Pôr o tempo a render e ajudar 10.000 famílias portuguesas

Joaquim estuda na Universidade Nova em Lisboa e é voluntário na Rede de Emergência Alimentar. Desde março, já atendeu 10.000 pedidos de ajuda, que reencaminhou para instituições em todo o país. Confessa que “entrar de “para-quedas” nesta realidade foi muito estimulante e exigente” e que embora dê “muito trabalho, é muito recompensador”.

Participo nas atividades de formação cristã para estudantes universitários na Residência Montes Claros em Lisboa. Quando a população portuguesa iniciou este (longo e difícil) período de quarentena, em conversa com alguns amigos e familiares próximos discutia esta necessidade de pormos os nossos conhecimentos, capacidades, disponibilidade ou simplesmente vontade de ajudar em prole daqueles que nos rodeiam.

Contudo este voluntarismo tende a cair muitas vezes, em simples devaneios e planos ou até em iniciativas meritórias, mas distantes do esforço comum por estarem desfasadas da realidade. Este desfasamento pode levar a uma criação de obstáculos ao bom funcionamento e abrangência de instituições e projetos já existentes que possuem o “know-how” suficiente para lidar com situações limite como esta de uma forma orquestrada e eficiente.

Apesar deste aparente beco sem saída (...) decidi, em conjunto com um amigo e colega, inscrever-me como voluntário na “Rede de Emergência Alimentar” criada nesta altura pelo Banco Alimentar.

Apesar deste aparente beco sem saída e de sentir que não havia papel para que simples civis com vontade de ajudar dessem o seu contributo neste estado de guerra decidi, em conjunto com um amigo e colega, inscrever-me como voluntário na “Rede de Emergência Alimentar” criada nesta altura pelo Banco Alimentar.

A Rede de Emergência Alimentar é uma resposta limitada às famílias mais carenciadas até estar ultrapassada a emergência que o país vive

Como o General Ramalho Eanes explicava de forma muito clara na entrevista concedida à RTP no passado dia 1 de Abril existem 2 linhas de ação na batalha contra a difusão da pandemia que atravessamos. O mesmo se pode dizer relativamente à batalha contra outra catástrofe que neste momento afeta um grande número de famílias em Portugal e no mundo- veja-se as filas de quilómetros nos bancos alimentares nos EUA: a Fome.

A primeira linha, montada pelo Estado, não consegue, naturalmente, chegar a todos os que necessitam de ajuda. Os despedimentos são muitos, os trabalhadores que trabalhavam por conta própria e que se encontram agora sem qualquer meio de sustento são inúmeros, assim como os que subsistiam graças à ajuda de instituições de solidariedade social que, por falta de meios ou pessoas, fecharam as suas portas.

A ideia parece bastante simples, mas na verdade é complexa e revelou-se desafiante para aqueles que a ajudaram a montar: criar uma plataforma com todas as instituições de solidariedade social abertas no país

O Banco Alimentar percebeu que a situação rapidamente se tornaria insustentável e decidiu criar esta segunda linha de intervenção, a “Rede de Emergência Alimentar” a juntar à ajuda regular a mais de 400 mil pessoas. A ideia parece bastante simples, mas na verdade é complexa e revelou-se desafiante para aqueles que a ajudaram a montar: criar uma plataforma com todas as instituições de solidariedade social abertas no país e onde todas as pessoas que necessitam de apoio alimentar adicional neste tempo se registam. Deste modo, criou-se uma rede a nível nacional que liga famílias carenciadas a instituições apoiadas pelo Banco Alimentar ou outras que se queiram juntar a este esforço.

Os resultados após duas semanas de trabalho são impressionantes e falam por si: mais de 10000 pedidos de ajuda por parte de famílias dos quais mais de 65% já foram encaminhados para instituições, mais de 1000 instituições mapeadas e registadas e cerca de 60% dos municípios do país com instituições representadas na rede.

Outra das nossas missões foi mapear e registar 1000 instituições que cobrem 60% dos municípios do país.

Como seria de esperar, estas mesmas instituições não têm recursos nem estrutura para ajudar famílias extra por um período de tempo que se prevê longo. Assim, o Banco Alimentar para além de estabelecer esta importante ligação entre pessoas carenciadas e instituições, tem de servir de fornecedor de bens alimentares para a maioria dos casos e por vezes até de bolsa de voluntários para garantir a distribuição desses mesmos recursos alimentares.

Perceber como me encaixar numa estrutura em construção e elaborar um projeto de otimização de tarefas e processos, com base em tudo o que aprendi ao longo de 5 anos de estudo e trabalho (...) tem sido fascinante.

O desafio é enorme e entrar de “para-quedas” nesta realidade foi muito estimulante e exigente. Perceber como me encaixar numa estrutura em construção e elaborar um projeto de otimização de tarefas e processos, com base em tudo o que aprendi ao longo de 5 anos de estudo e trabalho, e ao mesmo tempo ter a oportunidade de aprender tanto num tão curto espaço de tempo com pessoas tão dedicadas a esta causa tem sido fascinante.

Em tempos de mudança estrutural sobre a forma como a sociedade está construída, o medo e a incerteza tendem a paralisar tudo e todos, as palavras de Roosevelt em 1933 após a grande Depressão de 1929 assentam perfeitamente naquilo que se verifica nos dias de hoje: “Let me assert my firm belief that the only thing we have to fear is…fear itself — nameless, unreasoning, unjustified terror which paralyzes needed efforts to convert retreat into advance” em português (deixem me partilhar a minha firme convicção que a única coisa a temer é o medo ele mesmo, sem nome, irracional, terror injustificado que paralisa os esforços necessários que permitam converter a retirada em avanço).

É minha firme convicção que o trabalho desenvolvido pela Rede de Emergência Alimentar está a ser um mecanismo fundamental para garantir a sobrevivência de milhares de portugueses e portuguesas e que vai de encontro aquilo que o Papa Francisco mencionou na sua homilia no passado dia 27 de Março sobre o sentimento de pertença a esta comunidade que é a humanidade: “Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso «eu» sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos”.

Joaquim (à esquerda, de camisola verde) representou o continente europeu na celebração de boas-vindas ao Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude no Panamá (2019). Foto: EPA.

Um claro desafio para a sustentabilidade deste projeto são os donativos de individuais e empresas que queiram apoiar esta rede coordenada e integrada de apoio aos mais carenciados, e que poderá ser feito através do site da mesma.

Ter tido a ousadia de arregaçar as mangas pondo os meus (ainda verdes) talentos a render em prole do meu próximo trouxe-me uma das experiências mais enriquecedoras, gratificantes e impactantes da minha vida.

Rede de Emergência Alimentar: ajudar não pode parar.
Para mais informações e poder inscrever-se como voluntário
https://rededeemergenciaalimentar.bancoalimentar.pt/
rede.emergencia.alimentar@bancoalimentar.pt

Fonte: Observador


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