“Hoje em dia, sinceramente, tudo me parece bom”

Entrevista com Carlos Gaspar Koch, agente da ONG "Telefone da Esperança". Apesar de ser cego, coopera como orientador dando a mão a pessoas em crise psicológica. “Viver é uma grande aventura”, afirma.

Carlos Gaspar Koch pertence ao Opus Dei desde 1955. Ele e a sua mulher, Stella, são cegos. Têm três filhos: Marta. de 11 anos, Itziar, de 8, e Jorge, com 1. Carlos coopera numa ONG que atende pessoas em situação de crise psicológica. Para levar a cabo melhor esta actividade, começou a estudar o curso de Psicologia.

Que significa, para uma pessoa como o senhor, viver sem ver a vida?

Para mim viver é essencialmente uma grande aventura da qual cada dia é um novo episódio: a aventura da minha felicidade e da dos outros. A mim tem-me ajudado muito considerar Deus como pai e como amigo, que melhor me conhece. Deste modo a vida adquire uma nova dimensão: viver passa a significar íntima relação através dos acontecimentos da vida quotidiana. Além disso, sei que sempre poderei ser útil a alguém. Uma oportunidade é-me oferecida actualmente pelo Telefone da Esperança, uma ONG na qual colaboro. Em tudo isto, há ensinamentos de S. Josemaría que têm constituído um estímulo importante; por exemplo, há um ponto de “Caminho” que diz “Não podes viver de costas voltadas para a multidão: é preciso que tenhas ânsias de torná-la feliz”.

E a cegueira, que supôs para si?

A perda da vista foi uma circunstância vital crítica. Agora, hoje em dia, sinceramente, tudo me parece bom. Esta crise ajudou-me a voltar a reparar em coisas que estavam silenciadas e levou-me a encarar bem de frente a minha realidade de então: fiquei diante da minha própria vida. Por motivo da cegueira, descobri assuntos e perspectivas que tinha de ver de novo, e valorizei coisas na minha pessoa que até aquele momento me tinham passado desapercebidas. É difícil explicar como aprendi a relativizar os acontecimentos e, ao mesmo tempo, valorizar a minha existência ao encontrar-me com a de Deus.

Como é que encontrou Deus?

É uma longa história difícil de resumir. Quando fiquei cego, a primeira reacção foi de surpresa, sentimento que logo passou a ser de angústia e de certa solidão. Quem era eu…? Toda a segurança que tinha ficou despedaçada…Mas depois, quando me senti pessoalmente compreendido e acolhido, experimentei uma imensa serenidade. Vislumbrei de onde e até onde a minha existência tinha uma explicação: penso que é justo dizer que encontrei Deus no amor.

Com o tempo Deus foi-me sugerindo também como dar sentido pleno à minha vida. Experimentei na própria pele que Deus convida, pede e dispõe as ajudas necessárias para o nosso caminho: uma pessoa do Opus Dei cruzou-se na minha vida e a sua amizade e ajuda naqueles dias motivaram a minha aproximação ao trabalho espiritual e formativa da Prelatura até que discerni como possível para mim a vocação para o Opus Dei.

Em que consiste a sua colaboração com o Telefone da Esperança?

Fundamentalmente sou agente de ONG e coopero como orientador deitando a mão a pessoas em crise psicológica. Atendo bastantes consultas pelo telefone e também recebo visitas na própria sede da organização. Para levar a cabo esta actividade com profissionalismo, comecei a tirar o curso de psicologia, do que me alegro, porque adquiri conhecimentos que são de grande ajuda para este projecto.

E a sua esposa, que diz de tudo isto?

Stella, que é psicóloga em exercício, apoia-me completamente e é uma grande ajuda. Além disso, juntos embarcamos para levar por diante, um grupo de formação matrimonial. Neste momento, parece-nos vital defender a união conjugal, como um vínculo de amor, como projecto comum que se consolida mais em cada dia. Além disso, Stella e eu pensamos que a actividade dos pais é importantíssima na educação dos filhos, uma responsabilidade que não se pode delegar. Mas sobretudo queremos transmitir uma perspectiva mais ampla o matrimónio, uma vocação, como dizia o fundador do Opus Dei, um caminho divino.