Piedad de la Cierva: ciência, paixão e sucessos

A historiadora Inmaculada Alva relata alguns aspetos da vida da cientista espanhola Piedad de la Cierva, pioneira do século XX. Através da sua investigação, destaca os contributos notáveis de De la Cierva para a ciência e a sua luta para abrir caminho num ambiente predominantemente masculino.

🎙 Link para os restantes artigos da série: “Fragmentos de história, um podcast sobre o Opus Dei e a vida de São Josemaria


Inmaculada Alva é doutorada em História e investigadora do Centro de Estudos Josemaria Escrivá. É também professora na Universidade de Navarra e autora de diversos livros sobre a história do Opus Dei. Os seus temas de investigação incluem o feminismo, a visibilidade das mulheres e o desenvolvimento do Opus Dei entre mulheres de 1940 a 1950.

Desde 19 de novembro de 2024, está aberta na Biblioteca Central da Universidade de Navarra a exposição “Piedad de la Cierva: pioneira, visionária e cientista”. Fica disponível ao público até 14 de março de 2025 e oferecerá uma imersão na sua vida e legado científico. Saiba mais detalhes em unav.edu/pdelacierva.


Piedad de la Cierva foi uma cientista espanhola pioneira do século XX e pouco estudada. Por volta de 2016, comecei a interessar-me pela sua carreira. A sua personalidade e carreira coincidiram com os meus interesses de pesquisa dedicados a dar visibilidade a mulheres notáveis e ajudar a resgatá-las do esquecimento. Fiquei surpreendida por quase não haver referências aos seus contributos para a ciência, visto que ela era uma mulher pioneira que teve de abrir caminho num mundo predominantemente masculino.

Na sua trajetória profissional, conheceu homens que valorizaram as suas capacidades e a apoiaram no trabalho. Noutras ocasiões, teve de enfrentar os preconceitos daqueles que não eram a favor de uma mulher exercer aquela função. Claro, o itinerário desta murciana empreendedora foi muito notável. Formada em Química em 1932, bolseira de doutoramento no Instituto Rockefeller de Madrid, investigadora do CSIC (Conselho Superior de Investigações Científicas) e técnica civil da Marinha. Desenvolveu trabalhos marcantes em todas as suas etapas e ampliou os conhecimentos em centros de investigação em Copenhaga, Paris, Berlim e Washington. Entre os seus contributos científicos, destacam-se os da área da radiação artificial, a industrialização do vidro ótico na Espanha e os tijolos refratários feitos de casca de arroz.

Mas Piedad de la Cierva também me interessou porque foi uma das primeiras agregadas do Opus Dei, e isso também coincidiu com os meus interesses, visto que sou investigadora do Centro de Estudos Josemaria Escrivá da Universidade de Navarra. O seu encontro com o Opus Dei foi fruto de uma busca espiritual que a acompanhou desde nova.

Primeiros passos

Abundavam na família de Piedad de la Cierva pessoas ilustres. O pai, Juan de la Cierva López, era sobrinho do político Juan de la Cierva Peñafiel, que foi ministro em diversas ocasiões durante o reinado de Afonso XIII. O tio, Juan de la Cierva Codorniú, inventou o autogiro. A mãe de Piedad, Serafina Viudes Guardiola, era de Alicante. Era uma mulher crente que se preocupava em incutir a piedade religiosa e a fé cristã nos filhos.

Piedad de la Cierva nasceu em Múrcia no dia 1 de junho de 1913. Era a mais velha de três irmãos, Julián, Juan e Francisco. Cresceu num ambiente culto e informado. O pai, advogado, foi professor de Economia e Finanças na Faculdade de Direito e secretário-geral da Universidade de Múrcia. Era exigente e severo; apercebeu-se da mudança que se avizinhava para a mulher e queria que a filha recebesse uma educação adequada que lhe permitisse aceder à universidade quando terminasse o ensino secundário.

Para isso, contratou dois professores particulares, um dos quais despertou em Piedad a vocação para a ciência. Ela correspondeu às expetativas do pai e acabou o ensino secundário de modo brilhante em 1928, obtendo o Prémio Extraordinário. Uma nova etapa se abria para ela, onde poderia tornar realidade os seus sonhos.

Embora o pai preferisse que estudasse Farmácia, estava decidida a estudar Química. O primeiro ano foi feito na Universidade de Múrcia, onde existia um curso preparatório composto por quatro disciplinas básicas comuns às carreiras de Farmácia, Medicina e Ciências. O ano seguinte, continuou-o na Universidade de Valência.

A mudança de cidade foi uma oportunidade para sair do ambiente familiar asfixiante e quebrar a monotonia da sua vida até então. Tudo era novo, desde o ambiente em que ela se movia – mais uma vez, como em Múrcia, era a única rapariga da sua turma, e apenas outras quatro em toda a Faculdade – até às cadeiras e aos professores que a ensinavam.

Mas também foram tempos turbulentos. Naquele primeiro ano em Valência sucederam-se greves e manifestações. Em maio de 1931, a proclamação da República gerou mais agitação. De la Cierva teve de deixar a Residência de Escolápias onde vivia e mudar-se para a casa do Professor Ferrando que lhe tinha dados aulas em Múrcia. Lá teve a oportunidade de conhecer um ambiente familiar cristão presidido pela liberdade e pela delicadeza, tão diferente do da sua casa. A mulher de Ferrando era María Moliner, outra pioneira, esta no campo da linguística, autora do imprescindível Diccionario de uso del español, conhecido pelo seu nome.

O clima conflituoso não só não a impediu de terminar a licenciatura em 1932, aos dezanove anos, e de obter o Prémio Extraordinário de Bacharelado, como foi o ponto de partida para uma nova aventura. Um dos seus professores, o catedrático de Química Antonio Ipiens, incentivou-a a fazer o doutoramento em Madrid. Ele próprio escreveu uma carta de recomendação a Julio Palacios, professor de Física da Universidade Complutense e Chefe da Secção de Raios X do Instituto Rockefeller, inaugurado naquele mesmo ano.

Os anos em Madrid

Ao chegar a Madrid, o Professor Palacios acolheu-a calorosamente e elaborou com ela o seu plano de estudos. Combinaria as disciplinas de doutoramento na Faculdade de Ciências com o trabalho no laboratório do Instituto para aprender as técnicas de raios X que serviriam de instrumento de investigação em estruturas cristalinas da sua futura tese de doutoramento.

O Instituto de Física e Química, popularmente conhecido como Rockefeller, foi inaugurado em fevereiro de 1932. Piedad de la Cierva lembrava-se do deslumbramento que sentiu ao entrar no moderno edifício equipado com as melhores instalações da altura. A sua estada foi muito proveitosa porque o ambiente seleto e culto que se respirava aumentou ainda mais o seu amor pela ciência e teve oportunidade de conhecer prestigiados cientistas da época que vinham dar palestras ou intercambiar técnicas e trabalhos, como Marie Curie ou Albert Einstein.

A secção de Raios X, dirigida por Julio Palacios, contava com três bolseiros e catorze colaboradores, entre os quais Piedad de la Cierva. Foi uma das investigadoras desta secção que deu um contributo mais relevante e contínuo, através de publicações em algumas revistas de prestígio.

A sua tese foi apresentada em novembro de 1935, com o título “Fatores químicos do enxofre e do chumbo”. Obteve a mais alta classificação e o Prémio Extraordinário de Doutoramento. Palacios sugeriu então que concorresse a uma bolsa para ampliar os estudos no estrangeiro. Foi-lhe concedida uma ajuda para trabalhar no prestigioso Instituto Universitário de Física Teórica de Copenhaga.

O centro de investigação que frequentava em maio de 1935 fora criado pela Real Academia Dinamarquesa de Ciências para que o Prémio Nobel Niels Bohr pudesse construir o seu próprio instituto de estudos atómicos. O Instituto tornou-se o centro mundial da física quântica que reuniu investigadores brilhantes, alguns dos quais ganhariam o Prémio Nobel de Química ou Física. Piedad trabalhou com o professor Georges von Hevesy, que ganhara o Prémio Nobel de Química em 1943. Von Hevesy ensinou-lhe as técnicas de desintegração artificial do átomo e orientou-a na bibliografia que devia estudar. O resultado da sua investigação no Instituto seriam vários trabalhos de investigação, relacionados com a radiação artificial, que publicaria em prestigiadas revistas espanholas.

Sonhos interrompidos

Durante a sua estada na Dinamarca travou conhecimento com outras mulheres pioneiras nesta área. Compartilhava laboratório com Hilde Sevy, assistente de Hevesy. Foram as únicas duas mulheres que fizeram investigação no instituto. Em Paris foi atendida por Irene Joliot-Curie que trabalhou no Radium Institute fundado pela mãe Marie Curie, e em Berlim, Lise Meitner mostrou-lhe o Instituto de Química Kaiser Guilherme. Todas elas foram cientistas brilhantes que contribuíram para o desenvolvimento da física atómica, mas cujas realizações não tiveram o mesmo reconhecimento que os seus colegas homens.

De la Cierva tinha como objetivo dirigir a implementação de estudos sobre radioatividade em Espanha. No entanto, a Guerra Civil interrompeu abruptamente todos esses sonhos.

Tentou retomar a atividade científica sobre radiação artificial após a guerra. Regressou a Madrid em 1939, mas a situação mudou drasticamente. Embora Julio Palacios continuasse no Rockefeller, a Seção de Raios X não tinha começado a funcionar nem havia projetos na universidade para o ano seguinte.

Não tardou a encontrar oportunidade de se iniciar em novos campos de investigação. Em outubro de 1939, o físico e oficial José María Otero Navascués propôs-lhe trabalhar no seu projeto de criação de uma secção de ótica para promover a investigação e fabrico de instrumentos óticos para a Marinha. Foi assim que começou a fazer parte da equipa que seria o embrião do Instituto de Ótica. A participação nos projetos de Otero Navascués envolvia-a em cheio nas políticas industriais e tecnológicas da Espanha de Franco.

Piedad de la Cierva representava para Otero o tipo de cientista que queria promover: uma investigadora profissional com reconhecimento social, económico e jurídico, interessada em transformar a sua investigação em ciência aplicada. Por outro lado, o prestígio de Piedad de la Cierva, juntamente com os seus contactos familiares, protegeram-na dos saneamentos que afetaram cientistas proeminentes da Segunda República, como Moles, Catalán e muitos outros.

A secção de Ótica foi integrada no Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) em maio de 1940. Otero permaneceu como chefe da secção e manteve Piedad de la Cierva como bolseira. Em 1946, a secção tornou-se o Instituto Ótico “Daza de Valdés”, com Otero à frente e de la Cierva como pessoal contratado. Foi a primeira mulher contratada no CSIC. Permaneceu lá até 1949.

Em 1941 apresentou-se a concurso para a cátedra de Físico-Químicas das universidades de Madrid, Múrcia e Sevilha. As vagas em Madrid e Sevilha foram conquistadas por dois candidatos masculinos, enquanto a de Múrcia ficou deserta. Suspeitando de que a sua condição de mulher lhe impedira o acesso, decidiu abandonar a carreira universitária para se dedicar apenas à investigação, que considerou mais gratificante.

O trabalho de Piedad de la Cierva no Daza de Valdés consistiu na preparação de espelhos de alumínio, necessários para o fabrico de instrumentos óticos. Foi uma tarefa difícil, pois havia pouca bibliografia e as técnicas só tinham sido desenvolvidas na Alemanha. Após árduo trabalho de dezassete meses, conseguiu fabricar as lâminas antirrefletoras nas superfícies de vidro. Apresentou o Relatório dos trabalhos realizados à Academia das Ciências em 1946. Recebeu o Primeiro Prémio da Academia das Ciências pelos trabalhos de investigação. Foi a

A criação do Laboratório e Oficina de Investigação do Estado-Maior da Armada (LTIEMA, [sigla em espanhol]) em 1945 representou um novo salto para a murciana. Otero Navascués, como diretor do novo centro, conseguiu que Piedad de la Cierva fosse contratada pela Marinha para trabalhar no laboratório. A sua missão era aplicar os métodos aprendidos aos trabalhos de industrialização do vidro ótico que seriam realizados neste instituto.

O vidro ótico era a matéria-prima fundamental para o fabrico de instrumentos óticos, câmaras fotográficas e de cinema ou microscópios. Sendo muito difíceis de fabricar, foram poucas as empresas europeias que forneceram este vidro à indústria ótica mundial, com sedes na Alemanha, França e Inglaterra. A partir de 1914, os Estados Unidos começaram a fabricá-lo por conta própria. Anos mais tarde, a Itália, a Rússia e o Japão também o fariam. Em 1945, a Espanha aderiria.

Otero Navascués propôs a Piedad de la Cierva uma viagem aos Estados Unidos para aprender as técnicas avançadas que lá tinham sido desenvolvidas. Organizou o intercâmbio com o National Bureau of Standards (NBS) em Washington e conseguiu que a Marinha apoiasse o projeto com uma bolsa. Era uma nova oportunidade para se capacitar e liderar trabalhos pioneiros em Espanha. A sua permanência nos Estados Unidos durou dois anos, de 1948 a 1949. A base de operações foi a NBS onde passou pelas diferentes secções que compunham a cadeia produtiva do vidro: a secção de análise de matérias-primas, o estudo das propriedades físicas do vidro, a secção de fabrico de cadinho e finalmente a fábrica de vidro que lhe deixou uma recordação marcante.

De Washington viajou a outras cidades para completar a sua experiência no fabrico de vidro, a Faculdade de Engenharia de Vidro da Universidade de Toledo (Ohio) e a Libby Owens, especializada no fabrico de vidro inquebrável então desconhecidos em Espanha, e a Kodak em Nova Iorque. Antes de regressar a Espanha, projetou o quadro do pessoal essencial para a futura fábrica e comprou diversas amostras e materiais como caulino, areia, vidro e pedaços de cristal que serviriam de modelo no fabrico de vidro.

A equipa que formou já em Madrid era composta por quatro químicos, uma auxiliar de laboratório e cinco operários. Foi construído o primeiro forno de ensaios e começaram a obter o vidro, primeiro em pedaços muito pequenos e finalmente, como escreveu nas suas memórias: “os primeiros blocos de vidro, claros e limpos como diamantes”.

Em 1954 apresentou o Relatório a um Concurso do Conselho Superior de Investigações Científicas, com o título “Ensaios de fabrico de vidro ótico”. Foi galardoada juntamente com toda a sua equipa com o 1º Prémio de Investigação Técnica “Juan de la Cierva” em 1955 e o Relatório publicado pelo Conselho Superior de Investigação Científica.

Anos de busca espiritual

Apesar desses sucessos profissionais, faltava-lhe qualquer coisa. Assim registou nas suas memórias: “Colocava-me com confiança nas mãos de Deus e a minha vida profissional, com temas de trabalho que me interessavam e divertiam, ia decorrendo suavemente. Tinha um certo prestígio, bons amigos que tornavam a minha vida agradável no trabalho; ia ao teatro, ao cinema e a concertos. Mas faltava-me alguma coisa”.

Era uma mulher de crenças firmes que compartilhava a sua paixão científica com o desejo de fazer a vontade de Deus. As suas descobertas científicas levavam-na repetidamente a Deus, como observou, por exemplo, numa ocasião: “Fiquei impressionada ao pensar que Deus, Criador do Universo, tenha distribuído átomos, tão pequenos, de uma maneira tão surpreendente”.

Em vários momentos da sua vida interrogou-se sobre se Deus queria algo mais dela, talvez entrar numa congregação religiosa, como era comum então para uma mulher que se queria entregar a Deus. No entanto, parecia-lhe que este apelo deveria estar em sintonia com o caminho que Ele próprio lhe vinha abrindo no mundo científico, como explicou: “Teria de me dedicar totalmente a Deus, mas de uma forma para o qual me tinha preparado a minha vida anterior: estudos, trabalho, viagens, etc., tudo iria servir para o que Deus queria de mim”.

O encontro com o Opus Dei foi uma resposta a essa busca espiritual. Em 1945 teve o primeiro contacto através de Caminho, livro espiritual escrito por Josemaria Escrivá de Balaguer, que a cunhada lhe tinha oferecido. Sobre a sua leitura, registou nas suas memórias: “Ler Caminho causou-me uma grande impressão. Vi que esse trabalho, que me divertia e me apaixonava tanto, podia tornar-me santa. Percebi que, sem que ninguém me tivesse dito, eu também rezava enquanto estudava. E verifiquei que aquele pequeno quadro da Oração no Horto de Salzillo, que tinha pendurado em frente da minha mesa de trabalho, quando cheguei à Marinha, também me servia para levantar os olhos para o Senhor, quando os tinha cansados do microscópio”.

Em maio de 1952, falaram-lhe da residência universitária de Zurbarán, onde conheceu outras raparigas do Opus Dei. Gloria Toranzo, diretora da residência, explicou a essência da mensagem e a radicalidade do chamamento. Depois de alguns meses a conhecer e viver o espírito do Opus Dei, pediu a admissão no Natal de 1952. Foi uma das primeiras agregadas. A partir desse momento, compatibilizou o seu trabalho científico com a sua dedicação ao Opus Dei, ajudando a difundir a sua mensagem de santidade no meio do mundo.

Depois do Ano Novo, assistiu ao primeiro círculo na Residência Zurbarán com outras agregadas que conheceu pela primeira vez, como Conchita Sandino ou Josefina Escós. Pouco depois, passou a cuidar da formação e do atendimento das supranumerárias. Cruz Tabernero, coordenadora deste trabalho de formação, confiou-lhe um grupo de supranumerárias e deu-lhe alguns conselhos. Piedad sentia uma grande responsabilidade, ao pensar que deveria orientar cada uma para saber o que Deus queria delas. Realizou esta tarefa durante os quarenta anos seguintes da sua vida.

As suas possibilidades profissionais continuaram ao mesmo tempo que as suas responsabilidades como mulher do Opus Dei.

Novos rumos

Em novembro de 1955, Otero Navascués deixou a direção da LTIEMA para trabalhar na Junta de Energia Nuclear. A nova direção não se interessou pelo projeto do vidro ótico, que foi abandonado no início de 1957.

Piedad de la Cierva procurou novos temas de investigação, como superfícies de vidro polido, o que lhe permitiu apresentar uma comunicação numa prestigiosa conferência sobre vidro em Paris. Aproveitou a viagem a Paris para passar por Roma no regresso e conhecer o fundador do Opus Dei. Na entrevista, São Josemaria interessou-se pelos temas que levara para o congresso e disse-lhe que tinha numa vitrine o vidro ótico que lhe enviara há tempos. Piedad mostrou a sua preocupação em ajudar bem as supranumerárias. O Padre [São Josemaria] tranquilizou-a: “Não és tu quem as dirige; é o Espírito Santo”, disse-lhe.

Em outubro de 1961, foi responsável pela organização do primeiro retiro para senhoras em Múrcia. Pediu cinco dias de licença e partiu de comboio para a sua cidade. Aquele retiro com 13 senhoras, de 24 a 27 de outubro de 1961, foi uma experiência inesquecível. Na primeira palestra que lhes deu, anotou nas suas memórias: “Disse-lhes que faziam parte da história da Obra”. Voltou a Múrcia mais duas ou três vezes para as recoleções mensais e iniciou mais palestras para senhoras na casa de uma amiga. Desse grupo surgiriam as primeiras supranumerárias murcianas.

No seu trabalho, continuou a procurar novos temas de investigação, como o estudo da capacidade isoladora da casca de arroz. Através de uma revista norte-americana tinha conhecido investigações sobre tijolos isolantes, feitos com cinzas de palha de arroz, o que lhe despertou a curiosidade. Trouxe-lhe algumas lembranças de infância, especificamente, quando não havia frigoríficos e se compravam em sua casa barras de gelo, que eram transportadas cobertas de palha de arroz. Começou a experimentar por conta própria. O tema poderia ter aplicação imediata no fabrico de tijolos refratários isolantes, em caldeiras de navios e em outros fornos, como os de cimento, que na época eram importados da Dinamarca. O trabalho final recebeu o Prémio de Investigação “Juan de la Cierva”, na opção “Investigação Técnica”, em 1966.

Em todos estes trabalhos procurou a colaboração de jovens cientistas a quem dirigiu as suas teses de doutoramento, embora não pudesse constar como tal por não ser catedrática. Uma delas foi Guadalupe Ortiz de Landázuri.

Últimos anos

A nova orientação do LTIEMA acabou por provocar a saída de Piedad. A investigação já não interessava. O seu trabalho era cada vez mais rotineiro. Esta situação, aliada à morte de um dos irmãos em 1969 e ao agravamento da doença da mãe, levaram-na a considerar a reforma antecipada, aos 63 anos. Piedad de la Cierva aposentou-se a 1 de março de 1976, após uma longa carreira científica.

No próprio dia em que se jubilou, foi a Múrcia para se ocupar de um retiro para senhoras. Ao voltar, iniciou a sua nova vida: cuidar da mãe e dedicar mais tempo ao trabalho de São Gabriel. Também foram tempos difíceis, sofreu um descolamento de retina do qual se recuperou lentamente, um irmão e um sobrinho morreram no mesmo ano. A sua mãe morreu em 1991, aos 100 anos.

A partir de 1992 foi deixando os seus encargos devido à cegueira progressiva, mas começou a escrever as suas memórias. Faleceu em 2007, aos 93 anos e um grande declínio cognitivo.

Os contributos de Piedad de la Cierva para a ciência espanhola são evidentes. A sua carreira científica apresenta uma continuidade entre as décadas de 1930 e 1960 que abrange dois períodos históricos muito distintos, a Segunda República e o Franquismo. Essa continuidade é uma característica interessante no seu trabalho pioneiro. Foi uma mulher corajosa, cuja paixão pela ciência a levou a seguir caminhos pouco comuns às mulheres do seu tempo.

O início das suas memórias é talvez o melhor resumo da sua vida: «Acabei de fazer oitenta anos e ainda estou maravilhada. Cheguei até aqui suavemente, quase sem me aperceber, e deixo atrás um longo passado, que vou recordar, um pouco duro às vezes; mas cheio de sentido, de trabalho, de alegria e de paz».