Evangelho de sexta-feira: a palavra sufocada

Comentário ao Evangelho de sexta-feira da XVI semana do Tempo Comum. «Escutai o que significa a parábola do semeador». O Senhor alerta para três obstáculos que impedem o desenvolvimento harmonioso da semente divina na nossa alma: não compreender, não ter raiz, viver preocupado e seduzido. Estes três cenários podem acabar por sufocar uma Palavra que podia encher a nossa vida de alegria, convertendo-a afinal numa vida estéril.

Evangelho (Mt 13, 18-23)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:

«Escutai o que significa a parábola do semeador: Quando um homem ouve a palavra do reino e não a compreende, vem o Maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração. Este é o que recebeu a semente ao longo do caminho. Aquele que recebeu a semente em sítios pedregosos é o que ouve a palavra e a acolhe de momento com alegria, mas não tem raiz em si mesmo, porque é inconstante, e, ao chegar a tribulação ou a perseguição por causa da palavra, sucumbe logo. Aquele que recebeu a semente entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza sufocam a palavra, que assim não dá fruto. E aquele que recebeu a palavra em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende. Esse dá fruto e produz ora cem, ora sessenta, ora trinta por um»


Comentário

A parábola do semeador foi denominada pelo Papa Francisco como “a mãe” de todas as parábolas, porque nos fala de duas coisas essenciais: da escuta da Palavra Divina, e de como funciona o coração de Deus, que espalha a sua semente em todas as pessoas sem distinção[1].

Além disso, é uma dessas parábolas em que contamos, não só com a narração, mas também com uma explicação oferecida pelo próprio Jesus. Ele, ao mesmo tempo que nos revela o coração do Pai, permite que espreitemos o nosso próprio coração, com o desejo de nos predispormos melhor e nos convertermos em terra fértil.

Como podemos notar, o Senhor alerta para três obstáculos que impedem o desenvolvimento harmonioso da semente divina na nossa alma: não compreender, não ter raiz, viver preocupado e seduzido. Estes três cenários podem acabar por sufocar uma Palavra que podia encher a nossa vida de alegria, convertendo-a afinal numa vida estéril.

Primeiro, não compreender. Evidentemente, Jesus não se refere à impossibilidade de abarcar os mistérios divinos: por exemplo, nunca entenderemos de todo a Santíssima Trindade. O Senhor refere-se à atitude interior. Se na nossa vida falta a disposição para estudar as coisas, para dedicar horas a conhecer melhor a fé, para abraçar a fecundidade do silêncio, dificilmente poderemos dar o fruto esperado. Ficaremos na superficialidade, no ruído, na ideologia.

Segundo, não ter raiz. É como o sonho que teve uma vez São Josemaria: as pessoas que querem ser santas mas não têm vida interior, vão pelo mundo incertas, inseguras, como uma pessoa que viaja de avião mas montada nas asas[2]. Sem oração, sem a Eucaristia, sem sacramentos, sem piedade, não pode haver fruto.

Terceiro, viver preocupado e seduzido. Nem os que queremos seguir Cristo estamos isentos da tentação da vaidade, da riqueza, do êxito, do luxo, do desejo de segurança económica. Facilmente podemos esquecer que o fruto do nosso trabalho é para Deus, e que o resto é pó e cinza.

Por isso, nada melhor que acudir ao terreno fértil por excelência: Maria Santíssima. Ela, com a sua paciência de Mãe, poderá ir arrancando tudo o que na nossa vida seja um estorvo para que a Palavra dê fruto. Às vezes doerá, mas é necessário: não podemos esquecer que «se o grão de trigo não cai na terra e morre, fica infecundo» (Jo 12, 24).


[1] cf. Francisco, Angelus, 12/07/2020.

[2] cf. S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 18.

Luis Miguel Bravo Álvarez // Roger Powell - Getty Images