Vida quotidiana em tempo de guerra

Magdalena Garcia, casada e mãe de família filipina descreve a sua situação em Israel.

A grande mudança da minha família para Jerusalém realmente sofreu o tempo determinado por Deus. Foram necessários quase cinco anos de planeamento, poupança e inúmeros atrasos burocráticos e de circunstâncias antes de finalmente chegarmos a Israel para ficarmos de vez. Quatro dias depois, com o jetlag ainda mal eliminado dos nossos corpos, acordámos com sirenes de ataque aéreo e explosões de bombas sobre a cidade. Israel estava em guerra.

Como quase todas as outras pessoas no país naquele dia, entrámos e saímos do nosso abrigo antiaéreo durante toda a manhã. O governo israelita estima que cerca de 2200 rockets foram disparados pelo Hamas contra Israel naquele dia. Passado estes meses depois, enquanto escrevo, a nação ainda está em guerra, enquanto lamenta as suas perdas e reza pelo regresso dos seus familiares roubados. Mais de 9000 rockets foram lançados contra civis israelitas. Cerca de 1200 pessoas foram mortas e 240, incluindo mulheres e crianças, foram levadas como reféns para Gaza. Hoje, menos de metade desse número foi devolvido aos restantes membros da família e pelo menos uma criança voltou para casa órfã.

Lembro-me de que as primeiras semanas da guerra foram caóticas. Embora não tenha perdido ninguém, como todos, senti verdadeira dor e medo quando o governo e as agências de notícias revelaram o mal impensável cometido contra famílias inteiras, crianças, jovens e trabalhadores estrangeiros no sul de Israel. Houve muita confusão quando as nossas próprias famílias que viviam no estrangeiro nos instaram a deixar o país no meio do pânico. Durante dias, sentimos o compromisso com o nosso país adotivo vacilar.

Jerusalém permaneceu relativamente calma e pacífica em comparação com as zonas de conflito no Sul e no Norte, mas a tensão era palpável nas ruas no início da guerra. As lojas foram fechadas e as ruas tipicamente ruidosas e coloridas de Jerusalém ficaram vazias.

Lojas fechadas.

Um dia, enquanto eu caminhava para a consulta médica, a sirene de ataque aéreo disparou e observei dois rockets intercetadores sobrevoando e encontrando rockets do Hamas acima da cidade. As explosões sacudiram-me – tão próximos estavam os rockets.

Não conseguia concentrar-me, nem mesmo para rezar. A minha rotina diária foi completamente destruída pelo barulho da guerra e pela compulsão de ler todas as notícias sobre o assunto. Nunca tinha estado perto de uma zona de conflito antes, muito menos vivido num país em guerra total. Como pode um cristão navegar por tudo isso?

“Domine, ut videam!” (Senhor, que eu veja)

«Quantos, que se deixariam cravar numa Cruz, perante o olhar atónito de milhares de espetadores, não sabem sofrer cristãmente as alfinetadas de cada dia! – Pensa então no que será mais heroico» (Caminho, n. 204)

Deus chamou muitos para serem heróis nesta guerra contínua. Existem inúmeras histórias comoventes de pais, mães, filhos e filhas que sacrificaram as suas vidas para proteger os seus entes queridos. Houve homens e mulheres corajosos, até mesmo mães, que se dirigiram deliberadamente às zonas de conflito para procurar e resgatar tanto os seus entes queridos como os estranhos. Antes de o dia 7 de outubro terminar, os reservistas apresentavam-se ao serviço antes mesmo de serem convocados, despedindo-se de boa vontade dos seus entes queridos. Dia após dia, Israel testemunha o heroísmo dos seus soldados, da sua polícia e dos civis.

Mas Deus chamou-me para ser “heroica” neste tempo de guerra em lugares inesperados: em partes do meu casamento que continuam a exigir a minha paciência e mansidão; na minha maternidade que exige tudo de mim o tempo todo; em relacionamentos antigos e novos onde Ele me pediu para acompanhar alguém na amizade; nas “alfinetadas” da vida quotidiana que exigem a minha humilde aceitação e confiança. O meu país adotivo estava em guerra, sim, mas o meu casamento continuou a exigir o meu crescimento em ternura e confiança, como sempre; o meu filho precisava da mãe; e a minha família precisava dos cuidados da sua dona de casa.

Na minha busca de fazer algo extraordinário em tempos extraordinários, “adormeci” no que era quotidiano, como os Apóstolos na agonia de Nosso Senhor. Ele queria que eu permanecesse vigilante e orasse, mais do que nunca. E foi justamente nesses lugares que a minha alma foi assaltada pela privação e pela distração. A guerra ruge com força e exige a minha atenção constante, mas na verdade é a minha vida de oração que precisa de foco; a sua manutenção é vital para a sobrevivência da minha fé nestes tempos difíceis.

Pedi a Deus que me ajudasse a ver a Sua vontade. Achei que a resposta era a mesma de sempre. Não sou soldado, então não me cabe a mim lutar. Não sou decisor político, por isso não há decisões a tomar. Também não sou um porta-voz para envolver pessoas online que podem ser bem-intencionadas, mas mal informadas sobre as complexidades deste conflito de décadas que agora eclodiu numa guerra em grande escala. Em tempos de guerra ou de paz, o meu objetivo não mudou: a santificação na vida diária e a busca da vontade de Deus. E talvez o mais óbvio de tudo: rezar, rezar, rezar. Fazer penitência pelas violências cometidas contra o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração da nossa Mãe.

Um padre aqui em Jerusalém disse: “Não somos chamados para salvar o mundo inteiro. Somos chamados a servir aquelas pessoas que Deus colocou nas nossas vidas.” Sim, em tempos de guerra há trabalho a fazer e ajuda a oferecer. A caridade em ação é necessária. Desde o início da guerra, o meu marido e eu temos feito a nossa pequena parte ajudando os esforços voluntários para os refugiados e as Forças de Defesa de Israel.

Outro bom pastor meu (um católico geralmente tem bastantes na Terra Santa) aconselhou-me: “Aproveita este tempo. Este é um tempo valioso. Une as tuas tristezas a Jesus e pede-Lhe que purifique o teu coração e purifique os outros”.

A perspetiva sobrenatural que S. Josemaria nos exorta a manter ajuda-me a ver os tempos difíceis como poderiam ser: uma janela para a agonia e a paixão de Jesus, e uma oportunidade para acompanhá-l'O e aproximar-me d'Ele. O sofrimento que surge no meu caminho pode ser transformado numa oferta unida ao sacrifício do próprio Jesus – uma oração fervorosa por perdão e redenção para todas as almas.

E na minha fervorosa esperança em Jesus e na Sua redenção, rezo para que Ele já tenha no Seu seio aqueles cujas vidas foram violenta e injustamente tiradas.

Um parque infantil e campo de jogos popular em Jerusalém. Normalmente, quando estão em público, os homens (e às vezes as mulheres) estão armados, especialmente os pais.

Nestes tempos extraordinários, a minha vida normal nunca foi tão crucial. Na pequenez da minha vida e na mansidão das minhas orações tenho a minha vocação cristã e, com a ajuda de Deus, espero torná-la, como diz S. Paulo, “um sacrifício vivo, santo e agradável” a Ele.

Magdalena Garcia