses pontos venha a haver reversão.

Portugal deve ter nos próximos meses legislação aprovada legalizando a morte medicamente assistida em algumas circunstâncias. Como encara o facto de Portugal ser dos primeiros países do mundo a legislar nesta matéria? É um avanço ou um retrocesso civilizacional?

Não são certamente um avanço as leis que facilitam comportamentos que atentam contra a vida e a dignidade das pessoas, e que abandonam os mais fragilizados aos arbítrios individualistas. A falta de capacidade de compaixão, no seu sentido mais profundo de “sofrer com”, e de consolação, no sentido de estar com quem está sozinho e sofre, é um sinal de perda profunda de humanidade e de solidariedade.

Por outro lado, podemos ver essas decisões como mais um sinal da perda do sentido de Deus, pois vive-se como se Ele não existisse, ou se existir não pode ser relevante, pois só nós e que temos de cuidar do mundo com as nossas forças e segundo os flutuantes consensos de um indefinível e variável pensamento dominante.

Sem Deus não é fácil acertar no critério, nem descobrir a grandeza que tem a vida e que têm os seres humanos.

devemos dar prioridade à tarefa paciente de voltar a permitir às pessoas um encontro genuíno com Deus que seja verdadeiro e transformador

Sendo, como é, necessário que todas as pessoas de boa vontade tentem dar às leis uma clara concordância com a natureza das coisas, devemos porém dar prioridade à tarefa paciente de voltar a permitir às pessoas um encontro genuíno com Deus que seja verdadeiro e transformador.

Os Censos questionaram pela primeira vez sobre religião. Em todas as estatísticas têm vindo a descer o número de católicos sistematicamente em Portugal ao longo das décadas. O resultado dos Censos poderá ser um rombo para a igreja? Espera um número baixo? Vamos ter de deixar de chamar a Portugal um país católico?

Não é assim tão importante poder chamar a um país “católico” ou não.

O que é importante é que os cristãos tenham uma fé genuína, e a vivam com alegria, e sejam uma suave presença e testemunho da bondade de Deus, mesmo no meio dos inevitáveis fracassos e insuficiências.

Os cristãos devem sentir-se sempre plenamente ao lado dos seus concidadãos, sem medo de testemunhar a fé, e sem receio de colaborar maximamente em tudo o que é bom e diz respeito a todos.

Que futuro preconiza para o Opus Dei em Portugal?

Desejo um futuro em que o Opus Dei amplie o seu serviço à Igreja através da parte da missão da Igreja que lhe é própria em cada vez mais lugares e de forma cada vez mais profunda, e que dentro da Igreja cresçamos na consciência de que todos constituímos um todo, uns e outros, com maior conhecimento mútuo e crescente estima recíproca. Neste sentido, o Sínodo sobre a sinodalidade da Igreja, isto é, sobre a essência da vida da Igreja como um caminho em comum, previsto para 2023, é um bom prenúncio.

Como vê a resposta que a Igreja Católica está a dar aos casos de pedofilia e abusos sexuais por membros do clero ou leigos que trabalham em instituições católicas? Acha que a Igreja em Portugal deveria avançar com uma comissão independente que investigue a situação, à imagem do que aconteceu em França, com os resultados recentemente conhecidos? Tem conhecimento de casos no clero do Opus Dei em Portugal?

Estamos todos cada vez mais conscientes do efeito devastador, e em grande medida, irreparável que uma experiência de abuso provoca na vítima. É um crime terrível e um pecado gravíssimo, uma enorme traição ao amor de Deus por nós e ao dom do sacerdócio, e por isso pedimos a Deus que cure e conforte as vítimas, atraia à conversão os culpados, e a todos nos ajude a ser proativamente vigilantes.

E como para a Igreja a preocupação pelas vítimas é uma cada vez maior prioridade, é bom tudo o que se faça concretamente para abrir as portas à escuta e acolhimento das pessoas que têm essas feridas profundas dentro de si, e com elas fazer o possível para o reconhecimento da verdade, a reparação dos danos, e a reconstrução de vida.

Ao mesmo tempo, é fundamental a formação de todos os que lidam com crianças e jovens em prevenção e cuidado, e considero muito relevante e uma proposta muito válida nesse sentido, por exemplo, o Projeto Cuidar que a UCP está a desenvolver.

É IMPERIOSO QUE SE APOSTE NA FORMAÇÃO DE TODOS OS QUE LIDAM COM CRIANÇAS E JOVENS EM PREVENÇÃO E CUIDADO

Em todo este assunto, como referiu Bento XVI na altura em que começou a revelar-se cada vez mais uma questão prioritária, “só a verdade salva”. Por isso, tenho a certeza de que os bispos portugueses hão-de tomar as medidas necessárias e avaliar a oportunidade da investigação sobre o passado. O reconhecimento transparente da verdade certamente ajuda à recuperação da confiança, que está neste momento ferida.

Para o Opus Dei em Portugal, está em vigor um protocolo que dá cumprimento às orientações do Papa Francisco, do Prelado do Opus Dei e da CEP para a prevenção e investigação destes casos, além de que a Prelatura só presta atendimento pastoral a iniciativas que tenham adotado procedimentos no relacionamento com menores de cuidado e prevenção. Até ao momento, em Portugal não tivemos nenhuma sinalização relativa ao clero do Opus Dei. Na secção “proteção de menores” do site do Opus Dei podem encontrar-se, além do protocolo referido, os contactos do coordenador de proteção de menores, e a composição do comité assessor, para onde agradecemos sejam de imediato comunicadas quaisquer situações de que se tenha conhecimento no âmbito das atividades da prelatura, aconselhando a que seja feita antes de mais a comunicação às autoridades civis competentes.

Quem é o padre José Rafael? Como surgiu a sua vocação? Como se caracteriza? Quais os seus interesses para lá do Opus Dei? Como é o seu dia a dia? Tem algum ‘hobby’? A música continua a fazer parte dos seus tempos livres, se os tem?

Sou um padre, com tudo o que isso implica de ser uma presença real de Jesus Cristo quando, em nome da Igreja, celebro os sacramentos, sem deixar de ser uma pessoa limitada e com muitos defeitos. Sou engenheiro civil, o que marca muito o meu serviço à Igreja e o modo de enfrentar as questões. A formação filosófica facilita uma proteção para não cair na superficialidade. Aprendi o valor da amizade na família e, sendo um ponto fulcral no espírito do Opus Dei, dentro das minhas limitações de tempo, cultivo o relacionamento com os meus amigos.

sou engenheiro civil, o que marca muito o meu serviço à Igreja e o modo de enfrentar as questões.

Abro o dia com um tempo de oração e missa. Habitualmente as manhãs são para estudo dos vários assuntos. Algumas tardes dedico-as a trabalho sacerdotal como o acompanhamento espiritual pessoal e o sacramento da confissão.

Continuo a ter interesse pela música e pela literatura, nas sobras de tempo. Ultimamente tenho-me interessado pelos “Quatro e meia”, do ponto de vista da música portuguesa, e tenho a intenção de ir lendo as obras de Sándor Márai, traduzidas para português, que ainda não li.


Esta entrevista foi a fonte de elaboração de algumas notícias nos seguintes meios de comunicação: Correio da Manhã Diário de Notícias Observador Porto Canal RTP (Notícia 1 Notícia 2) SICNotícias Visão