Meditações: 27 de dezembro, São João, Apóstolo e Evangelista

Reflexão para meditar no dia 27 de dezembro, Festa de S. João, Apóstolo e Evangelista. Os temas propostos são: o discípulo que Jesus amava; a paciência de Deus transforma-nos; amar como Jesus ama.


PEDRO E JOÃO, tendo ouvido o testemunho de Maria Madalena, correram para o túmulo vazio do Senhor. Nesta passagem do Evangelho de hoje, o quarto evangelista apresenta-se como o discípulo «a quem Jesus amava» (Jo 20, 2). Porque é que João, cuja festa estamos a celebrar, foi o discípulo amado, o preferido de Cristo? Talvez por ser o mais novo, ou talvez fosse o que mais precisasse desse carinho especial... Poderá ser devido ao seu carácter ardente, ou simplesmente porque Jesus assim o quis. O que sim, sabemos, é que S. João estava convencido de ser depositário do afeto inconfundível com que o Senhor o tratava.

No entanto, todos podemos dizer que somos amados de uma forma especial, única e exclusiva por Deus. É parte do mistério do seu amor por nós. A fé assegura-nos disso, mas por vezes os nossos corações resistem um pouco a acreditar que assim é. De facto, «o Natal recorda-nos que Deus continua a amar cada pessoa. A mim, a ti, a cada um de nós, Ele diz-nos hoje: “Amo-te e amar-te-ei sempre, és precioso aos meus olhos”»[1]. Efetivamente, como fez com S. João, «o Senhor deseja que cada um de nós seja um discípulo que viva uma amizade pessoal com Ele. Para o conseguir, não basta segui-l’O e ouvi-l’O exteriormente; precisamos também de viver com Ele e como Ele. Isto só é possível no quadro de uma relação de grande familiaridade, imbuída do calor de uma confiança total. Isto é o que sucede entre os amigos»[2].


JOÃO ERA IMPETUOSO, e Jesus sabia-o perfeitamente quando o escolheu. Por exemplo, quando não foram recebidos na Samaria, o discípulo amado pergunta-Lhe: «Queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma?» (Lc 9, 54). Numa outra ocasião, seguro de si mesmo, contou a Jesus que tinham proibido de expulsar demónios a alguém que não ia com eles (cf. Mc 9, 38). Jesus vai ouvindo, sempre com paciência. Quantas horas terão partilhado para encaminhar aquele fogo devorador e fazer crescer na sua alma a semente da autêntica caridade. «Por vezes acontece que nos opomos à paciência com que Deus trabalha o terreno da história, e o terreno dos nossos corações, com a impaciência daqueles que julgam tudo de modo imediato: agora ou nunca, agora, agora, agora. E assim perdemos aquela virtude, a "pequena", mas a mais formosa: a esperança»[3].

João aprendeu bem as lições do Mestre porque se sabia amado. Os Evangelhos permitem-nos rastrear a mudança que se foi operando em João. Na corrida ao sepulcro que lemos hoje, por exemplo, vemo-lo menos inflamado, tem a deferência de esperar que Pedro entre: «Então também o outro discípulo, que tinha vindo mais cedo ao túmulo, entrou, viu e acreditou» (Jo 20, 8). No final da sua vida, repetirá incansavelmente aos primeiros cristãos aquilo que constitui a essência da mensagem do Evangelho: «Queridíssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor procede de Deus, e todo aquele que ama nasce de Deus e conhece Deus» (1Jo 4, 7). S. Jerónimo relata como os discípulos de S. João lhe perguntaram, no final da sua vida, porque é que ele repetia tanto isto; e ele conta como o evangelista respondeu: «Porque este é o preceito do Senhor, e só o seu cumprimento é mais do que suficiente»[4].


«QUEREI-VOS muito uns aos outros – repetia S. Josemaria –. E ao dizer isto, digo-vos o que está na entranha do cristianismo: Deus caritas est (1Jo 4, 8), Deus é carinho. Lembrais-vos daquele João (...)?» Então, o fundador do Opus Dei recordava o que o apóstolo dizia quando já era «velho, velho, velho, apesar de que ele se deveria sentir jovem, jovem»[5]: que a mensagem cristã se resume «não em que tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou primeiro e enviou o Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados» (1Jo 4, 10). Por isso, aos olhos de um cristão, todas as pessoas são destinatárias do carinho infinito de Deus.

«Deus precedeu-nos com o dom do seu Filho. Uma e outra vez, nos precede de forma inesperada (...). Ele volta a começar connosco sempre de novo. Não obstante, espera que amemos com Ele. Ele ama-nos para que nos possamos tornar pessoas que amam juntamente com Ele e assim haja paz na terra»[6]. Depois de desejar uma chuva de fogo que devorasse a cidade de Samaria, João relata a cena de Jesus e da mulher samaritana. Ele é o único evangelista que o faz. Talvez este relato tenha sido fruto de uma das suas muitas conversas com o Mestre, que lhe quis explicar porque deveria amar a todos, tal como Deus Pai os ama.

João é, finalmente, o discípulo que recebe de Jesus a doce tarefa de cuidar da Virgem Maria. Quem cuidou de quem? Certamente ambos cumpriram a sua missão cheios de alegria e gratidão. Maria, que contemplou todas as pessoas através do seu Filho, amou João cumprindo a última vontade de Jesus. Podemos voltar-nos para Ela e para São João para que Deus ponha nos nossos corações aquele amor que se torna frutuoso nos outros.


[1] Francisco, Homilia, 24/12/2019.

[2] Bento XVI, 05/07/2006.

[3] Francisco, 02/02/2021.

[4] S. Jerónimo, Comentário sobre a Epístola aos Gálatas, 3, 6.

[5] S. Josemaria, Notas tomadas numa reunião familiar, 19/03/1964.

[6] Bento XVI, 24/12/2010.