Áudio do Prelado: “Corrigir os que erram”

D. Javier Echevarría reflete no podcast deste mês sobre a obra de misericórdia “corrigir os que erram”. Comenta a correção fraterna, que “aponta um dever de todos os cristãos. Quando alguém nos faz uma advertência para nosso bem, temos de ver nisso uma manifestação da misericórdia divina, que se serve de instrumentos humanos com o fim de nos guiar pelo caminho do bem”.

Mais podcasts do Prelado do Opus Dei sobre as obras de misericórdia

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A história da salvação mostra-nos um contínuo alternar do amor misericordioso de Deus com a debilidade dos homens. Como uma mãe segue pela casa o seu filho mais pequeno, evitando-lhe perigos ou danos, assim Deus guiou a humanidade ao longo dos séculos. Cada um de nós pôde experimentar na sua própria vida esse guia, essa mão próxima da Providência divina. E por isso, quantas quedas ou erros no nosso caminhar se converteram em ocasiões de encontro com o Senhor!

Corrigir os que erram anuncia-nos uma obra de misericórdia que o Senhor exercitou constantemente, como lemos nos relatos bíblicos, cada vez que os homens se empenhavam – e podemos dizer, nos empenhamos – em empreender o caminho do mal. A história do Povo eleito é uma clara manifestação deste cuidado divino. Em muitas situações, Iavé poderia tê-los largado da mão, mas sempre – também por vezes com castigos e outras com advertências dos profetas – voltava a atraí-los para Si, reencaminhando-os pelas vias da salvação.

Com a encarnação do Verbo, a misericórdia de Deus tomou um rosto humano: o de Jesus. Deus irmanou-se connosco para nos procurar um a um, nas nossas circunstâncias, com as nossas caraterísticas, com os muitos ou poucos talentos que possuamos. No Evangelho, vemos que Jesus Cristo não deixa de repreender, de corrigir, aqueles que deseja levar pelo caminho reto; não só os fariseus que recusavam a Sua mensagem, mas também os seus amigos: Pedro, mesmo com dureza, quando o Apóstolo lhe insinua que deve evitar a Paixão; ou a Marta, em Betânia, com doçura, por se preocupar em excesso com as tarefas da casa. O Senhor sabia utilizar o tom e a linguagem que mais convinha a cada pessoa.

Seguindo o exemplo do Senhor, recordemos que a correção fraterna praticada com retidão, sem humilhar, foi uma ajuda na Igreja desde os começos. “Irmãos – escreveu São Paulo aos Gálatas – se porventura alguém é encontrado nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de mansidão, cuidando de ti mesmo, não vá ser que tu também sejas tentado”. O Apóstolo não indica outra coisa diferente senão o mandato de Jesus: “Se o teu irmão peca contra ti, vai e corrige-o a sós, tu com ele. Se te escuta, terás ganho o teu irmão”.

Portanto, a correção fraterna aponta um dever de todos os cristãos. Quando alguém nos faz uma advertência para nosso bem, temos de ver nisso uma manifestação da misericórdia divina, que se serve de instrumentos humanos com o fim de nos guiar pelo caminho do bem. Num primeiro momento, talvez nos seja amarga, pouco agradável. O orgulho pode-nos impulsionar a revoltar-nos, a procurar desculpas que são sempre fáceis de encontrar. No entanto, se se considera essa advertência na presença de Deus, surgirá o agradecimento sincero porque alguém se deu ao incómodo de nos chamar a atenção para um erro de que não nos tínhamos apercebido.

Não subestimemos aqui o poder da misericórdia, já que uma correção fraterna aceite com humildade, pode consolidar uma relação, reforçar uma amizade, evitar futuras complicações ou ser o ponto de partida de uma nova etapa na vida.

Há anos, o Papa Bento XVI – a quem devemos estar muito agradecidos – referiu-se amplamente a esta manifestação da caridade. «Hoje somos geralmente muito sensíveis – dizia – ao aspeto do cuidado e da caridade em relação ao bem físico e material dos outros, mas calamo-nos quase por completo a respeito da responsabilidade espiritual para com os irmãos». E acrescentava: «Frente ao mal não há que calar. Penso aqui na atitude daqueles cristãos – confirmava o Papa – que, por respeitos humanos ou por simples comodismo, se adequam à mentalidade comum, em lugar de alertar os seus irmãos acerca dos modos de pensar e de atuar que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem».

Por isso, vos digo a todos e o digo a mim, ao ajudar com a correção fraterna, há que guiar-se pela caridade e pela prudência, procurando o momento oportuno e o modo mais adequado de falar, para não ferir desnecessariamente essa irmã ou esse irmão nosso. O próprio São Paulo animava os Gálatas a corrigirem-se «com doçura». Então, para fazer bem uma correção fraterna o melhor será pensar sobre esse modo de ajudar na presença de Deus, rogando ao Espírito Santo que ponha na nossa boca as palavras oportunas, com plena retidão de intenção.

Pode surgir a tentação de pensar que essa advertência cairá em saco roto, ou que essa pessoa não lutará para mudar, ou que os seus problemas não nos afetam... E não é assim. Os que estão na Igreja formam um corpo unido e os erros dos outros, sem nos escandalizarmos e sem juízo crítico, hão-de despertar em nós sentimentos de misericórdia e necessidade de ajudar com caridade.

Quando se corrige, é necessário também contar com o tempo: a graça intervém de modo efetivo, mas as pessoas necessitam – necessitamos – de tempo para conseguir a mudança oportuna. Recordemos que o apóstolo Pedro não aceitou que Cristo fosse para a morte, nem sequer depois do Mestre lho ter anunciado, e fê-lo expressamente e com energia. Foi preciso que o visse com cadeias para meter na sua alma que aquele sacrifício era a Vontade de Deus.

Talvez também a nós nos aconteça que, depois de ter corrigido alguém, a sua atitude não mude e persista no erro. Nesses casos, rezemos por essa pessoa, já que a oração é o primeiro modo de ajudar. Uma vez plantada a semente da misericórdia, há que regá-la com oração, com paciência e carinho humano, e assim essa semente germinará e dará fruto.

Consideremos, além disso, que com a prática da correção fraterna se combatem eficazmente os falatórios e os comentários irónicos, que tanto dano causam nas relações familiares e sociais. Este pode ser um bom propósito para o Jubileu da misericórdia: evitar até a mais pequena crítica aos nossos familiares ou amigos, aos superiores e aos que dependem de nós, a conhecidos e desconhecidos. Pode parecer-nos tarefa não fácil, pois ao longo do dia talvez se apresentem numerosos atritos mal entendidos; mas, se nos empenhamos, com a ajuda e a fortaleza de Deus, seremos semeadores de uma serenidade com que proporciona quem foge da confrontação e propõe soluções positivas.

Ajudemo-nos pois mutuamente com o bálsamo da misericórdia. Ninguém conseguirá a felicidade se a procura sozinho. Não sejamos alheios às lutas dos outros e peçamos ao Senhor a simplicidade de coração para aceitar as correções com humildade e agradecimento, quando no-las façam; e para ajudar, corrigir com afeto e compreensão aqueles a quem tenhamos que prestar essa ajuda.