Vaticano diz que o processo de Ruth Pakaluk pode avançar

O Vaticano aprovou o início do processo de beatificação de Ruth Pakaluk. Admiradores de uma convertida ao catolicismo, que foi ateia, dizem que, apesar de muitas das suas conquistas: esposa, mãe, voluntária, parecerem comuns, Ruth as viveu de forma extraordinária. Este artigo foi publicado no jornal americano National Catholic Register, a 31 de outubro de 2025.

Ruth met her husband, Michael Pakaluk, at university. Both considered themselves atheists and began a journey in search of the truth.
Ruth conheceu o marido, Michael Pakaluk, na universidade. Consideravam-se ambos ateus e começaram um itinerário em busca da verdade.

Ruth Pakaluk foi uma reconhecida ativista pró-vida, convertida ao catolicismo, mãe de sete filhos e formada pela Universidade de Harvard. Faleceu em 1998, após vários anos de doença.

O Dicastério para as Causas dos Santos concedeu o nihil obstat em 29 de setembro de 2025, permitindo que a causa de canonização de Ruth Pakaluk, agora «serva de Deus», avance para a fase diocesana. O Vaticano reconheceu oficialmente que a sua vida merece ser estudada com vista a uma possível canonização. Este nihil obstat (“nada se opõe”) confirma que existe uma “reputação de santidade” e “a importância da causa para a Igreja”.

A notícia foi divulgada publicamente pelo National Catholic Register em 31 de outubro, num artigo considerado exato e confiável pelo postulador.


Para os miúdos do bairro a leste da estrada interestadual 290, em Worcester, no Massachusetts, ela era uma mãe que fazia bolos e bolachas para toda a gente, depois da escola, e cuja casa era ponto de partida para jogos e diversão. “Ela era a mãe do Bairro”, disse o seu marido, Michael Pakaluk, autor e professor na Busch School of Business, da Universidade Católica da América, ao Register. Para o Dicastério das Causas dos Santos, do Vaticano, a vida de Ruth Pakaluk merece investigação, no sentido de ver se, um dia, a Igreja poderá declará-la santa.

A ativista pela vida, convertida ao catolicismo, mãe de sete filhos e licenciada em Harvard, morreu de cancro da mama em 1998, aos 41 anos. Agora, a Diocese de Worcester, nos Estados Unidos, onde vivia aquando da sua morte, tem a aprovação do Dicastério dos Santos, do Vaticano, para levar a cabo uma investigação formal à sua vida, o passo seguinte no caminho para uma possível canonização. O Cardeal Marcello Semeraro, prefeito do Dicastério, referiu-se a Pakaluk como “serva de Deus”, numa carta à diocese, de 29 de setembro, a autorizar a investigação. O nihil obstat (“nada obsta”) do Dicastério significa que os apoiantes da causa de Ruth definiram a sua “fama de santidade” e a “importância para a causa da Igreja”, tal como previsto no documento “Normae Servandae In Inquisitionibus Ab Episcopis Faciendis In Causis Sanctorum”, de 1983, do Vaticano.

A canonização, na qual a Igreja declara solenemente que uma pessoa está no céu, é provavelmente um longo caminho, se acontecer, e exige que sejam atribuídos dois milagres à sua intercessão. O passo seguinte é os bispos americanos votarem a favor da causa. Se a aprovarem, a investigação diocesana formal pode começar.

De ateia a católica

Ruth Van Kooy nasceu a 19 de março de 1957, no norte de Nova Jérsia, EUA, onde cresceu, e na maior parte do tempo, viveu em Norwood, perto da fronteira com o Estado de Nova Iorque. Metade holandesa, metade escocesa, frequentou uma igreja presbiteriana, em criança.

Foi para a escola secundária regional de Northern Valley, em Old Tappan, onde, segundo um site sobre a sua vida, era aluna das notas mais altas, tocava oboé, violino e bombo. Também jogava hóquei em campo, cantava em coros regionais e “produziu, encenou e atuou em várias peças e musicais”, segundo o mesmo site. Formou-se em 1975.

Era ateia (“ou andava lá perto” – escreve o marido) e apoiante entusiasta da legalização do aborto, quando conheceu Michael Pakaluk, um estudante do segundo ano de Harvard, no outono de 1976. Ele havia crescido numa casa teoricamente católica, mas também se considerava não-crente. Ainda assim, andavam ambos à procura da verdade, o que acabou por levá-los ao Cristianismo.

Livro "The Appalling Strangeness of the Mercy of God", formado por cartas e escritos de Ruth, editadas por Michael Pakaluk.

Casaram-se no verão, a meio do curso, numa igreja presbiteriana. No último semestre, em Harvard, começaram a ir à Missa, numa igreja católica. Ruth entrou na Igreja na véspera de Natal, em 1980, ao passo que Michael foi confessar-se, retomando a vida católica. Uns anos mais tarde, ambos se tornaram supranumerários do Opus Dei. Em 1982, enquanto Michael estudava para um doutoramento em Filosofia, em Harvard, Ruth, mãe de um rapaz, ajudou a criar um grupo pela vida, em Harvard. Juntou-se à direção dos Cidadãos pela Vida, do Massachusetts, acabando por presidi-lo, de 1987 a 1991.Os seus admiradores lembram-se de a ver debater de forma eficaz, nos campus da universidade, o que levou a que Peter Kreeft – professor de Filosofia da Faculdade de Boston, um apologista católico, na sua introdução a um livro de cartas dela, de 2011, editado pelo marido e intitulado: The Appalling Strangeness of the Mercy of God – descrevesse essas conferências como: “as mais persuasivas, irresistíveis e cativantes conferências pró-vida a que assisti”.

No início dos anos 90, do século passado, Ruth organizou uma oposição ao currículo de educação sexual proposto pela Planned Parenthood, para as escolas de Worcester, que ajudou a persuadir o Comité Escolar de Worcester, eleito localmente e responsável pelo agrupamento escolar, a rejeitar o currículo. Em 1993, um ano depois da votação do comité, também recrutou uma mãe com a mesma visão para dirigir esse comité, gerindo, com sucesso, essa campanha. Dwight Duncan, amigo da família e postulante da causa de Ruth, responsável por conduzir o que o Vaticano designa por “uma cuidada investigação” à sua vida, diz que Ruth raramente se impunha. “Uma das coisas sobre Ruth que, em retrospetiva, me chama a atenção é que ela era discreta. Não era assertiva nas relações pessoais. Não dava nas vistas nem era agressiva. Não era espalhafatosa – disse Duncan – Mas se estava à frente e no centro de um debate, de um discurso ou algo do género, era uma mulher forte e poderosa”.

Carpetes com 40 anos

Em 1988, o casal e, na altura, os seus quatro filhos, mudaram-se de Cambridge para Worcester, cerca de 70 quilómetros a ocidente, onde Michael tinha conseguido um trabalho como professor na Clark University. Viviam “numa zona pobre, com carpetes de 40 anos e sem água corrente”, como descreve Michael, numa linha da vida de Ruth, online. Max Pakaluk, o seu segundo filho, hoje com 42 anos, disse ao Register que a casa de família deles era um íman para as crianças do bairro, muitas delas a viver só com as mães, e que eram atraídas pelos bolos que Ruth fazia e distribuía gratuitamente.

Michael Pakaluk dizia que Ruth estava perturbada pela diferença na aprendizagem que verificava entre os seus próprios filhos, que liam frequentemente, e as crianças do bairro, que não o faziam. Por isso, exigia aos miúdos que visitavam a sua casa que lessem um livro antes de poderem ir lá para fora. No verão, juntava 10 ou mais crianças numa carrinha em Oldsmobile e levava-os, numa viagem de menos de 1,5 quilómetros, a Bell Pond, em Worcester, para as crianças brincarem, relembra Max. Grace Cheffers, uma amiga que conheceu Ruth num evento pró-vida numa paróquia, no início dos anos 90, disse que Ruth era recetiva e amigável, mas também criativa na forma como arranjava maneira de jovens mães e respetivas famílias poderem conhecer-se.

Ruth organizava encontros de mães e crianças no cemitério de Notre Dame, em Worcester, onde as famílias rezavam o terço e as crianças corriam por ali, enquanto as mães caminhavam e conversavam. Cheffers recorda que a cultura da época privilegiava mulheres que trabalhassem fora e tivessem uma carreira, em vez de ficarem em casa, mas Ruth ignorava essas ideias. “Apesar de ter um curso e de ser muito inteligente, gostava de ficar em casa, a tratar dos filhos. E não pedia desculpa por isso”, disse Cheffers.

Cheffers, que tem 11 filhos, disse que obteve dicas de maternidade com Ruth. “Nunca se escandalizava com nada que as crianças fizessem. Era perspicaz em relação à condição humana – afirmou Cheffers –. Os miúdos podem fazer todo o tipo de coisas e não ajuda ficarmos chocados ou aborrecidos. Isso só é pior para eles”. Cheffers também afirmou que aprendeu com Ruth a articular melhor o motivo pelo qual fazia o que fazia. “Ela pensava nas coisas a fundo. Escolhia as palavras a dedo. Era uma professora nata. Tinha muita informação e conhecia bem a sua fé”, afirma Cheffers. Um exemplo: uma vez, quando Cheffers perguntou a Ruth porque ia à Missa todos os dias, Ruth deu-lhe, imediatamente, dois motivos: um pessoal, que se relacionava com a morte súbita do seu filho Thomas, em novembro de 1989, e outro, universal.“ Disse-me que ir à Missa e receber a Comunhão diariamente era o mais perto que conseguia estar de Thomas, nesta vida”, afirmou Cheffers. O segundo motivo: “Disse que os dois acontecimentos mais importantes da história de um ser humano – a encarnação e a redenção – acontecem em cada Missa. Porque haveríamos de preferir estar em qualquer outro sítio?”.

Ruth ia frequentemente à Missa diária do meio-dia e dez, na Catedral de São Paulo, depois da qual ficava a rezar, durante uma hora, afirmou o Bispo Richard Reidy, que está, atualmente, à frente da Diocese de Norwich, no Connecticut, EUA, e que foi pároco da Catedral de Worcester e acompanhou espiritualmente a família Pakaluk. Ruth foi diretora de educação religiosa na paróquia da catedral. Ao mesmo tempo que a educação religiosa católica era marcadamente leve na substância, Ruth garantia que as crianças aprendessem a doutrina de forma divertida. Desenvolveu um Quiz com perguntas, um concurso para as crianças do programa, que acabou por atrair estudantes de fora da paróquia. “Dirigia um programa dinâmico, enfatizando a substância da fé e a alegria de a viver”, afirmou o Bispo Reidy. Conduzia viagens paroquiais económicas para cerca de 30 crianças a Nova Iorque e New Hampshire, entre outras, combinando cultura, passeio e religião.

Max Pakaluk descrevia a mãe como “alguém que queria fazer coisas”. “Não tinha grande tolerância à preguiça. Acho que nem entendia esse conceito. Estamos aqui durante tanto tempo, há tantas coisas que poderias estar a fazer, porquê perder tempo? – afirmou Max –. Estava sempre a tentar convencer as pessoas a fazer coisas”.

Sem se queixar

Os admiradores de Ruth afirmam que, ainda que a maioria das suas conquistas pareça vulgar, esposa, mãe, voluntária, ela as viveu de forma extraordinária. Os santos, que não morreram por causa da sua fé como mártires, são “testemunhas através das quais Deus se torna presente… pelo singular exercício das virtudes cristãs”, segundo a constituição apostólica Divinus Perfectionis Magister, de São João Paulo II.

Quais são, então, as virtudes de Ruth Pakaluk?

Os amigos e família descrevem, entre outras coisas, uma vida de oração intensa, confiança em Deus nas dificuldades, interesse pelo bem-estar dos outros, gratidão e recusa em queixar-se dos seus problemas. Em outubro de 1991, Ruth foi diagnosticada com cancro da mama, que acabou por se espalhar para outras partes do corpo. Viveu com isso cerca de sete anos mais. Mas o filho Max não se lembra de a vida ter mudado muito até a mãe ficar acamada, pouco antes de morrer. “Acho que ela tentou, na grande maioria do tempo, não fazer grande caso disso, como nada de mal se passasse”, afirmou Max.

Juntamente com os filhos, subiu ao Mount Washington – o ponto mais alto, a mais de 6000 pés de altitude, na Nova Inglaterra, famoso pelas mudanças repentinas no tempo – com uma haste de metal na perna. “Mas, quase tão notável quanto isso, cerca de dois meses antes de morrer, desceu o Mount Washington – disse Michael Pakaluk, por mensagem –. Ela foi de carro para cima, mas desceu pelo Lion Head Trail, um trilho muito acidentado e difícil. Quando o subi, há dois anos, perguntei-me como ela conseguiu”. Continuou a ir com a família para a Marcha para Liberdade, que acontece em Washington, D.C., em janeiro, incluindo a de 1998, no ano em que morreu, pouco depois de uma sessão de quimioterapia. Fran Hogan, atualmente com 79 anos – advogado que trabalha no ramo do imobiliário e ex-presidente do Cidadãos para a Vida, do Massachusetts – caminhou ao lado de Ruth durante a marcha, nesse ano. Hogan, que trazia consigo um livro de bolso pesado, não sabia do tratamento que debilitava Ruth. “Levava-o pendurado no ombro esquerdo e queixei-me amargamente sobre o quão pesado era – afirmou Hogan –. Ruth só se riu. Nunca se queixou, nunca disse uma palavra”. “Chegámos ao edifício do Supremo Tribunal e desmaiou”. Ruth foi hospitalizada. As pessoas que a conheciam disseram que Ruth aceitava o sofrimento sem o questionar.

“Quando soube que tinha um cancro terminal, foi incrível o quão calmamente receberam a notícia e penso que a fé está por detrás disso” – afirmou a sogra de Ruth, Valerie Pakaluk, de 92 anos, que planeia ser tesoureira da fundação sem fins lucrativos que irá gerir o processo de canonização de Ruth. “Acho que não há dúvidas de que a forma como geriu a sua doença foi extremamente heroica”, afirmou o filho Max. A atitude dela, disse Max, pode ser resumida da seguinte forma: “Não vou dar quaisquer sinais de que estou doente. Não vou ser o centro das atenções. Não vou causar dificuldades e, acima de tudo, não serei a razão pela qual os meus filhos não tenham uma vida normal”. Não era sentimental em relação ao seu estado, apercebendo-se de que, com seis filhos, o mais novo com cinco anos, o seu marido iria, em breve, precisar de ajuda. Cerca de um mês antes de morrer, a 23 de setembro de 1998, Ruth incentivou o marido Michael a voltar a casar, depois de ela morrer, e até se concentrou numa provável candidata, “sugerindo, calmamente” – como referiu a Imprensa Livre Católica da diocese de Worcester, em maio de 2019 – que a estudante de Harvard, Catherine Hardy, cujos pais eram amigos da família, e cujo segundo nome é Ruth, “podia criar os seus filhos”. Michael descreveu esse momento, da seguinte forma: “Respirou fundo e disse: ‘há muito tempo que penso que a Catherine Hardy daria uma boa mulher para ti e agora vejo que se mudou para Cambridge’”. Catherine Pakaluk, como é conhecida agora, casou com Michael em agosto de 1999. É economista e professora auxiliar na Universidade Católica da América, onde Michael, de 67 anos, é catedrático de Economia Política. Catherine e Michael colaboram ocasionalmente com o Register, e têm agora oito filhos. Michael e Ruth têm, atualmente, 32 netos.

Santa?

Então, Ruth Pakaluk foi santa? Os apoiantes da sua causa, que falaram com o Register, não querem declará-la santa antes de a Igreja se pronunciar formalmente. Mas deram a entender. No velório, o marido de Ruth levou uma caixa de pagelas da agência funerária, tocando-as no corpo de Ruth, que, no caso de ser canonizada, torná-las-iam relíquias de terceira classe. “Sempre tive esta convicção – é estranho – de que seria canonizada”, disse Michael Pakaluk, a colaborar com a causa de Ruth, mas não estando intencionalmente à frente da mesma, ao Register. “Não podemos antecipar a decisão da Igreja, obviamente”. O Bispo Reidy também se coibiu de a chamar santa, sem negar que pode sê-lo. “Estou muito contente com os passos dados recentemente, e confiamos na Santa Madre Igreja – afirmou o Bispo Reidy – Mas é um grande exemplo, alguém que devemos reter”. “Se Ruth Pakaluk não está no Céu – disse – desanima-me um pouco que pessoas como eu venham a estar”.

Vinte e sete anos depois da Missa por ocasião do funeral de Ruth – que o Bispo celebrou perante cerca de 1000 pessoas – citou, de memória, numa entrevista recente ao Register, a descrição que fez de Ruth, durante a homilia: “Dar vida e defendê-la. Ter fé e divulgá-la. Ter dons e dá-los de graça”.


*Republicação autorizada. Leia o artigo original no National Catholic Register: “Mãe do bairro, licenciada em Harvard, ativista pró-vida e santa? O Vaticano afirma que o processo de Ruth Pakaluk pode avançar”.

Matthew MacDonald

National Catholic Register