Vida de Maria (XVII) – Ressurreição e Ascensão – A voz do Magistério, Padres, santos e poetas

A alegria de Nossa Senhora com a ressurreição do seu Filho e o momento de intimidade e de alegria que devem ter partilhado foi cantado por santos e poetas e contemplado pelos Padres da Igreja e pelo Magistério.

A VOZ DO MAGISTÉRIO

«Os Evangelhos narram diversas aparições do Ressuscitado, mas não o encontro de Jesus com a sua Mãe. Este silêncio não deve levar a concluir que, depois da Ressurreição, Cristo não tenha aparecido a Maria; convida-nos, pelo contrário, a procurar os motivos dessa escolha por parte dos evangelistas.

Supondo tratar-se de uma «omissão», ela poderia ser atribuída ao facto que tudo o que é necessário para o nosso conhecimento salvífico é confiado à palavra de «testemunhas anteriormente designadas por Deus» (Act. 10, 41), isto é, aos Apóstolos que «com grande poder» deram testemunho da ressurreição do Senhor Jesus (cf. Act. 4, 33). Antes que a eles, o Ressuscitado apareceu a algumas mulheres fiéis, por causa da sua função eclesial: «Ide dizer a Meus irmãos que partam para a Galileia, e lá Me verão» (Mt. 28, 10). Se os autores do Novo Testamento não falam do encontro da Mãe com o Filho ressuscitado, isto talvez seja atribuível ao facto que semelhante testemunho poderia ser considerado, por parte daqueles que negavam a ressurreição do Senhor, muito interessado, e portanto não digno de fé.

Os Evangelhos, além disso, referem um pequeno número de aparições de Jesus ressuscitado, e não certamente o relatório completo de quanto aconteceu nos quarenta dias após a Páscoa. São Paulo recorda uma aparição «a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez» (1 Cor. 15, 6). Como justificar que um facto conhecido por muitos não seja referido pelos Evangelistas, apesar do seu carácter excepcional? É sinal evidente de que outras aparições do Ressuscitado, embora consideradas factos reais e notórios, não tenham sido mencionadas. Como poderia a Virgem, presente na primeira comunidade dos discípulos (cf. Act. 1, 14), ter sido excluída do número daqueles que se encontraram com o seu divino Filho, ressuscitado dos mortos?

É antes legítimo pensar que, muito provavelmente, a Mãe tenha sido a primeira pessoa a quem Jesus ressuscitado apareceu. A ausência de Maria do grupo das mulheres que ao alvorecer se dirige ao sepulcro (cf. Mc. 16, 1; Mt. 28, 1), não poderia talvez constituir um indício do facto de Ela já se ter encontrado com Jesus? Esta dedução encontraria confirmação no dado que as primeiras testemunhas da ressurreição, por vontade de Jesus, foram as mulheres, que tinham permanecido fiéis ao pé da Cruz, e portanto mais firmes na fé. Com efeito, a uma delas, Maria de Magdala, o Ressuscitado confia a mensagem a ser transmitida aos Apóstolos (cf. Jo. 20, 17-18). Também este elemento permite talvez pensar que Jesus apareceu em primeiro lugar à sua Mãe, Aquela que permaneceu mais fiel e, na prova, conservou íntegra a sua fé.

Por fim, o carácter único e especial da presença da Virgem no Calvário e a sua perfeita união com o Filho no sofrimento da Cruz, parecem postular uma sua particularíssima participação no mistério da ressurreição.

Um autor do século quinto, Sedúlio, afirma que Cristo Se mostrou no esplendor da vida ressuscitada, antes de tudo, à própria Mãe. Com efeito, Aquela que na Anunciação tinha sido a via do Seu ingresso no mundo, era chamada a difundir a maravilhosa notícia da ressurreição, para se fazer anunciadora da Sua vinda gloriosa. Inundada assim pela glória do Ressuscitado, Ela antecipa o «resplendor» da Igreja (cf. Sedúlio, Carmen Pascale, 5, 357-364, CSEL 10, 140 s.).

Sendo imagem e modelo da Igreja, que espera o Ressuscitado e que no grupo dos discípulos O encontra durante as aparições pascais, parece razoável pensar que Maria tenha tido um contacto pessoal com o Filho ressuscitado, para gozar também ela da plenitude da alegria pascal.

Presente no Calvário durante a Sexta-Feira Santa (cf. Jo. 19, 25) e no Cenáculo, no Pentecostes (cf. Act. 1, 14), a Virgem Santíssima foi provavelmente testemunha privilegiada da ressurreição de Cristo, completando desse modo a sua participação em todos os momentos essenciais do Mistério pascal. Acolhendo Jesus ressuscitado, Maria é além disso sinal e antecipação da humanidade, que espera obter a sua plena realização mediante a ressurreição dentre os mortos.»
João Paulo II (século XX). Catequese mariana na audiência geral, 21-V-1997.


A VOZ DOS PADRES

«Maria recebeu primeiro que ninguém o anúncio da ressurreição e foi considerada digna de ver primeiro que ninguém o seu Filho e Senhor — visão divinamente bela, cume de todos os bens desejáveis — e de ouvir a Sua doce voz. Acolheu pela fé todos os mistérios da Sua divina economia; e assim como tinha acreditado nos da encarnação, agora acreditava nos da ressurreição. E isto não só porque era a Mãe imaculada e santa, mas também porque tinha permanecido com todo o carinho junto d’Ele na hora da paixão, com Ele tinha sofrido cheia de amor, d’Ele tinha recebido a força de ânimo para não morrer com Ele. Por isso agora vive com Ele e é glorificada com Ele.

Ela deu a notícia aos discípulos, ou melhor, às mulheres que levavam os perfumes. E se no relato da ressurreição os evangelistas não recordaram nada disto, fizeram-no por motivos de conveniência. Omitiram o testemunho da Mãe porque todos o conheciam, ou talvez para que ninguém tivesse o pretexto de não acreditar na ressurreição pelo simples facto de ter sido vista e contada pela Mãe (…).

Assim, a santa Mãe de Deus viu com os seus olhos a ressurreição do seu Filho Rei e, cheia de alegria, foi à casa do discípulo para esperar o momento da ascensão de Cristo (...). No tempo que decorreu entre a ressurreição e a ascensão, o Senhor apareceu muitas vezes à Sua santíssima Mãe, quando achava oportuno; e mais de uma vez a consolava da forma que Ele gostava. Pelo contrário, aos discípulos não lhes aparecia continuamente, mas apenas quando era necessário (…).

Fez-lhes entender muitos mistérios, prometeu-lhes a vinda do Espírito Santo e ordenou-lhes que ficassem em Jerusalém até que fossem revestidos da força do alto. “Depois levou-os para fora da cidade, até Betânia, e abençoou-os” (Lc 24, 49-50). Estava também com eles a santa Mãe de Deus. Era conveniente que lá estivesse, para que o seu coração, que tinha sofrido mais do que os outros na hora da paixão permanecendo inseparavelmente unido a Ele, contemplasse agora a Sua ascensão gloriosa e fosse cumulado de alegria.»
São Máximo, o Confessor (sécalos VI-VII). Vida de María, nn. 92-93 (atribuição).


A VOZ DOS SANTOS E ESCRITORES ESPIRITUAiS
«É coisa comummente admitida que Jesus apareceu depois da ressurreição, em primeiro lugar e separadamente, à Sua Mãe; em primeiro lugar, porque Ela o merecia numa medida especial, por ter permanecido ao pé da cruz martirizadora; separadamente, posto que esta aparição tinha uma razão de ser muito distinta da aparição às outras mulheres e discípulos. Aos discípulos tinha que os voltar a ganhar para a fé; Maria, pelo contrário, tinha que ser recompensada por ela.

Foi uma cena de inenarrável paz e intimidade. Maria, Mãe de Jesus, estava a sós num aposento. Lá fora, as pessoas preparavam-se para um novo dia de trabalho, após o descanso do sábado. Ela, a Mãe de Jesus, não pensava noutra coisa: ressuscitará! Em Maria não tinha lugar aquela surpresa que excitou os discípulos em tal grau, que só lentamente voltaram a si. Como antes tinha pressentido os sofrimentos e os tinha enfrentado com plena consciência, estava também agora preparada para a ressurreição por razão da sua fé.

Não sabemos de que maneira teve lugar a aparição de Jesus à Sua Mãe. A Madalena apareceu com uma figura tal que ela nem sequer O reconheceu ao princípio e tomou-O como o guarda do horto onde estava o sepulcro de Jesus. Aos dois discípulos de Emaús juntou-se-lhes como um homem que ia de viagem. Aos Apóstolos reunidos no cenáculo apareceu-lhes com as portas fechadas. Aos quinhentos discípulos da Galileia reuniu-se na montanha, como se juntam os amigos para uma conversa.

À Sua Mãe mostrou-se-lhe de tal forma que Ela reconhecesse, em todo o caso, que estava em estado glorioso e que já não continuaria a vida comum sobre a terra. As Suas relações já se tinham alterado antes, embora não fosse senão por a ter recomendado a João e ter declarado a este filho de Maria».

Franz M. Willam (século XX). Vida de María la Madre de Jesús, pp. 347-348.


«Aqui tens, portanto, que considerar a alegria de todos os aparecimentos que houve neste dia tão glorioso, que são: a alegria dos Padres do limbo, a quem o Salvador primeiramente visitou e libertou do cativeiro; a alegria da Sacratíssima Virgem Nossa Senhora; a alegria daquelas santas mulheres que O iam ungir ao sepulcro e também a alegria dos discípulos, que tão desconsolados estavam sem o seu Mestre e tanta consolação receberam ao vê-l’O ressuscitado (...).

Pois, a alegria que a Sacratíssima Virgem recebeu neste dia quando viu o Filho ressuscitado, quem a explicará? Porque é certo que como Ela foi a que mais sentiu as dores da Sua Paixão, assim Ela foi a quem coube a maior parte da alegria da Sua ressurreição.

Pois, que sentiria esta bendita Senhora quando visse diante de si o seu Filho vivo e glorioso, acompanhado de todos aqueles santos Padres que ressuscitaram? Como seriam os seus abraços e beijos? E as lágrimas dos seus piedosos olhos? E o desejo de ir atrás d’Ele se lhe fosse concedido?

Pois, que direi da alegria daquelas santas Marias, e especialmente daquela que continuava a chorar ao pé do sepulcro, quando se prostrasse diante dos pés do Senhor e O visse em tão gloriosa figura? E repara bem que depois da Mãe apareceu primeiro àquela que mais amou, mais perseverou, mais chorou e mais solicitamente O procurou; para que assim tenhas por certo que encontrarás Deus se com estas mesmas lágrimas e diligências O procurares».
Frei Luis de Granada (séculos XV-XVI). Vida de Jesus Cristo, cap. 26.

* * *

A VOZ DOS POETAS

Virá teu Filho de anjos cercado,

e santas almas na sua luz ardendo

seu corpo cingirão ressuscitado

com regozijo grande e doce estrondo:

ao Filho que miraste ensanguentado

o verás fontes de prazer vertendo.

Dir-te-á: Oh! Mãe! E tu dir-lhe-ás: Oh! Filho!

Tu n’Ele, e Ele no teu rosto o rosto fixo.

Abraçá-lo-ás, e Ele te dará abraços

Beijar-te-á e lhe darás doces beijos,

estenderás para o seu pescoço estreitos braços,

e Ele te dará recíprocos excessos.

Oh! Quem separará tão lindos braços,

a tão gloriosos braços também presos;

e quem afastará tão puros lábios,

que sem dizer palavras são tão sábios!

Suas mãos colherás, oh! Virgem pura!

E apertando-as com tuas mãos belas,

e assim admirado da sua formosura

tua formosura mirarás nelas:

do seu lado beberás doçura,

e beberás de amor vivas centelhas;

e verás na sua alegre e linda cara

sol, lua, estrelas, céu, lume claro.

A beijar de seus pés as nobres chagas

te prostrarás diante seus pés divinos,

e aí receberás gloriosas pagas

de que teus pés cansados foram dignos,

e para que o apetite satisfaças

de regalar-te com seus pés benignos,

não te elevará tão depressa o Filho eterno,

e depois te dará o lado terno.

E banharás nele, com a memória

da que sangue foi, teus lábios roxos,

e na sua doçura tocarás tua glória,

e no seu regalo o fim dos teus desgostos;

e com teus próprios olhos a vitória

da morte verás vendo seus olhos,

pois jamais se porá para ti o dia

enquanto claros te dessem sua luz pia.

Pedir-lhe-ás, Senhora, que se quede,

que se detenha mais, que não se vá,

que outra vez torne, pois fazê-lo pode,

e que da tua dor compaixão haja.

Dir-lhe-ás que quem ama nunca excede,

mesmo no presentear passe o risco:

mas que não lhe dirás de teus amores?

E ele que não te dará de seus favores?

Assim estará contigo tempo longo

que a ti parecerá momento breve.

Diego de Hojeda (séculos XVI-XVII). La Cristiada.

«Jesus procura Maria a primeira

que violento que divino que humano desejo

de abraçar sua própria mãe com sua própria glória

só por este abraço já morria de ganas de ressuscitar

era ainda noite escura quando a Virgem saiu às ruas

seu filho teledirigia esses passos desde a morte

desde a glória seu filho os orientava

a Virgem ia criando a primeira via-sacra para a história

parecia procurar um objeto perdido

em diversos lugares se inclinava tocando pedras beijando o pó

eram as catorze marcas de Cristo os objetos da sua adoração

seu coração não se equivocava nunca

em trevas seus lábios davam sempre com esse sangue

melhor que se brilhasse refulgente sobre o caminho

de repente se fez dia ao seu redor

o dia era Jesus Cristo que a rodeava

era o dia rei dos dias para a sua rainha

Jesus envolveu sua mãe em sua infinita luz

a mãe abraçou Deus filho como sua mãe

como se toda a criação abraçasse maternalmente seu Criador

nem os anjos podem medir o que durou esse abraço

os anjos do Filho se inclinaram diante da sua rainha

enquanto além no oriente despontava o pequeno sol

como um sol de brinquedo como um pálido emblema da verdadeira luz».


José Miguel Ibáñez-Langlois (sécalos XX-XXI). El libro de la Pasión, IX, 4.