Tema 11. O testemunho evangélico

Jesus enviou os apóstolos ao mundo inteiro para «pregar o Evangelho a toda a criatura». O conteúdo desse Evangelho é o que Jesus disse e fez na sua vida terrena. Os quatro relatos de Mateus, Marcos, Lucas e João são resultado de um longo processo de composição. Os Evangelhos não são livros que apresentem Jesus como uma figura do passado; são a palavra de hoje, em que Jesus está sempre vivo.

Sumário:


Introdução

O testemunho escrito mais antigo da palavra «evangelho», no sentido cristão, está em S. Paulo, embora o seu uso seja anterior. O apóstolo usa esta palavra vinte anos após a morte do Senhor sem ter de a explicar (1Ts 1, 5; 2, 4; Gl 2, 5.14; 1Cor 4, 15; Rm 10, 16). Na boca de Jesus, a palavra «evangelho» é frequentemente acompanhada por um complemento: «evangelho do Reino de Deus».

Na Antiguidade − em Homero e em Plutarco −, a palavra «evangelho» era usada para designar a recompensa dada ao portador da notícia de uma vitória, ou ao sacrifício de ação de graças oferecido aos deuses por essa boa notícia. Os romanos chamaram «evangelhos» ao conjunto de benefícios que Augusto tinha trazido à humanidade, como atesta uma inscrição referida ao imperador: «O dia do nascimento do deus marcou o início das boas novas para o mundo».

No entanto, na tradução grega do Antigo Testamento (Septuaginta), o verbo euaggelizô, dar uma boa notícia, estava relacionado com o anúncio da vinda dos tempos messiânicos, em que Deus salvaria o seu povo: «Eu estou aqui, como brisa suave sobre os montes, como os pés daquele que anuncia a boa nova de um anúncio de paz, como aquele que traz a boa notícia de coisas boas, porque farei ouvir a tua salvação, dizendo a Sião: “O teu Deus reinará!”» (Is 52, 7-8 [LXX]; ver também Is 61, 1-2; Sl 96, 2.10).

No Novo Testamento, esse mensageiro ou arauto que proclama a realeza do Senhor e inaugura os tempos messiânicos com a sua palavra é Jesus.


1. Composição e autenticidade dos Evangelhos

Os Evangelhos dizem-nos que «depois de João ter sido preso, Jesus veio para a Galileia pregar o Evangelho de Deus» (Mc 1, 14). Esta boa notícia é que, com Jesus, o Reino de Deus se torna presente. Jesus não é apenas o mensageiro dessa boa notícia; a mensagem refere-se a Ele próprio. Após a ressurreição, Jesus enviou os apóstolos ao mundo inteiro para «pregar o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15). O conteúdo desse Evangelho era o que Jesus tinha dito e feito na sua vida terrena, a sua paixão, morte e ressurreição, mostrando que as promessas do Antigo Testamento tinham sido nele plenamente cumpridas.

Esta missão apostólica deu origem aos «evangelhos», assim chamados porque contêm por escrito o Evangelho pregado. Chegaram até nós quatro testemunhos de um único Evangelho: os de Mateus, de Marcos, de Lucas e de João. Estes quatro relatos são o resultado de um longo processo de composição, normalmente dividido em três etapas:

1) A vida e os ensinamentos de Jesus na Palestina durante as três primeiras décadas da nossa era. Ao longo destes anos, os seus discípulos foram ouvintes e testemunhas dos sinais e milagres realizados pelo seu Mestre. Além disso, foram enviados por Ele a pregar a sua mensagem, o que implicava aprender o que iriam transmitir. É um período em que a memória desempenha um papel muito importante.

2) Após a morte e ressurreição de Jesus, inicia-se a tradição oral. Nessa altura, os apóstolos pregaram o que o Senhor tinha dito e feito, à luz da compreensão mais profunda dos acontecimentos vividos e da assistência do Espírito da verdade (Jo 16, 13). É um período de 30 a 40 anos, durante o qual a tradição relativa a Jesus se espalhou oralmente da Palestina e chegou a muito outros lugares do Império Romano. Nestas décadas, as tradições sobre Jesus iam certamente sendo fixadas em textos escritos (ensinamentos e frases de Jesus, relatos dos milagres realizados, relato da sua Paixão e morte, etc.) e iam sendo adaptadas às necessidades dos ouvintes através da pregação, da catequese e das celebrações litúrgicas.

3) Desde os finais da década de 60 – altura em que começam a desaparecer muitos dos que tinham sido testemunhas diretas da vida e obra de Jesus, e o Templo de Jerusalém é destruído − até ao final do século I, os evangelistas escreveram, em forma de relato, alguns dos muitos factos que eram transmitidos oralmente ou por escrito. Ao fazê-lo, sintetizaram essas tradições ou desenvolveram outras, de acordo com as novas circunstâncias em que viviam as várias comunidades cristãs. Neste seu trabalho, preservaram o estilo da proclamação apostólica.

Os autores dos evangelhos não são referidos nos textos; alguns textos cristãos do final do primeiro século citam frases ou passagens encontradas nos evangelhos, mas não mencionam quem as escreveu. De qualquer modo, no século II, já havia o consenso de que estes escritos eram apenas quatro e de que eram garantidos pelas figuras apostólicas de Mateus, Marcos, Lucas e João; isto mesmo é registado por Papias de Hierápolis (transmitido por Eusébio de Cesareia), Sto. Ireneu, Clemente de Alexandria e o Cânone de Muratori, que transmitem os testemunhos mais antigos sobre a autoria dos evangelhos. Por exemplo, Sto. Ireneu escreve: «Mateus publicou junto dos judeus, na sua própria língua, uma forma escrita do Evangelho, enquanto Pedro e Paulo, em Roma, proclamavam o Evangelho e fundavam a Igreja. Depois da morte destes, Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, também nos transmitiu por escrito a pregação de Pedro. Lucas, o companheiro de Paulo, registou também num livro o que tinha sido pregado por este. Depois, João, o discípulo do Senhor, o mesmo que tinha descansado sobre o seu peito (Jo 13, 23) também publicou o evangelho durante a sua permanência em Éfeso» (Sto. Ireneu, Contra as Heresias, 3.1.1).

Com estas palavras, o bispo de Lyon demonstra a origem apostólica dos quatro evangelhos canónicos: eles são a autêntica e verdadeira tradição dos apóstolos. É importante notar que o termo «autêntico» designa o carácter original ou em conformidade com o original de um ato ou documento. A sua autoridade assenta neste pressuposto e pode, portanto, testemunhar ou constituir prova. Por conseguinte, diz-se que um documento é autêntico para indicar que o seu autor é a pessoa a quem é atribuído. Mas o termo «autêntico» também é utilizado no plural para designar os representantes da Tradição, revestidos de autoridade, que foram universalmente aceites pelos Santos Padres. Neste sentido, os apóstolos (Mateus e João) ou homens apostólicos (Marcos, discípulo de Pedro, e Lucas, discípulo de Paulo) são «autênticos» porque garantem a autenticidade e a veracidade do testemunho dos evangelhos que lhes são atribuídos, não porque tenham necessariamente escrito as narrativas evangélicas pelo próprio punho.

De facto, não conhecemos o modo concreto de como estes relatos foram compostos. As semelhanças e diferenças entre os três primeiros − Mateus, Marcos e Lucas −, chamados «evangelhos sinóticos», porque, se colocados em colunas paralelas, as suas coincidências e discordâncias são evidentes (sinopsis), deram origem a várias hipóteses sobre a sua origem.

Durante muito tempo pensou-se, seguindo a teoria de Sto. Agostinho, que o primeiro evangelho a ser composto teria sido o de Mateus, posteriormente abreviado por Marcos. Mais tarde, Lucas, conhecendo ambos os escritos, teria composto o seu. Segundo Clemente de Alexandria, Mateus teria sido o primeiro a escrever o seu evangelho para a comunidade judaico-cristã e depois Lucas tê-lo-ia adaptado para os cristãos de origem pagã, tendo Marcos feito mais tarde uma síntese dos dois.

No entanto, a explicação mais amplamente aceite hoje em dia é que o texto de Marcos conjugou a relação entre evangelho oral e evangelho escrito, convertendo-se no protótipo de «evangelho». Os outros evangelistas teriam adotado o esquema deste primeiro relato, acrescentando material comum a ambos, que não estava em Marcos, e ainda textos próprios. Em qualquer caso, de entre as várias tradições ligadas aos apóstolos, cada evangelista teve de selecionar o material de que dispunha, enquadrá-lo numa narrativa e abreviá-lo ou expandi-lo, tendo em conta as circunstâncias das comunidades a quem se dirigia.

De acordo com esta interpretação, Mateus e Lucas, talvez sem saberem um do outro, terão usado o evangelho de Marcos. Por outro lado, o que é comum a Mateus e a Lucas, mas não está em Marcos, é normalmente identificado com uma coleção de afirmações de Jesus (geralmente chamado fonte Q), sobre a qual não nos chegou nenhum testemunho nem sabemos se de facto existiu. Além disso, cada um dos três evangelhos refere tradições que lhe são únicas e que não aparecem nos outros. Por seu turno, João conhece as tradições recolhidas por Marcos, embora apresente uma narração da vida e obra de Jesus com características próprias.

Em todo o caso, estes primeiros documentos reúnem tradições que remontam à pregação apostólica. Não são biografias de Jesus no sentido que é atualmente dado ao termo «biografia» − embora relatem a vida terrena do Senhor −, mas o testemunho apostólico de Jesus Cristo. De facto, S. Justino refere-se a estes documentos como «memórias (ou recordações) dos apóstolos», que «são chamados evangelhos» (Apologia, 1.66.3). Será este o nome que prevalece, e que mostra, não só a sua originalidade, como a sua relação com a pregação apostólica, até na forma como o relato é estruturado.

De facto, o esquema dos quatro evangelhos é o mesmo que o do anúncio apostólico (kerygma), sintetizado, por exemplo, no discurso de Pedro na casa do centurião Cornélio (At 10, 37-43): Jesus é batizado por João, prega e realiza milagres na Galileia, sobe até Jerusalém, onde, depois do seu ministério na cidade santa, é conduzido à Paixão e morte. Após a sua ressurreição, aparece aos apóstolos e ascende aos Céus, para junto do Pai, de onde virá como juiz. Quem nele acreditar receberá o perdão dos pecados.

A partir deste esquema, cada evangelista escreve a sua própria narrativa. Em Mateus e em Lucas, as narrativas da infância precedem o ministério público de Jesus e João mostra a pré-existência de Jesus, o Logos feito carne, logo no prólogo. Marcos sublinha a necessidade de conversão para receber o Messias, bem como o papel de Pedro. Mateus apresenta o ministério de Jesus integrado em grandes discursos. Lucas destaca a subida de Jesus da Galileia a Jerusalém. João vai revelando a condição messiânica de Jesus através de sinais (milagres), até apresentar a morte de Cristo como uma glorificação.


2. Fiabilidade histórica

Para falar da veracidade histórica dos evangelhos, é necessário compreender o seu género. Não são crónicas contemporâneas da vida de Jesus, escritas por testemunhas. São relatos fiéis à tradição apostólica, que, por sua vez, é fiel à pregação e à vida de Cristo. Ou seja, os apóstolos não repetiram simplesmente o que Jesus tinha dito nem narraram em pormenor o que Ele tinha feito; transmitiram a vida de Jesus, conferindo-lhe um significado. Isto é evidente na mais antiga confissão de fé, registada por S. Paulo em 1Cor 15, 3, que ele próprio tinha recebido por tradição: «Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras». Por outras palavras, a pregação apostólica narra factos históricos incontestáveis − «Cristo morreu», um acontecimento histórico que teve lugar sob Pôncio Pilatos − com um significado salvífico que afeta diretamente os homens e as mulheres de todos os tempos − «pelos nossos pecados» −, conforme fora anunciado nos escritos sagrados de Israel − «segundo as Escrituras».

O que é narrado nos evangelhos remete, portanto, para a verdade dos factos, que os apóstolos testemunharam e pregaram, para comunicar aos homens de todos os tempos que a salvação se encontra em Cristo morto e ressuscitado, tal como fora anunciado pelas Escrituras de Israel. Por conseguinte, não devemos procurar nestes textos factos nus e objetivos − coisa que, por outro lado, é impossível de conseguir em qualquer relato da Antiguidade −, privados do significado que lhe foi dado pelos evangelistas. A realidade histórica não pode ser separada dos ensinamentos dos apóstolos, que cada evangelista apresenta à sua maneira.

Isto não significa que não seja possível reportarmo-nos aos factos históricos transmitidos nos evangelhos, ou que a sua condição de relatos inseparavelmente ligados a um ensinamento nos impeça de afirmar que o que está narrado é fiável. Ao longo dos séculos, a historicidade dos relatos evangélicos foi examinada de acordo com o conceito de história de cada época. Na época moderna, com a conceção da história como narrativa, com base na crítica histórica de documentos antigos que não eram considerados objetivos, foi proposta a distinção entre o «Jesus da história» e o «Cristo da fé». Deste modo, a figura de Jesus passível de ser reconstruída pelos historiadores era distinguida daquilo que a Igreja ensina sobre Cristo. Embora, para o cristão, não haja dissociação entre um e outro, pois o Jesus histórico é o Senhor Jesus Cristo, cuja pessoa e ensinamentos a Igreja transmite fielmente, o problema que esta proposta levanta é ineludível; com efeito, não podemos ignorar a questão do acesso a Jesus do ponto de vista histórico. Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, foi e é Homem verdadeiro. Éuma personagem da história e a sua obra redentora também se realizou através de ações inscritas na história da humanidade. Como ensina Bento XVI, se Jesus fosse uma ideia ou uma ideologia, o cristianismo seria uma gnose. Por esta razão, a investigação histórica sobre o que é narrado nos relatos evangélicos é um requisito necessário, não só para consolidar a fé, mas também para termos um melhor conhecimento da santa humanidade do Senhor.

O acesso a Jesus deve partir dos evangelhos, que são a fonte primordial para O conhecer; mas também nos chegaram testemunhos históricos de outras fontes, não bíblicas, que avalizam o conteúdo destes quatro relatos. As descobertas arqueológicas feitas na região da Palestina trouxeram à luz dados valiosos, que apoiam ou contextualizam o que é narrado nos evangelhos. Os textos encontrados em Qumran, as traduções das Escrituras judaicas para o aramaico, a tradição oral judaica e as suas formas de transmissão, bem como as fontes rabínicas permitem um melhor conhecimento da vitalidade religiosa da época e da forma como os escritos sagrados eram utilizados. O testemunho sobre Jesus do historiador judaico-romano Flávio Josefo e outros testemunhos de fontes pagãs (Tácito, Suetónio, Plínio), juntamente com informações de textos retóricos greco-romanos, o estudo da educação helenística e a influência das escolas de filosofia grega, também ajudam a enquadrar e a conhecer melhor os aspetos históricos presentes nos evangelhos. E, face às acusações de subjetividade destes relatos, as fontes externas acima mencionadas são complementadas por um conjunto de critérios que asseguram a fiabilidade histórica das narrativas evangélicas. Alguns dos mais importantes são:

1) O critério da descontinuidade. As expressões e os factos que não encaixam no judaísmo da época, nem podem ter sido inventados pela Igreja primitiva ou pelos evangelistas, são dados como historicamente comprovados. Por exemplo, «Reino de Deus», «Filho do homem», «Abba», «Amen», o batismo de Jesus por João, os defeitos dos apóstolos.

2) O critério do testemunho múltiplo. Os rasgos da figura, da pregação e da atividade de Jesus que são testemunhados em todos os evangelhos e noutros escritos do Novo Testamento ou fora dele são autênticos. Por exemplo, a posição de Jesus perante a Lei, os pecadores e os pobres; a sua resistência a ser reconhecido como um rei-messias político; a pregação sobre o Reino, as curas e os milagres.

3) O critério da coerência ou conformidade. São considerados autênticos aspetos que não podem ser estabelecidos como históricos por outros critérios, mas que são coerentes com o que sabemos, de forma fiável, sobre a pregação de Jesus e o seu anúncio da vinda e instauração do Reino de Deus. Por exemplo, o pai-nosso, as parábolas e as bem-aventuranças.

4) O critério da explicação necessária. Os acontecimentos que dão sentido e esclarecem um conjunto de elementos que, de outra forma, não seriam compreendidos também são considerados autênticos. Por exemplo, o êxito do início do ministério de Jesus, a sua atividade em Jerusalém, os seus ensinamentos em privado aos seus discípulos.

A estes critérios, acrescentam-se os chamados «indícios» de que uma narrativa é provavelmente certa. Pormenores como o de Jesus a dormir à proa da barca e a indicação de que algo terá acontecido, por exemplo, «perto de Jericó» são indícios de que o relato é feito por uma testemunha ocular.

Tudo isto mostra que os evangelhos, embora sejam testemunhos de fé, são historicamente fidedignos; mas que a forma teológica e salvífica como os evangelhos apresentam Jesus não distorce a realidade histórica exagerando a sua figura. Isto não significa que a imagem transmitida pelos evangelistas se esgote nos seus relatos, pois, como escreve S. João, há muitas outras coisas que não foram recolhidas nos Evangelhos (Jo 20, 30-31; 21, 25). Mas isto acontece principalmente porque Jesus é o Filho eterno de Deus, cuja imagem excede qualquer tentativa humana de compreensão total.


3. A imagem de Cristo segundo os evangelhos

Apesar de incompleta, a imagem de Cristo transmitida pelos evangelhos é, não só a que Deus nos quis revelar, mas a que está na base de todas as outras imagens de Cristo, propostas e desenvolvidas ao longo da história da Igreja, especialmente através dos santos. Todas se fundamentam nas imagens de Jesus transmitidas nos evangelhos.

Jesus é apresentado por S. Mateus com toda a majestade própria do Filho de Deus (cf. 1, 20; 27, 54). Ele é também o Messias prometido, no qual se cumprem os anúncios dos profetas do Antigo Testamento, como prova o número de vezes em que se diz «para que se cumprisse o que foi dito pelo Senhor por meio do profeta» ou expressões semelhantes (Mt 1, 22-23; 2, 5-6.15.17-18.23; 3, 3-4; etc.). Ao mesmo tempo, é o Messias que as autoridades de Israel não acolhem, mas rejeitam; por isso, anuncia que Deus fará aparecer um novo povo «que produza os seus frutos» (21, 43). Esse novo povo é a Igreja, na qual Jesus é o Mestre, mas principalmente o Emanuel − Deus connosco – desde antes da sua conceção (1, 23) e estará presente no meio dos seus até ao final dos tempos (18, 20; 28, 20). Por fim, Jesus é o Servo do Senhor anunciado por Isaías, que, com as suas palavras e milagres, cumpre o plano da salvação de Deus com os homens (8, 16-17; 12, 15-21).

Também para S. Marcos, como não poderia deixar de ser, Jesus é o Messias anunciado no Antigo Testamento, mas é apresentado, mais do que através dos textos que nele se cumprem, realizando as obras do Messias prometido. Contudo, a fim de evitar interpretações de natureza política, Jesus pede àqueles que beneficiam destas obras que permaneçam em silêncio, para que o seu messianismo não seja compreendido num sentido temporal, mas à luz da cruz (1, 44; 5, 43; 7, 36; 8, 26). É também por isso que o evangelista refere que Jesus preferiu intitular-Se «Filho do homem» (2, 10.28; 8, 31.38; etc.), um título que evoca a visão do livro de Daniel que anuncia um ser celestial, «como um filho de homem», que virá do alto e receberá poder sobre todas as nações (Dn 7, 13-14), mostrando a condição transcendente de Messias. Além disso, S. Marcos sublinha que Jesus é o «Filho de Deus», assim chamado desde o início do relato (1, 1), assim proclamado pelo Pai no batismo e na transfiguração (1, 11; 9, 7), assim confessado pelo centurião perante a cruz (15, 39).

S. Lucas sublinha que Jesus é o Profeta por excelência (1, 76; 4, 24; 7, 16.26; 13, 33; 24, 19). Ninguém como Ele pode falar em nome de Deus. Além disso, tal como os profetas do Antigo Testamento, que eram movidos pelo espírito de Deus, Jesus foi ungido pelo Espírito no batismo (3, 22), conduzido por Ele ao deserto para ser tentado (4, 1) e por Ele impelido a ir para a Galileia para iniciar a sua missão (4, 14.18). Para o terceiro evangelista, Jesus é também o Salvador, porque salvará o povo dos seus pecados. Nele se cumprem as promessas de salvação feitas por Deus aos patriarcas e profetas de Israel (1, 47.69.71.77; 2, 11.30; 3, 6; etc.), que se manifestam nas suas ações salvíficas, especialmente nos gestos de misericórdia para com os fracos e pecadores (7, 50; 8, 48.50; 18, 42; 19, 9-10). Jesus é também o Senhor, o título usado para designar Deus entre os judeus, a fim de evitar pronunciar o seu santo nome; que era também uma forma respeitosa de se dirigir a alguém. S. Lucas usa repetidamente este título para se referir a Jesus, indicando assim a sua condição divina, desde o nascimento até à sua plena manifestação na ressurreição (2, 11; 5, 8.12; 7, 6; etc.).

Segundo S. João, Jesus é novamente o Messias prometido de Israel e também o Profeta (4, 19; 6, 14) e Mestre (Rabbi) que ensina (1, 38.49; 3, 2; etc.; 6, 3.69; 7, 14.28; 8, 20). Mas, no quarto evangelho, esta revelação adquire maior profundidade teológica: Jesus é o Filho de Deus como nos outros evangelhos, mas S. João sublinha que Ele é «o Filho», o Unigénito (1, 14.18), o único verdadeiro Filho, de quem Deus é Pai de uma forma diferente de como o é dos outros homens (20, 17). De facto, Ele é uma só coisa com o Pai (10, 30; 5, 19-21.23.26; 14, 11). Além disso, como Filho de Deus, Jesus é pré-existente (1, 30; 8, 58). Fez-Se carne e habitou entre os homens (1, 1-14), é a Palavra eterna do Pai, o Logos, que criou e sustenta o mundo (1, 1-3), e foi enviado como a última e decisiva Palavra de Deus à humanidade para revelar aos homens quem é Deus (17, 25). Ele é aquele em quem se cumprem algumas das características atribuídas a Deus no Antigo Testamento: Jesus é o Pão da Vida (6, 35.51), a Luz do mundo (8, 12), a Porta (das ovelhas) (10, 7.9), o Bom Pastor (10, 11.14), a Ressurreição e a Vida (11, 25), o Caminho, a Verdade e a Vida (14, 6), a Videira (15, 1.5). É, portanto, aquele que pode usar a expressão «Eu sou» em sentido absoluto, sem predicados (8, 28.58; 18, 5), para indicar a sua condição divina. Mas é também o «Filho do homem», verdadeiramente homem, que desceu do Céu para morrer (1, 51; 3, 13; 6, 62), o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo ao morrer na cruz (1, 29.36; cf. 19, 14).

Em todo o caso, os evangelhos não são livros que apresentam Jesus como uma figura do passado. São uma palavra atual, na qual Jesus está sempre vivo. É por isso que S. Josemaria podia aconselhar: «Tens de viver junto de Cristo! Deves ser, no Evangelho, uma personagem mais, convivendo com Pedro, com João, com André..., porque Cristo também vive agora: “Iesus Christus, heri et hodie, ipse et in saecula!” − Jesus Cristo vive! hoje como ontem: é o mesmo, pelos séculos dos séculos» (S. Josemaria, Forja, n. 8).


Bibliografía básica

– Concílio Vaticano II, Dei Verbum, n. 18-19.

– Catecismo da Igreja Católica, n. 124-127.


Leituras recomendadas

– Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra, «Introducción a los Santos Evangelios» e «Introducciones» a cada Evangelho, em Sagrada Biblia. Nuevo Testamento, Pamplona, EUNSA, 2008, 35-45; 58-66; 239-248; 363-374; 557-567 (existe tradução em inglês).

Juan Chapa