Alberto (V. N. Gaia): Aquela confissão 18 anos depois

Atleta no Porto, filho de pescadores e um fã de Star Wars. Hoje, bancário, conta como redescobriu a confissão 18 anos depois e recorda: "chorei muito, como quando se perde um pai ou uma mãe". Este é o testemunho de Alberto, cooperador do Opus Dei.

Chamo-me Alberto, nasci em Gaia, tenho 52 anos. Os meus pais formaram uma família muito humilde: o meu pai era pescador e a minha mãe era peixeira e vendia o peixe que o meu pai pescava.

Era um miúdo normal. Estudava na Escola do Viso em Gaia e era um aluno mediano. Gostava de jogar futebol, de correr e de computadores. Era do CAP (Clube de Atletismo do Porto), onde correu a Rosa Mota. Treinava diariamente numa pista de terra com sapatilhas de bicos. Competia em provas de velocidade e cheguei a ir aos Nacionais no Estádio de Alvalade e no Jamor. A minha especialidade era a prova dos 100 metros.

Numa competição de 4x400 metros no Estádio Nacional (Jamor)

Nasci no seio de uma família católica, mas aos 12 anos deixei de ir à Missa. No Natal não ia à Missa. Ia somente nos funerais. Lembro-me da visita do Papa João Paulo II ao Porto. Recordo as imagens dele a chegar no helicóptero à Serra do Pilar. Recordo que a minha mãe estava eufórica, mas a mim não me marcou.

Nasci no seio de uma família católica, mas aos 12 anos deixei de ir à Missa.

Também gostava muito de máquinas eletrónicas. Aos 13 anos tive o primeiro computador pessoal. Um dia, pedi um PC Timex Sinclair ZX81 com 8KB de memória à minha mãe pelo Natal. Tinha linguagem Basic, não dispunha de capacidades gráficas e gravava em fita magnética. Hoje, qualquer relógio de pulso ou simples calculadora tem mais memória e muita mais capacidade computacional do que aquele PC.

Um grande fã de Star Wars

Também gostava muito de cinema. Sou um grande fã de Star Wars. Sempre que saía uma série nova, lá juntava dinheiro para poder ir ver ao cinema. Não tinha muito tempo livre. O meu pai, pedia-me sempre para o acompanhar no barco de pesca nas férias de Natal, Páscoa ou férias grandes do Verão. Dizia-me que era para treinar e caso chumbasse no ano escolar, passaria a efetivo.

"Sou um grande fã de Star Wars. Sempre que saía uma série nova, juntava dinheiro para ir ao cinema"

Sempre tive uma relação próxima com o mar. Era uma forma de me incentivar: se chumbasse de ano ia trabalhar no barco. Pescávamos no rio e no mar, sempre na foz do rio Douro ou na costa do Porto/Gaia. Via-me como uma criança no meio de pessoas que já estavam muito habituadas ao mar, a passar uma noite inteira à espera de uma boa faina. Um dia, um barco afundou-se ao nosso lado. Nunca mais me esqueci disso: morreram três pessoas e eu pensei: “porquê eles e eu não?”. Estas reflexões eram complementadas pelos conselhos paternais: “estuda para não seres pescador como o pai”. O meu pai insistia para que eu fosse médico.

Um dia, um barco afundou-se ao nosso lado. Nunca mais me esqueci disso: morreram três pessoas e eu pensei: “porquê eles e eu não?”

E, por isso, quis aplicar-me nos estudos. Estudei até ao 12.º na Escola Secundária de Gaia. Continuava a fazer muito desporto. Para mim não havia impossíveis: via um autocarro dava uma corrida e… apanhava.

O tema da morte nunca era abordado. Era um tema que não me preocupava. Vivia o presente. Vivia o momento. Não pensava no futuro. Sentia-me como o centro de tudo, não precisava de Deus.

Tinha pouca doutrina e o meu afastamento da fé levava-me a ter sentimentos para com os outros que nem sempre eram os mais corretos. Com os anos a passar, nem me apercebi o quanto me afastara d’Ele. Quando algo corria mal, a explicação mais fácil era de que o “destino” justificava tudo. Ou até mesmo que eu seria capaz de tudo fazer e realizar.

Conheci por outros amigos a Carla, minha futura mulher, quando tinha 18 anos. Começamos um namoro na praia de Salgueiros. Tínhamos uma grande sintonia e entendíamo-nos muito bem. Por isso era normal sairmos de mão dada, às vezes oferecia-lhe umas flores (tulipas amarelas), outras vezes íamos ao cinema (sempre que possível, o Star Wars) ou comer um gelado nos fins de tarde do verão. Naturalmente surgiu a proposta de casamento e acabei por me casar na Igreja de Cedofeita aos 25 anos.

Quando conheci o Fernando

Cedo decidi começar a trabalhar, pensando em estudar mais tarde. Comecei por trabalhar no secretariado duma Universidade do Porto e mais tarde no Hospital S. António. Em 1991, recebo uma chamada para ir trabalhar num banco.

"Ser pai foi uma das experiências mais fantásticas da minha vida"

Nesse banco conheci o Fernando na agência onde ambos trabalhávamos. Foi este o catalisador de todos os eventos seguintes. Com muita calma e subtileza, nos momentos de almoço ou de café na copa, foi-me colocando perante questões muito simples. Certo dia, convida-me para ver uns vídeos antigos de S. Josemaria. Gostei da experiência e de conhecer outras pessoas que tinham muito mais formação do que eu. Mais tarde, em 1998, surgiu a oportunidade de fazer o primeiro retiro de silêncio em Enxomil. Li “A Fé Explicada”, de Leo J. Trese e o silêncio permitiu-me voltar a escutar a voz de Deus.

surgiu a oportunidade de fazer o primeiro retiro de silêncio em Enxomil. Li “A Fé Explicada”, de Leo Trese e o silêncio permitiu-me voltar a escutar a voz de Deus.

Tinha um sacerdote disponível para a confissão, mas tinha vergonha de lhe dizer que, nessa altura, já não me sabia confessar. Inscrevi-me, com vergonha, para falar com o Senhor Padre. Não lhe iria dizer que não me sabia confessar. Ia apenas colocar algumas questões relacionados com o livro que estava a ler. Nesse retiro, alguém me ofereceu um terço de madeira, e aproveitei para pedir ao Senhor Padre para o benzer. Ainda hoje o trago sempre comigo. Mas não me confessei.

No domingo em que terminou esse meu primeiro retiro, reaprendi a rezar o Pai-Nosso e a Ave Maria. Terminei os últimos minutos do retiro junto ao altar na capela. Fiz questão de ser o último a sair da capela, querendo estar sozinho para Lhe dizer: Muito Obrigado.

Saí com vontade de estar com a família, mas também com uma vontade de continuar em Enxomil. Estava-se lá muito bem. Mas voltei com um enorme sorriso e uma alegria que não sabia explicar. O mais incrível, foram os dias seguintes após esse retiro. Nada voltou a ser como antes.

Pouco mais tarde, em 2000, nasceu a Carolina. Ser pai é das experiências mais fantásticas que tive até hoje. Ela foi muito desejada e querida antes de nascer. Tínhamos problemas na família relacionados com Trissomia 21 e tememos que a Carolina também fosse afetada. Mas a bebé nasceu serena. A fé ajudou-me nesse momento a ter muita confiança: Deus sabe mais.

O bem da confissão e de falar com Ele...

O tempo vai-nos moldando e, sem darmos conta, estamos inevitavelmente diferentes, para além de menos jovens e mais maduros. Mas recordo um pequeno livro que ainda guardo: Orações do cristão. Lá se descreve o rito da confissão e pensei que um dia tinha que ser.

Depois de várias sugestões do Fernando, um dia tomei a decisão de me confessar. Já não o fazia há 18 anos. Ia nervoso e até tinha vergonha, apesar de já conhecer o sacerdote e de ter criado uma ligação de empatia. A preparação foi, realmente, mais longa do que esperava, pois na Capela da Casa da Boavista, cada ponto que lia no exame de consciência, surgiam mais recordações a acrescentar à confissão.

Um dia tomei a decisão de me confessar. Já não o fazia há 18 anos. Ia nervoso e até tinha vergonha.

Esse dia foi inesquecível. Recordo-me que esperava uma “sentença” bem pesada e proporcional aos inúmeros pecados de que me apresentei arrependido. Para meu espanto e depois do Senhor Padre me dizer: “Vais à capela e com um sentido arrependimento, rezas um Pai Nosso e duas Ave Marias”, eu perguntei “E para além disso?”.

Esse dia foi inesquecível. Recordo-me que esperava uma “sentença” bem pesada e proporcional aos inúmeros pecados de que me apresentei arrependido.

Aquele dia marcou-me. Recomecei a ir à Missa. E nunca me senti tão feliz na minha vida. Também fiquei a pensar que não podia guardar este remédio só para mim. Deus muda-nos a nós e aos nossos amigos.

Lembro-me de um colega de trabalho, com quem nem simpatizava muito, me disse que tinha o pai doente. Disse-lhe que ia rezar por ele, ao que ele me respondeu: “Mas rezar serve para alguma coisa?”. Respondi como pude, que para “Deus não há impossíveis”. Duas semanas depois o pai tinha saído do hospital. Telefonou-me logo a agradecer.

Uma vez, um colega de curso pediu-me boleia. Dizia que não acreditava em nada e disse-me apontando para o retrovisor: “Ainda bem que não tens aqui o terço pendurado”. Disse-lhe que era um homem de fé e que gosto de ser discreto nas minhas manifestações de piedade. Mostrei-lhe o crucifixo e o terço que levava no bolso.

Outro amigo perdeu a esposa. Tentei animá-lo: “Se acreditamos em Deus, temos que ver a vida como uma passagem. Isto é um até já”. Ele olhou para mim e disse-me “Se calhar, tens razão”.

Deus mudou a minha forma de trabalhar

Hoje tenho um trabalho muito intenso noutra instituição bancária, onde trabalho no Departamento de Estudos de Mercado e Planeamento. Tenho que ler e procurar muitos dados macro e microeconómicos. Saber agrupá-los e apresentá-los aos “clientes internos” do banco. Fruto da minha paixão pela programação, tenho um certo gosto por estudar os sistemas de Business Intelligence e ver como essas técnicas podem ajudar o meu trabalho de transformar dados em conhecimento.

À saída da cerimónia das minhas bodas de prata

No fundo, quero mesmo ajudar os meu colegas na tomada de decisões. Deus também mudou a minha forma de trabalhar: posso olhar para tudo o que faço como repetição de tarefas ou procurar servir as pessoas por amor a Deus. Esta visão ajuda-me muito durante estes tempos de pandemia em que tenho que trabalhar à distância e a presença dos colegas do trabalho é “muito menos real”. E nisso muito me ajuda o que nos disse S. Josemaria sobre a santificação do trabalho.

Esta visão ajuda-me muito durante estes tempos de pandemia em que tenho que trabalhar à distância e a presença dos colegas do trabalho é “muito menos real”

Hoje sou cooperador do Opus Dei. Recordo que na Capela do Centro da Obra onde me confessei, chorei muito, como quando se perde um pai ou uma mãe. Eu deixei-O durante 18 anos. Ele sempre me acompanhou e esteve presente e agora perdoa-me. O meu Deus é infinitamente misericordioso. Eu não o mereço.

Alberto