O 5 de fevereiro de 1946 em primeira pessoa (áudio inédito)

A 5 de fevereiro de 1946, chegou a Portugal, enviado pelo fundador do Opus Dei, o farmacêutico Francisco Martínez. Reproduzimos o texto e áudio do seu testemunho.

Francisco Martinez Garcia nasceu em Lorqui (Murcia) a 13 de fevereiro de 1921. Foi residente na residência de Jenner e depois viveu em Moncloa. Pediu a admissão no Opus Dei como numerário a 14 de dezembro de 1943. Estudou Farmácia e fez o doutoramento na Universidade de Madrid. Foi a primeira pessoa da Obra a vir viver para Portugal, em 5 de fevereiro de 1946, dando início ao trabalho apostólico no nosso país.

Muito tempo mais tarde, a pedido do Padre Seabra Lopes, respondeu oralmente a umas perguntas sobre esses primeiros tempos, e as respostas que deu ficaram gravadas. Temos assim um relato em primeira pessoa, que é um excelente documento histórico, do qual damos uma ideia seguidamente. O texto aqui escrito, retirado de excertos dessa gravação, não é exatamente fiel: foi polido, a partir dos ficheiros de áudio que também se apresentam.

Foi em agosto de 1945, em Molinoviejo, que o Padre me perguntou se eu queria vir para Portugal começar o trabalho da Obra, de que já nos tinha falado durante o ano letivo que acabara em junho desse mesmo ano de 1945. Eu respondi-lhe que efetivamente queria vir. O padre ficou muito satisfeito e disse-me que fosse preparando a minha família, para que soubessem que eu ia sair do país.

Passados dois dias disse-nos numa tertúlia que já tinha resolvido que íamos a Itália e também a Portugal.

Fui para Coimbra, e não para outra cidade, porque o senhor Bispo de Coimbra nessa altura, o senhor D. António Antunes, tinha grande carinho e admiração pela Obra e também pelo Padre.

Tinha dito ao Padre que gostaria que fôssemos lá para Coimbra. Acho que o motivo principal foi esse. Durante o ano letivo o Padre pediu-nos que rezássemos, porque não sabia se devíamos começar por ir a Portugal ou a Itália. Passados dois dias disse-nos numa tertúlia que já tinha resolvido que íamos a Itália e também a Portugal.

Antes disso, em 1944, durante 3 meses do verão, estiveram em Coimbra Laureano, Ángel Lopez Amo e Ignácio, todos eles a ampliar estudos: a preparar os seus doutoramentos ou os concursos para catedráticos.

Entrei pela fronteira de Tuy e Valença do Minho. Quando o Padre verificou que, dos quatro que estávamos para vir para Portugal, apenas eu tinha já os documentos em ordem, perguntou-me se não queria começar eu por vir. Eu já tinha pensado em sugerir isso mesmo ao Padre…

Apanhei um comboio às 2h da tarde em Valença e cheguei a Coimbra às 20h

Cheguei a Coimbra por volta das oito da noite. Dirigi-me ao hotel Avenida. fiquei pouco tempo porque a bolsa de estudo não dava para viver num hotel

Apanhei um comboio por volta das 2h da tarde em Valença do Minho (...). Cheguei a Coimbra por volta das oito e tal da noite. Dirigi-me ao hotel Avenida, indicado pelos que tinham estado cá primeiro como um local adequado.

Mas fiquei lá durante pouco tempo, porque verifiquei que a bolsa de estudo que eu tinha não dava muito bem para viver no hotel. Passei para uma pensão na "alta".

A pensão onde fui viver na “alta” de Coimbra era a Pensão Doméstica. Estava na casa que pertencia a Bissaya Barreto, que tinha um consultório no rés-do-chão. Foi a última casa que deitaram abaixo quando houve obras na cidade universitária. E uma recordação especial do Padre que lhe escreveu.

O Padre tinha previsto as coisas de maneira a que eu tivesse facilidade nos primeiros passos, de tal modo que, no dia seguinte a eu chegar, Laureano chegou também a Coimbra, vindo de Lisboa.

Tinha sido convidado para dar uma conferência na faculdade de direito de Lisboa. Foi com ele que fiz os primeiros contactos com pessoas, já que ele conhecia muita gente em Coimbra.

Como não podia deixar de ser, fomos visitar o senhor Bispo, D. António Antunes, que ficou muito contente.

Como não podia deixar de ser, fomos visitar o senhor Bispo, D. António Antunes, que ficou muito contente. Ele já conhecia Laureano, julgo eu, e ficou a saber que pela primeira vez ficaria a viver em Coimbra uma pessoa da Obra, que era eu, e que posteriormente viriam outros.

Foi muito carinhoso e falou-nos logo de um estudante universitário [Mário Pacheco] que poderia vir a ser o "primeiro candidato".

Como se encontrou a casa de Montes Claros? Um dia, cerca de 2 meses depois de eu chegar, após chegarem os outros, andávamos a dar voltas de carro pela cidade, com um amigo que Laureano nos apresentara, procurando uma casa, e encontrámos essa; ficámos com os dados do senhorio e começámos os contactos para a arrendar.

Íamos comer a um desses restaurantes típicos de Coimbra, próprios para estudantes, chamado "A Julinha".

Julgo que começámos a pagar a renda em junho de 1946, mas era preciso fazer umas obras, e só fomos viver para lá em julho de 1946.

Mas inicialmente apenas dormíamos lá, porque não tínhamos ainda tudo o que era necessário. Dormíamos nas águas furtadas. Íamos comer a um desses restaurantes típicos de Coimbra, próprios para estudantes, chamado "A Julinha".

O Santíssimo ficou reservado no dia 17 de dezembro desse mesmo ano de 1946. O senhor Bispo quis ir celebrar a primeira missa, muito cedo. Era uma manhã muito fria em que faltou a luz. Aqueles aquecedores antigos, que ainda davam algum aquecimento, não funcionaram.

O Santíssimo ficou reservado no dia 17 de dezembro desse mesmo ano de 1946. O senhor Bispo quis ir celebrar a primeira missa, muito cedo.

Conheci o Mário [Pacheco] quando o senhor Bispo me apresentou o padre Póvoa, que depois me deu a direção do Mário. Fui procurá-lo à casa onde estava hospedado.

Estive em Coimbra desde 1946 até ao verão de 1954. Mas houve um interregno entre 1 de março de 1948 e a primeira quinzena de outubro desse mesmo ano - porque estava para ir viver para o Porto.

Entretanto, fui convidado para assistente na universidade de Coimbra, e o nosso Padre achou melhor que eu ficasse a viver em Coimbra. Durante esse interregno, passava metade da semana no Porto e metade da semana em Coimbra, pelo que considero que nunca deixei Coimbra.

Em outubro desse ano o Padre veio ao Porto e ainda não tínhamos a casa instalada. Tivemos de pedir emprestadas umas cadeiras...

Em março de 1948 cheguei ao Porto, e pouco depois chegou o Tomás, e tratámos de alugar a casa; e a partir da pensão da Rua do Rosário começámos a contactar pessoas. Foi assim que conhecemos o Hugo [de Azevedo] e alguns outros. Em outubro desse ano o Padre veio ao Porto e ainda não tínhamos a casa instalada. Tivemos de pedir emprestadas umas cadeiras...


Paco Martinez viveu em Lisboa entre 1954 e 1956, altura em que voltou para o Porto. Mais tarde voltaria a Lisboa e ali viveria bastantes anos.

Em 1975 regressou a Espanha e dirigiu o laboratório do Colégio Oficial de Farmacêuticos de Alicante. Faleceu em Alicante a 10 de maio de 1991.

Para quem o conheceu pessoalmente, será com certeza emocionante ouvir aqui a gravação da sua voz e recordar desta forma alguns episódios dos primeiros tempos da Obra em Portugal. Quem não o conheceu também não deixará de ouvir com agrado este relato simples, vindo de uma pessoa a quem todos devemos tanto.