Meditações: sexta-feira da I semana da Quaresma

Reflexão para meditar na sexta-feira da I semana da Quaresma. Os temas propostos são: Os juízos críticos e o quinto mandamento; pensar o melhor possível dos outros; o amor de Deus livra-nos da inveja.


«AS SENTINELAS esperam a aurora, mas tu Israel, espera no Senhor; pois a misericórdia está no Senhor, nele está a Redenção abundante» (Sl 131, 7-8). Nós, cristãos, esperamos num Deus que é perdão e misericórdia, queremos olhar para o mundo junto d'Ele. A luta pela santidade também podia definir-se assim: essa progressiva identificação do nosso olhar com o Seu. Essa tarefa parte da purificação do nosso coração, mas não se trata de um processo automático. Por vezes, pode parecer-nos que estamos demasiado inclinados para o juízo temerário, para olhar as coisas só do nosso ponto de vista, sem sermos conscientes do mal que fazemos aos outros e do que nos faz a nós próprios. Jesus relaciona estas desavenças e inimizades com o quinto mandamento, o que manda não matar (cf. Mt 5, 21-24).

«Quem pode julgar o homem? A terra inteira está cheia de juízos temerários. Com efeito, aquele de quem desesperávamos, na altura em que menos se espera, converte-se subitamente e chega a ser o melhor de todos. Pelo contrário, aquele em quem tanto tínhamos confiado, no momento menos pensado, cai subitamente»[1]. O Reino de Deus está entre nós, e só o Senhor ocupará o lugar de juiz. Por que caímos com tanta frequência em juízos críticos? «Como é fácil criticar os outros! (...). O Espírito Santo, além de nos doar a mansidão, convida-nos à solidariedade, a levar os pesos dos outros. Quantos pesos estão presentes na vida duma pessoa: a doença, a falta de trabalho, a solidão, a dor…! E quantas outras provas que requerem a proximidade e o amor dos irmãos!»[2].


NÃO É FÁCIL desativar o mecanismo interior que nos leva à crítica, mas o Espírito Santo pode dar-nos luz para descobrir o que se passa no nosso coração quando surgem essas emoções negativas. «O dedo que aponta e o juízo que fazemos dos outros são com frequência um sinal da nossa incapacidade para aceitar a nossa própria debilidade, a nossa própria fragilidade. Só a ternura nos salvará da obra do Acusador (cf. Ap 12, 10). Por esta razão é importante encontrarmo-nos com a Misericórdia de Deus, especialmente no sacramento da Reconciliação, tendo uma experiência de verdade e de ternura»[3]. Uma consciência profunda do perdão, de não termos feito méritos para receber tanta bondade de Deus, levar-nos-á a considerar da mesma maneira aos outros, com um olhar benevolente. Algumas vezes, julgar os outros pode ser sintoma de nos julgarmos merecedores da graça, consequência de um Deus que não ama, mas paga.

Um caminho para não cair no juízo crítico é pensar sempre o melhor possível dos outros. S. Tomás de Aquino afirmava que «pode acontecer que quem interpreta no melhor sentido se engane com mais frequência; mas é melhor que alguém se engane muitas vezes tendo bom conceito dum homem mau, do que o que se engana raras vezes pensando mal dum homem bom, pois neste caso se faz uma injúria a outro, o que não acontece no primeiro»[4]. É melhor enganar-se, pensando bem do que injuriar por pensar mal. «Paradoxalmente, mesmo o Maligno nos pode dizer a verdade, mas, se o faz, é para nos condenar. Sabemos, no entanto, que a Verdade que vem de Deus não nos condena, mas que nos acolhe, nos abraça, nos sustenta, nos perdoa»[5]. «Habitua-te a falar cordialmente de tudo e de todos – recomendava S. Josemaria – em especial, dos que trabalham ao serviço de Deus. E quando isso não for possível, cala-te! Também os comentários bruscos ou descuidados podem raiar a murmuração ou a difamação»[6].


«SE LEVARES em consideração as culpas, Senhor, quem, meu Senhor, poderá subsistir?» (Sl 130, 3), perguntamo-nos com o salmista. Por isso, consola-nos pensar quanto o Senhor nos perdoou a cada um, considerar o seu amor gratuito para connosco, apesar das nossas traições. No entanto, paradoxalmente, por vezes a inveja leva-nos a entristecer-nos com os bens alheios, fundamentalmente com o amor ou a deferência que recebem. Se fôssemos plenamente conscientes de como é o amor exclusivo de Deus por cada um, este desvio não teria lugar no nosso coração.

O Santo Cura d’Ars dizia que «se tivéssemos a dita de estar livres do orgulho e da inveja, nunca julgaríamos ninguém, mas contentar-nos-íamos com chorar as nossas misérias espirituais, rezar pelos pobres pecadores, e mais nada, bem persuadidos de que Deus não nos pedirá contas dos atos dos outros, mas só dos nossos»[7]. No entanto, enquanto não aprendermos a alegrar-nos com os bens dos outros, a inveja acompanhar-nos-á ao longo de todo o nosso caminhar na terra. Para nossa sorte, Jesus aceitará um juízo injusto que ferirá a Sua honra para nós sermos livres de qualquer condenação; para nos vermos livres da própria necessidade de julgar e de sermos julgados.

«A Santíssima Trindade coroou a nossa Mãe. – Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, pedir-nos-á contas de toda a palavra ociosa. Outro motivo para dizermos a Santa Maria que nos ensine a falar sempre na presença do Senhor»[8].


[1] Sto. Agostinho, Sermão 46, Sobre os pastores, 24-25.

[2] Francisco, Audiência, 03/11/2021.

[3] Francisco, Patris Corde, n. 2.

[4] S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II, q.60, n.4, ad 1.

[5] Francisco, Patris Corde, n. 2.

[6] S. Josemaria, Sulco, n. 902.

[7] Santo Cura d’Ars, Sermão sobre o juízo temerário.

[8] S. Josemaria, Sulco, n. 926.