S. Josemaria: "Eu rezo todos os dias pelos vossos pais"

Jesus Cristo quis nascer e crescer no seio de uma família. Este fato tem várias consequências para qualquer cristão, e também para os fiéis do Opus Dei. São Josemaria chamava ao quarto mandamento o“dulcíssimo preceito”, porque o seu cumprimento é facilitado pelo carinho de uma família.

São Josemaria com o padre Mulcahy e sua família. Irlanda, agosto de 1959

Este artigo, publicado no site collationes.org explica como são as relações dos fiéis do Opus Dei com as suas famílias, e porque São Josemaria decidiu consagrar as famílias das pessoas do Opus Dei à Sagrada Família.


1. O quarto mandamento, “dulcíssimo preceito”

O quarto mandamento do Decálogo, “honrarás teu pai e tua mãe”, é o primeiro dos que se referem ao dever de amar o próximo como a si mesmo, e indica a ordem da caridade: “Deus quis que, depois dele mesmo, honrássemos nossos pais, a quem devemos a vida e que nos transmitiram o conhecimento de Deus”[1].

Jesus Cristo quis nascer e crescer no seio de uma família, santificando assim as relações familiares, e dando-nos a conhecer que o amor e a paternidade de Deus se manifestam no afeto natural entre pais e filhos. Este fato tem para o cristão pelo menos duas implicações imediatas:

a) O lar e as relações familiares (os deveres, as alegrias compartilhadas, as dificuldades enfrentadas em comum...) são uma parte primordial da vida normal onde o fiel cristão pode encontrar Deus.
b) Habitualmente, a família é o meio querido pelo Senhor para que a pessoa se desenvolva, cresça em virtudes, alcance a sua maturidade humana e em muitas ocasiões, vislumbre a vontade divina sobre a sua própria vida.

São Josemaria referia-se com frequência a esta realidade e a enfatizava afirmando expressivamente que os fiéis do Opus Dei devem a seus pais noventa por cento da sua vocação cristã[2], pois a Providência ordinária de Deus serviu-se deles, das suas virtudes, do seu afeto, às vezes do seu modo de buscar a santidade, para preparar o coração para ouvir a chamada divina. Nesta mesma linha também chamava ao quarto mandamento o “dulcíssimo preceito”, porque o seu cumprimento é facilitado pelo afeto natural que surge entre os membros de uma família[3].

Como ressalta o Catecismo da Igreja Católica, observar o quarto mandamento do Decálogo traz como recompensa frutos tangíveis de paz, enquanto negligenciá-lo causa grandes danos para “as comunidades e para as pessoas”[4]. No entanto, para além dos evidentes motivos de utilidade e conveniência, todos os cristãos podem descobrir em sua família um lugar de encontro com Jesus Cristo, aperfeiçoando e fazendo crescer os vínculos familiares de afeto mútuo.

O amor devido aos pais expressa-se no respeito dos filhos “menores ou adultos”[5], que por sua vez tem duas manifestações principais:

a) O reconhecimento[6] pelo dom da vida, que supõe uma dívida impagável; pelo amor e cuidado que os pais puseram na educação; e por outros muitos dons recebidos como fruto do afeto natural dos pais pelos filhos;
b) A docilidade e obediência, que o filho, enquanto vive no lar paterno, deverá observar a respeito do que os seus pais dispõem, sempre que não seja ofensa a Deus[7].

Este dever de obediência cessa com a natural emancipação dos filhos, mas não cessa o respeito devido, que permanece e deverá aperfeiçoar-se. Esta obrigação, contudo, assume diferentes manifestações, dependendo da idade dos filhos, e chega até ao amável dever de atender convenientemente os pais nas últimas etapas da vida.

2. Deus sempre une, nunca separa

Normalmente, os numerários que são maiores de idade e já se incorporaram ao Opus Dei, moram num Centro. É natural, portanto, que chegue o momento de deixar o lar paterno, como fazem outros adultos que fundam uma família ou que simplesmente buscam uma maior independência. Os pais entendem que essa separação física é análoga à que vivem com outros filhos que não são do Opus Dei.

Por seu lado, o lar em que os Agregados vivem o seu celibato e a sua dedicação aos trabalhos da Obra pode ser muito diverso e, efetivamente, muitos vivem com as suas famílias ou onde for mais adequado para eles, conforme sejam as suas circunstâncias pessoais.

Mas, em qualquer caso, o fato de não viver no lar paterno por uma ou outra razão, não implica que cesse o dever que todo o fiel da Obra tem de amar e respeitar seus pais. Mais ainda, esta obrigação é uma exigência da vocação para a santidade, na mesma medida em que é próprio das virtudes cristãs que todo o batizado deverá cultivar e fazer crescer. São Josemaria repetiu esta ideia em numerosas ocasiões:

“Contai com os vossos pais. Eles têm direito de sentir que os amais! Eu estimo-os muito; e rezo todos os dias por eles. Aproximai-os mais de Deus. Um bom caminho será aproximá-los mais da Obra. Como podemos fazer uma coisa agradável a Deus, se abandonamos a alma daqueles que nos quiseram tanto na terra? Deveis aos vossos pais a vida, a semente da fé e uma educação que tornou possível a vossa vocação! Amai-os e contai com eles!”[8]

Cada membro da Prelatura – como qualquer outro fiel da Igreja – deverá resolver os seus assuntos familiares com liberdade e responsabilidade pessoais; daí derivam os diversos modos de demonstrar o afeto filial. Nessas manifestações também entram em jogo a iniciativa e a espontaneidade próprias do carinho, esperto e criativo, sempre capaz de encontrar o modo de fazer felizes os seus consanguíneos e viver a ordem da caridade pondo Deus em primeiro lugar. Entre outras coisas que se poderiam destacar, basta mencionar aqui as seguintes:

a) Rezar pelos pais, irmãos e familiares, não só pela sua saúde espiritual, mas também pelas suas alegrias, dificuldades e apuros que surgem em qualquer família e dos que devemos participar.
b) Mostrar com fatos o carinho que temos por eles, conforme for possível de acordo com as distâncias geográficas, as limitações de tempo e as exigências da pobreza cristã. Por exemplo, São Josemaria preguntava com frequência aos primeiros da Obra se escreviam aos seus pais[9].
c) Dar a conhecer de modo caloroso, positivo e afetuoso os seus esforços e projetos como membros do Opus Dei, e contar com eles, com a sua oração e com a sua ajuda, como outros filhos contam com eles para tornar realidade os seus sonhos e projetos.
d) E, naturalmente, facilitar que os próprios parentes tenham um conhecimento direto da Obra, e assim possam beneficiar-se da formação, espírito e atenção pastoral da Prelatura.

Em suma, a separação física não significa separação espiritual, pois o amor a Deus sempre une, nunca separa. A ordem da caridade leva a pôr Deus em primeiro lugar, e a fidelidade a Ele converte-se no único modo de ser feliz na terra e fazer felizes os familiares. O esforço por crescer no Amor, pressupõe também de forma natural a vontade efetiva de ser melhor filho e melhor irmão.

Poderia dizer-se até que os pais de um Numerário ou de um Agregado não só não perdem um filho, como ganham muitos mais, pois eles ocupam um lugar no coração de toda a Obra. Uma manifestação entre outras muitas é que cada ano se renova a Consagração das famílias dos fiéis do Opus Dei, que São Josemaria fez a 14 de maio de 1951 à Sagrada Família de Nazaré. As circunstâncias concretas desta Consagração estão narradas com detalhe nas biografias do Fundador[10], que num momento de incompreensão por parte de algumas pessoas, quis “colocar sob o patrocínio da Sagrada Família, Jesus, Maria e José, as famílias dos nossos: para que possam participar do gaudium cum pace da Obra, e obtenham do Senhor o carinho para o Opus Dei”[11]. Pouco depois cessaram em grande medida as incompreensões e os seus efeitos. Desde então, nos Centros da Obra, renova-se anualmente esta Consagração por ocasião da festa da Sagrada Família – os Numerários e Agregados nesse mesmo dia, e, na reunião mais próxima desse dia, os Supernumerários, para pedir a Deus que cumule de bênçãos as famílias dos membros do Opus Dei. Concretamente o texto pede a Deus do seguinte modo:

“Concede-lhes, Senhor, que cada dia conheçam melhor o espírito do nosso Opus Dei, a que nos chamaste para teu serviço e nossa santificação; infunde neles um amor grande à nossa Obra; faz que compreendam cada vez com luzes mais claras a formosura da nossa vocação, para que sintam um santo orgulho porque te dignaste escolhê-los, e para que saibam agradecer a honra que lhes outorgaste. Abençoa especialmente a colaboração que prestam ao nosso labor apostólico e fá-los sempre partícipes da alegria e da paz, que Tu nos concedes como prêmio da nossa entrega”[12].

Além disso, os benefícios desta Consagração continuam a ser atuais para os pais dos Numerários, Agregados e Supernumerários, porque todos os anos podem receber indulgência plenária, na Solenidade da Sagrada Família.

3. Lares luminosos e alegres

Para as pessoas casadas do Opus Dei, como para qualquer fiel cristão chamado por Deus ao matrimónio, a santificação dos laços familiares comporta naturalmente modos e obrigações específicas decorrentes do seu estado, que são além disso o cenário principal da sua busca de Deus na vida cotidiana. Por isso é que São Josemaria afirmava:

“Os esposos cristãos devem ter a consciência de que são chamados a santificar-se santificando, de que são chamados a ser apóstolos, e de que o seu primeiro apostolado está no lar. Devem compreender a obra sobrenatural que supõe a fundação de uma família, a educação dos filhos, a irradiação cristã na sociedade. Desta consciência da própria missão dependem, em grande parte, a eficácia e o êxito da sua vida: a sua felicidade”[13].

Portanto, é matéria primordial de santificação para os esposos, o crescimento no amor conjugal, que não se pode considerar garantido e que exige uma renovação contínua, atitudes concretas de afeto, com bom senso e sentido sobrenatural. Este pode inspirar-se no fato de que o amor dos esposos deve imitar o de Cristo pela sua Igreja, cujo mistério se realiza neles de modo análogo[14]. Marido e mulher devem respeitar a independência espiritual do outro cônjuge, mesmo quando também for da Obra.

Inspirado no exemplo da Família de Nazaré, o Fundador do Opus Dei escreveu: “Ao pensar nos lares cristãos, gosto de imaginá-los luminosos e alegres, como foi o da Sagrada Família”[15]. São efetivamente luminosos, porque o amor limpo irradia a luz do Amor de Deus, dentro da própria família e no ambiente social mais próximo.

A busca da santidade na família exigirá também uma dedicação generosa, incluso heroica, de tempo e carinho, compartilhada pelo marido e a mulher, para a formação dos filhos. A meta desta educação não reside apenas numa mera realização pessoal dos talentos e dons, nem na relativa felicidade ou prosperidade material, mas na esperança sobrenatural de que a família em seu todo reflita o amor de Deus por seus filhos os homens, e se aproxime da meta do Céu. Tradicionalmente os lares cristãos souberam transmitir esses valores com a prática em família de devoções como o Santo Rosário ou a assistência à Missa dominical, a bênção na mesa, meios que continuam sendo eficazes para iniciar os filhos na vida cristã[16].

Uma parte do carinho natural dos pais será conquistar o coração dos filhos e, de acordo com a idade e circunstâncias de cada um, velar pela sua formação doutrinal e religiosa. É um grava dever que os levará a transmitirem eles mesmos a doutrina cristã, com um maior motivo se a escola ou outras instituições não o garantem. Um aspecto não menos importante dessa formação será o de orientar as leituras, o tempo livre e o descanso dos filhos, de modo que a necessária diversão seja uma ocasião de se abrirem aos outros, de viver a pobreza e a sobriedade cristãs: em suma, de encontrar Deus nas coisas corriqueiras.

Em muitas ocasiões, educar os modos de diversão suporá ir contracorrente, e com uma boa dose de criatividade. No entanto, é enorme o bem que neste campo uma família cristã pode fazer com as suas amizades através do testemunho da sua palavra e da sua vida. Com efeito, as relações sociais são sempre uma admirável ocasião de dar exemplo e critério cristão, de irradiar a luz de Cristo entre as amizades.

Por último, é natural que Deus se sirva também da formação, da oração e do paciente empenho dos pais para que os filhos possam intuir a vontade de Deus para as suas vidas, em suma o seu lugar na Igreja. A respeito disto é bom recordar umas palavras do Catecismo da Igreja Católica:

“Embora os vínculos familiares sejam importantes, não são absolutos. Da mesma forma que a criança cresce para sua maturidade e autonomia humanas e espirituais, assim também sua vocação singular, que vem de Deus, se consolida com mais clareza e força. Os pais respeitarão este chamamento e favorecerão a resposta dos filhos em segui-lo. É preciso convencer-se de que a primeira vocação do cristão é a de seguir Jesus (cfr. Mt 16, 25): ‘Aquele que ama pai ou mãe mais do que a mim não é digno de mim. E aquele que ama filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim’ (Mt 10, 37)”[17].

“Tornar-se discípulo de Jesus é aceitar o convite de pertencer à família de Deus, de viver conforme a sua maneira de viver: ‘Aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, irmã e mãe’ (Mt 12, 50). Os pais aceitarão e respeitarão com alegria e ação de graças o chamamento do Senhor a um de seus filhos de segui-lo na virgindade pelo Reino, na vida consagrada ou no ministério sacerdotal”[18].

Além disso, tal como num momento determinado foram colaboradores de Deus na transmissão da vida, os pais podem converter-se em colaboradores de Deus para a perseverança dos filhos no seu caminho cristão.

A. Sánchez-Ostiz

Junho 2011

© CRIS 2011

Artigo publicado no site collationes.org


[1] Catecismo da Igreja Católica, n. 2197. Este mandamento menciona expressamente a honra devida aos progenitores, mas estende-se às várias relações de parentesco (avós, antepassados, parentes próximos e afastados), e inclui também as obrigações para com quem está investido da legítima autoridade.

[2] Cfr. São Josemaria, Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, n. 104.

[3] Cfr. São Josemaria, citado em PILAR URBANO, O homem de Villa Tevere, Quadrante, p. 231, nota 28.

[4] Catecismo da Igreja Católica, n. 2200.

[5] Ibid., n. 2214.

[6] Cfr. Ibid, n. 2215.

[7] Cfr. Ibid, nn. 2216-2217.

[8] São Josemaria, citado em PILAR URBANO, O homem de Villa Tevere, Quadrante, p. 231.

[9] Vid., entre outros textos, PILAR URBANO, O homem de Villa Tevere, Quadrante, p. 231.

[10] Ver, por exemplo, ANDRÉS VÁZQUEZ DE PRADA, O Fundador do Opus Dei, III, cap. XVIII, 1.

[11] Trad. de São Josemaria, citado em ibid.

[12] Ibid.

[13] São Josemaria, Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, n. 91.

[14] Cfr. Ef 5, 22-23.

[15] São Josemaria, É Cristo que passa, n. 22.

[16] Cfr. São Josemaria, Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, n. 103.

[17] Catecismo da Igreja Católica, n. 2232.

[18] Ibid.,n. 2233.