Evangelho de quinta-feira: Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

Comentário ao Evangelho da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (Ciclo A). «Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia». Nutrir-nos do ‘Pão da vida’ significa entrar em sintonia com o Coração de Cristo, assimilar as suas escolhas, os seus pensamentos e os seus comportamentos até ser "alter Christus".

Evangelho (Jo 6, 51-58)

Naquele tempo, disse Jesus à multidão:

«Eu sou o pão vivo descido do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é a minha Carne pela vida do mundo».

Os judeus discutiam entre si:

«Como pode Ele dar-nos a sua Carne a comer?».

Jesus disse-lhes:

«Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a Carne do Filho do homem e não beberdes o seu Sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia. A minha Carne é verdadeira comida e o meu Sangue é verdadeira bebida. Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em mim, e Eu nele. Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e Eu vivo pelo Pai, também aquele que Me come viverá por Mim. Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os vossos pais comeram, e morreram; quem comer deste pão viverá eternamente».


Comentário

O Evangelho da Solenidade de Corpus Christi recolhe um fragmento do discurso do pão da vida pronunciado por Jesus na sinagoga de Cafarnaum, depois do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. S. João conta-nos que as palavras de Jesus sobre o futuro mistério do seu Corpo e Sangue causaram surpresa e rejeição. Mas a Igreja não deixou de renovar, dia após dia, a sua fé agradecida na presença real de Jesus sob as espécies sacramentais. E é por isso também que a Igreja O leva em procissão pelas ruas, para que todos possam adorá-l'O e receber as suas bênçãos.

No seu discurso, Jesus refere-se ao famoso maná que Deus fazia chover no deserto para os israelitas e que eles admiravam tanto. O livro do Êxodo conta que «quando o viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros: "Man-hu?", quer dizer: "Que é isto?", pois não sabiam o que era. Disse-lhes então Moisés: "É o pão que o Senhor vos dá em alimento"» (Ex 16, 15). É lógico que nós cristãos também manifestemos a nossa admiração por um dom muito mais sublime e misterioso, como a Eucaristia, que nos dá a vida eterna.

Jesus explica que o maná do deserto prefigurava o verdadeiro pão do céu que Deus daria aos homens através do seu Filho. O milagre da multiplicação dos pães também prefigurava a Eucaristia de alguma forma, e, por isso, foi um prelúdio do discurso de Jesus. Mas aqueles que comeram o maná no deserto morreram, tal como aqueles que procuravam Jesus apenas para saciarem os seus corpos. O Senhor convida-nos a desejar o verdadeiro pão do céu, que sacia as almas da sua fome de Deus e lhes comunica vida eterna: a vida do próprio Jesus ressuscitado.

Quando Jesus convidou a comer e beber o seu próprio corpo e sangue, houve um dramático abandono de muitos dos seus discípulos. Mas a fé na presença real do Corpo e Sangue de Jesus sob as espécies sacramentais é um dos elementos mais característicos do credo cristão. Além de fundamentar-se nos textos do Novo Testamento, como este discurso de Jesus ou os relatos da instituição da Eucaristia, manifesta-se desde o início da Igreja. Por exemplo, em aproximadamente 90 d.C. Sto. Inácio de Antioquia escreveu, referindo-se aos docetas, hereges que negavam a real encarnação de Cristo: «Eles afastam-se da Eucaristia e da oração, porque não professam que a Eucaristia é a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, que sofreu pelos nossos pecados e que, na sua bondade, o Pai ressuscitou»[1].

Comentando o discurso de Jesus, o Papa Francisco convidava-nos a renovar esta fé eucarística de vários séculos e a deixarmo-nos transformar por Cristo ao recebê-l'O: «o pão é realmente o seu Corpo entregue por nós; o vinho é deveras o seu Sangue derramado por nós. Alimentar-nos dele e permanecermos nele mediante a Comunhão eucarística, se o fizermos com fé, transforma a nossa vida, transforma-a num dom a Deus e aos irmãos. Alimentar-nos daquele ‘Pão da vida’ significa entrar em sintonia com o Coração de Cristo, assimilar as suas escolhas, os seus pensamentos e os seus comportamentos. Significa entrar num dinamismo de amor oblativo, tornando-nos pessoas de paz, pessoas de perdão, de reconciliação e de partilha solidária. Aquilo que Jesus fez»[2].

«O nosso Deus decidiu ficar no Sacrário para nos alimentar, para nos fortalecer, para nos divinizar, para dar eficácia ao nosso trabalho e ao nosso esforço»[3], comentava S. Josemaria. E acrescentava: «Se fomos renovados com a receção do Corpo do Senhor, temos de o manifestar com obras. Que os nossos pensamentos sejam sinceros: de paz, de entrega, de serviço. Que as nossas palavras sejam verdadeiras, claras, oportunas; que saibam consolar e ajudar, que saibam sobretudo levar aos outros a luz de Deus. Que as nossas ações sejam coerentes, eficazes, acertadas: que tenham esse bonus odor Christi , o bom odor de Cristo, por recordarem o seu modo de Se comportar e de viver»[4].


[1] Sto. Inácio de Antioquia, Carta aos Esmirniotas, n. 7.

[2] Francisco, Angelus, 16/08/2015.

[3] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 151.

[4] Ibid., n. 156.

Pablo M. Edo / Photo by evi-radauscher, on Unsplash