Trabalhar bem, trabalhar por amor (12): Santificação do trabalho e cristianização da sociedade

Este artigo sobre o trabalho explora a mensagem principal de S. Josemaria: a própria tarefa bem feita e oferecida ao Senhor é um meio para se aproximar de Deus e cristianizar a sociedade.

As luzes e sombras da época em que vivemos estão patentes nos olhos de todos. O desenvolvimento humano e as pragas que o infetam, o progresso civil em muitos aspetos e a barbárie noutros: são contrastes que tanto João Paulo II como os seus sucessores indicaram várias vezes[1], animando os cristãos a iluminar a sociedade com a luz do Evangelho.

Entretanto, mesmo que todos sejamos chamados a transformar a sociedade segundo o querer de Deus, muitos não sabem como fazê-lo. Pensam que essa tarefa depende quase exclusivamente daqueles que governam ou têm capacidade de influenciar pela sua posição social ou económica e que eles só podem fazer o papel de espectadores: aplaudir ou assobiar, mas sem entrar no terreno do jogo, sem intervir na partida.

Esta não há de ser a atitude do cristão, porque não corresponde à realidade da vocação à qual é chamado. O Senhor quer que sejamos nós, os cristãos – porque temos a responsabilidade sobrenatural de cooperar com o poder de Deus, já que Ele assim o dispôs na sua misericórdia infinita –, que procuremos restabelecer a ordem decaída e devolver às estruturas temporais, em todas as nações, a sua função natural de instrumento para o progresso da humanidade e a sua função sobrenatural de meio para chegar a Deus, para a Redenção[2].

Não somos espectadores. Pelo contrário, é missão específica dos leigos santificar o mundo “de dentro”[3]: orientar com sentido cristão as profissões, as instituições e as estruturas humanas[4]. Como ensina o Concílio Vaticano II, os leigos hão de “iluminar e ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, de modo que sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor”[5]. Numa palavra: cristianizar o mundo inteiro a partir de dentro, mostrando que Jesus Cristo redimiu toda a humanidade – esta é a missão do cristão[6].

E, para isso, nós os cristãos temos o poder necessário, ainda que não tenhamos poder humano. A nossa força é a oração e as obras convertidas em oração. A oração é a arma mais poderosa do cristão. A oração torna-nos eficazes. A oração torna-nos felizes. A oração dá-nos toda a força necessária para cumprirmos os preceitos de Deus[7]. Concretamente, a arma específica que a maioria dos cristãos possui para transformar a sociedade é o trabalho convertido em oração. Não simplesmente o trabalho, mas o trabalho santificado.

Deus fez com que S. Josemaria o compreendesse, num preciso momento, no dia 7 de agosto de 1931, durante a Santa Missa. Ao chegar à elevação, vieram à sua alma com força extraordinária as palavras de Jesus: quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim[8]. Entendi-o perfeitamente. O Senhor dizia-nos: se vós me colocardes na entranha de todas as atividades da terra, cumprindo o dever de cada momento, sendo meu testemunho no que parece grande e no que parece pequeno…, então omnia traham ad meipsum! O Meu reino entre vós será uma realidade![9]

Cristianizar a sociedade

Deus confiou ao homem a tarefa de edificar a sociedade ao serviço de seu bem temporal e eterno, de acordo com sua dignidade[10]: uma sociedade em que as leis, os costumes e as instituições que a conformam e estruturam, favoreçam o bem integral das pessoas com todas as suas exigências; uma sociedade na qual cada um se aperfeiçoe buscando o bem dos outros, já que o homem “não se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo”[11].

Entretanto, tudo se desencaminhou por causa do pecado do primeiro homem e da sucessiva proliferação dos pecados que – como ensina o Catecismo da Igreja Católica – fazem “reinar entre eles a concupiscência, a violência e a injustiça. Os pecados provocam situações sociais contrárias à Bondade divina; as ‘estruturas de pecado’ são expressão e efeito dos pecados pessoais”[12].

O Filho de Deus feito homem, Jesus Cristo Nosso Senhor, veio ao mundo para nos redimir do pecado e das suas consequências. Cristianizar a sociedade consiste em libertá-la dessas consequências que o Catecismo resume com as palavras que acabamos de ler. É, por um lado, libertá-la das estruturas de pecado – por exemplo, das leis civis e dos costumes contrários à lei moral –, e por outro, mais profundamente, procurar que as relações humanas sejam presididas pelo amor de Cristo, e não viciadas pelo egoísmo da concupiscência, a violência e a injustiça. Esta é a tua tarefa de cidadão: contribuir para que o amor e a liberdade de Cristo presidam a todas as manifestações da vida moderna – a cultura e a economia, o trabalho e o descanso, a vida de família e o convívio social[13].

Esta é a tua tarefa de cidadão: contribuir para que o amor e a liberdade de Cristo presidam a todas as manifestações da vida moderna

Cristianizar a sociedade não é impor a ninguém a fé verdadeira. Precisamente o espírito cristão exige o respeito do direito à liberdade social e civil em matéria religiosa, de modo que não se deve impedir ninguém de praticar a sua religião, segundo a sua consciência, mesmo quando estiver no erro, sempre que respeite as exigências da ordem pública, da paz e da moralidade pública, que o Estado tem obrigação de tutelar[14]. Àqueles que estão no erro deve-se procurar que conheçam a verdade, que só se encontra plenamente na fé católica, ensinando-lhes e convencendo-os com o exemplo e com a palavra, mas nunca com a coação. O ato de fé só é autêntico se for livre.

Mas quando um cristão procura que a lei civil promova o respeito pela vida humana desde o momento da conceção, a estabilidade da família por meio do reconhecimento da indissolubilidade do matrimônio, os direitos dos pais na educação dos filhos tanto nas escolas públicas como nas privadas, a verdade na informação, a moralidade pública, a justiça nas relações de trabalho, etc., não está a pretender impor a sua fé aos outros, mas cumprindo com o seu dever de cidadão e contribuindo para edificar, no que é possível para ele, uma sociedade melhor, conforme a dignidade da pessoa humana. Certamente, o cristão, graças à Revelação divina, possui uma especial certeza sobre a importância que esses princípios e verdades possuem para edificar uma sociedade mais justa; mas esses estão ao alcance da razão humana e, por isso, qualquer pessoa, independentemente da sua fé, pode apreciar o valor e importância que esses princípios têm para a vida social.

Esforça-te para que as instituições e as estruturas humanas em que trabalhas e atuas com pleno direito de cidadão, se conformem com os princípios que regem uma conceção cristã da vida. Assim, não duvides, asseguras aos homens os meios para viverem de acordo com a sua dignidade e facilitarás a muitas almas que, com a graça de Deus, possam responder pessoalmente à vocação cristã[15]. Trata-se de “sanear as estruturas e condições do mundo (...) de tal modo que todas se conformem às normas da justiça e antes ajudem ao exercício das virtudes do que o estorvem”[16]. A fé cristã faz sentir profundamente a aspiração, própria de todo o cidadão, de procurar o bem comum da sociedade. Um bem comum que não se reduz ao desenvolvimento económico, ainda que certamente o inclua. São também e antes – em sentido qualitativo, nem sempre no de urgência temporal –, as melhores condições possíveis de liberdade, de justiça, de vida moral, em todos os seus aspetos e de paz, que correspondem à dignidade da pessoa humana.

Quando um cristão faz o possível por configurar deste modo a sociedade em virtude de sua fé, não em nome de uma ideologia opinável de partido político, atua como atuaram os primeiros cristãos. Não tinham, por causa da sua vocação sobrenatural, programas sociais nem humanos a cumprir; mas estavam penetrados de um espírito, de uma conceção da vida e do mundo, que não podia deixar de ter consequências na sociedade em que viviam[17]. A tarefa apostólica, que Cristo confiou a todos os seus discípulos, produz, portanto, resultados concretos na esfera social. Não é admissível pensar que, para sermos cristãos, seja preciso voltarmos as costas ao mundo, sermos uns derrotistas da natureza humana[18].

É necessário procurar limpar as estruturas da sociedade para impregná-las do espírito cristão, mas não é suficiente. Mesmo que pareça uma meta muito alta, não deixa de ser uma exigência básica. Faz falta muito mais: procurar, sobretudo, que as pessoas sejam cristãs, que cada um irradie ao seu redor, na sua conduta diária, a luz e o amor de Cristo, o bom odor de Cristo[19]. O fim não é que as estruturas estejam sãs, mas que as pessoas sejam santas. Seria tão errado despreocupar-se de que as leis e os costumes da sociedade fossem conformes com o espírito cristão, como conformar-se só com isso. Porque além disso, neste mesmo momento, as mesmas estruturas sãs correriam perigo novamente. É preciso recomeçar sempre. “Não haverá humanidade nova, se não houver em primeiro lugar homens novos, pela novidade do batismo e da vida segundo o Evangelho”[20].

Por meio do trabalho

De que tu e eu nos portemos como Deus quer – não o esqueças – dependem muitas coisas grandes[21]. Se queremos cristianizar a sociedade, o primeiro é a santidade pessoal, a nossa união com Deus. Cada um de nós tem que ser alter Christus, ipse Christus, outro Cristo, o próprio Cristo. Só assim poderemos empreender essa tarefa grande, imensa, interminável: santificar por dentro todas as estruturas temporais, levando até elas o fermento da Redenção[22]. É necessário que não percamos o sal, a luz e o fogo que Deus pôs dentro de nós para transformar o ambiente que nos rodeia. O Papa S. João Paulo II destacou que “é uma tarefa que exige coragem e paciência”[23]: coragem porque não se há de ter medo de chocar com o ambiente quando é necessário; e paciência, porque mudar a sociedade desde dentro requer tempo, e, entretanto, não podemos acostumar-nos à presença do mal cristalizado na sociedade, porqueacostumar-se a uma doença mortal é o mesmo que sucumbir a ela. O cristão deve estar sempre disposto a santificar a sociedade a partir de dentro, permanecendo plenamente no mundo, mas sem ser do mundo naquilo que o mundo encerra – não por ser caraterística real, mas por defeito voluntário, pelo pecado – da negação de Deus, da oposição à sua amável vontade salvífica[24].

Deus quer que infundamos o espírito cristão na sociedade através da santificação do trabalho profissional, já que pelo trabalho, o cristão submete a criação (cf. Gn 1,28) e a ordena a Cristo Jesus, no centro do qual estão destinadas a recapitular-se todas as coisas[25]. O trabalho profissional é, concretamente, meio imprescindível para o progresso da sociedade e para o ordenamento cada vez mais justo das relações entre os homens[26].

Cada um deve propor a si próprio a tarefa de cristianizar a sociedade com o seu trabalho: primeiro mediante o afã de aproximar de Deus os seus colegas e as pessoas com as quais entra em contacto profissional, para que eles também cheguem a santificar o seu trabalho e dar o tom cristão à sociedade; e, depois, inseparavelmente, mediante o empenho por cristianizar as estruturas do próprio ambiente profissional, procurando que sejam conformes à lei moral. Quem se dedica à empresa, à profissão farmacêutica, à advocacia, à informação ou à publicidade…, deve procurar influenciar dum modo cristão o seu ambiente: as relações e as instituições profissionais. Não é suficiente não se sujar com práticas imorais; é necessário limpar o próprio âmbito profissional, fazê-lo conforme à dignidade humana e cristã.

Por tudo isto devemos receber uma tal formação que suscite nas nossas almas, na hora de acometer o trabalho profissional de cada um, o instinto e a sã inquietação de conformar essa tarefa às exigências da consciência cristã, aos imperativos divinos que devem reger na sociedade e nas atividades dos homens[27].

As possibilidades de contribuir para a cristianização da sociedade por meio do trabalho profissional vão mais longe do que se pode realizar no estrito ambiente de trabalho. A condição de cidadão que exerce uma profissão na sociedade é um título para empreender ou colaborar com iniciativas diversas, juntamente com outros cidadãos que compartilhem os mesmos ideais: iniciativas educativas da juventude – escolas onde se dê uma formação humana e cristã, tão necessárias e urgentes no nosso tempo –, iniciativas assistenciais, associações para promover o respeito pela vida, ou pela verdade na informação, ou no direito a um ambiente moral sadio… Tudo realizado com a mentalidade profissional dos filhos de Deus chamados a santificar-se no meio do mundo.

Que entreguemos plenamente as nossas vidas ao Senhor Deus Nosso, trabalhando com perfeição, cada um na sua tarefa profissional e no seu estado, sem esquecer que devemos ter uma só aspiração, em todas nossas obras: pôr Cristo no cume de todas as atividades dos homens[28].


[1] Cf. João Paulo II, Exort. apost. Ecclesia in Europa, 28-VI-2003, c. I.

[2] S. Josemaria, Carta 30-IV-1946, n. 19, em E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, I, Rialp, Madrid 2010, p. 420.

[3] Conc. Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium, n. 31.

[4] S. Josemaria, Carta 9-I-1959, n. 19, em E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, I, Rialp, Madrid 2010.

[5] Conc. Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium, n. 31.

[6] S. Josemaria, Temas Atuais do Cristianismo, n. 112.

[7] São Josemaria, Forja, n. 439.

[8] Jo 12, 32.

[9] S. Josemaria, Notas de uma meditação, 27-X-1963, em E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, I, Rialp, Madrid 2010, pp. 426-427:

[10] Cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 353, 1929, 1930.

[11] Conc. Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, n. 24.

[12] Catecismo da Igreja Católica, n. 1869.

[13] S. Josemaria, Sulco, n. 302.

[14] Cf. Conc. Vaticano II, Decr. Dignitatis humanae, nn. 1, 2 e 7.

[15] S. Josemaria, Forja, n. 718.

[16] Conc. Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium, n. 36.

[17] S. Josemaria, Carta 9-I-1959, n. 22, em E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, I, Rialp, Madrid 2010, p. 418.

[18] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 125.

[19] Cf. 2 Cor 2, 15.

[20] Paulo VI, Exort. apost. Evangelii nuntiandi, 8-XII-1975, n. 18.

[21] S. Josemaria, Caminho, n. 755.

[22] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 183.

[23] João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus, 1-V-1991, n. 38.

[24] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 125.

[25] S. Josemaria, Carta 6-V-1945, n. 14, em E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, I, Rialp, Madrid 2010, p. 425.

[26] S. Josemaria, Temas Atuais do Cristianismo , n. 10.

[27] São Josemaria, Carta 6-V-1945, n. 15, em E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, III, Rialp, Madrid 2013, p. 574.

[28] São Josemaria, Carta 15-X-1948, n. 41 em E. Burkhart, J. López, Vida cotidiana y santidad en la enseñanza de San Josemaría, I, Rialp, Madrid 2010, p. 428. Cf. Forja, n. 678.

Foto: Ferrie (cc)