Homilia da Missa por D. Álvaro del Portillo

Palavras que o Prelado do Opus Dei pronunciou na Basílica de Santo Eugénio (Roma), no 13º aniversário do falecimento de D. Álvaro del Portillo.

Queridos irmãos e irmãs:

1. Para começar, sugiro-vos dar graças a Deus com todo o coração porque, no mundo inteiro, milhares e milhares de pessoas se reúnem hoje para agradecer ao céu a eficácia apostólica da vida do queridíssimo Bispo, Prelado do Opus Dei, D. Álvaro del Portillo.

Ressoam-nos ainda nos ouvidos as palavras de Jesus no Evangelho: Eu Te louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e prudentes e as revelaste aos pequeninos. Assim é ó Pai, porque assim foi do Teu agrado  (Mt 11, 25-26).

Entre as verdades reveladas por Cristo, a da nossa filiação divina enche de alegria as nossas almas, sempre que nos detemos para a meditar. Com efeito, na fonte baptismal, Nosso Senhor Jesus Cristo converteu-nos em verdadeiros filhos de Deus Pai pela graça do Espírito Santo. A partir desse momento, feitos participantes da natureza divina, começamos a fazer parte da família de Deus. Isso mesmo nos foi recordado pelas palavras de São Paulo aos Romanos: Irmãos, os que são guiados pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus. Porque não recebestes um espírito de escravidão para estar novamente com temor, mas recebestes um Espírito de filhos de adopção, mercê do qual clamamos: «"Abba, Pai!» (Rm 8, 14-15).

  Ser filhos de Deus em Cristo é o distintivo dos cristãos, a condição fundamental dos seguidores de Jesus. Como bem sabeis, S. Josemaría Escrivá recebeu de Deus um sentido vivíssimo da filiação divina, para o viver pessoalmente e para o ensinar aos outros. Esta foi sempre a sua pregação. «Todos os homens – escrevia – são filhos de Deus. Mas um filho pode reagir diante do seu pai, de muitas maneiras. É preciso esforçar-se por ser filhos que procuram dar-se conta de que o Senhor, ao querer-nos como filhos, fez com que vivamos em Sua casa, no meio deste mundo, que sejamos da Sua família, que o Seu seja nosso e o nosso Seu, que tenhamos essa familiaridade e confiança com Ele que nos faz pedir, como o menino pequeno, a lua!»[1].

2. Esta mensagem de actualidade perene torna-se ainda mais premente durante as semanas de preparação para a Páscoa. Com efeito, com a sua morte e a sua ressurreição, o Senhor ganhou-nos a filiação divina adoptiva: dignidade imensa que a mente humana nunca teria podido imaginar. Os Padres da Igreja, ao expor esta verdade, não deixam de manifestar a sua maravilha. «O que será mais assombroso – questionava-se, por exemplo, São Pedro Crisólogo – que Deus Se dê à terra ou que nos dê o céu? Que se una à nossa carne ou que nos introduza na comunhão da sua divindade? Que assuma Ele a morte ou que nos chame da morte? Que nasça em forma de servo ou que nos gere na qualidade de seus filhos? Que adopte a nossa pobreza ou que nos faça seus herdeiros, co-herdeiros do seu único Filho? Sim, o que é mais maravilhoso é ver a terra convertida em céu, o homem transformado pela divindade, o servo com direito à herança do seu senhor»[2].

A fé na nossa filiação divina em Cristo deveria provocar em nós, cada vez que nos detemos a meditá-la, um assombro enormíssimo e uma alegria imensa. Nunca deveríamos acostumar-nos a esta realidade! Assim viveu D. Álvaro del Portillo, especialmente desde o começo da sua vocação no Opus Dei, quando aprendeu e experimentou plenamente as consequências práticas desta verdade. O queridíssimo D. Álvaro assimilou perfeitamente os ensinamentos de S. Josemaría; fê-los carne da sua carne, vida da sua vida. Os que o conheceram, recordaremos sempre a serenidade, a paz, o confiado abandono nas mãos de Deus que conseguia transmitir – às vezes com um simples olhar, somente com a sua presença – precisamente como fruto de quem se sabe e se sente filho de Deus.

Este rasgo tão característico da sua vida assume hoje para nós o valor de um exemplo. Do céu, convida-nos a recordar-nos da nossa filiação divina a todo o momento e, especialmente, quando as circunstâncias da vida tentam empurrar-nos para o fosso escuro da tristeza ou do desânimo. Escutemos umas palavras suas, retiradas de uma carta pastoral. «O conhecimento de que somos filhos muito queridos de Deus mover-nos-á poderosamente. Com efeito, a meditação frequente desta verdade traz consigo consequências bem precisas na luta interior, no trabalho e no apostolado: em toda a conduta. Com os impulsos da piedade filial, a fé torna-se inalterável, a esperança segura, a caridade ardente. Nenhuma dificuldade, de dentro ou de fora, será capaz de remover o nosso optimismo, embora externamente tudo nos seja árduo. E como dote inseparável deste dom preciosíssimo, vem à alma o gaudium cum pace, a alegria e a paz, tão próprias dos filhos de Deus (...), para que as semeemos abundantemente à nossa volta»[3].

  3. Muitos dos participantes na Santa Missa vieram a Roma por ocasião do Congresso Internacional da Família. Estais aqui para dar testemunho, uma vez mais, da beleza da família, que está fundada sobre o matrimónio e para contribuir para a solução de alguns dos problemas com que se enfrenta a sociedade civil no nosso tempo. Conscientes da vossa filiação divina e plenamente coerentes com a vossa fé cristã, conheceis perfeitamente que há alguns pontos que temos que defender a todo o custo e promover com fortaleza e perseverança, para o bem de todos. Para esta atitude move-nos a lealdade à lei de Deus e, consequentemente, o desejo de semear nas almas a alegria e a paz.

O Santo Padre Bento XVI fala com frequência destes temas, esclarecendo, sem descanso, que não é lícito haver cedências, porque está em jogo o destino da sociedade civil. Recentemente, uma vez mais, recordou esses temas na exortação apostólica sobre a Eucaristia. Falando da coerência eucarística, o Papa escreve: «O culto agradável a Deus nunca é um acto meramente privado, sem consequências nas nossas relações sociais: pelo contrário, exige o testemunho público da própria fé»[4]. Entre os pontos que todos temos que defender e testemunhar, Bento XVI indica alguns valores fundamentais, «como o respeito e a defesa da vida humana, desde a sua concepção até ao seu fim natural, a família fundada no matrimónio entre homem e mulher, a liberdade de educação dos filhos e a promoção do bem comum em todas as sus formas. Estes valores não são negociáveis»[5].

Vida, família, liberdade: três grandes temas que interessam a todos os homens e a todas as mulheres de boa vontade, porque se acham profundamente enraizados na natureza humana. É óbvio que, nalguns destes pontos, corresponde sobretudo às pessoas casadas dar uma resposta humana e cristã, com as palavras e com as obras. Convido-vos, pois, a intensificar os vossos esforços e a unir-vos a tantas outras pessoas – inclusivamente não católicas e não cristãs – que se sentem ameaçadas nas suas convicções mais profundas, para vencer o desafio lançado por um modo de pensar secularizado e relativista.

4. Este empenho civil e de defesa das raízes cristãs da nossa sociedade era muito querido por D. Álvaro. Recordo a prontidão e determinação com que secundou sempre as directrizes do Papa. Por exemplo, penso na sua carta pastoral de Dezembro de 1985, escrita para animar os fiéis e os cooperadores da Prelatura do Opus Dei a tomar parte activa na nova evangelização da sociedade. Naquelas páginas, depois de expor os perigos que ameaçam a sociedade, quando não se reconhece o lugar primário de Deus nela, o meu amadíssimo predecessor impulsionava todos para uma acção concreta e incisiva; e assinalava que o remédio mais eficaz é a vida interior, a união de cada um com Deus e, como consequência necessária, o apostolado pessoal, através da vida corrente de trabalho e das relações sociais[6].

Ao oferecer esta Santa Missa em sufrágio por D. Álvaro, no décimo terceiro aniversário da sua partida deste mundo, peçamos-lhe que interceda por estas intenções. Confiamo-las especialmente Àquela que trouxe no seu seio a Vida com maiúscula, o Filho de Deus feito Homem. Que a Santíssima Virgem, Mãe de Deus e nossa Mãe, Rainha da família, nos ajude a levar por diante este apostolado tão transcendente nos momentos actuais do mundo e da Igreja. Assim seja. 

Roma, Basílica de Santo Eugénio, 23-III-2007

[1] S. Josemaría, Cristo que passa, n. 64,

[2] São Pedro Crisólogo, Sermão 67.

[3] D. Álvaro del Portillo, Carta pastoral, 1-V-1988.

[4] Bento XVI, Exhort. apost. Sacramentum caritatis, 22-II-2207, n. 83.

[5] Ibid.

[6] Cfr. D. Álvaro del Portillo, Carta pastoral, 25-XII-1985, n. 9.