Áudio do Prelado: “Suportar com paciência os defeitos do próximo”

«Seguindo os passos de Cristo – explica D. Javier Echevarría no podcast de outubro – não nos afastemos face aos defeitos do próximo e, sem vitimizações, compreendamos que não se trata de “o suportar”, mas de o acolher com humildade».

Mais podcasts do Prelado do Opus Dei sobre as obras de misericórdia

1. Introdução: As Obras de Misericórdia ( Dez 2015)

2. Visitar e cuidar dos doentes (Jan de 2016)

3. Dar de comer a quem tem fome e dar de beber a quem tem sede (Fev 2016)

4. Vestir os nus e visitar os presos (Mar 2016)

5. Dar pousada ao peregrino (Abril 2016)

6. Dar sepultura aos defuntos (Maio 2016)

7. Ensinar os ignorantes” e “dar bom conselho (Junho 2016)

8. Corrigir os que erram (Julho 2016)

9. Perdoar ao que nos ofende (Agosto 2016)

10. Consolar os tristes (Setembro 2016)

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Ao longo deste ano, estamos a procurar que a misericórdia de Deus deixe uma marca na nossa vida interior e se traduza em obras. Como dizia São Josemaría, é nas situações correntes onde se forja o ambiente mais adequado para tornar presente essa bondade de Deus: ou O encontramos aí ou não O encontraremos nunca.

Assim, a convivência com os outros e o local de trabalho ou familiar transformam-se em ocasiões para nos identificarmos com Ele e, com essa alavanca do amor, elevar o mundo para Deus. Neste sentido, será muito oportuno que examinemos como vivemos a obra de misericórdia que nos dispomos a considerar este mês: suportar e amar com paciência os defeitos do próximo.

Amor e sofrimento são duas realidades dificilmente separáveis. Quem não sofreu por amor a um cônjuge, a um filho ou a um amigo? Por vezes, esta singular combinação pode ser um mistério, mas Jesus, a partir da Cruz, demonstra-nos que foi esse o caminho percorrido pelo próprio Deus. Conscientes de que o Senhor sabe mais, quando nos enfrentemos com este mistério no meio do quotidiano, olhemos para a Cruz que será fonte de paz.

El fundador do Opus Dei aconselhava sempre que levássemos um crucifixo no bolso ou que o colocássemos em cima da nossa mesa de trabalho, junto à fotografia das pessoas queridas. Dessa maneira – beijando-o ou dirigindo umas palavras ao Crucificado – será mais fácil aceitar as contrariedades do dia, fazer frente às nossas derrotas sem desanimarmos ou superar os inevitáveis desencontros com os outros. São Josemaría acrescentava que não há que suportar o próximo, mas amá-lo para percorrer com ele o seu caminho quotidiano.

Perder o medo à cruz, amá-la, abraçá-la sem temor quando chega nas situações comuns ou de maneira extraordinária, dilatar-nos-á o coração e, assim, acolheremos os outros quando mais o necessitem. Prepar-nos-emos deste modo para nos apresentarmos diante desse Deus que nos compreende e nos aguarda no Céu, disposto a derramar às mãos cheias o seu amor infinito sobre a nossa pobre alma.

São Paulo descrevia com estas palavras as caraterísticas de um amor purificado: “O amor é paciente, é bondoso. O amor não é invejoso, nem arrogante, nem orgulhoso. Não é ambicioso, não é egoísta, não se irrita, não guarda rancor...”.

Amigos e amigas, se desejamos seriamente o bem dos outros, compreenderemos que diante do irmão débil não há espaço para as pressas, as críticas ou a impaciência. Embora talvez pretendamos moldar o próximo ao nosso gosto, e com facilidade nos pode irritar a sua persistência nos mesmos defeitos, não é verdade que Deus teve e tem mais paciência connosco?

Durante a transfiguração, enquanto o Senhor se alegrava com o Pai e o Espírito Santo, os nove discípulos que o aguardavam ao pé da montanha, tentavam em vão curar um rapaz lunático. A sua falta de fé tornava-os incapazes de aliviar o rapaz, que se atirava à água e ao fogo para se magoar. Jesus Cristo, informado do fracasso dos seus discípulos, reagiu com uma certa nota de desencanto, e que talvez reconheçamos a nossa própria desilusão ou distanciamento diante dos defeitos dos outros. “Até quando estarei convosco? – exclamou o Redentor. Até quando terei que vos suportar?”.

No entanto, como Jesus tinha vindo à Terra para redimir os homens, com grande paciência para com todos, curou o rapaz e explicou aos seus discípulos a origem de seu fracasso: “Se tivésseis fé – disse-lhes – (...) nada vos seria impossível”. O amor profundo do Senhor pelos homens – por ti, por mim – é a força que O move a resgatar-nos, a oferecer-nos o seu perdão uma e outra vez, a considerar em nós a dignidade de filhos de Deus – que Ele nos ganhou – e que está oculta sob a capa das nossas misérias.

Seguindo os passos de Cristo, não nos afastemos perante os defeitos do próximo e, sem vitimizações, compreendamos que não se trata de “o suportar”, mas de o acolher com humildade. Olhemos para os outros com os olhos benignos com que Deus os olha e nos olha a nós, não com os nossos. Se com facilidade nos aparece a crítica interna ou pensamos que somos incapazes de ultrapassar por mais tempo o caráter desta ou daquela pessoa, cuidemos melhor do nosso exame de consciência pessoal. Quem não se conhece bem, quem não procura a humildade, tende a ser intransigente com os outros. Sobre isto, Santo Agostinho escreveu que “é melhor um pecador humilde do que um santarrão soberbo”.

Recordo que São Josemaría costumava recolher-se uns minutos diante do Sacrário, também ao final do dia, antes de se retirar para dormir, para concretizar o balanço do seu dia. Esses instantes diante do Senhor ajudavam-no a recordar as ocasiões em que podia ter-se dado mais aos outros, e pedia perdão a Deus e ajuda para enfrentar melhor o dia seguinte. Só quem conhece a sua própria debilidade, e se riu um pouco da sua pequenez, descobre quanto necessita de Deus e da compreensão dos irmãos.

Unicamente uma alma paciente e humilde, consciente dos seus defeitos, está em condições de se abrir a quem necessite pontualmente de uma mão a que se agarrar, um conselho certeiro ou um sorriso que expresse uma sincera compreensão. Pouco se consegue, pelo contrário, com o confronto ou com frases carregadas de cinismo o despeito.

São Josemaría fazia este comentário aos casais: “Que procureis ser sempre jovens, que vos guardeis inteiramente um para o outro, que chegueis a amar-vos tanto que ameis os defeitos do consorte, se não são ofensa a Deus”. Amar os defeitos do consorte, ou de uma amiga ou de um amigo, é possível quando o amor é maduro. E essa atitude não implica que aceitemos estoicamente os defeitos dos outros. Desejamos o bem dos outros e, portanto, procuraremos ajudá-lo a desterrar essas faltas, como podem ser o caráter colérico ou apático, a desordem, a sensualidade, a preguiça ou o ativismo, a falta de pontualidade, o descalabro, etc.

Essas imperfeições são cruzes que cada um de nós carrega durante muitos anos, porventura de forma permanente. Não acrescentemos mais peso à cruz que cada um suporta: a paciência para com o próximo será para muitos esse Cireneu que alivia a luta diária e que nos ajuda a identificar-nos com esse Cristo que caminha para o Calvário, carregando a Cruz por nós.

Peçamos a Nossa Senhora que nos ensine a ser pacientes. Ela soube acolher os apóstolos que tinham abandonado o seu Filho e acompanhou maternalmente a Igreja nos seus primeiros passos. Estejamos seguros de que Maria caminha connosco, ajudando-nos a encher de compreensão misericordiosa as relações entre os homens.