«Perante o 90º aniversário, dizemos a Deus: obrigado, perdão, ajuda-me mais»

No 90º aniversário da prelatura do Opus Dei, uma entrevista exclusiva com o Prelado Fernando Ocáriz. Entre outras coisas, pede perdão pelas "faltas e pecados" dos membros da Obra, divisa os horizontes de ação da prelatura e comenta o recente apelo do Papa para rezar o terço pela proteção da Igreja contra os ataques do diabo. "O grande acusador".

Mons. Fernando Ocáriz. Foto: Ismael Martínez Sánchez.

"Perdão pelas nossas faltas e pecados." Um pedido nada comum para um momento de celebração. Ao chegar aos 90 anos da fundação do Opus Dei, o Prelado Fernando Ocáriz quis reconhecer as carências dos membros da Obra, especialmente para com aqueles que dela não receberam "a generosidade e o carinho de que necessitavam". Mas, ao mesmo tempo, manifestou gratidão pelos milhares de pessoas que, nos cinco continentes e graças ao caminho proposto pela Prelatura, "desejam apaixonar-se por Cristo e ser almas de oração no meio do mundo".

Terceiro sucessor de S. Josemaria Escrivá de Balaguer, nascido em França de uma família espanhola exilada durante a Guerra Civil (1936-1939), lidera os destinos do Opus Dei desde 23 de janeiro de 2017. Nesta entrevista com o Vatican Insider e no aniversário de fundação, analisa os desafios da Prelatura, aborda questões de relevância eclesial e, comentando o apelo do Papa a todos os fiéis do mundo para rezar pela unidade da Igreja e contra os ataques do diabo, deixa claro: " Tudo o que é contrário à unidade não vem de Deus, mas do inimigo ".

Qual é o "estado de saúde" do Opus Dei, ao fazer estes 90 anos?

Agradeço a Deus por todos os católicos que, com a graça de Deus, respondem livremente, todos os dias, à vocação cristã. E entre eles, homens e mulheres do Opus Dei, ou que participam dos apostolados que a Obra realiza. As viagens pastorais que fiz neste verão à Nigéria, Argentina, Bolívia e Paraguai também me levaram a essa consideração grata, vendo tantos jovens e idosos que querem apaixonar-se por Cristo e ser almas de oração no meio do mundo;ao contemplar tantas realidades de serviço que deram frutos graças à mensagem de S. Josemaria: escolas, dispensários médicos, universidades, etc.

Ao anteriormente dito, devemos também adicionar as limitações de cada um; os obstáculos objetivos ou subjetivos que encontramos; a dificuldade, por exemplo, de realizar uma obra de evangelização em climas e ambientes complexos, às vezes de verdadeira perseguição contra os cristãos. Um aniversário é um bom momento para agradecer a Deus e, ao mesmo tempo, pedir perdão pelas nossas faltas e pecados. Penso, por exemplo, em pessoas que estiveram em contacto com o trabalho do Opus Dei e a quem não pudemos atender com a generosidade e o carinho que precisavam. O 90º aniversário leva-nos a dizer a Deus, como costumava fazer o beato Álvaro del Portillo : "Obrigado, perdão, ajuda-me mais".

Como é guiar o Opus Dei nos tempos do Papa Francisco?

S. Josemaria costumava repetir em latim: Omnes cum Petro ad Iesum per Mariam. Isto é, "todos, com Pedro, a Jesus por Maria". União com Pedro, em cada época, é um caminho necessário para os católicos. Agora o Papa convida todos a pôr-nos em saída, evitando os conformismos que retardam o dinamismo evangelizador de que o mundo precisa. O Santo Padre disse-me que queria que o Opus Dei divulgasse a mensagem do Evangelho na periferia que atualmente é a classe média da sociedade, naqueles ambientes onde, às vezes, Deus não tem lugar e cresce a pobreza de valores e ideais.

Nesse sentido, é urgente que levemos mais a alegria do Evangelho à família e aos jovens; áreas de evangelização que o passado Congresso Geral do Opus Dei identificou como prioritárias. Seguindo o desejo do Papa para a Igreja, também na Prelatura nos esforçamos por ajudar os noivos e os casais a manifestar a beleza do amor autêntico, e acompanhamos os jovens a descobrir a sua missão no mundo.

Passaram cinco anos desde a eleição do Papa Francisco, que ressalta especialmente deste tempo?

Entre muitas outras coisas, o seu convite para a proclamação do Evangelho através do que ele chamou uma vez de "a santidade da porta ao lado": cumprir o próprio dever - rezar, trabalhar, levar a casa adiante, cuidar da família, descansar - com o entusiasmo de que essas tarefas, mesmo no meio de dificuldades e sofrimentos, são o caminho do encontro com Deus e do serviço aos outros. A Igreja é o grupo de todos os batizados, cada um é protagonista da evangelização.

Também sublinharia a sua insistência no perdão e misericórdia de Deus, que teve um ponto alto no Jubileu da Misericórdia. É uma lembrança constante do amor de Deus por todos os homens, que percebemos de maneira evidente no sacramento da reconciliação. Nenhum homem ou mulher, não importa que misérias tenham, pode desesperar do perdão de Deus: há sempre um caminho de voltar para Ele. Por outro lado, a proximidade do Papa Francisco com as pessoas mais vulneráveis apela a todos os cristãos a fomentar essa "cultura do encontro" tão evangélica.

Há poucos dias o Papa convidou todos os fiéis do mundo a rezar contra os ataques do diabo, que sempre procura quebrar a unidade da Igreja, como recebeu este apelo?

A primeira reação que tive foi de alegria, porque um convite do Papa para rezar por uma intenção tão importante, dá-nos ímpeto e esperança pela fé que o Papa tem na oração. Por outro lado, entristece-nos porque responde a uma situação difícil. É consistente com o tema da unidade. Tudo o que é contrário à unidade não vem de Deus, mas do inimigo. Também pede para rezar a S. Miguel.

A unidade é uma condição de vida, também porque, para a Igreja, não só por teologia, mas também por fé, o Papa é o princípio visível da unidade; o peso da unidade recai sobre o Papa e é por isso que nos pede que o ajudemos com a oração, não apenas agora, mas sempre. Sempre que termina uma carta, pede: "Reza por mim". Vê-se que não é uma frase bonita e piedosa, mas que acredita na oração e pede oração, por isso todos temos a obrigação "feliz" de apoiar o Papa com a oração, especialmente neste momento difícil. Devemos sempre rezar pelo Papa, mas quanto mais difíceis são as situações, mais risco existe contra a unidade, mais razão para estar com o Papa e a unidade da Igreja.

Com este gesto, o Papa pede que em vez de angustiar-se ou indignar-se com os problemas é necessário voltar à essência?

Vincular a figura do Papa à unidade não é apenas bom, é essencial. O Papa é um princípio visível de unidade, fé e comunhão. Insisto, é motivo de alegria, mas também de tristeza, pelas dificuldades atuais.

Desde há muitos anos, que o Opus Dei está presente em países como a China e a Rússia, os mesmos que o Papa colocou entre as suas prioridades. Ainda são países "tabu" para a Igreja?

No caso da Rússia, a presença da Igreja Católica é estimada e conhecida pela hierarquia ortodoxa, e há um desejo de colaboração fraterna, que se acentuou após a reunião do Papa com o Patriarca de Moscovo em 2016. Há muitos desafios espirituais e culturais comuns aos católicos e ortodoxos, e nos quais os fiéis do Opus Dei que vivem na Rússia trabalham em conjunto com outros cristãos:promoção da família,respeito pela vida,ajuda aos necessitados, animar os jovens a não terem medo de ir contra a corrente, apoiar os cristãos perseguidos em várias partes do mundo, etc.

E no caso da China, que caminhos poderiam os cristãos percorrer nesses lugares?

No que diz respeito à China, os novos acordos implicam necessariamente novos desafios, como o Papa explicou. A Igreja na China deseja viver a sua fé e continuar o trabalho de evangelização e os poucos fiéis da Obra que trabalham neste grande país desejam contribuir como mais um, aprendendo com os outros católicos e contribuindo com a mensagem da santificação da vida quotidiana.

Depois das crises mediáticas que o Opus Dei teve de enfrentar há anos, como o "Código Da Vinci", considera que a natureza da Prelatura já foi suficientemente explicada?

Parece-me que, em grande parte, são perceções do passado, bastante comuns quando surge uma nova realidade na Igreja. No caso do Opus Dei, por exemplo, tem sido difícil explicar a autonomia dos seus membros que, por serem leigos como a maioria dos fiéis da Igreja, gozam da mesma liberdade nas suas decisões vitais, profissionais, intelectuais e políticas, sem que os seus pontos de vista ou ações representem a Prelatura, como acontece com os fiéis de qualquer outra circunscrição eclesial: dioceses, ordinariatos , etc. Ao aproximar-se dos seus cem anos de vida, há muitas pessoas que conheceram diretamente o Opus Dei, não só pelas difamações, e que puderam fazer um verdadeiro juízo da realidade.

Ainda existem pessoas que a consideram um grupo fechado e sectário?

Por outro lado, não é de estranhar se, de vez em quando, surjam fenómenos pseudo-literários ou de ficção como o que menciona. Parece-me que às vezes não há outro remédio a não ser responder a esses acontecimentos com um sorriso e trabalhar pacientemente para que a verdade surja. A caricatura do Opus Dei estava tão longe da realidade que era quase cómica. Considerando tudo isso com a perspetiva de anos, posso dizer que talvez tenha servido para acumular experiência em como dar-se a conhecer melhor, com um público muito mais amplo do que o habitual. E neste sentido, agradeço a Deus pelos milhares de pessoas que vieram à Igreja através desta aparente contradição. Do ponto de vista da fé, a crítica e a oposição sempre estimularam os cristãos a um maior espírito de oração, humildade e desejo de compartilhar com os outros a alegria de uma vida segundo o Evangelho.

Como vê o futuro do Opus Dei?

O meu desejo para o futuro é que, fiéis ao carisma de S. Josemaria, todos nós, no Opus Dei, sejamos guiados pelo Espírito Santo para um renovado impulso evangelizador. Trata-se de levar o calor de Jesus Cristo a muitos amigos, parentes, colegas, vizinhos, conhecidos. A essência desse impulso evangelizador não é lançar novas atividades ou instituições como as já existentes, que são em si mesmas algo muito bom e positivo, mas promover a amizade pessoal, a abertura a todos e o espírito de serviço, atitudes profundamente evangélicas que são fundamentais para o apostolado cristão e que, ao mesmo tempo, são compatíveis com os defeitos e fraquezas que todos temos.

Que desafios adverte no horizonte?

Os desafios são muito variados. Nos países minoritários cristãos, como a Indonésia ou o Sri Lanka (para mencionar dois dos últimos em que se iniciou o trabalho estável da Prelatura), é importante manter a confiança no Senhor e ter muita fé: o compromisso cristão dos fiéis do Opus Dei e em geral dos católicos é uma pequena semente, cujos frutos crescem pouco a pouco, com a graça de Deus. Noutros países de tradição cristã, talvez o principal desafio seja viver o Evangelho com alegria e autenticidade, sem imitar uma sociedade que muitas vezes coloca em primeiro lugar os fatores materiais ou económicos.

Outro desafio óbvio, comum a toda a Igreja, é a substituição de gerações. Todos os anos morrem cerca de mil fiéis da Prelatura, pessoas que, para dizer de algum modo, completaram o seu percurso: juntamente com a dor vivenciada perante cada uma destas separações humanas, são uma grande força espiritual e um apoio para o trabalho de evangelização da Igreja no mundo.

Andrés Beltramo Álvarez

Vatican Insider