Nos Pirenéus: ou todos ou nenhum

Em finais de 1937, S. Josemaria e alguns dos primeiros membros do Opus Dei e amigos atravessaram os Pirenéus para passarem à chamada zona nacional, onde era mais fácil que S. Josemaria pudesse continuar o seu trabalho sacerdotal. Durante esta travessia, houve momentos particularmente arriscados e difíceis. O historiador José Carlos Martín de la Hoz relata um deles.

🎙 Link para os restantes artigos da série: “Fragmentos de história, um podcast sobre o Opus Dei e a vida de S. Josemaria


Entre os episódios da Guerra Civil Espanhola relacionados com a história do Opus Dei, há um acontecimento que se costuma designar “a travessia dos Pirenéus” ou a passagem dos Pirenéus, que consiste na deslocação do Fundador do Opus Dei, S. Josemaria, e de um grupo de filhos seus, concretamente nos últimos dias do mês de novembro e princípio de dezembro (2-3) do ano de 1937.

Este episódio geral da deslocação da chamada “zona republicana” para a “zona nacional” tinha um único objetivo: recuperar a liberdade de movimentos e que S. Josemaria, como sacerdote e Fundador do Opus Dei, pudesse realizar um trabalho pastoral sem entraves.

É interessante porque nessa história geral da Guerra Civil ou dentro da história geral do Opus Dei, há muitas pequenas micro-histórias que se poderiam narrar, factos sobrenaturais e factos humanos que se vão entrelaçando, porque o Opus Dei é divino e é humano.

Queria referir-me agora a um facto muito concreto que acontece dentro dessa história da travessia dos Pirenéus, e é todo o tempo utilizado por Juan Jiménez Vargas, que é médico, braço direito do Fundador do Opus Dei, pela sua maturidade humana e sobrenatural. Ele, como médico e especialista em Fisiologia, dirigiu a preparação daquele grupo para que pudesse realizar a travessia.

Este facto, o da preparação física e da preparação anímica do Fundador e daquele grupo de jovens que o rodeavam, no contexto da história que vamos narrar, ajudar-nos-á a compreender por que razão se dedica tanto tempo a essa preparação. Aquele grupo de expedicionários vai chegar a Barcelona no final de setembro de 1937 e só às seis e meia da tarde do dia 27 de novembro começa a travessia de cinco dias que os vai levar a Andorra, através das montanhas dos Pirenéus e, a partir daí, à outra zona de Espanha, que tinha ficado dividida em duas durante a Guerra Civil.

A preparação para a passagem dos Pirenéus

É interessante estudar o porquê dessas semanas de espera. Juan Jiménez Vargas era um especialista em Fisiologia (de facto, estava a preparar a sua tese de doutoramento sobre esse tema) e em 1942, pouco depois de terminar a Guerra Civil, obterá a cátedra de Fisiologia na Universidade de Barcelona. Foi precisamente sobre isso que se debruçou, sobre a capacidade do ser humano para enfrentar riscos, para enfrentar aventuras de esforço. Juan vai conduzir o grupo pelas ruas de Barcelona, evitando os postos de controlo a que os milicianos submetiam os viandantes, para que, através dessas caminhadas, se possam ir preparando. S. Josemaria vinha realizando essa travessia desde a Legação das Honduras, onde tinha estado refugiado de março a setembro de 1937, em condições muito precárias, tanto de alimentação como de arejamento, porque tinha estado fechado num quarto com outro pequeno grupo, salvando a vida milagrosamente mas, em todo o caso, encerrado. Tempo, portanto, para caminhar, tempo para aprender, tempo para recuperar, para subir encostas, para fazer esforços, para superar obstáculos, para recuperar equilíbrio e também tempo para se alimentar. Porque a alimentação que, tanto S. Josemaria como os outros tinham conseguido no período prévio, não era a mais adequada. Tinha obviamente carência de vitaminas e de muitos elementos que temos habitualmente na vida corrente. Precisamente devido à situação precária da guerra, tudo isso tinha diminuído.

Geralmente planeia-se o tempo que se leva a contactar com os guias que vão levar a cabo a expedição e o tempo que demoram a tomar a decisão de enfrentar a travessia.

Quando se faz uma visualização desses vídeos elaborados sobre a travessia dos Pirenéus, quando se observam os mapas, as mudanças de cota, de altitude, os vaivéns do trajeto que foram seguindo em ziguezague, então começa-se a entender por que é que Juan leva tanto tempo a dar luz verde para começar a travessia e por que é que aqueles guias demoram tanto tempo a dar luz verde aos membros da expedição. Ou seja, de ambos os lados há uma dúvida real e fundamentada sobre a capacidade de se poder levar a cabo semelhante aventura. Há que ter em conta que toda essa zona da fronteira está fortemente vigiada e, portanto, em qualquer caso, a situação não é fácil nem as relações são normais e simples. Tudo é feito através de terceiros.

Começa a travessia para a liberdade

Vamos centrar-nos já no momento da travessia. Estamos no dia 27 de novembro, são seis e meia da tarde e aparece finalmente o guia nos montes de Rialp, uns dias depois de se terem instalado. Estamos num clima de pré-inverno. De facto, ao longo dos cinco dias que durará a travessia, um deles começará com uma pequena queda de neve. E sabemos que no dia 3 caiu, em Andorra, um forte nevão que os manteve ali bloqueados durante quase dez dias. Portanto, o clima é de pré-inverno.

Quando nessa tarde aparece o guia e dá as instruções ao grupo que vai realizar a travessia – S. Josemaria, aquele grupo de estudantes universitários que o rodeavam, de profissionais e outros grupos que se foram juntando porque a expedição é bastante extensa –, totaliza quase 40 pessoas. As instruções dadas pelo guia são três, muito precisas. Em primeiro lugar, caminharão de noite durante dez, doze horas diárias, noturnas; descansarão durante o dia em lugares previamente marcados pelo guia da sua confiança. Em segundo lugar, caminharão em fila indiana. E, em terceiro lugar, se alguém adoecer deve ser abandonado no caminho. Porquê? Porque poderia pôr em risco o êxito dos restantes que vão fazer a travessia.

As condições são extremamente difíceis e a expedição arranca. O primeiro a sucumbir é Tomás Alvira, na primeira das caminhadas; comprova-se, de facto, que o treino, que a capacidade de alimentação e de recuperação não foram adequados e, por isso, cai no caminho, completamente exaurido.

O guia continua a dar a instrução, contundente, e S. Josemaria intervém com a autoridade moral de ser sacerdote e a pessoa mais velha da expedição. E diz-lhe: “Não! O Tomás vem connosco!”. Ante essa segurança e essa força, todos puxam o Tomás para cima e, quase em bolandas, conseguem que termine a jornada.

No segundo dia quem sucumbe é o professor Albareda, José María Albareda, que é catedrático em Farmácia de Edafologia e, portanto, teoricamente o mais bem preparado de todos, posto que era um homem que se dedicava ao estudo do solo e era especialista em grandes caminhadas pela montanha, pelas zonas escarpadas de preparação de solos, etc. Mas, indubitavelmente, tantos meses de guerra, de conflito, de falta de alimento, fizeram com que no segundo dia ficasse como que atordoado, como louco. Finalmente, em conjunto, conseguem levantá-lo e levá-lo.

O Opus Dei, um pouco de fermento

Na madrugada de 2 de dezembro, ou seja, já estamos no quinto dia, o último – poucas horas depois chegarão a Andorra e chegarão à liberdade –, quem sucumbe é S. Josemaria. Numa dessas paragens que fizeram no caminho, já quase de madrugada, quando se sentam, S. Josemaria treme sem parar. Todo o seu corpo treme. Caiu no que se chama hipotermia. Uma situação em que a temperatura desceu tanto, a exaustão é tão total que se encontra num estado de pré-morte.

Juan Jiménez Vargas tomou uma decisão contundente: todos em cima dele. Quando todos se amontoam sobre ele e, assim, conseguem dar-lhe o calor de que necessita e conseguem recuperá-lo, estão a mostrar de uma forma muito gráfica que verdadeiramente o Opus Dei nesse momento é uma pequena levedura e que, graças ao calor da fraternidade, ao calor da caridade cristã, conseguiram salvar o Fundador. E essa pequena semente frutificará no Opus Dei ao longo dos anos, dos séculos, até ao final da História.

José Carlos Martín de la Hoz