Viagem apostólica do Papa Francisco à Mongólia

Intervenções do Papa Francisco na viagem apostólica à Mongólia, onde esteve de 31 de agosto a 4 de setembro para "abraçar uma Igreja pequena em números, mas vibrante na fé e grande na caridade".

O pontífice de 86 anos foi o primeiro Papa a visitar a Mongólia. Um viagem de cinco dias muito deseada pelo Papa Francisco cuja prioridade é visitar os países onde os católicos são a minoria. A sua visita é um grande evento não só para os cristãos mas também para todo o país.

Logotipo da visita do Papa Francisco à Mongólia

Sábado, 2 de setembro

— Encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e com o Corpo Diplomático na sala “Ikh Mongol” do Palácio do Governo

— Encontro com os Bispos, os Sacerdotes, os Missionários, os Consagrados, as Consagradas e os Agentes da Pastoral na Catedral de S. Pedro e S. Paulo

Domingo, 3 de setembro

— Encontro Ecuménico e Inter-Religioso no Teatro Hun

— Santa Missa na Steppe Arena

Segunda-feira, 4 de setembro

— Encontro com os agentes da caridade e inauguração da Casa da Misericórdia


Sábado, 2 de setembro

Encontro com as Autoridades, com a Sociedade Civil e com o Corpo Diplomático na sala “Ikh Mongol” do Palácio do Governo

Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente do Grande Hural de Estado,
Senhor Primeiro-Ministro,
Ilustres membros do Governo e do Corpo Diplomático,
Distintas Autoridades civis e religiosas,
Insignes Representantes do mundo da cultura,
Senhoras e Senhores!

Agradeço ao Senhor Presidente o acolhimento e as palavras que me dirigiu, e estendo a cada um de vós a minha cordial saudação. Sinto-me honrado por estar aqui, feliz por ter chegado a esta terra fascinante e vasta para visitar este povo que conhece bem o significado e o valor do caminho. Isto está patente nas suas moradas tradicionais, as ger, encantadoras casas itinerantes. Com respeito e emoção, imagino-me a entrar pela primeira vez numa dessas tendas circulares, disseminadas pela majestosa terra mongol, para vos encontrar e conhecer melhor. Eis-me na entrada, peregrino de amizade, que chego até junto de vós, em ponta de pés e com o coração feliz, desejoso de me enriquecer humanamente na vossa presença.

Quando se entra numa casa de amigos, fica bem a troca de presentes, acompanhando-os com palavras evocativas das anteriores ocasiões de encontro. E, se as relações diplomáticas modernas entre a Mongólia e a Santa Sé são recentes (ocorre este ano o 30º aniversário da assinatura duma carta para reforçar as relações bilaterais), temos de recuar no tempo muito mais, exatamente 777 anos (precisamente entre o fim de agosto e os princípios de setembro de 1246) quando o Enviado Papal, Frei Giovanni di Pian del Carpine, visitou Guyug, o terceiro Imperador mongol e apresentou ao Grã Khan a carta oficial do Papa Inocêncio IV. Pouco tempo depois, era redigida em carateres tradicionais mongóis a carta de resposta, timbrada com o selo do Grã Khan e traduzida em várias línguas. Está guardada na Biblioteca do Vaticano e hoje tenho a honra de lhe oferecer uma cópia autenticada, realizada com as técnicas mais avançadas para garantir a melhor qualidade possível. Que a mesma seja sinal duma amizade antiga que cresce e se renova.

Soube que as crianças das vossas aldeias, pela manhãzinha, da porta da ger estendem o olhar para o horizonte distante a fim de contar as cabeças de gado e referir o seu número aos pais. Também a nós, nos fará bem abraçar com o olhar o amplo horizonte que nos rodeia, superando estreitezas de perspetivas curtas para nos abrirmos a uma mentalidade de respiro global, como convidam a fazer as ger que, nascidas da experiência do nomadismo das estepes, espalharam-se por um vasto território, tornando-se um elemento identificador de várias culturas vizinhas. Os espaços imensos das vossas regiões, desde o deserto do Gobi à estepe, desde as grandes pradarias aos bosques de coníferas até chegar às cadeias montuosas dos Altai e dos Khangai, com os seus inúmeros ziguezagues dos cursos de água, que, vistos do alto, parecem requintadas decorações em tecidos preciosos antigos: tudo isto é um espelho da grandeza e beleza de todo o planeta, chamado a ser um jardim hospitaleiro. A vossa sabedoria, a sabedoria do vosso povo, que se foi sedimentando ao longo de gerações e gerações de criadores de gado e cultivadores prudentes e sempre atentos para não romper os delicados equilíbrios do ecossistema, tem muito a ensinar a quem hoje não quer fechar-se numa míope procura de interesses particulares, mas deseja entregar aos vindouros uma terra ainda acolhedora, uma terra ainda fecunda. Aquilo que a criação representa para nós, cristãos, isto é, o fruto dum benévolo desígnio de Deus, vós no-lo ajudais a reconhecer e promover com delicadeza e atenção, contrastando os efeitos da devastação humana com uma cultura feita de cuidado e previdência, que se reflete em políticas de ecologia responsável. As gers são espaços habitacionais que hoje poderíamos definir smart e green, porque versáteis, multifuncionais e com impacto-zero sobre o meio ambiente. Além disso, a visão holística da tradição xamânica mongol e o respeito por todo o ser vivo que lhes vem da filosofia budista constituem um válido contributo para o compromisso urgente e inadiável pela tutela do planeta Terra.

Além disso as gers, presentes tanto nas zonas rurais como nos centros urbanizados, testemunham a preciosa união entre tradição e modernidade; de facto, irmanam a vida de idosos e jovens, narrando a continuidade do povo mongol, que, desde a antiguidade até ao presente, soube preservar as suas raízes, abrindo-se, especialmente nas últimas décadas, aos grandes desafios globais do progresso e da democracia. Realmente, com a sua extensa rede de relações diplomáticas, a sua adesão ativa às Nações Unidas, o seu empenho pelos direitos humanos e a paz, a Mongólia de hoje desempenha um papel significativo no coração do grande continente asiático e no cenário internacional. Quero fazer menção também da vossa determinação em deter a proliferação nuclear e apresentar-vos ao mundo como país sem armas nucleares: a Mongólia não é só uma nação democrática que realiza uma política externa pacífica, mas pretende desempenhar um papel importante em prol da paz mundial. Além disso – outro sábio elemento a destacar –, a pena de morte já não aparece no vosso ordenamento judiciário.

Graças à sua possibilidade de adaptação aos extremos climáticos, as ger permitem viver em territórios muito variados, como aconteceu durante a conhecida epopeia do império mongol, que registou a continuidade territorial mais vasta de sempre. Para além do mais, chego à Mongólia em uma data importante para vós: no 860º aniversário do nascimento de Gengis Khan. Ao longo dos séculos, o fato de abraçar terras distantes e muito diversas pôs em relevo a capacidade não comum dos vossos antepassados em reconhecer as grandezas dos povos que compunham o imenso território imperial e colocá-las ao serviço do progresso comum. Este é um exemplo que deve ser valorizado e reproposto nos nossos dias. Queira o Céu que, nesta terra devastada por demasiados conflitos, se voltem a criar hoje, no respeito das leis internacionais, as condições daquela que foi outrora a pax mongolica, isto é, a ausência de conflitos. Como diz um vosso provérbio, «as nuvens passam, o céu permanece». Oxalá passem as nuvens escuras da guerra, sejam varridas pela firme vontade duma fraternidade universal, na qual as tensões se resolvam com base no encontro e no diálogo, e a todos sejam garantidos os direitos fundamentais! Aqui, no vosso país rico de história e de céu, imploremos este dom do Alto e trabalhemos juntos para construir um futuro de paz.

Entrando numa ger tradicional, o olhar sobe espontaneamente até ao ponto central mais alto, onde há uma janela para o céu. Quero sublinhar esta atitude fundamental que a vossa tradição nos ajuda a descobrir: saber manter o olhar fixo no alto. Elevar os olhos ao céu – aquele eterno céu azul, desde sempre por vós venerado – significa permanecer numa atitude de dócil abertura aos ensinamentos religiosos. De facto, há uma profunda conotação espiritual por entre as fibras da vossa identidade cultural e é estupendo que a Mongólia seja um símbolo de liberdade religiosa. Efetivamente, graças à contemplação daqueles horizontes infindos, escassamente povoados por seres humanos, aperfeiçoou-se no vosso povo uma propensão para a vertente espiritual, cujo acesso é possível valorizando o silêncio e a interioridade. À vista da terra que se vos impõe solenemente com os seus inumeráveis fenómenos naturais, brota também um sentimento de maravilha, que sugere humildade e frugalidade, escolha do essencial e capacidade de desapego de tudo o que não o é. Penso no perigo que representa o espírito consumista que hoje, além de criar tantas injustiças, leva a um individualismo que ignora os outros e as boas tradições recebidas. Ao contrário, as religiões, quando apelam ao seu património espiritual originário e não se deixam corromper por desvios sectários, são, a todos os efeitos, suportes fiáveis na construção de sociedades sãs e prósperas, onde os crentes se esforçam por que a convivência civil e as diretrizes políticas estejam sempre mais ao serviço do bem comum, constituindo também uma barreira ao perigoso verme da corrução. Esta constitui sem dúvida uma séria ameaça ao desenvolvimento de qualquer grupo humano, alimentando-se duma mentalidade utilitarista e sem escrúpulos que empobrece países inteiros. A corrução empobrece países inteiros. É indicativo dum olhar que se afasta do céu e evita os vastos horizontes da fraternidade, para se fechar em si mesmo e antepor a tudo os próprios interesses.

Pelo contrário, foram protagonistas dum olhar voltado para o alto e de perspetivas amplas, muitos dos vossos líderes antigos, que demonstraram uma capacidade invulgar de integrar vozes e experiências diferentes, inclusive do ponto de vista religioso. De facto, reservava-se uma atitude respeitosa e conciliadora também para as múltiplas tradições sagradas, como testemunham os vários locais de culto – entre os quais se conta um cristão – tutelados na antiga capital de Kharakhorum. E assim resultou quase natural, para vós, chegar à liberdade de pensamento e de religião, sancionada pela vossa atual Constituição; superada, sem derramamento de sangue, a ideologia ateia que pensava ser seu dever extirpar o sentido religioso por considerá-lo um travão ao desenvolvimento, hoje reconheceis-vos no valor essencial da harmonia e sinergia entre os seguidores das diversas crenças que contribuem, cada qual do próprio ponto de vista, para o progresso moral e espiritual.

De bom grado a comunidade católica mongol deseja continuar a prestar o seu contributo para isso. Há pouco mais de trinta anos começou ela a celebrar a sua fé dentro duma ger, e a própria catedral atual, que se encontra nesta grande cidade, sugere a sua forma. São sinais do desejo de partilhar a própria obra, em espírito de serviço responsável e fraterno, com o povo mongol, que é o seu povo. Por isso alegro-me que a comunidade católica, apesar de pequena e modesta, participe com entusiasmo e empenho no caminho de crescimento do país, difundindo a cultura da solidariedade, a cultura do respeito por todos e a cultura do diálogo inter-religioso, e trabalhando pela justiça, a paz e a harmonia social. Espero que uma legislação clarividente e atenta às exigências concretas permita aos católicos locais, ajudados por homens e mulheres consagrados vindos, em sua maioria, doutros países, a que possam prestar sempre à Mongólia o seu contributo humano e espiritual, sem dificuldades, em benefício deste povo. A propósito, as negociações em curso para o estabelecimento dum acordo bilateral entre a Mongólia e a Santa Sé representam um canal importante para a obtenção das condições essenciais para o desenvolvimento das atividades ordinárias em que a Igreja Católica está empenhada. Entre elas, além da dimensão mais especificamente religiosa do culto, sobressaem as numerosas iniciativas de desenvolvimento humana integral, nomeadamente nos setores da educação, da saúde, da assistência e da pesquisa e promoção cultural: tais iniciativas testemunham bem o espírito humilde, o espírito fraterno e solidário do Evangelho de Jesus, a única estrada que os católicos são chamados a percorrer no caminho que partilham com cada povo.

O lema escolhido para esta Viagem – esperar juntos – expressa precisamente as potencialidades contidas no ato de caminhar com o outro, no respeito mútuo e sinergia em prol do bem comum. A Igreja Católica, instituição antiga e presente em quase todos os países, é testemunha duma nobre e fecunda tradição espiritual que contribuiu para o desenvolvimento de nações inteiras em muitos campos da convivência humana, desde a ciência à literatura, desde a arte à política. Estou certo de que os próprios católicos mongóis estão e continuarão a estar prontos a dar a própria contribuição para a construção duma sociedade próspera e segura, em diálogo e colaboração com todos os componentes que habitam esta grande terra beijada pelo céu.

«Sê como o céu»: com estas palavras, um famoso poeta convidava a transcender a caducidade das instáveis vicissitudes terrenas, imitando a magnanimidade inspirada precisamente pelo imenso e límpido céu azul que se contempla na Mongólia. Hoje também nós, peregrinos e hóspedes neste país que pode oferecer tanto ao mundo, desejamos aceitar este convite, traduzindo-o em sinais concretos de compaixão, diálogo e projeto comum. Que os diversos componentes da sociedade mongol, aqui bem representados, possam continuar a oferecer ao mundo a beleza e a nobreza dum povo único. Tal como a vossa escrita, assim possais permanecer «de pé» e aliviar tantos sofrimentos humanos ao vosso redor, lembrando a todos a dignidade de cada ser humano, chamado a habitar a casa terrena abraçando o céu. Bayarlalaa [obrigado]!


Encontro com os Bispos, os Sacerdotes, os Missionários, os Consagrados, as Consagradas e os Agentes da Pastoral na Catedral de S. Pedro e S. Paulo

Queridos irmãos e irmãs, boa tarde!

Obrigado, Senhor Bispo, pelas suas palavras! Obrigado, Irmã Salvia, Padre Peter Sanjaajav e Rufina, pelos vossos testemunhos! Obrigado, a todos vós, pela vossa presença e a vossa fé! Estou feliz por vos encontrar. A alegria do Evangelho é o motivo que vos impeliu a vós, homens e mulheres consagrados na vida religiosa e no ministério ordenado, a estar aqui e a dedicar-vos, juntamente com os irmãos e irmãs leigos, ao Senhor e aos outros. Bendigo a Deus por isso. Faço-o através duma estupenda oração de louvor: o Salmo 34. Nele me inspiro para partilhar convosco alguns pensamentos. Diz ele: «Saboreai e vede como o Senhor é bom» (34, 9).

Saborear e ver, porque a alegria e a bondade do Senhor não são algo de passageiro, mas permanecem dentro: dão sabor à vida e fazem ver as coisas de maneira nova, como nos disseste tu, Rufina, no teu lindo testemunho. Quero, pois, saborear o gosto da fé nesta terra, começando por recordar histórias e rostos de vidas gastas pelo Evangelho. Gastar a vida pelo Evangelho: é uma bela definição da vocação missionária do cristão e, em particular, do modo como aqui a vivem os cristãos. Gastar a própria vida pelo Evangelho!

Assim recordo o Bispo D. Wenceslao Selga Padilla, primeiro Prefeito Apostólico, pioneiro da fase contemporânea da Igreja na Mongólia e construtor desta catedral. Aqui, porém, a fé não remonta apenas aos anos noventa do século passado, mas tem raízes muito antigas. Às experiências do primeiro milénio, marcadas pelo movimento evangelizador de tradição siríaca que se estendeu ao longo da rota da seda, seguiu-se um considerável empenho missionário: como não recordar as missões diplomáticas do século XIII e também a solicitude apostólica demonstrada no facto da nomeação, por volta de 1310, de Giovanni de Montecorvino como primeiro Bispo de Khān Bālīq e, consequentemente, responsável por toda esta vasta região do mundo sob a dinastia mongol Yuan? Foi ele precisamente que preparou a primeira tradução em língua mongol do livro dos Salmos e do Novo Testamento. Pois bem, esta grande história de paixão pelo Evangelho é retomada de forma extraordinária em 1992 com a chegada dos primeiros missionários da Congregação do Imaculado Coração de Maria, aos quais se juntaram representantes de outros Institutos, clero diocesano e voluntários leigos. Dentre todos, quero recordar o ativo e zeloso Padre Stephano Kim Seong-hyeon. E lembremos tantos fiéis servidores do Evangelho na Mongólia, que estão aqui connosco agora e que, depois de ter gasto a vida por Cristo, veem e saboreiam as maravilhas que a sua bondade continua a realizar em vós e por vós. Obrigado.

Mas, porquê gastar a vida pelo Evangelho? É uma pergunta que vos faço. Como dizia Rufina, a vida cristã progride quando se fazem perguntas, como as crianças que perguntam sempre coisas novas, uma vez que na idade dos porquês não compreendem tudo. Aproximando-se do Senhor, a vida cristã coloca sempre perguntas, para O compreender melhor, para compreender melhor a sua mensagem. Gastar a vida pelo Evangelho porque se saboreou (cf. Sal 34) aquele Deus que Se tornou visível, palpável, podendo-Se encontrar em Jesus. Sim, é Ele a boa notícia destinada a todos os povos, o anúncio que a Igreja não pode cessar de levar, encarnando-o na vida e «sussurrando-o» ao coração dos indivíduos e das culturas. Muitas vezes, a linguagem de Deus é um sussurro demorado, que leva o seu tempo; Ele fala assim. Esta experiência do amor de Deus em Cristo é pura luz que transfigura o rosto e, por sua vez, o torna luminoso. Irmãos e irmãs, a vida cristã nasce da contemplação deste rosto; é questão de amor, de encontro diário com o Senhor na Palavra e no Pão da vida, e no rosto do outro, nos necessitados em quem está presente Jesus. E tu, Irmã Salvia, recordaste-nos disso com o teu testemunho. Obrigado! Há mais de 20 anos que te encontras aqui e aprendeste a interagir com este povo: obrigado.

Nestes trinta e um anos de presença na Mongólia, vós, queridos sacerdotes, consagrados, consagradas e agentes pastorais, destes vida a uma multiforme variedade de iniciativas sociocaritativas, que absorvem a maior parte das vossas energias e refletem o rosto misericordioso de Cristo bom samaritano. É como o vosso cartão de visita, que vos tornou respeitados e estimados pelos muitos benefícios prestados a tantas pessoas nos mais variados campos: desde a assistência até à educação, passando pela saúde e a promoção cultural. Encorajo-vos a continuar por este caminho fecundo e vantajoso para o amado povo mongol. Gestos de amor e gestos de caridade.

Ao mesmo tempo, convido-vos a saborear e ver o Senhor – saborear e ver o Senhor; convido-vos a voltar sempre de novo àquele olhar primordial do qual tudo nasceu. De facto, sem isso, as forças definham e o empenho pastoral corre o risco de se tornar uma estéril prestação de serviços, numa sucessão de ações devidas, que acabam por nada mais transmitir senão cansaço e frustração. Pelo contrário, permanecendo em contacto com o rosto de Cristo, perscrutando-O nas Escrituras e contemplando-O em silêncio adorador – em silêncio adorador – diante do Sacrário, reconhecê-Lo-eis no rosto de quantos servis e sentir-vos-eis transportados por uma alegria íntima, que, mesmo no meio das dificuldades, deixa a paz no coração. É disto que se sente necessidade, hoje e sempre! Não de pessoas agitadas e distraídas que fazem avançar projetos, com o risco às vezes de aparecerem amarguradas por uma vida certamente não fácil. Não! O cristão é aquele que é capaz de adorar, adorar em silêncio. E depois, desta adoração brota a atividade. Mas, não esqueçais a adoração. Neste século pragmático, perdemos um pouco o sentido da adoração. Não vos esqueçais de adorar e de fazer as coisas a partir da adoração. É preciso regressar à fonte, ao rosto de Jesus, à sua presença que se há de saborear: é Ele o nosso tesouro (cf. Mt 13, 44), a pérola preciosa pela qual vale a pena gastar tudo (cf. Mt 13, 45-46). Os irmãos e irmãs da Mongólia, que possuem um forte sentido do sagrado e – como é típico no continente asiático – uma vasta e articulada história religiosa, esperam de vós este testemunho e sabem reconhecer a sua genuinidade. É um testemunho que deveis dar, porque o Evangelho não cresce através do proselitismo, o Evangelho cresce através do testemunho.

Quando o Senhor Jesus enviou os seus discípulos ao mundo, não foi para difundirem um pensamento político, mas para testemunhar com a vida a novidade da relação com o Pai d’Ele, que Se tornou «Pai nosso» (cf. Jo 20, 17), desencadeando assim uma fraternidade concreta com cada povo. A Igreja, que nasce deste mandato, é uma Igreja pobre, que se apoia apenas numa fé genuína, na força desarmada e desarmante do Ressuscitado, capaz de aliviar os sofrimentos da humanidade ferida. É por isso que os governos e as instituições seculares nada têm a temer da ação evangelizadora da Igreja, porque esta não tem uma agenda política a concretizar, mas conhece só a força humilde da graça de Deus e duma Palavra de misericórdia e verdade, capaz de promover o bem de todos.

Para cumprir tal missão, Cristo dotou a sua Igreja duma estrutura que recorda a harmonia que existe entre os vários membros do corpo humano: Ele é a Cabeça, ou seja, a testa que continua a guiá-la, infundindo no Corpo, ou seja, em nós, o seu próprio Espírito, operante sobretudo nos sinais de vida nova que são os Sacramentos. Para garantir a sua autenticidade e eficácia, instituiu a Ordem Sacerdotal, marcada por uma íntima associação com Ele, com Ele que é o bom Pastor que dá a vida pelo rebanho. Também tu, Padre Peter, foste chamado para esta missão: obrigado por teres partilhado connosco a tua experiência. Deste modo, também o santo Povo de Deus que está na Mongólia possui a plenitude dos dons espirituais. E, nesta perspetiva, convido-vos a ver no Bispo não um empresário, mas a imagem viva de Cristo bom Pastor que reúne e guia o seu povo; um discípulo repleto do carisma apostólico para edificar a vossa fraternidade em Cristo e enraizá-la sempre mais nesta nação de nobre identidade cultural. Depois, o facto do vosso Bispo ser Cardeal pretende ser mais uma expressão de proximidade: todos vós, distantes apenas fisicamente, vos encontrais muito próximo do coração de Pedro; e a Igreja inteira está próxima de vós, da vossa comunidade, que é verdadeiramente católica, isto é, universal e que faz atrair para a Mongólia a simpatia de todos os irmãos e irmãs espalhados pelo mundo, numa grande comunhão eclesial.

E sublinho esta palavra: comunhão. A Igreja não é compreendida com base num critério puramente funcional: não, a Igreja não é uma empresa funcional, a Igreja não cresce através do proselitismo, como vos disse. A Igreja é outra coisa. A palavra “comunhão” explica bem o que é a Igreja. Neste corpo da Igreja, o Bispo não faz de moderador dos vários componentes atendo-se talvez ao princípio da maioria, mas em virtude dum princípio espiritual pelo qual o próprio Jesus Se faz presente na pessoa do Bispo para assegurar a comunhão no seu Corpo místico. Por outras palavras, a unidade na Igreja não é questão de ordem e respeito, nem mesmo duma boa estratégia de «fazer equipa»; mas é questão de fé e de amor ao Senhor, é fidelidade a Ele. Por isso é importante que todos os componentes eclesiais se unam em torno do Bispo, que representa Cristo vivo no meio do seu Povo, construindo aquela comunhão sinodal que já é anúncio e muito ajuda a inculturar a fé.

Caríssimos Missionários e Missionárias, saboreai e vede o dom que sois, saboreai e vede a beleza de vos entregardes inteiramente a Cristo que vos chamou para testemunhar o seu amor precisamente aqui na Mongólia. Continuai a fazê-lo, cultivando a comunhão. Fazei-o na simplicidade duma vida sóbria, à imitação do Senhor, que entrou em Jerusalém montado num jumento e foi até despido das suas vestes na cruz. Permanecei sempre próximos da gente, com aquela proximidade que é a atitude de Deus: Deus é próximo, compassivo e terno – proximidade, compaixão e ternura. Sede assim com as pessoas, cuidando delas pessoalmente, aprendendo a sua língua, respeitando e amando a sua cultura, não vos deixando tentar por seguranças mundanas, mas permanecendo firmes no Evangelho através duma exemplar retidão de vida espiritual e moral. Por conseguinte, é-vos pedida simplicidade e proximidade, sem vos cansardes de levar a Jesus os rostos e as histórias que encontrais, os problemas e as preocupações, gastando tempo na oração diária, que vos consente permanecer de pé nas canseiras do serviço e haurir do «Deus de toda a consolação» (2 Cor 1, 3) a esperança que haveis de derramar nos corações de quantos sofrem.

Irmãos e irmãs, estando próximos do Senhor, reforça-se efetivamente em nós uma certeza, como nos revela o Salmo 34: «Nada falta aos que O temem (...), aos que procuram o Senhor nenhum bem há de faltar» (34, 10.11). Certamente, os desequilíbrios e as contradições da vida abatem-se também sobre os crentes, e os evangelizadores não estão exonerados da carga de inquietações que pertence à condição humana: o salmista não hesita em falar de malícia e de malfeitores, mas recorda que o Senhor, confrontado com o grito dos humildes, «livrou-os das suas angústias», porque «está perto dos corações contritos e salva os espíritos abatidos» (34, 18.19). Por isso, a Igreja apresenta-se ao mundo como voz solidária com todos os pobres e necessitados, não se cala perante as injustiças e, com mansidão, empenha-se a promover a dignidade de todo o ser humano.

Caríssimos, neste caminho de discípulos-missionários, tendes um apoio seguro: a nossa Mãe celeste, que quis dar-vos um sinal palpável da sua presença discreta e solícita (gostei muito de descobrir isto) ao deixar que se encontrasse a sua efígie numa lixeira. Naquele lugar dos detritos, apareceu esta bela estátua da Imaculada: Ela, sem mácula, imune do pecado, quis chegar tão perto a ponto de ser confundida com os desperdícios da sociedade, para que, da imundície do lixo, emergisse a pureza da Santa Mãe de Deus, a Mãe do Céu. Soube da interessante tradição mongol da suun dalai ijii, a mãe do coração grande como um oceano de leite. Se, na narração da História Secreta dos Mongóis, uma luz descida através da abertura superior da ger fecunda a mítica rainha Alungoo, vós podeis contemplar na maternidade da Virgem Maria a ação da luz divina que do Alto acompanha cada dia os passos da vossa Igreja.

Assim, erguendo o olhar para Maria, sentis-vos revigorados ao ver que a pequenez não é um problema, mas um recurso. Sim, Deus ama a pequenez e gosta de realizar grandes coisas mediante a pequenez, como testemunha Maria (cf. Lc 1, 48-49). Irmãos, irmãs, não tenhais medo dos números exíguos, dos sucessos que tardam, da relevância que não se avista. Não é este o caminho de Deus. Olhemos para Maria, que, na sua pequenez, é maior que o céu, pois hospedou em Si Aquele que nem os céus nem os céus dos céus podem conter (cf. 1 Rs 8, 27). Irmãos e Irmãs, consagremo-nos a Ela, pedindo um renovado zelo, um ardente amor, que não se cansa de testemunhar o Evangelho com alegria. E segui em frente, corajosos; não vos canseis de seguir em frente! Muito obrigado pelo vosso testemunho. Ele, o Senhor, escolheu-vos e acredita em vós; e eu uno-me a vós e, de todo o coração, vos digo: obrigado; obrigado pelo vosso testemunho, obrigado pelas vossas vidas gastas pelo Evangelho! Continuai assim, constantes na oração, continuai criativos na caridade, continuai firmes na comunhão, alegres e mansos em tudo e com todos. De todo o coração vos abençoo e lembro-me de vós. E vós, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!


Domingo 3 de setembro

Encontro Ecuménico e Inter-Religioso no Teatro Hun

Bom dia a todos vós, queridos irmãos e irmãs!

Permiti que vos trate assim enquanto irmão na fé, relativamente aos crentes em Cristo, e irmão de vós todos em nome da busca religiosa que nos irmana e da pertença à mesma humanidade. Esta, no seu anseio religioso, pode ser comparada a uma comunidade de viandantes que caminha na terra com o olhar voltado para o céu. A propósito, é significativo aquilo que um crente, vindo de longe, afirmou da Mongólia, ou seja, que viajou lá «sem nada mais ver senão céu e terra» (Guilherme de Rubruck, Viagem na Mongólia, XIII/3, Milão 2014, 63). De facto, aqui, este céu tão límpido, tão azul, abraça a terra vasta e imponente, evocando as duas dimensões fundamentais da vida humana: a terrena, feita de relações com os outros, e a celeste, feita de busca do Outro, que nos transcende. Em suma, a Mongólia recorda a todos nós, peregrinos e viandantes, a necessidade de olhar para o alto a fim de encontrar a rota do caminho na terra.

Por isso estou feliz por estar convosco neste importante momento de encontro. Agradeço vivamente a cada um e cada uma pela presença e pelas várias intervenções que enriqueceram a reflexão comum. O próprio facto de estarmos juntos no mesmo lugar já é uma mensagem: as tradições religiosas, na sua originalidade e diversidade, constituem um formidável potencial de bem ao serviço da sociedade. Se quem possui a responsabilidade das nações escolhesse o caminho do encontro e do diálogo com os outros, contribuiria certamente de forma decisiva para acabar com os conflitos que continuam a causar sofrimento a tantos povos.

Esta ocasião de nos juntar para nos conhecermos e enriquecermos mutuamente é-nos proporcionada pelo amado povo mongol, que se pode gloriar duma história de convivência entre expoentes de várias tradições religiosas. É bom recordar a virtuosa experiência da antiga capital imperial de Kharakorum, dentro da qual se encontravam lugares de culto pertencentes a diferentes “credos”, testemunhando uma louvável harmonia. Harmonia: quero sublinhar esta palavra de sabor tipicamente asiático. Trata-se daquela relação particular que se cria entre realidades diversas, sem as sobrepor nem homogeneizar, mas no respeito pelas diferenças e em benefício da convivência. Pergunto-me: Quem, mais do que os crentes, é chamado a trabalhar pela harmonia de todos?

Irmãos, irmãs, a valência social da nossa religiosidade mede-se pela harmonia que conseguimos criar com os outros peregrinos na terra e pelo modo como a difundimos onde vivemos. Com efeito toda a vida humana, e por maior força de razão toda a religião, deve-se medir com base no altruísmo: não um altruísmo abstrato, mas concreto que se traduz na procura do outro e na generosa colaboração com o outro, porque «o homem sábio alegra-se em dar, e só isso o torna feliz» (O Dhammapada: O Caminho da Sabedoria de Buda, Sri Lanka 1985, n.º 177. Vejam-se as palavras de Jesus referidas em At 20, 35). Assim se expressa uma oração, inspirada em Francisco de Assis: «Onde houver ódio, que eu leve o amor, onde houver ofensa, que eu leve o perdão, onde houver discórdia, que eu leve a união». O altruísmo constrói harmonia e, onde houver harmonia, há compreensão, há prosperidade, há beleza. Na realidade, harmonia é talvez o sinónimo mais apropriado de beleza. Ao contrário, o fechamento, a imposição unilateral, o fundamentalismo e o forçamento ideológico arruínam a fraternidade, alimentam tensões e põem em risco a paz. A beleza da vida é fruto da harmonia: é comunitária, cresce com a gentileza, a escuta e a humildade. E é o coração puro que a capta, pois «a verdadeira beleza, afinal, está na pureza do coração» (M. K. Gandhi, O meu Credo, o meu Pensamento, Roma 2019, 94).

As religiões são chamadas a oferecer ao mundo esta harmonia, que o progresso técnico, por si só, não pode dar, pois, ao visar a dimensão terrena e horizontal do homem, corre o risco de esquecer o céu, para o qual fomos feitos. Hoje, irmãs e irmãos, estamos aqui juntos como humildes herdeiros de antigas escolas de sabedoria. Quando nos encontramos, comprometemo-nos a partilhar o muito bem que recebemos, para enriquecer uma humanidade que frequentemente, no seu caminho, é desorientada por buscas míopes de lucro e bem-estar. Muitas vezes mostra-se incapaz de encontrar a linha justa: voltada apenas para os interesses terrenos, acaba por arruinar a própria terra, confundindo o progresso com o retrocesso, como mostram tantas injustiças, tantos conflitos, tantas devastações ambientais, tantas perseguições, tanta rejeição da vida humana.

A Ásia tem muito para nos oferecer neste sentido e a Mongólia, que está no coração do continente, guarda um grande património de sabedoria, que as religiões aqui difundidas contribuíram para criar e, a todos, convido a descobrir e valorizar. Não podendo aqui aprofundá-los, limito-me a citar dez aspetos deste património sapiencial. Dez aspetos: o bom relacionamento com a tradição, não obstante as tentações do consumismo; o respeito pelos idosos e os antepassados (como precisamos hoje de uma aliança geracional entre eles e os mais novos, de diálogo entre avós e netos!). Depois, o cuidado pelo meio ambiente, a nossa casa comum (outra necessidade tremendamente atual: estamos em perigo!). E também o valor do silêncio e da vida interior, antídoto espiritual para tantas mazelas do mundo hodierno. Em seguida, um sentido sadio de frugalidade; o valor do acolhimento; a capacidade de contrastar o apego às coisas; a solidariedade, que nasce da cultura dos vínculos entre as pessoas; o apreço pela simplicidade. E, por fim, um certo pragmatismo existencial, que tende a procurar tenazmente o bem do indivíduo e da comunidade. Estes dez aspetos são alguns elementos do património de sabedoria que este país pode oferecer ao mundo.

A respeito dos vossos costumes, já aludi ao facto de, ao preparar-me para esta viagem, ter ficado fascinado pelas habitações tradicionais nas quais o povo mongol revela uma sabedoria que se foi sedimentando ao longo de milénios de história. De facto, a ger constitui um espaço humano: dentro dela se desenrola a vida familiar; é lugar de convívio amistoso, de encontro e de diálogo onde, mesmo quando são muitos, sempre se consegue arranjar espaço para mais um. Além disso, é um ponto de referência concreto, facilmente identificável nas imensas extensões do território mongol; é motivo de esperança para quem se extraviou: se existe uma ger, há vida. Encontramo-la sempre aberta, pronta a acolher o amigo, mas também o viandante e até o estrangeiro, para lhe oferecer um chá ainda fumegante que faz voltar as forças no frio do inverno ou um leite fresco fermentado que dessedenta nos dias quentes de verão. Assim o experimentaram também os missionários católicos, vindos doutros países, que aqui são acolhidos como peregrinos e hóspedes, e entram em ponta de pés neste mundo cultural, para oferecer o testemunho humilde do Evangelho de Jesus Cristo.

Mas, a par do espaço humano, a ger evoca a essencial abertura ao divino. A dimensão espiritual desta habitação é representada pela sua abertura para o alto, com um único ponto por onde entra a luz, em forma de claraboia aos gomos. Assim, o interior torna-se um grande relógio de sol, no qual se sucedem luz e sombra, marcando as horas do dia e da noite. Encerra-se aqui um ensinamento interessante: o sentido do tempo que passa provém, não do mero fluir das atividades terrenas, mas do alto. Além disso, em certos momentos do ano, o raio que penetra do alto ilumina o altar doméstico, lembrando a primazia da vida espiritual. Assim, a convivência humana que tem lugar no espaço circular é constantemente referida à sua vocação vertical, à sua vocação transcendente e espiritual.

A humanidade reconciliada e próspera que, como expoentes de várias religiões, contribuímos a promover é simbolicamente representada por este conviver harmonioso e aberto ao transcendente, no qual o empenho em prol da justiça e da paz encontram inspiração e fundamento na relação com o divino. Grande é aqui, queridos irmãos e irmãs, a nossa responsabilidade, especialmente nesta hora da história, porque o nosso comportamento é chamado a confirmar nos factos os ensinamentos que professamos; não os pode contradizer, tornando-se motivo de escândalo. Nenhuma confusão, portanto, entre credo e violência, entre sacralidade e imposição, entre percurso religioso e sectarismo. Que a memória dos sofrimentos vividos no passado – penso sobretudo nas comunidades budistas – nos dê a força de transformar as negras feridas em fontes de luz, a insensatez da violência em sabedoria de vida, o mal que arruína em bem que constrói. Assim se cumpra em nós, discípulos entusiastas dos respetivos mestres espirituais e servidores conscienciosos dos seus ensinamentos, dispostos a oferecer a sua beleza a quantos acompanhamos, como companheiros amigos de viagem. Que assim seja, porque em sociedades pluralistas que acreditam nos valores democráticos, como a Mongólia, toda a instituição religiosa, reconhecida regularmente pela autoridade civil, tem o dever e, antes ainda, o direito de oferecer aquilo que é e aquilo que crê, no respeito pela consciência alheia e visando o maior bem de todos.

Neste sentido, quero confirmar-vos que a Igreja católica deseja caminhar assim, crendo firmemente no diálogo ecuménico, no diálogo inter-religioso e no diálogo cultural. A sua fé funda-se no diálogo eterno entre Deus e a humanidade, que encarnou na pessoa de Jesus Cristo. Com humildade e no espírito de serviço que animou a vida do Mestre, o Qual não veio ao mundo para ser servido, mas para servir (cf. Mc 10, 45), a Igreja oferece hoje a cada pessoa e cultura o tesouro que recebeu, permanecendo em atitude de abertura e escuta a quanto têm para oferecer as outras tradições religiosas. Com efeito, o diálogo não se contrapõe ao anúncio: não nivela as diferenças, mas ajuda a compreendê-las, preserva-as na sua originalidade e permite-lhes confrontar-se para um franco e mútuo enriquecimento. Assim, a chave para caminhar na terra pode-se encontrar na humanidade abençoada pelo Céu. Irmãos e irmãs, temos uma origem comum, que confere a todos a mesma dignidade, e temos um caminho compartilhado, que só podemos percorrer juntos, habitando sob o mesmo céu que nos envolve e ilumina.

Irmãos e irmãs, o facto de nos encontrarmos aqui hoje é sinal de que é possível ter esperança. Esperar é possível. Num mundo dilacerado por lutas e discórdias, isto poderia parecer utópico; entretanto, as maiores empresas começam no escondimento, com dimensões quase impercetíveis. A grande árvore nasce da semente pequenina, escondida na terra. E, se «a fragrância das flores se espalha apenas na direção do vento, o perfume de quem vive de acordo com a virtude espalha-se em todas as direções» (O Dhammapada, n.º 54). Façamos florescer a certeza de que não são vãos os nossos esforços comuns para dialogar e construir um mundo melhor. Cultivemos a esperança. Como disse um filósofo: «Cada um foi grande segundo aquilo esperava. Um foi grande esperando o possível; outro esperando o eterno; mas quem esperou o impossível foi o maior de todos» (S. A. Kierkegaard, Temor e tremor, Milão 2021, 16). Que as orações que elevamos ao céu e a fraternidade que vivemos na terra nutram a esperança; sejam o testemunho simples e credível da nossa religiosidade, do caminhar juntos com o olhar voltado para o alto, de habitar o mundo em harmonia – não esqueçamos a palavra “harmonia” – como peregrinos chamados a guardar a atmosfera de casa, para todos. Obrigado!


Santa Missa na Steppe Arena

Com as palavras do Salmo, rezámos assim: «Ó Deus, (...) a minha alma tem sede de Ti, todo o meu ser anela por Ti, como terra árida, exausta, sem água» (63, 2). Trata-se duma invocação estupenda que acompanha a viagem da nossa vida, no meio dos desertos que somos chamados a atravessar. E é precisamente nesta terra árida que recebemos uma boa notícia: no nosso caminho, não estamos sozinhos; a nossa aridez não pode tornar estéril para sempre a nossa vida; o grito da nossa sede não passa despercebido. Deus Pai enviou seu Filho para nos dar a água viva do Espírito Santo a fim de saciar a sede da nossa alma (cf. Jo 4, 10). E Jesus – acabámos de o ouvir no Evangelho – mostra-nos o caminho para ficarmos saciados: é o caminho do amor, que Ele percorreu até ao fim, até à cruz; e de lá chama-nos a segui-Lo, perdendo a nossa vida para a reavermos nova (cf. Mt 16, 24-25).

Detenhamo-nos juntos a pensar nestes dois aspetos: a sede que nos habita e o amor que nos dessedenta.

Antes de mais, somos chamados a reconhecer a sede que nos habita. O salmista grita para Deus a sua secura, porque a sua vida se assemelha a um deserto. As suas palavras têm uma ressonância particular numa terra como a Mongólia: um território imenso, rico de história, uma terra cheia de cultura, mas caraterizado também pela aridez da estepe e do deserto. Muitos de vós estão habituados ao encanto e à fadiga de caminhar, atividade que recorda um aspeto essencial da espiritualidade bíblica, presente na figura de Abraão e, de forma mais geral, também no povo de Israel e em todo o discípulo do Senhor: com efeito, todos, todos nós somos «nómadas de Deus», peregrinos à procura da felicidade, viandantes sedentos de amor. Assim o deserto evocado pelo salmista refere-se à nossa vida: somos aquela terra árida que tem sede de água límpida, de água que mata a sede em profundidade; é o nosso coração que deseja descobrir o segredo da verdadeira alegria, aquela que nos pode acompanhar e sustentar mesmo no meio da aridez existencial. É verdade! Trazemos dentro de nós uma sede inextinguível de felicidade; andamos à procura de significado e orientação para a nossa vida, de motivação para as atividades que realizamos cada dia; e sobretudo temos sede de amor, porque só o amor nos sacia verdadeiramente, nos faz sentir bem – o amor faz-nos sentir bem –, abre à confiança fazendo-nos saborear a beleza da vida. Queridos irmãos e irmãs, a fé cristã é resposta a esta sede; toma-a a sério; não a remove, não procura aplacá-la com paliativos ou substituintes. Não! Porque, nesta sede, reside o nosso grande mistério: ela abre-nos ao Deus vivo, ao Deus Amor que vem ao nosso encontro para nos fazer filhos seus e irmãos e irmãs entre nós.

E assim chegamos ao segundo aspeto: o amor que nos dessedenta. Primeiro pensámos na nossa sede, existencial, profunda, e agora pensemos no amor que nos dessedenta. Este é o conteúdo da fé cristã: Deus, que é amor, no seu Filho Jesus, fez-Se próximo de ti, de mim, de todos, deseja partilhar a tua vida, as tuas fadigas, os teus sonhos, a tua sede de felicidade. É verdade que, às vezes, nos sentimos como terra deserta, árida e sem água, mas é igualmente verdade que Deus cuida de nós e nos oferece a água límpida e refrescante, a água viva do Espírito que, brotando em nós, nos renova, libertando-nos do perigo da secura. Esta água é Jesus quem no-la dá. Como afirma Santo Agostinho, «se nos reconhecermos no sedento, reconhecer-nos-emos também no dessedentado» (Coment.º ao Salmo 62, 3). Embora tantas vezes na nossa vida experimentemos o deserto, a solidão, o cansaço, a esterilidade, contudo nunca nos devemos esquecer disto: «Para que não desfaleçamos neste deserto – acrescenta Agostinho – Deus irriga-nos com o orvalho da sua Palavra (...). É verdade que nos faz sentir a sede, mas depois vem saciá-la. (...) Deus teve misericórdia de nós e abriu-nos um caminho no deserto: nosso Senhor Jesus Cristo», e é este o caminho no deserto da vida. «E proporcionou-nos uma consolação no deserto: os pregadores da sua Palavra. Ofereceu-nos água no deserto, enchendo de Espírito Santo os seus pregadores para que neles se formasse uma fonte de água que jorra para a vida eterna» (ibid., 3.8). Estas palavras, queridos amigos, recordam a vossa história: nos desertos da vida e nas limitações por serdes uma comunidade pequena, o Senhor não vos deixa faltar a água da sua Palavra, especialmente através dos pregadores e missionários que, ungidos pelo Espírito Santo, a semeiam em toda a sua beleza. E a Palavra sempre, sempre nos remete para o essencial, para o essencial da fé: deixar-se amar por Deus para fazer da nossa vida uma oferta de amor. Porque só o amor sacia verdadeiramente a nossa sede. Não esqueçamos: só o amor verdadeiramente dessedenta.

É o que Jesus, no Evangelho de hoje, diz em tom forte ao apóstolo Pedro. Este não aceita o facto de Jesus ter que sofrer, ser acusado pelos chefes do povo, passar pela paixão e, depois, morrer na cruz. Pedro reage, Pedro protesta, queria convencer Jesus que estava no erro, porque, segundo ele (e, muitas vezes, pensamos assim também nós), o Messias não pode acabar derrotado, nem de forma alguma morrer crucificado, como um malfeitor abandonado por Deus. Mas o Senhor repreende Pedro, porque este modo de pensar é dos homens, diz o Senhor, e não o de Deus (cf. Mt 16, 21-23). Se pensamos que, para dessedentar a aridez da nossa vida, bastem o sucesso, o poder, as coisas materiais, isso é uma mentalidade mundana, que não leva a nada de bom, antes pelo contrário deixa-nos mais áridos do que antes. Mas Jesus indica-nos o caminho: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la» (Mt 16, 24-25).

Irmãos, irmãs, o melhor caminho de todos é este: abraçar a cruz de Cristo. No coração do cristianismo, temos esta notícia impressionante, esta notícia extraordinária: quando perdes a tua vida, quando no serviço a ofereces generosamente, quando a pões em risco comprometendo-a no amor, quando fazes dela um dom gratuito para os outros, então a vida volta para ti em abundância, derrama dentro de ti uma alegria que não passa, uma paz do coração, uma força interior que te sustenta. E temos necessidade de paz interior.

Esta é a verdade que Jesus nos convida a descobrir, que Jesus quer desvendar a todos vós, nesta terra da Mongólia: para ser feliz, não serve ser grande, rico ou poderoso. Não! Só o amor nos dessedenta o coração, só o amor cura as nossas feridas, só o amor nos dá a verdadeira alegria. E este é o caminho que Jesus nos ensinou e abriu para nós.

Então também nós, irmãos e irmãs, ouvimos a palavra que o Senhor disse a Pedro: Segue atrás de Mim (cf. Mt 16, 23), ou seja, torna-te meu discípulo, segue o mesmo caminho que sigo Eu e deixa de pensar segundo o mundo. Então, com a graça de Cristo e do Espírito Santo, poderemos caminhar pelo caminho do amor. Mesmo quando amar significa renunciar a si mesmo, lutar contra os egoísmos pessoais e mundanos, correr o risco de viver a fraternidade. Pois, se é verdade que tudo isto custa fadiga e sacrifício e por vezes significa ter de subir à cruz, é ainda mais verdade que, quando perdemos a nossa vida pelo Evangelho, o Senhor no-la dá em abundância, cheia de amor e alegria, por toda a eternidade.

Saudação do Santo Padre no fim da Missa

Estes dois irmãos bispos são o bispo emérito e o atual de Hong Kong: gostaria de aproveitar a sua presença para enviar uma saudação calorosa ao nobre povo chinês. A todo o povo, desejo o melhor e encorajo a seguir em frente, a progredir sempre! E aos católicos chineses peço que sejam bons cristãos e bons cidadãos. A todos, obrigado!

Obrigado pelas suas palavras, Eminência! Obrigado pelo presente que me deste! Disseste que, nestes dias, experimentaste pessoalmente quanto amo o Povo de Deus que está na Mongólia. É verdade! Parti para esta peregrinação animado de grande esperança, no desejo de vos encontrar e conhecer, e agora dou graças a Deus por vós porque Ele gosta de realizar grandes coisas na pequenez, como faz convosco. Obrigado, por serdes bons cristãos e honestos cidadãos! Continuai a sê-lo, com mansidão e sem medo, sentindo a proximidade e o encorajamento de toda a Igreja, e sobretudo o olhar terno do Senhor que não Se esquece de ninguém e olha com amor para cada um dos seus filhos.

Saúdo os irmãos Bispos, os sacerdotes, os consagrados e as consagradas, e todos os amigos que vieram até aqui de diversos países, em particular de várias regiões deste imenso continente asiático, onde tenho a honra de me encontrar e que abraço com grande carinho. Exprimo particular reconhecimento a quantos ajudam a Igreja local, apoiando-a espiritual e materialmente.

Nestes dias, importantes delegações do Governo assistiram aos diversos eventos: agradeço ao Senhor Presidente e às Autoridades o seu acolhimento e cordialidade, bem como por todos os preparativos realizados. Toquei com as minhas mãos a cordialidade tradicional: obrigado!

Depois, saúdo de coração os irmãos e irmãs doutras Confissões cristãs e religiões: continuemos a crescer juntos na fraternidade, como sementes de paz num mundo tristemente funestado por demasiadas guerras e conflitos.

E o meu pensamento agradecido vai para todos aqueles que tanto tiveram de trabalhar, durante muito tempo, para tornar frutuosa, para tornar possível esta viagem, e a quantos a prepararam com a oração.

Eminência, lembrou-nos que a palavra «obrigado», na língua mongol, deriva do verbo «regozijar-se». O meu obrigado corresponde a esta bela intuição da língua local, pois é cheio de alegria. É um obrigado grande a vós, povo mongol, pelo dom da amizade que recebi nestes dias, pela vossa capacidade genuína de apreciar até os aspetos mais simples da vida, de preservar sabiamente as relações e as tradições, de cultivar com cuidado e solicitude a vida do dia-a-dia.

A missa é ação de graças, “Eucaristia”. Celebrá-la nesta terra fez-me lembrar a oração do padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin, elevada a Deus exatamente há 100 anos, no Deserto de Ordos, não muito distante daqui. Diz assim: “Prostro-me, meu Deus, diante da Vossa Presença no Universo volvido ardente e, sob os traços de tudo o que eu encontrar, e de tudo o que me acontecer, e de tudo o que realizar no dia de hoje, desejo-Vos e espero-Vos”. O Padre Teilhard estava ocupado com pesquisas geológicas. Desejava ardentemente celebrar a Santa Missa, mas não trazia consigo nem pão nem vinho. Eis, então, que compôs a sua “Missa sobre o Mundo”, expressando assim a sua oferenda: “Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida pelo Vosso apelo, Vos apresenta na nova aurora”. E uma oração semelhante tinha já surgido na sua mente, enquanto se encontrava no front, durante a Primeira Guerra Mundial, servindo como carregador de macas. Este sacerdote, muitas vezes incompreendido, tinha percebido que “a Eucaristia é sempre celebrada, em certo sentido – em certo sentido –, sobre o altar do mundo” e é “o centro vital do Universo, o centro transbordante de amor e de vida inexaurível” (Enc. Laudato Si’, n. 236), inclusive num tempo como o nosso, de tensões e de guerras. Rezemos hoje, portanto, com as palavras do Padre Teilhard: “Verbo cintilante, Força ardente, Vós que amassais o múltiplo para lhe insuflar a vossa Vida, baixai, rogo-Vos, sobre nós as vossas Mãos poderosas, as vossas Mãos protetoras, as vossas Mãos omnipresentes”.

Irmãos e irmãs da Mongólia, obrigado pelo vosso testemunho, bayarlalaa [obrigado]! Que Deus vos abençoe. Estais no meu coração e, no meu coração, permanecereis. Por favor, lembrai-vos de mim nas vossas orações e nos vossos pensamentos. Obrigado!


Encontro com os agentes da caridade e inauguração da Casa da Misericórdia

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

De coração vos agradeço o acolhimento, o canto, a dança, a saudação de boas-vindas e os vossos testemunhos. Creio que estes se podem resumir nas seguintes palavras de Jesus: «Tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber» (Mt 25, 35). Assim nos ofereceu, o Senhor, o critério para O reconhecermos, para O reconhecermos presente no mundo, e a condição para entrarmos na alegria definitiva do seu Reino no momento do Juízo Final.

Esta verdade foi tomada a sério pela Igreja desde as suas origens, demonstrando nos factos que a dimensão caritativa está na base da sua identidade. A dimensão caritativa está na base da identidade da Igreja. Penso nas narrações dos Atos dos Apóstolos, com as numerosas iniciativas tomadas pela primeira comunidade cristã para realizar as palavras de Jesus, dando vida a uma Igreja construída sobre quatro colunas: comunhão, liturgia, serviço e testemunho. É maravilhoso ver que, depois de tantos séculos, o mesmo espírito permeia a Igreja na Mongólia: na sua pequenez, vive de comunhão fraterna, oração, serviço desinteressado à humanidade sofredora e testemunho da própria fé. Precisamente como as quatro colunas das grandes ger, que sustentam o cone central superior, permitindo que a estrutura se aguente de pé e proporcione dentro dela um espaço acolhedor.

E aqui estamos dentro desta casa que construístes e que hoje tenho a alegria de benzer e inaugurar. É uma expressão concreta daquele cuidar do outro que identifica os cristãos; porque, onde há acolhimento, hospitalidade e abertura ao outro, respira-se o bom odor de Cristo (cf. 2 Cor 2, 15). Desde o início que se encontra, nesta dinâmica porção do Povo de Deus, o gastar-se pelo próximo, pela sua saúde, suas necessidades primárias, sua formação e cultura. Desde que os primeiros missionários chegaram a Ulaanbaatar, na década de 1990, sentiram imediatamente o apelo à caridade, que os levou a cuidar da infância abandonada, irmãos e irmãs sem abrigo, doentes, pessoas portadoras de deficiência, reclusos e quantos na sua condição de sofrimento pediam para ser acolhidos.

Hoje vemos como daquelas raízes cresceu um tronco, brotaram ramos e desabrocharam muitos frutos: numerosas e louváveis iniciativas de beneficência que se desenvolveram em projetos de longo prazo, sustentados na sua maioria pelos vários Institutos missionários aqui presentes e apreciados pela população e pelas autoridades civis. Aliás, fora o próprio Governo mongol que pediu a ajuda dos missionários católicos para enfrentar as numerosas emergências sociais dum país que então se encontrava numa delicada fase de transição política, marcada por pobreza generalizada. Ainda hoje estão envolvidos nestes projetos missionários e missionárias de tantos países, que colocam ao serviço da sociedade mongol os seus conhecimentos, a sua experiência, os seus recursos e sobretudo o seu amor. Para eles e quantos mais apoiam estas numerosas obras de bem-fazer, vai a minha admiração e o meu mais sentido «obrigado».

A Casa da Misericórdia propõe-se como ponto de referência para uma multiplicidade de intervenções sociocaritativas, mãos estendidas aos irmãos e irmãs que lutam para enfrentar os problemas da vida. É uma espécie de porto onde podem atracar, onde encontram escuta e compreensão. Mas esta nova iniciativa, se, por um lado, vem juntar-se a tantas outras sustentadas pelas várias instituições católicas, por outro, representa uma versão inédita: aqui, de facto, é a Igreja particular que dirige a obra, na sinergia de todos os componentes missionários, mas com uma clara identidade local, genuína expressão da Prefeitura Apostólica como um todo. E gosto muito do nome que lhe quisestes dar: Casa da Misericórdia. No binómio «casa» e «misericórdia», temos a definição da Igreja, chamada a ser morada acolhedora onde todos podem experimentar um amor superior, que toca e comove o coração: o amor terno e providente do Pai, que nos quer irmãos, que nos quer irmãs na sua casa. Espero, pois, que possais todos vós congregar-vos à volta desta realização, que nela participem ativamente as várias comunidades missionárias, empenhando pessoal e recursos.

Para a concretização disto, é indispensável o voluntariado, ou seja, o serviço gratuito e desinteressado que as pessoas decidem livremente oferecer a quem é necessitado: não na base duma compensação financeira ou qualquer forma de retribuição individual, mas por puro amor ao próximo. Tal é o estilo de serviço que Jesus nos ensinou, dizendo: «Recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 8). Este modo de servir parece uma aposta perdedora, mas, quando apostamos, descobre-se que aquilo que se dá sem esperar retribuição não é desperdiçado; pelo contrário, torna-se uma grande riqueza para quem oferece tempo e energias. De facto, a gratuidade torna leve o espírito, cura as feridas do coração, aproxima de Deus, descerra a fonte da alegria e mantém intimamente jovem. Neste país cheio de jovens, dedicar-se ao voluntariado pode ser uma via decisiva de crescimento pessoal e social.

Pode-se constatar também que, mesmo nas sociedades altamente tecnológicas e com um elevado padrão de vida, o sistema de segurança social por si só não é suficiente para fornecer todos os serviços aos cidadãos; requerem-se ainda grupos de voluntários e voluntárias que dediquem tempo, capacidades e recursos por amor do outro. Com efeito, o verdadeiro progresso das nações não se mede pela riqueza económica e menos ainda pelo valor investido na força ilusória dos armamentos, mas pela capacidade de prover à saúde, à educação e ao crescimento integral do povo. Quero, pois, encorajar todos os cidadãos mongóis, conhecidos pela sua magnanimidade e capacidade de abnegação, a empenharem-se no voluntariado, colocando-se à disposição dos outros. Aqui, na Casa da Misericórdia, tendes um «ginásio» sempre aberto onde é possível exercitar os vossos desejos de bem-fazer e treinar o coração.

Gostava, enfim, de dissipar alguns «mitos». Em primeiro lugar, o mito segundo o qual só as pessoas ricas se podem comprometer no voluntariado. É uma “ilusão”. A realidade aponta para o contrário: não é preciso ser rico para fazer bem; aliás, são quase sempre as pessoas comuns que dedicam tempo, conhecimentos e coração para cuidar dos outros. Um segundo mito a dissipar: a Igreja Católica, que se distingue no mundo pelo seu grande empenho em obras de promoção social, não o faz por proselitismo, como se cuidar do outro fosse uma forma de convencer visando atrair «para o seu lado». Não é isso! A Igreja não avança através do proselitismo, avança através da atração. Os cristãos identificam a pessoa necessitada e fazem todo o possível por aliviar as suas tribulações, porque nela veem Jesus, o Filho de Deus, e n’Ele a dignidade de cada pessoa, chamada a ser filho ou filha de Deus. Apraz-me imaginar esta Casa da Misericórdia como o lugar onde pessoas de diferentes «credos» e mesmo não-crentes unem os seus esforços aos dos católicos locais para socorrer compassivamente tantos irmãos e irmãs em humanidade. A palavra é esta: compaixão, a capacidade de sofrer com o outro. E isto o Estado saberá adequadamente preservar e promover. Com efeito, para que este sonho se torne realidade é indispensável, aqui e em toda a parte, que os responsáveis públicos apoiem estas iniciativas humanitárias, dando provas duma virtuosa sinergia em prol do bem comum. Por fim, um terceiro mito a dissipar: os únicos que contariam seriam os meios económicos, como se a única forma de cuidar do outro fosse o recurso a pessoal assalariado e o investimento em grandes estruturas. Claro que a caridade exige profissionalismo, mas as iniciativas de beneficência não devem tornar-se empresas, mas conservar o frescor de obras de caridade, onde o necessitado encontra pessoas capazes de escuta, capazes de compaixão, independentemente de qualquer compensação.

Por outras palavras, indispensável para fazer verdadeiramente o bem é um coração bom, um coração decidido a procurar aquilo que é melhor para o outro. Comprometer-se apenas por remuneração não é verdadeiro amor; só o amor vence o egoísmo e faz avançar o mundo. A propósito gostava de concluir recordando um episódio ligado a Santa Teresa de Calcutá. Uma vez um jornalista, vendo-a curvada sobre a ferida mal odorante dum paciente, disse-lhe: «Aquilo que fazeis é belíssimo, mas eu pessoalmente não o faria nem por um milhão de dólares». Madre Teresa sorriu e respondeu: «Por um milhão de dólares, eu também não! Faço-o por amor de Deus!» Rezo para que este estilo de gratuidade seja a mais-valia da Casa da Misericórdia. Por todo o bem que fizestes e fareis, eu vos agradeço de coração – obrigado, muito obrigado! – e vos abençoo. E, por favor, tende também a caridade de rezar por mim. Obrigado.

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