Os evangelhos narram os percursos feitos por nosso Senhor pelos caminhos da Palestina. Nesses trajetos foram muitas as pessoas que se encontraram com Ele. Alguns, tristemente, não souberam reconhecer o Filho de Deus nessa figura misericordiosa, amável e extraordinária que lhes saía ao encontro. Outros, pelo contrário, acreditaram n’Ele e souberam acolhê-l’O. Assim fizeram as pessoas da Galileia que tinham visto os sinais realizados por Jesus[1] e muitos outros cujos nomes não ficaram recolhidos nos evangelhos. Mas entre os que disseram que sim a Cristo encontramos, por exemplo, os Doze, Zaqueu, o centurião… Noutros artigos anteriores considerámos o exemplo de fé que nos deram algumas dessas pessoas. Agora olharemos para Marta e Maria, que tiveram a maravilhosa fortuna de hospedar nosso Senhor.
A receção que Marta faz ao Senhor "em sua casa"[2] é expressão e resultado da sua fé n’Ele. Marta acreditou em Jesus. Abriu-lhe não só as portas da sua casa, mas também as do seu coração. E como a Marta, o Senhor bate também à porta dos corações dos homens e mulheres de todos os tempos, pedindo para entrar. A Palavra Eterna do Pai feita Homem sai ao encontro dos seus irmãos os homens procurando acolhimento. Pela nossa parte, só é necessário recebê-l’O pela fé, tal como ensina o Catecismo da Igreja Católica: a fé é a resposta a Deus que se revela e se entrega ao homem[3]. A fé é abrir as portas a Cristo, hospedá-l’O na própria casa, partilhar a mesa com Ele, deixar que entre até ao mais íntimo da alma. Assim fez a família de Betânia composta por Marta, Maria e Lázaro. E à semelhança deles, nós também podemos participar na intimidade divina, pois «a fé faz-nos saborear de antemão a alegria e a luz da visão beatífica, fim do nosso caminhar daqui de baixo», pois é «o começo da vida eterna»[4].
Fé com obras
A fé implica uma confiança e um abandono em Deus que constituem o começo da justificação. Além disso, esta virtude leva consigo o assentimento de um conjunto de verdades que se propõem para ser acreditadas. Ao mesmo tempo, a fé, se é verdadeira, "atua pela caridade"[5], manifestando-se em detalhes concretos de amor, porque o encontro com Cristo «dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva»[6] à vida quotidiana. A fé não «nos separa da realidade, antes nos permite captar o seu significado profundo, descobrir quanto Deus ama este mundo e como o orienta incessantemente para Si; e isto leva o cristão a comprometer-se, a viver com maior intensidade ainda o seu caminho sobre a terra»[7]. Marta acolhe o Senhor e manifesta a sua fé e confiança n’Ele ocupando-se "das tarefas de servir"[8]. Não só crê em Jesus, mas além disso deixa-O entrar na sua vida, reconhecendo o seu senhorio com obras e procurando com factos concretos obsequiar o Divino Hóspede.
A atitude de Marta manifesta que a resposta a Deus não se fica apenas no plano intelectual, nem só no afetivo, mas reconhece-se também pelos factos. Uma vez que a pessoa acolhe Deus que se revela, a fé afeta o conjunto do seu ser e do seu atuar. Por isso, as obras – realizadas também por amor – são necessárias para a salvação. S. Tiago, diante da possibilidade de que alguém pudesse dizer que tem fé e não obras, diz: "mostra-me a tua fé sem obras, e eu pelas minhas obras te mostrarei a fé"[9]. As obras cooperam no crescimento e aumento da justificação[10]. Como ensina o Catecismo, «a fé permanece naquele que não pecou contra ela. Mas, "a fé sem obras está morta" (St 2,26): Privada da esperança e da caridade, a fé não une plenamente o fiel a Cristo nem faz dele um membro vivo do seu Corpo»[11].
Assim como Cristo manifestou o seu amor ao Pai com obras, os cristãos, como bons filhos, devemos realizar e amadurecer a nossa condição filial no nosso cumprimento amoroso da vontade de Deus. Não basta afirmar que cremos em Deus e nos abandonamos ao seu querer, se não o ratificamos com factos: se não acabamos bem o nosso trabalho por amor a Ele, se não sabemos sofrer por Ele, se não temos detalhes de delicadeza com os outros, se não aceitamos as doenças e contratempos, se nos queixamos diante do que nos desgosta… Santo Agostinho, sobre esta doutrina, escreve: «todas as tuas obras se devem basear na fé, porque "o justo vive da fé e a fé age por amor"[12]. As obras boas, as ações realizadas com esperança e por amor, serão as que nos acompanharão quando tivermos de apresentar-nos diante do Altíssimo. Isso é o que ensina S. Josemaria quando fala de uma fé operativa[13], uma fé que atua por amor e se manifesta na vida quotidiana das filhas e dos filhos de Deus.
Marta, mesmo quando inicialmente se queixa junto do Senhor pela aparente inatividade da sua irmã, é exemplo de confiança e fé em Jesus. S. Josemaria animava a seguir o seu exemplo, e a "manifestar-lhe sinceramente as vossas inquietações, até as mais pequenas"[14]. Também para nós, o verdadeiro sinal de que cremos e amamos a Deus serão as obras de amor: o carinho que pomos em viver uma determinada prática de piedade ou uma devoção cristã, os detalhes de caridade com as pessoas que nos rodeiam, o cuidado do trabalho, o interesse em compreender e ajudar as pessoas com quem convivemos, e um sem fim de ações que enchem o nosso dia. Todas essas atividades devem refletir a nossa fé, porque estarão iniciadas e acabadas pelo amor a Deus e ao próximo. Os factos concretos realizados por amor confirmarão a autenticidade do que acreditamos, de que a fé atua em nós pela caridade.
Fé que adora
Certamente, as obras não devem sufocar a fé. Esse é o risco do ativismo, do fazer por fazer, do deixar-se levar por um turbilhão de ações. Jesus reprovou a Marta o esquecer-se do mais importante: "Tu preocupas-te e inquietas-te com muitas coisas. Mas uma só é necessária"[15]. É um ensinamento que o Senhor também recorda quando chama a atenção para o perigo de centrar-se nas necessidades materiais mais imediatas: Por todas essas coisas se esforçam as pessoas do mundo. Bem sabe o vosso Pai que estais necessitados delas. "Procurai antes o seu Reino, e o restovos será dado por acréscimo "[16]. O perigo de “atarefar-se em muitas coisas”, do fazer, do ativismo, está sempre à espreita.
Por isso, a atividade que desempenhamos, e que queremos que esteja entretecida de obras de amor a Deus, tem necessidade da escuta atenta e contemplativa da Palavra divina. Assim o manifesta Maria, que, "sentada aos pés do Senhor, escutava a sua palavra"[17]. É fácil imaginar a cena: Maria olhando sem pestanejar para Jesus e embebendo-se nas suas palavras. Por isso, a Tradição da Igreja viu nela uma imagem da vida contemplativa. S. Josemaria animava a tratar Jesus na oração como o fazia Maria, ensimesmando-nos como ela, que estava "pendente das palavras de Jesus"[18].
Se a fé sem obras está morta, a fé que não se alimenta da adoração languidesce. O nosso dia, de manhã à noite, está repleto de múltiplas ocupações: de um trabalho absorvente e exigente, da atenção à família, do convívio com os nossos amigos. Mas se queremos que todas essas atividades sejam um encontro com o Senhor, necessitamos de uns momentos do dia para nos “sentarmos” na presença de Deus, para ajoelharmos diante do Senhor e adorá-l’O; queremos que nesse tempo não haja nada que nos possa distrair da contemplação, de olhar e escutar atentamente o Senhor. «Antes de qualquer atividade e de qualquer mudança do mundo, deve estar a adoração. Só esta nos faz verdadeiramente livres, só esta nos dá os critérios para a nossa ação. Precisamente num mundo em que progressivamente se vão perdendo os critérios de orientação e existe o perigo de que cada um se converta no seu próprio critério, é fundamental sublinhar a adoração»[19].
A fé, pois, leva à adoração, conduz a antecipar o que será a nossa vida com Deus para sempre nos céus, a querer realizar aqui na terra o que os anjos fazem no Céu dando glória a Deus. A fé que adora, leva-nos a prostrar-nos diante de Deus e a desejar unir-nos a Ele. Por isso, a fé, que é confiança e adesão a Deus, encontra um momento culminante na adoração eucarística. Esse foi também o ensinamento de S. Josemaria: "Deus Nosso Senhor necessita que o repitais, ao recebê-l’O todas as manhãs: Senhor, creio que és Tu, creio que estás realmente oculto nas espécies sacramentais! Adoro-Te, amo-Te! E, quando Lhe fizerdes uma visita no oratório, repeti-lho novamente: Senhor, creio que estás realmente presente! Adoro-Te, amo-Te! Isso é ter carinho ao Senhor. Assim O amamos mais todos os dias. Depois, continuai a amá-l’O durante o dia, pensando e vivendo esta consideração: vou acabar bem as coisas por amor a Jesus Cristo que nos preside do tabernáculo"[20]. Entende-se, por isso, que o fundador do Opus Dei se referisse ao sacrário como Betânia e animasse os que o ouviam meter-se nele[21]. Pela fé no Senhor sacramentado podemos “introduzir-nos” no sacrário e pré saborear a visão de Deus e essa atitude de adoração permite-nos estar pendentes d’Ele até conseguir uma união de amor que se manifesta em todas as atividades do dia.
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Quando numa ocasião anunciaram a Jesus que a sua Mãe e os seus parentes desejavam vê-l’O, Ele, em resposta, disse-lhes: "a minha mãe e os meus irmãos são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática"[22]. A cena de Betânia ratifica este ensinamento. Escutá-l’O, como Maria e cumprir o que diz como Marta, encarna a fé dos que pertencem à família de Deus. Mediante a escuta da Palavra e o esforço por pô-la em prática seremos membros vivos da Igreja e, com a graça de Deus, chegaremos à meta: «Para viver, crescer e perseverar até ao fim na fé devemos alimentá-la com a Palavra de Deus; devemos pedir ao Senhor que a aumente (cfr. Mc 9,24; Lc 17, 5; 22, 32); deve “atuar pela caridade” (Gal 5, 6; cfr. St 2, 14-26), ser apoiada pela esperança (cfr. Rom 15, 13) e estar enraizada na fé da Igreja»[23]. E se nalguma ocasião nos pode parecer difícil ou não sabemos bem como fazer, encontraremos exemplo e ajuda na Nossa Mãe Santa Maria. Ela foi quem com mais atenção escutou a Palavra de Deus e quem, com o seu fiat, mais fielmente a pôs em prática. N’Ela em todos os momentos a fé atuou por amor.
Juan Chapa
[1] Cfr. Lc 8, 40.
[2] Lc 10, 38.
[3] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 26.
[4] Catecismo da Igreja Católica, n. 163.
[5] Gal 5, 6.
[6] Bento XVI, Carta enc. Deus Caritas est, 25-XII-2005, n. 1.
[7] Francisco, Carta enc. Lumen fidei, 29-VI-2013, n. 18.
[8] Lc 10, 40.
[9] St 2, 17-18.
[10] Cfr. Conc. de Trento, Decreto sobre a justificação, cap. 10.
[11] Catecismo da Igreja Católica, n. 1815, referindo-se ao Concilio de Trento.
[12] Santo Agostinho, Enarrationes in Psalmos 32, 2, 9.
[13] Cfr. S. Josemaria, Caminho, n. 317; Sulco, n. 111; Forja, n. 155; Amigos de Deus, n. 198, etc.
[14] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 222.
[15] Lc 10, 41-42.
[16] Lc 12, 30-31.
[17] Lc 10, 39.
[18] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 222.
[19] Bento XVI, Discurso à Cúria Romana, 22-XII-2005.
[20] S. Josemaria, Apontamentos tomados numa tertúlia, 4-IV-1970, em J. Echevarría, Carta pastoral, 6-X-2004.
[21] Cfr. Caminho, nn. 269 e 322.
[22] Lc 8, 21.
[23] Catecismo de la Igreja Católica, n. 162.