Oitavário pela unidade dos cristãos (1º dia, 18 de janeiro)

Primeira reflexão do oitavário pela unidade dos cristãos (18 de janeiro). Temas: A oração de Jesus: "Que sejam um", origem do costume e importância da unidade e de reconhecer Cristo nos outros.

1º dia, 18 de janeiro


COMEÇA hoje o oitavário pela unidade dos cristãos. Durante estes dias, com toda a Igreja, meditaremos mais profundamente sobre algumas palavras pronunciadas por Jesus na Última Ceia que animam estes desejos de união. Cristo, depois de ter compartilhado mais de trinta anos com os homens, sabia que tinha «chegado a sua hora de passagem deste mundo para o Pai» (Jo 13, 1). O Seu coração, na iminência da traição e da dor, fica embargado de amor pelos seus discípulos: «Amou-os até ao extremo». Por isso, poucas horas antes de ser preso, deixa-nos em herança três presentes importantes que são muito mais que uma catequese: o lava-pés, o dom da Eucaristia e os ensinamentos do discurso da Ceia.

No longo discurso de Jesus durante a Última Ceia, relatado por S. João, suplica ao Pai pela unidade daqueles que, no decorrer dos séculos, chegaríamos também a ser seus discípulos: «Pai Santo, Tu, que a mim te deste, guarda-os em ti, para serem um como Nós somos» (Jo 17, 11). A Igreja impele-nos, durante esta semana, a unir-nos à sua oração filial, a dar mais um passo na identificação dos nossos sentimentos com os de Cristo e a tornar próprio esse anseio ardente.

Quando o Senhor pronuncia aquelas palavras – «guarda os que me deste» –, os seus seguidores não eram muito numerosos. O Evangelho estava circunscrito a uma zona geográfica e social determinada. No entanto, nesse momento, o coração de Jesus chega muito mais longe, abarcando com o seu olhar toda a Igreja ao longo dos séculos, com as suas esperanças e dificuldades. Cristo reza pela nossa unidade porque prevê a importância que ela terá para a transmissão da fé e para a nossa própria credibilidade: «Não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão de crer em mim, por meio da sua palavra: para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós, e o mundo creia que Tu me enviaste» (Jo 17, 20-21).

O Concílio Vaticano II ensina-nos que o «santo propósito de reconciliar todos os cristãos na unidade de uma só e única Igreja de Cristo excede as forças e a capacidade humana. Por isso, coloca inteiramente a sua esperança na oração de Cristo pela Igreja»[1]. A unidade é um dom que recebemos de Deus. Por isso, Bento XVI recorda-nos que «não podemos "fazer" a unidade apenas com as nossas forças. Só a podemos obter com o dom do Espírito Santo»[2]. Queremos que ressoe no nosso interior, de modo especial durante a semana de oração pela unidade, esta intensa petição de Jesus ao Pai. Todas as palavras do Filho de Deus procuram mover o nosso coração: temos uma ocasião mais para sermos novamente surpreendidos por elas. Também S. Josemaria, animado por este anseio de unidade, queria que todos os fiéis da Obra pedíssemos nas Preces, diariamente, com as próprias palavras do Senhor: «Ut omnes unum sint sicut tu Pater in me et ego in te!».


BENTO XVI referiu-se à origem desta devoção na altura em que passaram cem anos sobre a existência do oitavário. «Quando foi começada, referiu, tratou-se na realidade de uma intuição verdadeiramente fecunda. Aconteceu em 1908: um anglicano norte-americano, que depois entrou na comunhão da Igreja católica, (…), lançou a ideia profética de um Oitavário de orações pela unidade dos cristãos[3]. Esta iniciativa difundiu-se pouco a pouco até que, oito anos depois, Bento XV quis alargá-la a toda a Igreja católica[4].

A data para viver o oitavário é a mesma desde o princípio: de 18 a 25 de janeiro. Foi assim estabelecido pelo simbolismo que tinham os dois dias no calendário daquela altura. «O dia 18 de janeiro era a festa da Cátedra de S. Pedro, que é um sólido fundamento e uma garantia segura de unidade de todo o povo de Deus, enquanto no dia 25 de janeiro, tanto outrora como hoje, a liturgia celebra a festa da Conversão de S. Paulo»[5]. Por um lado, recordamos a missão que Cristo confiou a Pedro e, através dele, aos seus sucessores: confirmar na fé todos os seus discípulos. E, por outro, a conversão de S. Paulo sugere-nos que o modelo para chegar à unidade é a conversão pessoal, movimento que só pode dar-se a partir do encontro pessoal com Cristo ressuscitado. As duas festas – a Cátedra de S. Pedro e a Conversão de S. Paulo – orientam o nosso olhar para a pessoa de Jesus Cristo que é, em última análise, em quem todos nos uniremos no futuro. S. João Paulo II recordava que o ecumenismo – movimento que procura a unidade dos cristãos – não é uma tarefa opcional nem se trata de «uma espécie de «apêndice», que se vem juntar à atividade tradicional da Igreja»[6]; o ecumenismo, pelo contrário, pertence à sua íntima natureza missionária e brota de uma compreensão profunda da tarefa que Cristo nos deixou e pela qual rogou ao Pai antes da sua Paixão. «A unidade é a nossa missão comum; é a condição para que a luz de Cristo se difunda mais eficazmente em todas as partes do mundo e os homens se convertam e sejam salvos»[7]. É um caminho em que, como bons filhos, estamos convidados a participar, pondo-nos à escuta do Espírito do Senhor.


O DISCURSO DE DESPEDIDA durante a Última Ceia não é a primeira ocasião em que Jesus convoca os seus discípulos à unidade. Aproveitando circunstâncias diferentes, já os tinha advertido que estavam chamados a reconhecerem-se como irmãos e a servirem-se uns aos outros porque «um só é o vosso Mestre (…), um só é o vosso ‘Pai’ (…), um só é o vosso ‘Doutor’: Cristo» (Mt 23, 8-10). Efetivamente, afirma o Papa Francisco, «por ação do Espírito, tornámo-nos um só com Cristo, filhos no Filho, verdadeiros adoradores do Pai. Este mistério de amor é a razão mais profunda da unidade que liga todos os cristãos e que é muito maior do que as divisões ocorridas no decurso da história. Por este motivo, na medida em que nos aproximamos humildemente do Senhor Jesus Cristo, acontece também a aproximação entre nós»[8].

O Concílio Vaticano II reconhece que, dentre os bens com que a Igreja se edifica e vive, muitos podem encontrar-se também fora do seu recinto visível, como «a palavra de Deus escrita, a vida da graça, a fé, a esperança e a caridade e outros dons interiores do Espírito Santo»[9]. Em todos estes âmbitos é a própria força operante de Cristo que nos impele a todos à unidade. O ecumenismo procura, precisamente, através de diversos caminhos, fazer crescer esta comunhão até à unidade plena e visível de todos os seguidores de Jesus[10]. É, por isso, um ato de justiça e de caridade reconhecer as riquezas de Cristo presentes em todas as pessoas que – por vezes chegando mesmo ao derramamento de sangue – dele dão testemunho.

Nesta semana pela unidade dos cristãos pedimos a Nosso Senhor Jesus Cristo que saibamos tornar próprios os seus anseios de unidade para a Igreja. Promovemos a unidade se nos deixarmos converter pessoalmente a Cristo ressuscitado, reproduzindo na nossa vida o seu modo de ser e de atuar, o seu desejo de ser escravo de todos (Mc 10, 44) para empreender um diálogo de caridade com os nossos irmãos. «O exemplo de Jesus Cristo leva-nos a dialogar; esse mesmo exemplo ensina-nos como temos de falar com os homens»[11]. Ao longo deste oitavário perseveremos também na invocação ao Espírito Santo durante a santa Missa, para que nos «congregue na unidade»[12] e assim todos «formemos em Cristo um só corpo e um só espírito»[13]. Com confiança filial, deixamos os frutos espirituais desta semana de oração nas mãos de Maria, Mãe da Igreja, Mãe de todos os cristãos.


[1] Concílio Vaticano II, Unitatis redintegratio, n. 24.

[2] Bento XVI, Discurso, 19/08/2005.

[3] Bento XVI, Audiência geral, 23/01/2008.

[4] cf. Bento XV, Romanorum Pontificum, 25/02/1916.

[5] Bento XVI, Audiência geral, 23/01/2008.

[6] S. João Paulo II, Ut unum sint, n. 20.

[7] Bento XVI, Homilia, 25/01/2006.

[8] Francisco, Homilia, 25/01/2015.

[9] Concílio Vaticano II, Unitatis redintegratio, n. 3.

[10] cf. Bento XVI, Discurso, 26/01/2006.

[11] S. Josemaria, Carta 24/10/1965, n. 15.

[12] Oração eucarística II.

[13] Oração eucarística III.