Uma grande narrativa sobre o Opus Dei

No vol. 6 de Studia et Documenta o historiador Jaume Aurell publicou uma análise do tema da formação do mito ou "grande narrativa" sobre o Opus Dei na Es-panha franquista, contrastando a realidade desta insti-tuição da Igreja com a sua imagem pública criada na-queles anos. Abaixo apresentamos a tradução integral deste estudo.

O Opus Dei é presentemente uma instituição da Igreja de reconhecido prestígio. Este respeito foi-o ganhando desde a sua fundação em 1928 e estendeu-se tanto aos ambientes eclesiásticos como civis. Ao longo da sua história, recebeu manifestações de apreço e louvores procedentes dos mais diversos lugares, ideologias, confissões e crenças religiosas. A sua ereção em prelatura pessoal da Igreja Católica, em 28 de novembro de 1982, adequou a sua configuração jurídica à sua natureza, e uma multidão de pessoas acorreu a Roma às cerimónias de beatificação (1992) e de canonização (2002) do seu fundador. Não obstante, ao lado desta imagem positiva, amplamente reconhecida, foi-se desenvolvendo também outra menos favorável, limitada a reduzidos ambientes académicos, editoriais e média , mas que, pela sua ampla ressonância, teve em diversos momentos uma notável repercussão social.

Como historiador interessado no processo de aproximação, acesso, interpretação, escrita, transmissão e receção do passado, sempre me chamou a atenção o vivo contraste entre a realidade histórica do Opus Dei, a sua aceitação universal (que não mudou substancialmente desde a data da sua fundação) e a sua imagem, que variou enormemente segundo as diversas épocas e lugares. Para qualquer pessoa que conheça minimamente a realidade histórica e o itinerário jurídico do Opus Dei, não deixa de ser surpreendente, esta discrepância entre o facto em si mesmo e a sua imagem recriada .

Partindo da observação deste fenómeno histórico-mediático, este artigo pretende explorar as circunstâncias que favoreceram a formação de uma determinada imagem do Opus Dei ao longo da sua história, centrando-se na época da Espanha franquista (1930-1975). Não se trata, portanto, propriamente de um estudo sobre a natureza desta instituição durante esse espaço e tempo, mas antes de uma análise dos mecanismos que articularam a perceção que a sociedade sobre ela projetou [1]. O artigo propõe-se aprofundar, ao nível global e teórico, os processos que regem este tipo de distorções, tão próprios das sociedades modernas e, mais propriamente, pós-modernas. Parto, portanto, de um interesse temático (a imagem do Opus Dei), mas também metodológico e teórico (a geração, a consolidação e o funcionamento das grandes narrativas nas sociedades contemporâneas).

O Opus Dei experimentou durante o seu percurso a emergência de duas imagens contraditórias. Na primeira é apresentada como uma realidade apostólica que contribuiu para a difusão da vida cristã no meio do mundo e aprecia o seu compromisso com alguns setores chave com vista ao desenvolvimento e progresso da sociedade, especialmente no campo cultural e educativo. Na segunda é descrita como uma organização conservadora, que aspira a adquirir poder e que, partindo de uma primeira configuração como grupo de pressão ideológica sob a Espanha franquista, foi variando a sua fisionomia para se adaptar às mutáveis circunstâncias históricas.

Como consequência desta segunda imagem, geraram-se à volta do Opus Dei uma série de mitos, deformações da realidade, que criaram por sua vez um imaginário complexo à sua volta. Os primeiros pontos de fricção estão localizados no pós-guerra espanhola, nos anos quarenta, procedentes de alguns membros de instituições religiosas no âmbito eclesiástico, e da Falange Espanhola no âmbito civil. Em 1940, alguns dos responsáveis das congregações marianas viram em Escrivá um concorrente e fizeram todo o possível por desacreditá-lo, acusando-o de herege. Em 1941, foi apresentada uma denúncia ante o Tribunal de Repressão da Maçonaria, acusando S. Josemaria e a instituição por ele fundada de maçónica. Em 1942, alguns membros da Falange Espanhola denunciaram-no como antifalangista e inimigo, portanto, do Movimento que havia dado lugar ao estabelecimento do franquismo. Como consequência, no princípio dos anos quarenta, o fundador do Opus Dei acumulava já as denúncias de herege, mação e traidor da pátria.

Esses factos históricos marcam o início das campanhas contra o Opus Dei, e são os que dão origem a uma grande narrativa com elementos ideológicos poderosos, que se vem arrastando até à atualidade, assumindo formas muito diversas. Como consequência, o estudo da formação e desenvolvimento desta grande narrativa (o Opus Dei, grupo conservador interessado no controlo dos centros de poder), representa um campo de investigação atraente para os historiadores ocupados na análise da dinâmica da geração, consolidação e divulgação das narrativas históricas, dos mitos e das meta-narrativas. É esta a questão que me proponho analisar. As minhas considerações centrar-se-ão ao nível historiográfico; procederei, pois, mediante uma análise do que já foi publicado, embora não exclua, ocasionalmente, uma exploração mais direta das fontes primárias.

As grandes narrativas e as interpretações totais da realidade

Para compreender o funcionamento da criação deste monstro mediático, creio que pode ser útil recorrer à noção de grande narrativa , que foi tomando corpo na esfera das disciplinas humanísticas e das ciências sociais a partir dos anos setenta do século passado. Os historiadores definiram as grandes narrativas como descrições globais do passado, capazes de transformar conceptualmente as realidades mais complexas, convertendo-as em simples sistemas de conhecimento, acessíveis ao grande público [2]. Jean-François Lyotard, no seu diagnóstico La condición postmoderna , publicado em 1979, identificou as grandes narrativas com o conceito das meta-narrativas , surgidas da racionalização da história através de teorizações pluri-semânticas, capazes de interpretar genericamente o passado, dar sentido ao presente e abrir perspetivas para o futuro [3].

As grandes narrativas , no sentido mencionado, são construções teóricas, articuladas por intelectuais, que oferecem explicações simplificadas dos complexos acontecimentos históricos experimentados por uma sociedade – especialmente aqueles que possuem uma forte carga dramática e estão bem enraizados na memória coletiva – inserindo-as eficazmente na cultura popular [4]. Estas meta-narrativas possuem uma notável dimensão identificadora, atendendo à eficácia das explicações históricas, da auto-compreensão e da configuração das sociedades.

As grandes narrativas são fruto da memória mais que da história e, consequentemente, não têm porque ter uma base histórica rigorosa, embora, pelo menos, devam ter uma certa analogia com a realidade. Costumam originar-se a partir de alguns factos mais ou menos bem definidos, ou de testemunhos mais ou menos diretos de alguns acontecimentos, transmitidos por tradição oral. Estes factos são reinterpretados, para ser posteriormente recolhidos por intelectuais, que os envolvem numa sofisticada base científica. Finalmente, fazem-se património de escritores e jornalistas, que os transformam em histórias e os divulgam numa grande narrativa suscetível de ser compreendida, apreendida e assimilada por todos os membros da sociedade, independentemente do seu nível cultural. Uma vez feitos património da opinião pública, os políticos utilizam-nos com mestria em seu favor, embora raras vezes os consigam manipular ou transformar; e por isso limitam-se a explorar ao máximo a sua potencialidade até que perdem vigor, sendo assim substituídos por outros de maior eficácia.

As grandes narrativas costumam ter eficácia durante duas ou três gerações. Depois, não necessariamente se transformam ou mudam, mas, em vez disso, definham lentamente. Assim, em referência à história de Espanha, a grande narrativa da primeira metade do século XIX, por exemplo, foi a construção de uma nação através da guerra da Independência; a da primeira terça parte do século XX, a grande narrativa da Restauração e a mitificação do Cánovas moderado; nos anos seguintes a 1939, o da reconstrução da Espanha imperial; o da Transição democrática, forjado através do «consenso» à volta de certos valores fundamentais como os da reconciliação, amnésia coletiva terapêutica e democracia. Mais recentemente, parece ter dominado a grande narrativa da República e da Guerra Civil, como imagem das duas Espanhas irreconciliáveis, num discurso maniqueísta e reducionista de bons e maus – um discurso que por sua vez está a ser reelaborado na atualidade através de uma leitura revisionista da história de Espanha. Não é que estas grandes narrativas , aplicadas à história de Espanha, sejam historicamente falsas, porque sempre têm um fundamento histórico, mas a sua simplificação da realidade é tão evidente que deixam de ser uma referência.

A grande narrativa transforma-se em não poucas ocasiões em mito , ainda que não tem porque se identificar plenamente com ele. A diferença é que a grande narrativa preocupa-se mais com a imagem perdida do que com a realidade das coisas, enquanto o mito não necessita da mediação dessa imagem, porque muitas vezes o momento da sua formação coincide com o do facto real, ainda que logo se deforme com a passagem do tempo, ou - no processo mais habitual - se acabe por idealizar esse facto original. Por este motivo, a grande narrativa frequentemente rege-se pelo lema de que «a perceção é a realidade», ou surge daquela outra reconhecida asserção de que «o meio é a mensagem», enquanto o mito não necessita de nenhum tipo de legitimação, porque se impõe de um modo mais espontâneo [5].

Os historiadores não se satisfazem com a grande narrativa para análise do passado, mas também não o desprezam como contrário à história , porque – tal como sucede com o mito – a sua existência corresponde a uma imagem que a sociedade, ou uma parte da sociedade, fez de si mesma e, portanto, desde este ponto de vista, é histórico ou, mais propriamente, pertence ao imaginário histórico de uma sociedade [6]. Os mitos – as histórias milenárias, os heróis fundadores, os personagens mitificados – convertem-se em modelos para explicar o mundo, para definir a identidade própria, tanto ad intra como ad extra , na sua relação com os outros.

Três livros publicados em Espanha no princípio da década passada puseram em evidência a importância da criação das grandes narrativas para a consolidação das identidades coletivas: o de José Álvarez Junco sobre a formação da identidade espanhola no século XIX, o de Ismael Saz sobre os discursos dos intelectuais falangistas durante o franquismo, e o de Santos Juliá sobre a grande narrativa das duas Espanhas [7]. Todos eles partem do pressuposto da eficácia das grandes narrativas ou discursos na formação das identidades e da construção da própria história. Uma das conclusões em que coincidem é a sobrevivência da grande narrativa das duas Espanhas, que se alargou, inclusive, para além das profundas crises que fustigaram o país nos dois últimos séculos: a guerra da independência, o desastre de 1898, a Guerra Civil e a Transição democrática.

O caso de Espanha é peculiar, mas todas as nações podem identificar no seu passado e no seu presente a existência de grandes tramas narrativas, surgidas do entrecruzamento de muitas vozes e geradoras de identidades coletivas. Nalgum momento da sua história, boa parte dos países europeus mantiveram umas narrativas análogas às criadas em Espanha – a França tradicionalista e revolucionária, a Itália legal e real, a Alemanha ilustrada e militarista, a América esclavagista e progressista, a Inglaterra classista e industrial – que se caraterizam pela sua longa duração, ainda que não costumem ser intemporais porque estão associados a determinados aspetos ou períodos da sua história. Como argumenta Manuel Pérez Ledesma, a preocupação pela dualidade não durou muito tempo nesses países, e as narrativas enfrentadas sobre a identidade da nação só ocuparam um papel destacado nas criações dos seus escritores populares nos momentos críticos das guerras e conflitos internacionais, ou nas fases iniciais de organização dos Estados nacionais [8]. Mas, seja qual for a sua duração, essas narrativas influenciam de modo global, independentemente da sua criação ter surgido de um pequeno grupo de intelectuais ou de um único grupo mediático. O Opus Dei também gerou um destas grandes narrativas .

O Opus Dei no contexto do catolicismo espanhol do pós-guerra (1940-1944): suspeição perante a novidade

A fundação do Opus Dei data de 1928. Durante os primeiros anos, S. Josemaria desenvolveu o seu labor sobretudo entre os jovens de Madrid, tanto estudantes como trabalhadores. O Opus Dei não teve uma especial relevância pública durante esses primeiros anos, tendo em conta a pequenez das origens. A Guerra Civil espanhola (julho de 1936 – abril de 1939) pôs um travão à atividade pastoral de Escrivá de Balaguer, por causa da perseguição religiosa na zona de controlo republicano, onde residiu até à sua chegada a Burgos em finais de 1937. Em 1939, ao terminar a Guerra Civil, o Opus Dei contava com pouco mais de uma dezena de membros, homens, dispostos a viver o celibato apostólico e com consciência explícita de pertencer à instituição; entre eles, Isidoro Zorzano, Juan Jiménez Vargas, José María González Barredo, Ricardo Fernández Vallespín, Álvaro del Portillo, José Maria Hernández Garnica, Francisco Botella, Pedro Casciaro, Rafael Calvo Serer, José María Albareda [9]. Durante vários meses, o fundador pôde desenvolver o seu trabalho apostólico sem dificuldades especiais, ampliando-o também a mulheres [10].

No entanto, já durante esse período de 1939-40 tinham surgido algumas desconfianças em torno do Opus Dei, provenientes sobretudo de ambientes eclesiásticos. Não era, todavia, a primeira vez que Josemaria Escrivá se via exposto a falatórios. Ele mesmo o havia anotado nos seus Apontamentos íntimos antes da Guerra Civil, quando a atividade apostólica do Opus Dei se limitava à Academia DYA e à Residência universitária de Ferraz [11]: um dia de 1935 o filho do proprietário do imóvel da Academia, contou-lhe que alguém havia dito a seu pai: «Como é que vocês arrendaram os andares para a DYA, que é uma coisa de mações? – Ouça! – replicou-lhe o proprietário –, não sabia que os mações rezavam todos os dias o terço com tanta devoção» [12]. Mas Escrivá não lhes tinha dado demasiada importância, pois, em última análise, sempre se tinha tratado de críticas de índole circunscrita e não tinham origem numa campanha organizada.

Receios das Congregações Marianas (1940-1941)

O panorama mudou substancialmente depois da Guerra Civil, nos primeiros anos de quarenta. O Opus Dei sofreu então uma crítica mais sistemática, umas murmurações que não cessavam, que começavam a propagar-se de um modo surpreendente e que eram desproporcionadamente grandes, atendendo ao seu pequeno tamanho naqueles momentos. A realidade é que a mensagem que difundia, baseada numa espiritualidade laical, se enfrentava com um contexto eclesial onde os leigos tendiam a considerar-se uns fiéis de segunda categoria, cuja santidade não se excluía como possibilidade, mas era sempre considerada por analogia com religiosos e sacerdotes. Esta renovada mensagem de santificação através do vulgar não foi compreendida por todos. Alguns não só não a entenderam, mas prontificaram-se a pôr-lhe travão.

As primeiras mentiras contra o Opus Dei e o seu Fundador estão bem localizadas em Madrid nos princípios de 1940. Alguns dos membros da Obra comentavam a Josemaria Escrivá o que ouviam na universidade contra a sua pessoa e a instituição que havia fundado. Espalhou-se a notícia entre alguns círculos de estudantes, na Universidade ou nas Escolas Especiais, que o oratório de Jenner – residência de estudantes promovida pelo Opus Dei em Madrid em 1939 – estava decorado com sinais maçónicos e misteriosos, comungava-se com partículas perfumadas, havia cruzes sem crucificado e respirava-se um ambiente invulgar [13]. Escrivá recusava-se a acreditar na origem dessas críticas, até que na primavera de 1940, comprovou que os que estavam por trás da divulgação pertenciam à Congregação Mariana de Madrid, cujos dirigentes eram eclesiásticos influentes tanto no mundo clerical como no civil [14].

Escrivá soube então que o jesuíta encarregado dessa Congregação, Ángel Carrillo de Albornoz, propagava entre os jovens membros da congregação que o Opus Dei era uma sociedade secreta, herética e de cunho maçónico. Falou com o jesuíta para chegar a um acordo no sentido de comunicarem reciprocamente qualquer crítica pejorativa que chegasse ao seu conhecimento, quer contra o Opus Dei quer contra as congregações marianas [15]. As críticas de Carrillo podiam estar condicionadas pelo bem-intencionado dever de preservar as congregações marianas, mas, em qualquer caso, eram infundadas. Já algum tempo antes, S. Josemaria tinha dirigido uma carta ao bispo de Madrid, Leopoldo Eijo y Garay, datada de 23 de abril de 1940, em que reconhecia ter detetado esses falatórios desde «há meses», o que pode nos reportar, até finais de 1939 [16].

Deste modo começou a configurar-se a grande narrativa à volta do Opus Dei. Esta grande narrativa surgiu significativamente de diversos setores relacionados com o mundo eclesiástico e não do setor laicista, anticlerical ou anticatólico. Julgava-se o Opus Dei como uma instituição inovadora surgida no seio da Igreja, mas que de facto a prejudicava, porque ensinava e praticava doutrinas consideradas suspeitas de heresia ou, pelo menos, duvidosas, por divulgar uma chamada à santidade através do quotidiano, que punha em causa a excelência da vocação religiosa. A crítica de maçónica continha, entre outras coisas, conotações religioso-políticas evidentes, que no ambiente clerical da Espanha do primeiro período do franquismo, podia implicar o início de um processo judicial com eventuais repercussões penais.

Uma carta de Josemaria Escrivá ao bispo de Múrcia, datada de 15 de setembro de 1940, ajuda a entender o fundo da questão:

Tenho notícias fidedignas de que um Sr. Conselheiro da Juventude da A.C. masculina de Múrcia disse textualmente: «que o labor (que venho fazendo desde há doze anos, muito unido ao meu Ordinário e aos Ordinários dos lugares onde trabalho) está exposto a uma excomunhão do Papa: que ele [o Conselheiro] está perfeitamente inteirado das suas consequências, mas que aos Bispos só lhes contamos o que nos convém, etc.». Tudo isto é totalmente calunioso, e da sua gravidade julgará o meu Senhor Bispo [17].

Este é um dos documentos que testemunham que Escrivá de Balaguer procurou contar com o apoio e a aprovação dos bispos, tanto em Madrid como nas outras cidades onde o Opus Dei ia começando a sua atividade apostólica; assim o confirmam além disso as suas contínuas petições aos bispos, por carta, de autorizações para abrir residências e instalar sacrários [18].

Em dezembro de 1940 as críticas estenderam-se a Barcelona, adquirindo formas análogas às de Madrid, ainda que assumissem formas mais dramáticas. Manuel Maria Vergés, diretor das influentes congregações marianas que dirigiam os jesuítas nessa cidade, introduziu algumas citações de Caminho na sua pregação da Novena da Imaculada de 1940 para extrair dessas citações a conclusão de que os ensinamentos que continham eram heréticos [19]. Em meados de Janeiro de 1941, Vergés pregou uma homilia onde criticava explicitamente esta «nova espiritualidade», que «permite mentir aos seus membros, uma vez que me consta positivamente que alguns o são, mas a mim o negaram», e, além disso, pretendia levar à certeza de que almas entregues a Deus podiam perseverar «sem nenhum distintivo, com fato e gravata, livres para ir aonde lhes apeteça» [20]

As ideias que continham as homilias de Vergés são particularmente relevantes para os objetivos deste artigo, porque explicam muito bem o funcionamento da formação das grandes narrativas : parte-se da base de um fundamento real (os membros do Opus De, leigos, não levavam distintivos e, ainda que não negassem a sua pertença ao Opus Dei, estavam no seu direito de não a declarar desnecessariamente, e além disso, alguns dos aludidos por Manuel María Vergés, como Alfonso Balcells, não o eram nesse momento) que é distorcido, dando lugar à criação de uma narrativa , que se divulga rapidamente. O caso do jesuíta Vergés é, além disso, especialmente significativo, pois o citado Alfonso Balcells narrou na sua autobiografia, com bastante detalhe, os factos mencionados e o processo posterior de retificação do jesuíta, que atuou sempre de boa-fé, mas muito condicionado pela mentalidade clerical daquela época [21].

Em todo o caso, as calúnias de Barcelona e Madrid foram-se difundindo entre as famílias dos que haviam solicitado a sua admissão ao Opus Dei. Durante o período 1940-1941, alguns religiosos visitaram os pais dos que frequentavam o centro do Opus Dei em Barcelona, chamado El Palau. Argumentavam que os seus filhos, juntamente com outros jovens, estavam a ser imbuídos de umas ideias perigosas e inovadoras, que contrariavam a tradição secular da Igreja. Um desses jovens, Rafael Escolà, explicava que «em seguida visitaram a minha família para lhes contar que a Obra era uma “heresia muito perigosa”, que a nós “nos iam enganando pouco a pouco”, que Josemaria Escrivá “era diabólico” e que, por fazer oração os classificavam de “iluministas”, e que também praticavam “ritos inventados”» [22].

Distribuíram-se folhas em círculos eclesiásticos, cheias de acusações contra a pessoa de Josemaria Escrivá e a instituição por ele fundada. Uma dessas notas é especialmente significativa da narrativa que se estava inventando sobre o Opus Dei a partir desses ambientes e que tanta influência teria depois:

Opus Dei. Mandatos e normas aos seus membros. Retrair-se do Diretor Espiritual, ocultando-lhe sempre a pertença ao Opus Dei. Nenhum religioso é católico. Não fazer Exercícios Espirituais. – A perfeição está apenas em nós. Não dizer nada ao confessor (acerca do Opus Dei) pois julgamos que não nos pode compreender. A maneira de pensardas Congregações não é adequada ao século XX. – O Pe. Escrivá, autor do livro Caminho dirige a instituição. – Havemos de ser poucos e do mais seleto. – Não aceitamos as Ordens religiosas mas sim o clero secular. Esta instituição funciona há mais de um ano. – O Card. Primaz Dr. Gomá disse antes de morrer que A.C. devia expulsar tais indivíduos que nela procuravam adeptos. – Santa coação, Santa desvergonha. Santa intransigência. Onde vires uma cruz de pau sem a figura de Cristo, hás de ver o lugar em que te hás de crucificar [23].

A confusão ultrapassou em breve o âmbito das congregações marianas e difundiu-se entre os fiéis, também por igrejas e conventos. Na primavera de 1941, há um acontecimento bem ilustrativo, que relata um dos primeiros membros do Opus Dei em Barcelona, Laureano López Rodó:

Recordo que numa ocasião D. Pascual Galindo, sacerdote amigo do Padre, foi a Barcelona e esteve connosco no El Palau. Insistiu connosco em que fôssemos no dia seguinte participar na Santa Missa que ele celebraria num colégio de freiras situado na esquina da Diagonal com a Rambla da Catalunha. Assistimos à Missa e comungámos (o que então era muito pouco frequente). A Superiora e alguma outra freira ali presente ficaram muito edificadas e convidaram-nos a tomar o pequeno-almoço com D. Pascual Galindo. Em pleno pequeno-almoço D. Pascual disse à Superiora: «estes são os hereges por cuja conversão a senhora me pediu que oferecesse a Missa». A pobre freira por pouco não desmaiava: tinham-lhes feito crer que éramos uma legião numerosíssima de verdadeiros hereges e deparava com um grupo reduzido de estudantes normais que assistiam à Missa e comungavam [24].

No fundo desses mal-entendidos percebe-se o receio de alguns eclesiásticos, que consideravam que o Opus Dei chegava com a intenção de pôr em causa o valor da vida consagrada e de chamar a si trabalhos tradicionalmente promovidos pelos religiosos. O Opus Dei suporia algo como uma instituição que vinha perturbar a paz interna da Igreja e receber algumas vocações que estavam destinadas à vida consagrada. Para alguns dos religiosos daquela época, pregar a santificação no meio do mundo tal como o fazia o fundador do Opus Dei era, no mínimo, arriscado. E, em qualquer caso, o Opus Dei aparecia, a seus olhos, como uma instituição que pretendia competir com os religiosos pelo monopólio do apostolado. Josemaria Escrivá assinalava-o a 31 de maio de 1941 – quando começavam a sentir-se com especial violência os ecos da campanha contra o Opus Dei – numa extensa carta ao bispo de Madrid, em que concluía que tudo era questão de que alguns religiosos temiam que iam perder vocações [25].

É sintomático analisar a trajetória de dois dos principais difamadores do Opus Dei nos seus primeiros anos (os padres jesuítas Ángel Carrillo de Albornoz e Manuel Vergés) que são representativos dos dois principais focos de hostilidade (Madrid e Barcelona) e personificam a importância das congregações marianas na divulgação dessas calúnias.

Ángel Carrillo de Albornoz era um dos religiosos mais influentes de Madrid, sobretudo pelo seu trabalho nas congregações marianas, a que acorriam muitos jovens da cidade. Carrillo começou a criticar o Opus Dei, porque não admitia que pudesse haver uma espiritualidade baseada na santificação das tarefas ordinárias, fora do estado religioso. Além disso, tinha receios do Opus Dei, porque considerava que estava a provocar a saída de jovens das congregações marianas, que tradicionalmente eram o alfobre das vocações jesuítas.

Carrillo tinha sido um advogado brilhante do governo de Espanha antes de entrar nos jesuítas e tinha uma forte atração pessoal. Havia sido capelão das forças nacionais durante a Guerra Civil e tinha um grande prestígio entre os próprios jesuítas, pelo que não é estranho que muitos deles o seguissem na sua perseguição contra o Opus Dei. Depois de um período na cúria jesuíta em Roma, Carrillo decidiu abandonar a ordem em 1951. Escreveu então ao superior da ordem na Suíça e devolveu-lhe o dinheiro que a ordem lhe havia dado. Acabou em Paris, onde um empresário o empregou como chefe das suas operações comerciais. Carrillo contraiu matrimónio numa igreja protestante de Paris. Inteirado dessa situação, o fundador do Opus Dei preocupou-se em ajudá-lo a regularizar a sua situação moral e jurídica [26]. Morreu em Paris em 1981.

Outro caso é o do já mencionado Manuel María Vergés. A sua história tem um final menos dramático. Alfonso Balcells, que – como já se disse – frequentava o trabalho do Opus Dei em Barcelona, sem pertencer por aqueles anos à instituição, foi dramaticamente expulso da Congregação, «por ser Judas e traidor», em Janeiro de 1941 [27]. Depois da sua expulsão, houve em casa dos Balcells uma conversa tensa, na qual Alfonso expôs perante a sua família a enorme surpresa que lhe havia causado a atuação de Manuel Vergés, atribuindo-a a um grande mal-entendido. O pai, convencido finalmente da sinceridade do filho, foi falar com o jesuíta, que ficou bastante convencido do seu erro. De facto, meses depois dos angustiados acontecimentos que culminaram com a expulsão, Vergés perguntou afetuosamente a Santiago Balcells pelo seu irmão Alfonso, demonstrando-lhe que aquela crise estava ultrapassada e que tudo havia sido um mal-entendido. Anos mais tarde, Vergés participou na primeira Missa de um sacerdote catalão do Opus Dei, Jaume Planell, celebrada no colégio La Salle de Barcelona. O gesto foi considerado por toda a gente como uma manifestação da sua vontade de reconciliação [28].

Vergés morreria em 1956, deixando atrás de si um rasto de homem apostólico e fiel à Igreja Católica [29].

Os itinerários de Carrillo e Vergés, tão divergentes, corroboram que as críticas expressas contra o Opus Dei por aqueles eclesiásticos durante os anos quarenta correspondiam sobretudo à perplexidade, que nalguns produzia a novidade da mensagem de Escrivá sobre a procura da santificação através da vida normal.

Durante o verão de 1942, repetiram-se em Valência factos análogos aos que se tinham produzido meses antes em Madrid e Barcelona. A família de Florêncio e Ismael Sanchez Bella foi alertada para o perigo que corriam os seus filhos se continuassem a frequentar os centros do Opus Dei: «Foram ver os meus pais dois eclesiásticos e disseram-lhes tais falsidades, pensando talvez que agiam de boa-fé, que os meus pais nos ameaçaram com expulsão de casa se voltássemos a ir por algum Centro do Opus Dei» [30]. É especialmente significativo o testemunho de Amadeo de Fuenmayor, a quem a sua mãe contou, que um jesuíta a havia visitado para a prevenir contra o Opus Dei, alegando: «os do Opus Dei têm-nos alienados, porque lhes fazem crer que se pode ser santo no meio do mundo». Fuenmayor conclui: «Esta era a causa do meu lamentável desvario. Esta era a grande heresia, que – se não abandonasse o Opus Dei – arrastaria a minha alma para o precipício» [31]. Sucedeu algo parecido com os pais de Javier de Ayala em Zaragoza: «alguns Padres da Companhia de Jesus, ali em Zaragoza, inquietaram seriamente a minha família, acusando o Servo de Deus de ter fundado uma seita, espécie de maçonaria, sendo como os antigos iluminados que acabaram no inferno» [32].

Todos estes acontecimentos urgiram o fundador a seguir os conselhos do bispo de Madrid, Leopoldo Eijo y Garay, que tempos atrás lhe havia sugerido a conveniência de que o Opus Dei tivesse uma aprovação jurídico-canónica, ainda que fosse provisória e de âmbito diocesano [33]. Até então, parecia suficiente a Escrivá contar com a aprovação explícita dos bispos das dioceses espanholas onde o Opus Dei havia iniciado o seu labor, sem considerar necessária uma aprovação de tipo jurídico. Mas, ante a insistência de Eijo y Garay e a experiência dos primeiros mal-entendidos, fez o pedido e o Opus Dei foi aprovado como Pia União pelo bispo de Madrid em 19 de março de 1941.

Perseguição da Falange Espanhola (1941-1944)

Não obstante, esta medida não parece que tivesse demasiada eficácia para calar as calúnias, ao menos vistas as coisas a curto prazo, já que nos anos 1941-1943 continuou a campanha de descrédito nalguns ambientes clericais. Sucedeu, além disso, uma intervenção da autoridade civil, que até esse momento se tinha mantido à margem. Deste modo, a grande narrativa do Opus Dei, como uma heresia católica, estendeu-se também ao mundo civil com a naturalidade com que se entrelaçavam os assuntos políticos e religiosos nos primeiros tempos do franquismo [34].

De facto, o assunto chegou até ao governador civil de Barcelona, Antonio Correa Veglison, que pediu a comparência de Alfonso Balcells. Este não seria membro do Opus Dei até janeiro de 1943, mas o andar onde se realizavam as atividades apostólicas estava em seu nome. Este jovem conseguiu convencer o governador de que as críticas de “seita iluminista ou algo parecido” eram infundadas. Balcells tinha sido alertado em maio de 1941 pelo doutor Torrent, seu companheiro na Faculdade, que lhe fez saber que existiam diligências para impedir o seu acesso a médico de serviço do Hospital Clínico de Barcelona, com o pretexto de pertencer a uma seita herética [35]. Que uma autoridade civil se preocupasse com um assunto de alcance espiritual, e o fizesse “apaixonadamente”, como testemunha o abade de Montserrat, Aurelio Maria Escarré, numa carta que uns meses mais tarde dirigiu ao bispo de Madrid, mostra de modo evidente, o tipo de sociedade existente no início desta grande narrativa [36] .

Pela sua parte, ante esse conjunto de factos, Balcells escreveu ao bispo de Madrid, que lhe respondeu, tentando serená-lo:

Meu querido Sr: Recebi a carta que me escreveu V. por indicação do Exmo. Sr. Bispo daí. Já o sabia eu amplamente, o nosso D. José Mª não deixa de me comunicar nada. Já vê V. que sociedade secreta! Deus N. S. o premiará a si de tudo; sofra-o por Ele e pelo Opus, e com muita caridade e perdão. Já se fazem diligências para que não prospere esta arbitrariedade. Escrevo além disso a esse Sr. Bispo. Creio que de imediato acalmará o temporal. De coração, o abençoa o seu afm. (afetuosíssimo) em N. S., + O Bispo de M., Madrid, 2-VI-1941 [37].

A carta, conservada, no Arquivo do Opus Dei, leva um significativo autógrafo de Escrivá, onde anota com a sua característica caligrafia de traços grossos que, naquele momento Balcells não era do Opus Dei. As palavras do Bispo devem ter consolado o jovem médico catalão, mas não foram rigorosamente proféticas na afirmação de que “imediatamente” amainaria o temporal.

Sabe-se, com efeito, que não muito depois dessa carta, foi apresentada uma acusação ante o Tribunal de Repressão da Maçonaria, que havia sido constituído uns meses antes, a 10 de setembro de 1940. O autor, González Oliveros, comunicou que se denunciava um grupo de pessoas, dirigidas pelo padre Escrivá, de formar um ramo maçónico com ligações às seitas judaicas. A intriga judaico-maçónica, tão típica da psicologia da conspiração da Espanha, nos primeiros tempos do franquismo, entrava em cena. Esta ideia era, por outro lado, herdeira de uma tradição procedente da Ilustração francesa do século XVIII, que havia penetrado nos setores cultos mais conservadores de toda a cristandade ocidental, incluída a protestante.

Escrivá conheceu estes factos, entre outras fontes, graças a um bom amigo que nessa altura exercia a magistratura, Luís López Ortiz, e que deixou uma exposição dos factos:

Sendo eu Secretário-geral do Tribunal Especial de Repressão da Maçonaria, o Diretor-Geral de Segurança transmitiu ao Presidente do Organismo, o General Saliquet, então também Capitão-General de Madrid, uma denúncia contra o Opus Dei, formulada por um Padre da Companhia de Jesus, cujo nome não soube, em que se avaliava que aquele era um rebento maçónico, que se dedicava a desviar vocações que poderiam vir juntar-se aos jesuítas e, sobretudo, a deixar de lado os Exercícios Inacianos, com o fim de descristianizar a juventude.

O Tribunal era então composto, além do Presidente, pelos Generais Rada e Borbón, D. Wenceslao González Oliveros, D. Juan José Pradera e D. Marcelino Ulibarri. O Presidente nomeou uma Comissão de investigação integrada por González Oliveros y Pradera, e a quem os sócios da Obra, segundo os investigadores referiram, facilitaram de modo solícito a investigação. O resultado foi ordenadamente exposto de viva voz por D. Wenceslao, o qual não poupou juízos coletivos elogiosos nem louvores. Quando já levava muito tempo no desenvolvimento sua exposição, mencionou, de passagem, que os sócios da Obra vivem, entre outras virtudes, a castidade. O General Saliquet, em contraste com a sua tosca aparência, era homem muito subtil, perguntou se os investigadores haviam observado alguma fissura no acatamento da castidade; tanto o Sr. Oliveros como o Sr. Pradera manifestaram que não havia a mínima dúvida sobre a honestidade de todos os sócios. O Presidente então decidiu que não se falasse mais da denúncia e que se arquivasse o assunto, pois ele jamais compreenderia a utilidade de que um mação, para os seus fins, tivesse que viver a castidade. Afirmação que o Tribunal compartilhou inteiramente. A “sentença”, salomónica, se assim se quer dizer, conhecida através de referências, foi muito celebrada pelos denunciados, que por então ficaram tranquilos a esse respeito. Digo por então , pois sempre se desenvolvia alguma insídia, que ficava prejulgada pela decisão primária [38].

Não se tratou, na realidade, de um facto isolado. Entre 14 e 20 de dezembro de 1941, Josemaria Escrivá esteve a pregar uns exercícios espirituais a algumas jovens universitárias em Valência, organizados pela Ação Católica no convento das religiosas do Serviço Doméstico. Uma das assistentes, Maria Teresa Llopis, estudante de química, confirmou ao próprio Escrivá que havia sido enviada por alguns políticos para espiá-lo. Segundo ela, preparava-se uma denúncia por se tratar da maçonaria e ocultismo, uma acusação inventadapor alguns vereadores da Câmara de Valência com o apoio do comissário da polícia [39]. O objetivo era encerrar a residência que o Opus Dei tinha em Valência, na rua Samaniego. O enredo evitou-se através da mediação de Antonio Rodilla, vigário geral da Diocese de Valência, mas as investigações continuaram, gerando inclusive situações grotescas, como a espionagem a que foi submetido Escrivá. Ele mesmo narra a conversa que manteve com Maria Teresa Llopis durante esses exercícios:

Uma das que fazia os exercícios, Maria Teresa Llopis, que estuda Ciências Químicas, foi falar comigo e contou-me, resumidamente, o seguinte: 1/ Que se tinha sentido muito comovida ao ouvir-me falar da caridade e sentiu-se obrigada a dizer-me que há pessoas empenhadas em caluniar-me. 2/ Que lhe haviam assegurado que eu sou mação e que o meu nome está num ficheiro que tem o governador civil de Valência. Que ela contou isto a D. Salvador Escrivá, actual Reitor do Patriarca, o qual lhe assegurou que isso não era verdade. 3/ Que há quem conte coisas tremendas, horríveis, da Residência de Samaniego. 4/ Que lhe propuseram para ela servir de espia, a fim de a polícia poder surpreender as atividades maçónicas da Residência. 4/ [Sem alteração nenhuma] Que lhe asseguraram que eu dirijo esta Residência de Samaniego. 5/ Que quem disse tudo isto e lhe propôs a espionagem é pessoa de comunhão diária, dirigida por um padre jesuíta, que está em contacto com o governador e com a câmara municipal. 6/ Que esta mesma pessoa lhe assegurou que se tinham encontrado na nossa casa panos negros e sinais maçónicos; e que isto foi dito por rapazes que estiveram na Residência. 7/ Que houve uma agitação na Universidade, com o fim de adiantar as férias, e que houve que punir dez alunos de ciências: dois deles – e deu nomes: Muñoz e Botella -, de Burjasot, chefes vermelhos; e os outros de Samaniego. Todos estes eram os dirigentes. Os estudantes vermelhos estão em Burjasot e em Samaniego. Isto sabe-se (assim disse) pelas fichas que há na secretaria. […] 11/ Continuou a rapariga – Mª. Teresa – dizendo que o plano consiste em enviar a polícia a Samaniego.

Escutei em silêncio – estou tão acostumado, meu Jesus – e fiz-lhe ver a obrigação grave de comunicar o que sabia à Autoridade Eclesiástica. Prometeu-me que falaria com o Sr. Vigário Geral.

Hoje, sexta-feira, voltou a procurar-me a menina Llopis. […] [E ela afirmou]: “Isto vem do P. Lacruz, que é o director do capitão Cerezo e do P. Segarra, o Superior. Tenho a certeza”. 4/ Explica-me que foi o comissário da polícia, Cerezo, quem falou com ela e lhe propôs ser espia. 6/ Garante-me que, como a envolveram a ela, meteram no assunto vereadores de Valência e o comissário de polícia [40].

A última frase é interessante, porque é uma prova irrefutável da facilidade com que se podia passar, nessa altura, da esfera eclesiástica à política, sem descontinuidades, o que aumentava o risco real dos mal-entendidos ou inclusive a possibilidade do início de ações judiciais. Uns meses mais tarde, a 16 de janeiro de 1942, foi elaborado um Relatório Confidencial sobre a Organização Secreta Opus Dei , elaborado pela Delegação de Informação da Falange em Madrid. Ali se acusava a instituição de opor-se aos fins do Estado por internacionalismo, clandestinidade, intromissão na vida intelectual e na ordem de ideias propugnada pelo Caudilho, sectarismo, atividade contra o Movimento e utilização da Igreja para fins partidários [41].

Quase nas mesmas datas, em março de 1942, Carlos Rodríguez de Valcárcel, chefe Nacional do SEU (Sindicato de Estudantes Universitários) e político influente da Falange, foi visitar o bispo de Madrid, Leopoldo Eijo y Garay. Como resultado da campanha promovida contra o Opus Dei, vinha consultar o prelado sobre a sociedade «secreta e maçónica» fundada por Josemaria Escrivá. O bispo defendeu o fundador do Opus Dei não só porque estava convencido da sua santidade, mas também pelo seu patriotismo, tal como relatou anos depois Eduardo Alastrué, que também esteve presente na reunião, bastante tensa [42].

Quem conhecer minimamente o ambiente peculiar da Espanha daqueles anos sabe que essa acusação, e as análogas antes mencionadas, era para serem tomadas a sério. De facto, não se propagaram, mas não deixavam de ser perigosas para o fundador do Opus Dei, porque provinham de ambientes falangistas, que tinham grande relevância política e influência no Governo e atuavam com forte consciência de partido único [43]. Qualquer outro critério político era considerado antipatriótico e sujeito, portanto, a perseguição. Qualquer acusação de heresia ou suspeita de heterodoxia poderia permitir também a abertura de um processo penal por atentar contra a integridade do regime político dominante em Espanha.

Durante os anos de 1943 e 1944 continuaram as acusações. No princípio de 1943, um dos membros do Opus Dei, Eduardo Alastrué, foi investigado, segundo contou a Escrivá um amigo, por «pertencer a uma sociedade secreta, inimiga da F.E. (Falange Espanhola), que está em conivência com a embaixada inglesa», e esperavam «ir conhecendo as amizades de Alastrué, para apanhá-los a todos de uma só vez» [44]. A 6 de fevereiro de 1943, apresentou-se na residência da rua Diego de León, de Madrid, um agente do Serviço de Informação da Falange, enviado para obter informações, com o pretexto de ver como estava organizado o abastecimento da casa. O relato de José Manuel Casas Torres, diretor da residência, é interessante:

Esta manhã chegou um agente do Serviço de Informação da Delegação da Falange; encaminharam-no para o escritório e desci para o atender. Identificou-se e disse-me que vinha ver como tínhamos organizada a questão dos abastecimentos. Respondi-lhe que o encarregado disso não estava, mas que podia mostrar-lhe as caderneta e talvez dar-lhe mais algum elemento. Enquanto ia buscá-los, informei o Padre [Josemaria Escrivá], que me disse, como é lógico, que lhas mostrasse e facilitasse em tudo o seu trabalho. Desci com as cadernetas, viu-as, sem lhes dar grande importância e começou a perguntar-me a quem pertencia a Residência, quantos rapazes havia e como eram admitidos […].

Nisto entrou o Padre no escritório […]. [O Padre] fez-lhe ver além do mais que isto era um abuso e uma falta de delicadeza e que teria bastado dirigir-se pessoalmente a ele para obter todas as informações, sem necessidade de andar com subterfúgios nem mistérios. O rapaz não negou mas perguntou que instituição era essa. O Padre disse-lhe que era uma organização de caráter religioso, que promovia o apostolado entre intelectuais e, acrescentou, que por isso mesmo era mais de lamentar o que se tinha feito, e mais ainda sendo uma instituição aprovada pela Igreja. Despois fez-lhe ver como nos começos de muitas excelentes instituições, de carácter religioso, o Senhor permitiu a contradição e, inclusive, a perseguição feita pelos bons, e como na casa havia ocorrido o mesmo, e se tinha espalhado sobre o Opus Dei uma série de calúnias, ainda que já tivesse terminado essa campanha [45].

Em simultâneo com a perseguição da Falange, continuaram também os receios da parte de alguns clérigos. A diferença fundamental destes ataques, em relação aos primitivos nos princípios dos anos quarenta, é que a meados dessa década o Opus Dei estava já estendido pelas cidades mais importantes de Espanha e, portanto a sua insegurança era menor. Além disso e talvez mais importante, o Opus Dei havia recebido pouco antes a primeira aprovação jurídica por parte da Santa Sé, com o nihil obstat para a ereção diocesana da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, a 11 de outubro de 1943.

Os anos 1945 e 1946 proporcionaram uma trégua. No verão de 1946, Escrivá mudou-se para Roma para acompanhar pessoalmente as diligências para a concessão de uma nova aprovação jurídica, que chegaria a 24 de fevereiro de 1947, através do Decretum laudis que dotaria o Opus Dei de um regime jurídico universal, amparado na nova figura dos institutos seculares [46]. Em dezembro de 1947, S. Josemaria podia escrever, em referência à diminuição dos ataques ao Opus Dei: «Acalmaram-se bastante as águas» [47]. Por outro lado, a sua estadia em Roma – onde fixou residência de modo permanente a partir do verão de 1946, ainda que com frequentes viagens a Espanha até 1949 – favoreceu a diminuição das calúnias no seu país natal.

Todos estes mal-entendidos foram especialmente dolorosos para o fundador e os primeiros membros do Opus Dei por três razões: em primeiro lugar, porque faltavam à verdade para com uma instituição recém-nascida, o que a tornava evidentemente mais vulnerável aos golpes e comprometia o seu futuro; a segunda, porque parte dos ataques provinha de pessoas que, pela sua condição religiosa, estavam entregues a Deus e, conscientemente ou não, cometiam uma injustiça; a terceira, porque em muitas ocasiões, quando a calúnia chegava aos bispos, paralisava ou tornava de facto inviável o trabalho apostólico do Opus Dei nessas dioceses, como consequência do inalterável costume do fundador de não iniciar nunca o trabalho numa diocese se o bispo não desse o seu consentimento explícito para iniciar essas tarefas.

Nesses anos, para definir os ataques, Josemaria Escrivá costumava utilizar – e continuou a fazê-lo no futuro – uma fórmula de raízes profundas na tradição espiritual espanhola desde Santa Teresa: «a contradição dos bons». As críticas tinham surgido de pessoas vinculadas a prestigiadas instituições religiosas, com séculos de história, pelo que o Opus Dei era de facto considerado nesses ambientes uma fundação ilegal, que havia que purificar. O fundador do Opus Dei previa ao mesmo tempo – e assim o manifestou em mais de uma ocasião – que essas críticas poderiam acabar por chegar ao conhecimento de pessoas não católicas, com dano não só para a Obra, mas para a Igreja, o que lhe doía profundamente. O tempo deu-lhe razão.

O Opus Dei no contexto da evolução política do primeiro período do franquismo (1942-

1956)

Para além dos acontecimentos referidos, onde fica em evidência tanto o receio de um certo mundo clerical como a perseguição da Falange, a grande narrativa sobre o Opus Dei foi oscilando cada vez mais para a esfera pública, concretamente a política, ultrapassando os ambientes eclesiásticos. Como consequência, a partir dos anos cinquenta o Opus Dei passa a ser considerado por alguns como uma ameaça reacionária no político, e conservadora no religioso – acusações nas antípodas das anteriores, tanto do ponto de vista religioso como ideológico. Mas este é o mecanismo da geração dos mitos e das grandes narrativas , que precisam de meias verdades para fundamentar o seu alto poder paradigmático e generalizador, baseados em boa medida na ficcionalização.

Como todos os mitos, esta nova fase da grande narrativa fica ligada a um contexto e circunstâncias históricas determinadas. Neste caso, o contexto é a própria evolução do franquismo nos anos cinquenta, durante os quais o falangismo perdeu a sua supremacia como força política e ideológica preponderante. A ideia errónea em equiparar o Opus Dei a uma força política e económica surge de o identificarem a uma das famílias que então começaram a rivalizar pelos novos espaços públicos gerados ante o vazio deixado pela Falange em finais dos anos cinquenta. Daí surge também a ideia do interesse do Opus Dei em controlar o poder político. Ainda que esta narrativa se tece e consolida à volta da deturpada ideia dos tecnocratas do Opus Dei , antes da sua emergência em 1957 haviam-se produzido dois fenómenos que convém investigar também neste capítulo: o debate à volta das cátedras – início dos anos quarenta – e o enfrentamento cultural entre as famílias tradicionalistas e falangistas no início dos anos cinquenta.

O debate em torno das cátedras universitárias (1940-1944)

O âmbito cultural e intelectual foi um dos mais prejudicados pela rutura que causou a Guerra Civil. Uma boa parte dos intelectuais tinha-se exilado e muitos outros haviam optado por ficar no país, mas não puderam desenvolver o seu trabalho com normalidade. A universidade, em concreto, deparou-se com a necessidade de renovar os seus professores num breve período de tempo. Iniciou-se então um processo muito intenso de reconstrução da universidade como centro nevrálgico e ponto-chave da recuperação cultural no qual intervieram boa parte dos intelectuais do país que sintonizavam com o regime, mas também outros que, sem estar entusiasmados com a situação gerada depois da Guerra Civil, consideravam um dever para com Espanha – e, no caso de pessoas de profunda formação católica, para com a própria consciência – intervir no debate cultural [48].

Neste contexto é onde há que situar a agitação causada pelo acesso à cátedra de um número reduzido mas significativo de membros do Opus Dei [49]. Alguns chegaram a falar inclusive do «assalto do Opus Dei às cátedras». Em concreto, difundiu-se o rumor de que o ministro José Ibañez-Martín favorecia os candidatos que pertenciam à Ação Católica - através da Asociación Católica Nacional de Propagandistas - e ao Opus Dei. A posição do ministro nesta questão era, de facto, determinante: segundo a lei de 1943, o ministro de Educação Nacional designava diretamente os cinco membros do tribunal de oposição a cátedra. Ibañez-Martín era propagandista e, sem dúvida, veria com bons olhos candidatos à cátedra católicos, e com um currículo digno do lugar vago. Entre eles, havia-os provenientes dos propagandistas – através do seu Boletín sabemos que se exortava aos seus membros a concorrer e obter cátedras – e também outros do Opus Dei: estes, sobretudo, nas áreas das Faculdades de Filosofia e Letras.

No entanto, as pessoas que pertenciam aos propagandistas ou ao Opus Dei eram só uma parte dos que concorriam a cátedras e dos que finalmente as obtiveram. Neste sentido, as observações de «católicos e prestigiados», condições para o acesso à cátedra, não eram, nem muito menos, exclusivas dos propagandistas e dos membros do Opus Dei, uma vez que podiam aplicar-se a quase todos os oponentes nos anos quarenta. Em 1941, concretamente, só um membro do Opus Dei, José María Albareda, era catedrático e unicamente onze membros do Opus Dei obtiveram a cátedra ao longo do quinquénio 1940-1945, período em que a campanha da conquista das cátedras foi mais violenta. Nesse período acederam à cátedra 179 professores [50]. O historiador Onésimo Diaz calculou que o número de pessoas do Opus Dei que obtiveram a cátedra nos anos quarenta foi de vinte e três [51]. Este dado ajuda a situar o tema na sua real dimensão.

Por outro lado, como puseram em evidência os especialistas sobre a história intelectual da Espanha do pós-guerra, nem todos os católicos estavam de acordo nos caminhos que se deviam percorrer para alcançar a recristianização da Espanha através da cultura e da universidade. Entre outras questões, há também aí um problema intergeracional que explica em parte essa diversidade de análise e que convém ter presente para compreender o debate artificial da conquista das cátedras [52] .

Como um dado mais e procurando acrescentar uma informação inédita aos muitos estudos já realizados, sabe-se que nenhum dos peritos em história medieval, que entre 1940 e 1944 foram obtendo as suas cátedras, pertenciam ao Opus Dei: Antonio de la Torre y del Cerro (1878-1966), em 1940 herdou a cátedra de Madrid do exilado Claudio Sánchez Albornoz, e havia sido um dos mestres de Jaume Vicens Vives desde a sua cátedra de Barcelona [53]; José Maria Lacarra (1907-1987), obteve a cátedra na Universidade de Zaragoza em 1940 [54]; Ángel Ferrari Núñez (1906-1986), catedrático pela Universidade de Santiago de Compostela em 1940, recebeu a herança de Hinojosa e exerceu mais tarde a docência na Universidade de Madrid [55]; Alfonso García-Gallo (1911-1992), herdeiro da melhor tradição jurídico-institucionalista do medievalismo espanhol, recuperou a sua cátedra em 1940, na Universidade de Valência [56]; e José Maria Font Rius (nascido em 1915), obteve a sua cátedra em 1944 na Universidade de La Laguna [57];. Há um único membro do Opus Dei, José Orlandis, que se podia incluir na relação de medievalistas, mas a sua cátedra na Universidade de Múrcia, obtida em 1942, pertencia à Faculdade de Direito. Entre 1944 e 1955, já não houve nenhuma convocatória para cátedras na área da história medieval [58].

Obviamente, seria interessante, para acabar de documentar este tema, realizar um estudo monográfico do desenvolvimento da universidade em Espanha nos anos quarenta, tendo em vista as diversas disciplinas. No entanto, pelos dados que já possuímos, pode afirmar-se que existe uma desproporção entre o número de membros do Opus Dei que acederam às cátedras naqueles anos e a agitação levantada. Parece-me que o fenómeno pode ter duas explicações. Por um lado, essa desproporção concorda perfeitamente com a tese desenvolvida neste artigo: o mito do assalto às cátedras é mais uma etapa na configuração da grande narrativa sobre o Opus Dei. Por outro lado, é evidente que a forte personalidade, a presença pública e a notável categoria científica de alguns desses primeiros catedráticos e intelectuais do Opus Dei contribuiu para a propagação desses rumores. Neste sentido, pode destacar-se particularmente a figura de José María Albareda (1902-1966), que foi o primeiro secretário-geral do CSIC e, em grande parte, o seu fundador e mentor. Desde esse posto exerceu obviamente um notável influxo na reorganização da investigação científica em Espanha, tão penalizada depois da Guerra Civil.

Outro dos intelectuais membros do Opus Dei que começou a surgir naqueles anos foi Rafael Calvo Serer (1916-1988). Conseguiu a cátedra de História Moderna e Contemporânea da Universidade de Valência em 1942, e foi uma figura importante no debate cultural desses anos, particularmente à volta do grupo de intelectuais da revista Arbor, cujo primeiro número apareceu em 1944. Outro intelectual de relevo foi Vicente Rodríguez Casado (1918-1990), que obteve a cátedra de História Moderna e Contemporânea da Universidade de Sevilha em 1942 e foi, por sua vez, fundador da Universidade de verão La Rábida de Huelva a partir de 1943 [59]. Por fim, afigura-se importante destacar Florentino Pérez Embid (1918-1974), incorporado mais tardiamente no mundo universitário (obteve a cátedra de História de América pela Universidade de Sevilha em 1949), mas que desempenhou também um papel significativo já nos anos cinquenta, estendendo o seu influxo à política.

Todos estes professores universitários influíram, como muitos outros católicos, na cultura espanhola nos primeiro anos do franquismo, mas não existem dados objetivos que permitam enquadrá-los na categoria de um grupo coletivo de pressão . Naturalmente estes académicos criaram diversas plataformas para desenvolver o seu trabalho intelectual e cultural: um centro de investigação no caso de Albareda, uma revista cultural no caso de Calvo Serer, uma universidade de verão no caso de Rodríguez Casado e uma plataforma mais próxima à política ativa, no caso de Pérez Embid. Mas cada um atuou de acordo com as suas próprias ideias e percorreu o seu próprio caminho. Se se tem presente a evolução intelectual, política e ideológica tão diversa de cada um deles, torna-se ainda mais evidente que a ideia de que constituíam um grupo não é defensável. É verdade que algo os unia: a sua preocupação pela promoção e defesa de uma ordem cultural cristã, tal como nesse momento era entendido por muitos outros.

A luta entre as famílias do franquismo: falangistas e tradicionalistas (1951-1956)

Depois do final da segunda guerra mundial, o regime espanhol atravessou um momento difícil, caraterizado pelo boicote internacional e inclusive a ameaça de invasão externa. Franco, com o seu pragmatismo habitual, tentou fazer frente a estas ameaças afastando do governo ou isolando politicamente os falangistas que durante os anos da segunda guerra mundial se tinham manifestado mais claramente germanófilos ou que pareciam menos predispostos a adaptar-se aos novos tempos. Em contrapartida, decidiu incorporar alguns democratas-cristãos, qualificativo que indicava uma determinada atitude comum de fundo, mas que acolhia no seu seio pessoas com perfis intelectuais e ideológicos com frequência heterogéneos [60]. Ao longo dos anos cinquenta, o regime conseguiu estabilizar-se. Foi então quando se incrementaram as lutas entre as diversas famílias franquistas para atrair Franco aos seus projetos.

Iniciou-se assim um período, cujo ponto culminante foi o triénio 1952-1954, em que se materializou um enfrentamento entre duas atitudes divergentes na sua leitura do projeto de Espanha e, portanto, da estratégia a seguir uma vez alcançado o poder [61]. Todos os protagonistas deste debate estavam de acordo que Espanha tinha de ser, em primeiro lugar, um país católico, mas discordavam nos conteúdos e fins da política cultural católica a implantar. Com o tempo, foram-se consolidando duas fações de diferente caráter ideológico e político, que começaram a rivalizar. Ambas estavam plenamente identificadas com o regime, mas a primeira provinha de uma especial mistura entre um falangismo de cariz liberal e um setor de origem democrata-cristão; a segunda baseava-se numa revitalização do tradicionalismo cultural. Para os primeiros, o problema estava no que a Espanha ainda não era ( Espanha como problema ); para os segundos, no que a Espanha tinha sido e devia continuar a ser ( Espanha sem problema ). Para os primeiros, a depressão nacional não consistia em ter perdido algo, mas em não haver adquirido algo, pelo que preconizavam uma regeneração, uma reforma, uma adaptação original; para os segundos, a depressão nacional era consequência de uma perda que havia que curar, e, portanto, o seu ideal era o regresso ao passado: era preciso uma restauração. Os primeiros respondiam às convicções mais profundas de uma Falange que se estava a reinventar ante o novo contexto político, cultural e ideológico de meados dos anos cinquenta. Os segundos pretendiam restaurar o espírito da Ação Espanhola, um movimento cultural heterogéneo fundado em 1931, que aglutinou os monárquicos durante a República e foram associados por Franco ao Movimento Nacional durante a guerra. Entre os primeiros poderiam destacar-se o democrata-cristão Joaquín Ruiz-Giménez (embaixador ante a Santa Sé desde 1948 a 1951 e Ministro da Educação de 1951 a 1956) e os neo-falangistas Pedro Laín Entralgo e Dionísio Ridruejo. Os segundos saltitavam à volta da hegemónica figura de Rafael Calvo Serer, ao lado de ativistas culturais como Jorge Vigón e Florentino Pérez Embid [62].

Os inícios deste debate relacionaram-se com as lutas por ocupar posições de poder perante a configuração do Novo Estado. A derrota dos fascismos europeus e o isolamento a que foi submetida a ditadura incentivaram a reativação do debate intelectual em torno de questões como o ser de Espanha , a especificidade do espanhol, o sentido da tradição, a origem da decadência, a identidade católica da nação, ou a identificação do catolicismo com o espanhol. No fim dos anos quarenta, para os falangistas havia-se desvanecido o sonho de constituir uma nova ordem no mundo ocidental, com a Alemanha e a Itália. Os tradicionalistas, por seu lado, tinham perdido toda a esperança de entender o que sucedia em Espanha observando os vencedores da guerra mundial. Perante o bloqueio das soluções políticas que ofereciam o fascismo e a democracia para a construção do Novo Estado, todos eles procuraram a solução na experiência histórica espanhola, concentrando-se numa reflexão histórica sobre a essência de Espanha e, particularmente, buscando como paradigma as épocas históricas – a idade média, o renascimento, o século de Ouro, a guerra da independência – em que se havia verificado uma tradição autóctone autossuficiente no exercício do poder.

Um dos temas chave do debate era a atitude que devia adotar-se em relação aos intelectuais liberais do período anterior à Guerra Civil, e determinar em que medida a nova síntese ideológica e espiritual que surgia em Espanha no princípio dos anos cinquenta devia constituir-se herdeira da cultura espanhola anterior à guerra. Para os falangistas, a incorporação das ideias intelectuais liberais da pré-guerra à nova intelectualidade devia ser generosa. Para os tradicionalistas, havia que fazer dessa herança liberal uma rigorosa discriminação. Em suma, passados quase três lustros, desde o final da Guerra Civil, havia que redefinir e julgar historicamente a atitude dos que iniciaram o Movimento Nacional [63].

Neste debate, de notáveis repercussões historiográficas, não só participaram alguns historiadores profissionais de reconhecida craveira – Ramón Menéndez Pidal, Américo Castro, Claudio Sánchez Albornoz, Jaume Vicens Vives –, mas também os respetivos líderes ideológicos de cada uma das fações, Laín Entralgo e Rafael Calvo Serer. Ambos publicaram naqueles anos diversos ensaios sobre o problema de Espanha , umas interpretações da história que eram uma patente projeção no passado dos seus diferentes modos de conceber a política cultural do momento.

Pedro Laín Entralgo, com Dionisio Ridruejo e Antonio Tovar, formavam parte do grupo procedente da Falange, que no governo constituído em 1951 haviam alcançado postos do Ministério de Educação com a proteção de Joaquín Ruiz-Giménez, que era democrata-cristão de origem, mas que não tinha nenhum escrúpulo em publicamente aparecer vestido com a camisa azul. Num interessante processo de ida e volta, estes neo-falangistas começaram a adular os intelectuais da geração de 98 , mais propriamente liberais (Unamuno, Machado, Baroja, Azorín), excluindo da sua esfera intelectual a figura intergeracional de Maeztu. Deixando intacto o seu culto a José Antonio, procuraram restabelecer uma espécie de falangismo liberal, dos quais alguns representantes – como Ridruejo, Laín e Aranguren – foram adotados como referências intelectuais pela esquerda durante o franquismo tardio e a transição.

Rafael Calvo Serer, pela sua parte, era o líder do grupo alternativo, que provinha da Ação Espanhola e pretendia apropriar-se da herança de Menéndez Pelayo e de Ramiro de Maeztu. Significativamente, o próprio Calvo Serer era historiador e tinha realizado a sua tese de doutoramento sobre Menéndez Pelayo e a sua visão da decadência espanhola (1940) [64]. A sua plataforma intelectual estava relacionada com o Consejo de Investigaciones Científicas, em cujo seio havia contribuído para criar a revista cultural Arbor , onde já nos anos quarenta haviam colaborado alguns jovens intelectuais como Vicente Palacio Atard, José María Jover, Vicente Rodríguez Casado, Gonzalo Fernández de la Mora, Vicente Marrero, Frederico Suárez e Antonio Fontán, e na qual os historiadores tinham, significativamente, uma presença destacada. Esse grupo tinha ligações também com Florentino Pérez Embid, cujo trabalho na Dirección General de Información a partir de 1951, e a sua relação com uma instituição cultural tradicional, o Ateneo de Madrid, faziam dele um valioso instrumento de atividade cultural. Calvo Serer, valenciano, e Pérez Embid, andaluz, aliaram-se com Jaume Vicens Vives, catalão, na tarefa de promover os centros de investigação histórica da periferia e potenciar uma visão comum da história, compatível com uma apreciação das diferenças regionais [65]. Teve relevância também Jorge Vigón, com quem Ridruejo havia tido um enérgico debate sobre o problema de Espanha, e que representava o enlace com a Acción Española. Ainda que a figura principal deste segundo grupo (Calvo Serer) fosse membro do Opus Dei e alguns dos citados o fossem também (Rodríguez Casado, Pérez Embid, Frederico Suárez e Fontán) é claro que outros, como Jaume Vicens Vives, José Maria Jover, Vicente Palacio Atard, Jorge Vigón, Gonzalo Fernández de la Mora e Rafael Gambra, não tinham muito que ver com essa instituição. Por conseguinte, não era propriamente o Opus Dei que definia ou aglutinava esse grupo. A realidade era muito mais complexa.

Por outro lado, assim como no primeiro grupo a coerência ideológica vinha claramente definida pelo falangismo explícito, ainda que renovado, dos seus protagonistas (daí que tenha sido considerado por alguns uma fação neo-falangista), no segundo, o dos tradicionalistas, a coerência ideológica era menor. Esta mesma heterogeneidade dificulta a tarefa de encontrar um conceito que os aglutine a todos. Por este motivo, a utilização do conceito tradicionalismo , já por si com significados diversos, deve ser entendida neste caso como uma noção que descreve a sua intenção de buscar na tradição histórica espanhola a solução para os problemas que tinha levantado a Espanha dos anos cinquenta – uma noção que obviamente fica longe do significado mais específico do conceito identificado com o Carlismo.

A história do confronto entre as duas fações precipitou-se abruptamente por causa da publicação do célebre artigo de Calvo Serer sobre a política interior da Espanha de Franco na revista parisiense Écrits de Paris em setembro de 1953 [66]. Com a sua habitual audácia, à beira da insensatez, arremetia contra os nacional-sindicalistas de cariz falangista por terem fracassado no seu propósito totalitário, apesar de contar com todos os meios possíveis e qualificava de niilista a direita democrática cristã na linha de Martín Artajo, por haver naufragado, desembocando numa inércia política. Calvo Serer não compreendia como depois do fracasso dos primeiros e naufrágio dos segundos, um católico propagandista como Ruiz-Giménez se tivesse aliado com representantes da esquerda falangista como Laín, Tovar e Ridruejo. Nesse contexto, Calvo apresentava como alternativa (uma espécie de «terceira força») os intelectuais que, com ele, estavam comprometidos com uma ambiciosa tarefa de restauração do país.

O resultado da onda política e ideológica que levantou o artigo Écrits de Paris foi a perda de Calvo Serer da direção da Arbor , do seu lugar no CSIC e da sua influência na esfera pública espanhola e, com isso, a derrota dos tradicionalistas, com a subsequente hegemonia dos falangistas. Contudo, o triunfo destes foi efémero, porque em breve se viram ultrapassados pela rebelião universitária de princípio de 1956, que teve como consequência imediata a destituição de Ruiz-Giménez, e deu lugar a um período de incerteza política que culminou na constituição de um novo governo em 1957, fruto de fatores, tanto ideológicos como sobretudo económicos, que levaram a uma mudança profunda no horizonte político-cultural espanhol.

Fazendo um balanço desde a perspetiva própria do nosso estudo, pode dizer-se que a divergência entre falangistas e tradicionalistas teve como consequência um aprofundamento da desconfiança da Falange no que respeita ao Opus Dei, algo que, tal como já vimos, se tinha manifestado justamente dez anos antes nos acontecimentos eclesiásticosde Madrid, nos inícios dos anos quarenta. Entre os tradicionalistas havia alguns membros do Opus Dei, com outros que não o eram; por sua vez, no grupo dos falangistas não havia nenhum. Estamos perante um facto que tem as suas raízes nos antecedentes históricos da Falange e da democracia cristã, e que, em todo o caso, não justifica considerar o Opus Dei como um grupo de poder dentro do delicado equilíbrio das famílias franquistas. Sem esquecer, além disso, que a imensa maioria dos membros do Opus Dei, que se havia estabelecido em diversas cidades espanholas, e tinha começado a partir de 1945 a sua expansão internacional, foram totalmente alheios a esses debates.

Como sempre, são as fontes originais – as que surgem do momento histórico analisado e não do momento histórico a partir do qual se analisa – as que nos dão a chave dos acontecimentos históricos e estas movem-se numa direção distinta desse equívoco. Ridruejo, no artigo de 1952 em que distinguia estes dois grupos, classificando-os de mutuamente exclusivos e abrangentes, não falava de uma oposição entre a Falange e Opus Dei, mas, literalmente, entre Falange Espanhola e Ação Espanhola:

«Enfim, Falange Espanhola e Ação Espanhola – tão afins na afirmação do espanhol e no amor pelos métodos heróicos – foram dois movimentos perfeitamente incompatíveis e sem possibilidade de compreensão mútua ou discernimento prático» [67].

É digno de nota que, tanto no debate das cátedras como no confronto entre tradicionalistas e falangistas, não se nomeia o Opus Dei nos escritos publicados pelos diversos protagonistas. Existem certamente referências ao Opus Dei em conversas ou cartas privadas, mas não nos meios de comunicação nem nas revistas culturais do momento, o que obviamente tem que ver com a escassa credibilidade que haveria tido a adesão do Opus Dei a uma das famílias franquistas em litígio.

Os «tecnocratas» no governo e a apresentação do Opus Dei como grupo de poder (1957-1966)

Durante a segunda metade da década dos anos cinquenta, Espanha experimentou uma significativa transição da autossuficiência à liberalização. Esta transição, forçada pela necessidade de adequar-se à evolução interior (com a endémica crise económica e os condicionamentos da autossuficiência) como à exterior (com a Europa de pós-guerra na sua fase mais crítica de desenvolvimento), implicou uma transformação do regime, que conduziu a novas políticas económico-comerciais, que passaram por cima dos debates ideológicos. Tudo isso teve como consequência algumas mudanças nas pastas ministeriais, que afetaram sobretudo os ministérios mais diretamente relacionados com a administração e com a economia. A nova geração de políticos não se sentiu realmente identificada com o debate entre tradicionalistas e falangistas, simplesmente porque estes novos agentes culturais e políticos já não tinham interesse pelas discussões acerca da essência de Espanha, ou pela reconstrução, restabelecimento ou restauração do seu passado, mas antes pela procura de soluções concretas a fim de conseguir o desenvolvimento económico e social.

Como consequência, depois dos essencialistas e ideológicos debates públicos dos primeiros anos cinquenta, passou-se a um acentuado pragmatismo. Do predomínio dos funcionários do ministério de Educação, passou-se à hegemonia dos técnicos em administração e economia. Os tradicionalistas diluíram-se e os falangistas tenderam a transformar-se, pouco a pouco, em democratas [68], evolução a que não foram alheios alguns dos tradicionalistas, como o próprio Rafael Calvo Serer. Uma nova época histórica se abria e outros estereótipos se criavam ou reinventavam. O enfrentamento entre tradicionalistas e falangistas tinha terminado com a derrota de ambas as fações, uma após outra (1953 e 1956). As transformações políticas subsequentes eram fruto dos novos tempos: Espanha saía da autossuficiência propugnada pela Falange para se abrir às instituições económicas ocidentais e, particularmente, ao Mercado Comum Europeu. Tudo isso era fruto de uma evolução já iniciada em anos anteriores, mas impulsionada com maior decisão a partir de agora.

Marco importante nesta evolução foi a remodelação do governo que Franco promoveu em 1957, concretamente a 25 de fevereiro desse ano. O novo governo apresentava elementos de continuidade com os anteriores e, também, novidades. Entre estas últimas destacavam-se as nomeações de Alberto Ullastres no Comércio e Mariano Navarro Rubio nas Finanças. O primeiro havia colaborado com a Acción Nacional durante a República. Terminada a Guerra Civil, doutorou-se em Direito e foi membro do Instituto de Economia do CSIC. Como colaborador na secção de Economia Nacional do Instituto de Estudios Políticos, fez parte da comissão que redigiu o projeto fundacional da Faculdade de Ciências Políticas e Económicas da Universidade de Madrid. Nela se diplomou e desde 1948 ocupou a cátedra de História da Economia Universal e de Espanha. Durante vários anos foi professor de Economia e Finanças no Centro de Estudios Universitários de Madrid, e de História Económica no Instituto Social Léon XIII. O segundo teve uma estreita ligação com a Acción Católica nos anos da República. Depois da Guerra Civil, comprometeu-se em atividades relacionadas com os ambientes sindicais. A sua entrada na política produziu-se através dos sindicatos verticais agrários, convertendo-se em procurador nas Cortes pelos Sindicatos. A ambos era confiada uma importante área do governo: a relacionada com o desenvolvimento económico.

Tanto os falangistas como os sectores que se viram fora do governo com a queda de Ruiz-Giménez, reagiram perante as novas entradas e outras que lhes sucederam, rotulando-as de tecnocratas, dando ao termo um tompejorativo, isto é, tratava-se de gente que talvez tivesse preparação técnica, mas a quem faltava um verdadeiro sentido de Estado, e a correspondente experiência cultural e política. O facto de que tanto Alberto Ullastres como Mariano Navarro Rubio fossem membros do Opus Dei levou a dar um passo mais nessa estratégia política, falando de tecnocratas do Opus Dei .

Chegava-se assim a uma etapa de especial importância na configuração da grande narrativa sobre o Opus Dei. O centro e a origem dessa etapa é de novo Espanha, mas agora a grande narrativa não ficará limitado a esse país, mas ir-se-á estender por todo o mundo ocidental. A globalização da grande narrativa está motivada em boa medida não só pelo novo contexto histórico, onde os eventos tendem a transcender as fronteiras estatais, mas também, porque adquirirá a partir de 1957 uma surpreendente dimensão mediática, pela intervenção de importantes jornais europeus e norte-americanos. A nomeação de Alberto Ullastres e Mariano Navarro teve uma grande repercussão, e em breve se lhes atribuiu a etiqueta de ministros do Opus Dei [69] .

É possível que nalguns dos meios de comunicação essa qualificação se limitasse a fornecer um dado, sem lhe atribuir um significado especial. Contudo, não era essa a intenção dos ambientes espanhóis que a tinham possibilitado. Em todo o caso, prestava-se a dar a impressão de que eram de algum modo, e precisamente enquanto ministros, representantes do Opus Dei, o que punha em causa a finalidade exclusivamente apostólica desta instituição, e a liberdade e responsabilidade pessoais dos seus membros nas atuações profissionais e políticas, sempre defendidas por Josemaria Escrivá com unhas e dentes, fossem quais fossem as opções que uns e outros adotassem. Não fez uma exceção com Navarro Rubio e Ullastres.

Desde o primeiro momento, o Opus Dei pôs em evidência que nem Ullastres nem nenhum outro político o representavam. Em 12 de julho de 1957 a Secretaria do Opus Dei em Espanha difundiu uma nota em que se reafirmava esta realidade, publicada pelo ABC no dia seguinte e por outros meios nacionais e internacionais, como o inglês Catholic Herald [70] .Da mesma linha é o artigo de Julián Herranz, nesse momento membro do Conselho Geral do Opus Dei, sobre «el Opus Dei y la política», publicado na revista mensal Nuestro Tiempo , em Abril de 1957; o mesmo autor voltou ao tema em 1961, com um novo artigo intitulado «Natureza del Opus Dei e las atividades temporais dos seus membros», que apareceu também em Nuestro Tiempo. Meses antes, José Luis Llanes, residente também em Roma, tinha publicado um artigo sobre «L’attività dei cattolici nella Spagna d’oggi», publicado em Studi Cattolici , depois da afirmação, feita por parte da imprensa, de que o Opus Dei veio a ser o principal apoio a Franco por parte dos católicos. Llanes destacava a liberdade em temas políticos dos membros do Opus Dei. Como o artigo assinalava também a liberdade de que gozavam os católicos para se opor ou não a Franco, não se pôde publicar em Espanha.

O equívoco em apresentar o Opus Dei como uma força política e ideológica com uma notável influência no franquismo aumentou em 1962, por ocasião da remodelação do governo que se produziu naquele ano. Duas das mudanças mais relevantes foram a entrada de Manuel Fraga Iribarne como Ministro da Informação e Turismo, que fazia a ligação com alguns meios democratas cristãos e falangistas, o que propiciou uma certa abertura na política de censura aos meios de comunicação, e do engenheiro Gregorio López Bravo como Ministro da Indústria, politicamente independente, que era membro do Opus Dei.

Algo análogo ocorreu a propósito de uma nova remodelação do governo que ocorreu em 1965. Nesse ano Ullastres e Navarro Rubio deixaram o governo, ainda que a sua política económica tenha continuado a aplicar-se. Alberto Ullastres continuou a trabalhar para a entrada no Mercado Comum, que se fez realidade em 1970, em virtude do Acordo económico preferencial assinado em outubro desse ano. Nessa mesma remodelação do governo, Laureano López Rodó, catedrático de Direito Administrativo, que era membro do Opus Dei, foi nomeado ministro do Plano de Desenvolvimento. López Rodó tinha uma longa experiência política, pois em 1956 havia sido nomeado secretário-geral técnico da Presidência do Governo e sempre havia contado com o apoio do almirante Carrero Blanco, um dos principais colaboradores do general Franco.

Ante a repetição das noticias e comentários de imprensa que continuavam a manter o equívoco a respeito das relações entre o governo espanhol e o Opus Dei, este viu-se obrigado a emitir em Junho de 1962 um novo comunicado, desta vez da Secretaria Geral do Opus Dei, onde se esclarecia que:

Os sócios do Opus Dei são libérrimos no seu pensamento e na sua atuação política, tal como qualquer outro cidadão católico. Dentro da Associação cabem, e de facto há, pessoas de diferentes e mesmo opostas ideias políticas, sem que o Opus Dei tenha nada que ver, de nenhum modo, com os méritos ou deméritos da gestão pessoal dos seus sócios. Fique, pois claro que o Opus Dei não está ligado a nenhuma pessoa, a nenhum governo nem a nenhuma ideia política [71].

O comunicado não dava lugar a interpretações. Além disso, o próprio fundador do Opus Dei, tinha-se manifestado pessoalmente. Estava disposto a tolerar em silêncio as injúrias que pudessem proferir contra a sua pessoa, mas considerava necessário tornar público o seu protesto quando se tratava de erros referentes à Igreja e ao Opus Dei. Isso é posto em evidência numa carta do fundador, dirigida ao Conselheiro do Opus Dei em Espanha, datada de 9 de outubro de 1965, em que, com tom de indignação, denunciava: «Não podemos tolerar mais a calúnia, nem a insinuação venenosa: e de cada cem casos, os cem têm a sua origem nessa minha queridíssima Espanha. Basta!»[72]

De facto, poucos meses antes, em maio de 1964, havia intervindo pessoalmente, através de uma carta dirigida a Javier de Borbón-Parma, chefe de um dos sectores políticos da época, o tradicionalismo dinástico, queixando-se da difusão, em ação organizada por esse grupo, de uns folhetos em que se atacava o Opus Dei:

Chama-me grandemente a atenção, ainda que seja muito amigo da liberdade política e muito respeitador do que todos pensam, que na reunião de Montejurra não tenha havido mais que alguns cartazes onde se insultava alguns dos meus filhos que, no uso da sua plena liberdade, pensam honradamente como querem. Sobretudo, quando em Espanha são tantas as pessoas que não concordam com os carlistas. Reafirmo a minha admiração e não posso entender essa predileção . Respeito, todavia, a liberdade que nos causa desgosto desses senhores de Montejurra e não apresento nenhuma queixa. Contudo, chegou às minhas mãos uma folha que se chama «Boina vermelha», - não se sabe quem a imprimiu, mas de conteúdo carlista – n. 89, ano 12, com um artigo intitulado «Aos espanhóis» e assinado por «Uns ex-combatentes», onde se ataca caluniosamente a Obra. Não posso tolerá-lo e envergonha-me que pessoas que pertencem à chamada Comunhão carlista se prestem a difamações deste estilo.

Em seguida, conclui com uma frase bem ilustrativa da sua atitude:

Se estes factos se repetem, terei que tomar uma atitude, já que não se trata de uma infâmia contra mim, que estou sempre disposto a suportar em silêncio, mas de uma infâmia contra Deus Nosso Senhor e contra os que, consagrando-Lhe as suas vidas, O servem [73].

A Falange Espanhola, revivendo talvez aqueles ataques proferidos durante os anos quarenta, orquestrou uma forte campanha de imprensa veiculada pelo diário Pueblo , ligado ao regime, e à Organización Sindical Española, como reação ao facto de que entre os signatários de alguns artigos de jornal contra o monopólio sindical do franquismo houvesse algum membro do Opus Dei. Escrivá de Balaguer escreveu uma enérgica carta ao ministro correspondente, José Solís Ruiz:

Com esse modo de proceder equivocado […] apenas conseguem ofender a Deus, confundindo o espiritual com o terreno, quando é evidente que os Diretores do Opus Dei, nada podem fazer para coibir a legítima e completa liberdade pessoal dos sócios […]. Esta família espiritual não intervém, nem pode intervir nunca em opções políticas ou terrenas, em qualquer campo, porque os seus fins são exclusivamente espirituais [74].

A equívoca apresentação do Opus Dei como um grupo de pressão política tinha começado a ser universal e continuou a sê-lo em anos posteriores. As campanhas de imprensa, sobretudo em jornais franceses e espanhóis, foram abundantes em 1966, desvirtuando a natureza espiritual do Opus Dei, atribuindo-lhe um desejo de influência política, poder económico e prestígio entre as elites sociais, e negando a sua dimensão universal, identificando-o com uma obra espanhola [75]. Escrivá decidiu não se limitar às cartas pessoais ou enviar comunicados através dos organismos de governo da Obra, mas concedeu entrevistas a correspondentes dos meios mais influentes do panorama mediático internacional. A primeira entrevista foi publicada no Le Figaro em maio de 1966; nela passava em revista diversos temas e reafirmava a natureza espiritual do Opus Dei, defendendo uma vez mais a absoluta liberdade dos seus membros nas questões políticas, económicas ou culturais. As entrevistas concedidas aos mais diversos meios internacionais entre os anos 1966 e 1968 formam o conteúdo do livro Temas Actuais do Cristianismo , imediatamente traduzido para vários línguas. Vale a pena reproduzir duas das suas respostas. A primeira faz parte da entrevista publicada em Le Figaro :

Insisto em que os sócios do Opus Dei trabalham com plena liberdade e sob a sua responsabilidade pessoal, sem comprometer nem a Igreja nem a Obra, porque não se apoiam nem na Igreja nem na Obra para realizarem as suas atividades pessoais. Pessoas formadas numa conceção militar do apostolado e da vida espiritual tenderão a ver no trabalho livre e responsável dos cristãos um modo de atuar coletivo. Mas digo-lhe, como não me tenho cansado de repetir desde 1928, que a diversidade de opiniões e de comportamentos no terreno temporal e no campo teológico opinável não constitui problema algum para a Obra: a diversidade que existe e existirá sempre entre os sócios do Opus Dei é, pelo contrário, uma manifestação de bom espírito, de vida honesta, de respeito pelas opiniões legítimas de cada um [76].

A segunda provém da entrevista concedida uns meses depois, em abril de 1967, a Peter Forbath, correspondente da revista norte-americana Time :

O Opus Dei não intervém para nada em política; é absolutamente alheio a qualquer tendência, grupo, ou regime político, económico, cultural ou ideológico. Os seus fins - repito - são exclusivamente espirituais e apostólicos. [...]. Desde os primeiros contactos com a Obra, todos os sócios conhecem bem a realidade da sua liberdade individual, de modo que, se em qualquer momento algum deles pretendesse fazer pressão sobre os outros impondo as suas opiniões pessoais em matéria política, ou se servisse deles para interesses meramente humanos, os outros rebelar-se-iam e expulsá-lo-iam imediatamente. […] Se alguma vez se desse - não sucedeu, não sucede e, com a ajuda de Deus, nunca sucederá - uma intromissão do Opus Dei na política ou em algum outro campo das atividades humanas, o inimigo número um da Obra seria eu próprio [77].

Estas declarações constituem um testemunho histórico de primeira grandeza. De facto, contribuíram para travar algumas das atitudes e campanhas que haviam provocado, ainda que não conseguissem evitar que a grande narrativa continuasse a difundir-se. Como nos encontramos perante um momento chave na configuração dessa narrativa , vale a pena analisar, mais cuidadosamente, o pano de fundo onde uns e outros factos - as declarações do Opus Dei, e os mal-entendidos que as provocaram - se situam.

Nos anos cinquenta, o regime franquista continuava a responder aos valores do campo vencedor da Guerra Civil [78]. Em primeiro lugar, apoiava-se sobre o poder autoritário do general Franco. Desde 1938, o ditador tinha velado escrupulosamente para que os seus governos refletissem exatamente o equilíbrio de famílias integradas no Movimento Nacional – nome pelo qual se conhecia o conjunto de forças políticas que tinham apoiado o Levantamento, de 1936 desde o início. Estas forças políticas eram os militares, os falangistas, os tradicionalistas carlistas, os democratas-cristãos, os monárquicos e algumas personalidades «independentes», que lhe mereciam confiança pelos seus conhecimentos profissionais e que, de qualquer modo, provinham sistematicamente dos altos corpos da Administração do Estado. A novidade do governo de 1957 era a generosa presença de um grupo desses independentes que deviam dar um impulso às reformas sociais, políticas, administrativas e económicas que, segundo o parecer de Franco, a nação necessitava.

Estas reformas deviam cingir-se, logicamente ao espetro político e ideológico da ditadura franquista. Um dos objetivos do novo governo foi a integração da economia espanhola no âmbito do mundo ocidental, através de um plano de estabilização e de medidas liberalizadoras próprias de uma economia de mercado. Foram precisamente Navarro Rubio e Ullastres, ministros das Finanças e do Comércio respetivamente, que deviam dirigir essa nova política. Esta reforma não foi uma simples substituição, mas o início de uma tendência a marginalizar a Falange como sustentáculo político e ideológico do regime [79]. É importante ter isto em conta ao analisar a violenta reação dos falangistas ante a aparição dos tecnocratas , como em breve começaram a ser designados pelos seus detratores: neles viram os que, de facto, os tinham afastado dos centros nevrálgicos do poder.

Setores do Movimiento não só rotularam respetivamente de tecnocratas aos novos ministros, mas acrescentaram o matiz de tecnocratas do Opus Dei , com o que confundiam a sua adesão a uma determinada tendência dentro dos governos de Franco com a sua pertença a uma instituição da Igreja. É interessante observar que os membros do Opus Dei que foram ministros de Franco durante os anos cinquenta, sessenta e setenta, não pertenciam a nenhuma das famílias antes descritas, ainda que procediam habitualmente dos grupos genéricos identificados com as tradições democratas-cristãs ou monárquicas, surgidas em Espanha antes da Guerra Civil [80]. A única exceção foi Fernando Herrero Tejedor, ministro e secretário-geral do Movimento Nacional do penúltimo governo de Franco, de ascendência falangista, ainda que só tenha alcançado notoriedade no final do regime. Mas em geral não tinham, por assim dizer, um perfil ideológico identificável com alguma das famílias políticas existentes, razão por que, numa perspetiva ideológica, podia pensar-se em os agrupar sob o guarda-chuva da tecnocracia, ainda que entre eles houvesse posições muito diferentes [81].

Deste modo, apesar da sua pluralidade intelectual e ideológica, fossem ou não do Opus Dei, todos estes ministros passaram a ser agrupados, de fora, sob o mesmo rótulo. Na contenda pelo poder político daqueles anos, os adversários políticos dos novos ministros, em lugar de travar a luta pelo poder no seu âmbito próprio, recorreram a uma artimanha bem conhecida para criar opinião pública: criar artificialmente um grupo. Neste caso, amparavam-se na real (e inclusive na suposta) pertença a uma instituição da Igreja (o Opus Dei) de alguns deles. Pouco importava que esta circunstância, de natureza espiritual, não condicionasse a sua condição política e ideológica – e menos ainda num regime político onde tudo era católico Mas a etiqueta de tecnocratas serviu-lhes para agrupar qualquer um que se integrasse no grupo que López Rodó estava a formar na secretaria-geral técnica da vice-presidência do governo, sob a proteção do almirante Carrero Blanco. De facto, esses técnicos, entre os quais se destacavam por exemplo, Agustín Cotorruelo, Santiago Udina Martorell, Fabià Estapé, José Ángel Sánchez Asiaín, Enrique Fuentes Quintana e Juan Sardá Dexeus, tinham entre eles uma ascendência ideológica e procedência política muito diversificada, assim como um diferente grau de proximidade com o Opus Dei [82]. Desejava-se apenas um cliché eficaz face à intriga política do momento [83].

Isto tornou os ministros do Opus Dei (e os que metiam no mesmo saco sem formar parte dessa instituição) mais vulneráveis desde uma perspetiva estritamente política, porque um defeito ou erro de um deles poderia ser estendido a todos – generalização que também era aplicável ao seu bom trabalho -, que é finalmente o que ficou inscrito na memória coletiva dos espanhóis, porque graças às suas políticas pragmáticas são considerados como o fundamento do desenvolvimentismo e, portanto, do princípio do fim do franquismo e do arranque da economia espanhola. Ancorados nesta estratégia de generalização , as críticas que tinham surgido no princípio exclusivamente para salvaguardar interesses políticos (em busca de maiores quotas de poder por parte das diversas famílias franquistas) foram degenerando simultaneamente num desejo de desprestígio da instituição a que alguns deles também pertenciam. Em todo o caso o que ninguém duvida nestas alturas é da eficácia das medidas tomadas por aqueles tecnocratas face à modernização económica e, consequentemente, política e cultural da Espanha franquista. Raymond Carr e Juan Pablo Fusi sintetizam o seu trabalho como defensores de um rápido crescimento capitalista e da neutralização da política pela via da prosperidade [84].

Por outro lado, houve, além disso, outros tecnocratas com prestígio que, sem ser do Opus Dei, colaboraram na conceção e implementação do Plano de Estabilização, como Juan Sardá, Gabriel Ferràs, José Luis Sampedro, Manuel Varela Parache ou Enrique Fuentes Quintana. Por que razão não se lhes aplica também o qualificativo de tecnocratas , ainda que eles não pertencessem ao Opus Dei? A única explicação possível é que eles não foram ministros e, portanto, não puderam ser identificados como uma ameaça política pelas famílias franquistas, especialmente pelos falangistas. Estes viram claramente que o êxito dos tecnocratas implicava de facto a desaparição da Falange como grupo hegemónico entre as famílias franquistas. Por isto, foram eles que orquestraram a campanha de desprestígio contra os chamados tecnocratas, a que depois se juntaram outros grupos, tanto do mundo civil como eclesiástico, com maior ou menor empenho conforme o seu grau de interesse [85].

Os ministros do Opus Dei eram católicos como todos os outros membros do governo, mas a sua pertença à instituição não condicionou particularmente a sua orientação política e ideológica, tal como as suas decisões concretas de governo. De facto, alguns outros ministros eram membros de Associações de fiéis, especialmente os procedentes da Ação Nacional Católica de Propagandistas, mas a ninguém ocorreu afirmar que eles representavam as ditas associações no Governo [86]. Outra questão, também inegável, é que alguns deles coincidiram nalgumas residências de estudantes e Colégios Universitários, que se constituíram em centros de sociabilidade, segundo o conceito criado pela moderna historiografia, o que gerava um lógico círculo comum de amizades [87]

Não obstante, a captação de novas pessoas para os postos políticos não respondeu a um único critério – talvez o único critério claro era a exclusão das mulheres. É ilustrativo o relato de López Rodó sobre os seus sistemas de cooptação de novos ministros e altos cargos. Em que as razões de amizade unem-se às estritamente pessoais, de segundas referências, ou simplesmente de casualidades [88]. Esta circunstância, referida aos centros de sociabilidade e à geração de relações interpessoais como base de cooptação política, nem por ser menos óbvia, parece-me essencial para entender toda esta questão. Uma maior atenção de historiadores e sociólogos a este aspeto, baseando-se nos últimos contributos da historiografia francesa, contribuiria sem dúvida para esclarecer muito mais o debate historiográfico sobre a origem e as motivações das novas incorporações aos postos políticos [89]. Neste sentido, é significativo que a fulgurante carreira política de outro membro do Opus Dei (Florentino Pérez-Embid) sofresse uma travagem no mesmo ano da promoção de Navarro Rubio e Ullastres. Além disso, como subtilmente aponta Paul Preston, «torna-se sintomático que no princípio da década de 1960 houvesse mais tensão entre López Rodó e Navarro Rubio que entre López Rodó e Fraga» [90].

Merece a pena aludir ao episódio que refere López Rodó nas suas memórias:

Também se propalou o boato de que os membros do Opus Dei que intervinham na política formavam um grupo homogéneo. É patente que, como consequência lógica da plena liberdade política, fossem muito diversas as suas posições e opiniões. Como exemplo, recordemos que Fernando Herrero Tejedor, Javier Domínguez Marroquín e José Ramón Herrero Fontana eram falangistas; Juan María de Araluce Villar e Pedro Mendizábal Uriarte, tradicionalistas; Mariano Navarro Rubio, sindicalista; Hermenegildo Altozano Moraleda, Antonio Fontán Pérez e Florentino Pérez Embid pertenciam ao Consejo Privado do Conde de Barcelona e, em contrapartida, Gregorio López Bravo de Castro, Vicente Mortes Alfonso e eu mesmo fomos partidários da restauração da Monarquia na pessoa de Juan Carlos de Borbón; Alberto Ullastres Calvo e Juan José Espinosa San Martín eram políticos independentes; por último houve quem se achasse na oposição ao Regime, cuja figura mais destacada foi Rafael Calvo Serer [91].

Os ministros que pertenciam ao Opus Dei nem atuaram como grupo nem tinham um interesse especial em atuar como tal, já que isto, além de atraiçoar as ideias defendidas pela instituição espiritual a que pertenciam, lhes teria trazido mais prejuízos que benefícios no ambiente político da época. Não obstante, como alguns deles gozaram desde o princípio do rótulo de independentes , sem estar ligados às categorias carlistas ou falangistas , facilmente podiam ser considerados ad extra como um novo grupo emergente, mais próximo dos monárquicos e dos democratas-cristãos. Perante a necessidade que costumam ter as sociedades de enquadrar as pessoas em grupos , para tornar mais acessível e compreensível a já de per si complexa realidade que as rodeia, atribuiu-se-lhes o pragmático título de tecnocratas , quando talvez tivesse sido mais apropriado referir-se a eles como independentes .

Em qualquer caso, o dado certo é que dos cento e dezasseis ministros designados por Franco em onze governos entre 1939 e 1975, oito deles foram membros do Opus Dei: Mariano Navarro Rubio (1957-1965), Alberto Ullastres (1957-1965), Gregorio López Bravo (1962-1973), Juan José Espinosa (1965-1969), Faustino Garcia Moncó (1965-1969), Laureano López Rodó (1965-1975), Vicente Mortes (1969-1973). Fernando Herrero Tejedor (1975). Com a perspetiva histórica adquirida, percebe-se melhor a desproporção entre esse reduzido número de ministros e a magnitude do ruído mediático que se gerou pela suposta influência do Opus Dei na evolução política da Espanha franquista.

Por outro lado, alguns Propagandistas não entenderam a atitude independente desses ministros. Desconcertava-os que o Opus Dei não quisesse unir-se numa frente comum democrata-cristã. A experiência já havia funcionado durante a Segunda República (através da coligação da CEDA, a Confederación Española de Derechas Autónomas) e agora viam-na também necessária para enfrentar as tendências totalitárias da Falange Espanhola, e não menos importante, para enfrentar com garantia de futuro o dia seguinte ao franquismo. Neste sentido, alguns historiadores afirmaram que «não era fácil, a homens formados no catolicismo fortemente hierárquico da pré-guerra, compreender que umas pessoas que compartilhavam a sua preocupação por revitalizar a intelligentsia nacional e a vida pública, não militassem nas suas fileiras» [92].

De facto, todos aqueles que confiavam numa frente democrata-cristã foram os que – na política franquista madrilena e na cúria eclesiástica romana – menos entenderam a posição do Opus Dei. E é precisamente neste campo onde emergiu a outra grande frente da segunda grande narrativa , que se estenderia a Roma. Muitos anos depois de escrever a sua difamação contra o Opus Dei sob o pseudónimo de Daniel Artigues, Jean Bécarud descrevia deste modo ao seu confidente Giménez Fernández, uma das mais importantes fontes de informação para o livro que escreveu:

Antigo líder da esquerda, ministro da Agricultura da República e reconhecido especialista de Bartolomé de las Casas, dedicava-se ao ensino, depois de não poucas peripécias, na Universidade de Sevilha. Mais democrata-cristão que nunca, era um colérico adversário do franquismo em geral e do Opus Dei em particular [93].

Assim, compreende-se bem que as críticas aos tecnocratas do Opus Dei procedessem também dos grupos opositores ao franquismo, muitos deles socialistas e comunistas no exílio. Se bem que todos estavam de acordo em que havia que desenvolver a economia espanhola, concordavam também em que este progresso significava um balão de oxigénio para o regime e podia, portanto, mantê-lo, ao dar-lhe uma maior credibilidade. Os inimigos do catolicismo, por sua parte, aproveitaram a oportunidade para criticar uma instituição católica que era conhecida pela sua crescente pujança espiritual, mas que parecia mostrar agora o seu apoio a um regime autoritário. Por fim, emergiu também uma crítica dos sectores mais nacionalistas e antifranquistas de Catalunha e do País Vasco pelo suposto espanholismo do Opus Dei, – um juízo que parece hoje inverosímil, vendo o número de membros do Opus Dei autóctones, que naqueles anos se comprometeram com a preservação da identidade cultural e a autonomia política dessas comunidades.

Por outro lado, há que assinalar que houve também notórios casos de membros do Opus Dei ativos na oposição antifranquista, o que desautoriza os que pensavam que havia diretrizes “de cima” na instituição para apoiar o franquismo. Além de Calvo Serer, que depois do artigo de 1953 em Écrits de Paris adotou uma postura claramente crítica com o regime, outro dos seus colaboradores em Arbor , Antonio Fontán, levou a cabo uma atividade no mínimo pouco complacente com o regime através da direção do diário Madrid [94] .

Outros membros do Opus Dei, como Pere Pascual, Robert Espí e Francesc Brosa, além de outros estudantes, participaram na célebre caputxinada , de 1966. A caputxinada foi o primeiro protesto conhecido contra o regime franquista em Barcelona, que teve um eco especial por estar liderado por intelectuais. Recebe este nome porque se realizou no mosteiro dos capuchinhos de Sarrià, entre 9 e 11 de março de 1966. Iniciou-se como uma reunião clandestina de uma associação de estudantes constituída para concorrer com a associação oficial da Falange (SEU) e culminou com todos os seus assistentes encerrados no mosteiro em sinal de desacordo contra o regime franquista. O protesto agrupou pessoas de posições políticas e ideológicas muito diversas, incluídas as de centro-esquerda e o clandestino Partido Comunista. Pouco depois do início do ato, a 9 de março, a guarda civil irrompeu no mosteiro e obrigou todos os assistentes a abandoná-lo e a identificar-se. À volta de duzentos participantes decidiram ficar, continuando os seus debates. Durante mais de quarenta e oito horas foram hóspedes dos capuchinhos. Finalmente, depois de dois dias de grande tensão, os estudantes saíram pacificamente e alguns foram expulsos, entre eles Pere Pascual, que foi excluído do setor editorial, onde havia trabalhado até esse momento [95]

O pluralismo dos membros do Opus Dei foi documentado por alguns especialistas no período, alheios à instituição. Eles afirmaram que em nenhum caso se pode falar de um monolitismo na atuação pública do Opus Dei na Espanha franquista, não só pela evidência de que houve membros exonerados mas também porque, entre os franquistas que eram membros do Opus Dei, surgiram tendências muito diferentes. Inclusive vistas as coisas desde a perspetiva equivocada do funcionamento do Opus Dei como um grupo político, a estranheza é grande ao ver que as atuações dos seus membros foram tão diversas, como por exemplo entre Calvo Serer, Pérez Embid e López Rodó. Assim o narra o historiador Manuel Pérez Ledesma, comentando o libro de Santos Juliá sobre as duas Espanhas:

Os intolerantes (excluyentes) fracassaram em 1953, quando a intenção de Calvo Serer em converter o seu grupo numa “Terceira Força”, enfrentando tanto os falangistas de Ortega como a direita católica no poder, acabou com a perda do poder cultural que haviam detido até então. Porém, mais surpreendente foi que da mesma instituição religiosa surgiu pouco depois um novo grupo de juristas e economistas, liderados por López Rodó, que acabaram com a figura do «intelectual católico» e a substituíram pela do «tecnocrata», ao mesmo tempo que introduziam uma linguagem política secularizada e racional, apoiada na ideia de eficácia e progresso. Duma instituição tão católica como o Opus Dei acabava-se assim com a sacralização da política e da vida cultural cujos últimos representantes tinham sido outros membros do Opus Dei [96].

Isto poria também em causa a suposta unicidade do qualificativo de tecnocratas e a sua generalização. Entre os que normalmente são incluídos nesse grupo, houve alguns que simplesmente aspiravam a promover a economia e, nesse sentido, eram sobretudo técnicos (tal foi provavelmente o caso de Ullastres) e outros que tinham objetivos políticos claros e de grande alcance, como é o caso de López Rodó, que aspirava à modernização da estrutura administrativa do Estado espanhol (o que transcende a técnica) e a promover uma via para a monarquia, optando pelo príncipe Juan Carlos.

Por outro lado, é interessante assinalar que, durante esses mesmos anos de desenvolvimento do pós-guerra mundial, outros países europeus confiaram também a direção dos assuntos económicos a técnicos e empresários tecnocratas, sem provocar por isso problemas de interpretação como os que tiveram lugar em Espanha. Antonio Argandoña conclui que:

a tese da vinculação dos tecnocratas com o Opus Dei, foi, naqueles momentos, a solução cómoda adotada por personalidades ou grupos políticos cuja hegemonia se via ameaçada pelos êxitos técnicos dos tecnocratas (e pela própria presença destes na cena política espanhola), ainda que atribuir-lhes aquela vinculação fosse uma falsidade e uma injustiça com eles e com o Opus Dei. Se isto é assim, a continuidade do cliché até aos nossos dias mostra uma certa preguiça mental de alguns analistas e historiadores. Agora, como então, falar-se de «tecnocratas do Opus Dei» não evita ter que levar a cabo uma análise mais profunda daqueles anos, sobre as pessoas que formaram aquele grupo político que teve porções importantes de poder à volta do Almirante Carrero Blanco, quais eram as suas conceções económicas e os seus ideais políticos, que pretendiam com a sua atuação, etc. Mas isso deixa sem explicar numerosas caraterística da política e da economia daqueles anos. E quando essas caraterísticas forem estudadas e compreendidas, o Opus Dei não desempenha papel algum [97].

É patente, pois, que houve membros do Opus Dei entre os franquistas e entre os antifranquistas, perante o qual o fundador sempre teve uma atitude de não intervencio­nismo, porque defendeu a liberdade dessas pessoas em questões políticas e ideológicas, ainda que estando consciente das dificuldades, incompreensões e receios pessoais e institucionais que esta atuação suscitaria, tanto no âmbito civil como no eclesiástico. Foi precisamente essa neutralidade do Opus Dei que originou tantos ataques?

Por outro lado, ao não existir na Espanha de então a liberdade de associação política nem vias para a expressão do pluralismo, à medida que se foi debilitando o franquismo, tendia a adquirir matiz político qualquer manifestação de tipo religioso, cultural, nacionalista, social ou inclusive lúdico que, pela sua própria natureza, eram alheias ao campo da luta política, como sucedeu com o desporto [98]. Além disso, os que criticavam agora o Opus Dei, pela sua intromissão no precário equilíbrio de poder na Espanha franquista, fizeram uma generalização sobre o que não eram senão circunstâncias contingentes e conjunturais de um país concreto, neste caso Espanha. Isto causou mais que um problema de difícil resolução aos membros do Opus Dei de outras latitudes, especialmente nos países anglo-saxónicos, aos quais se aplicaram umas categorias tipicamente hispânicas que não se enquadravam em absoluto com a sua particular idiossincrasia.

As pressões sobre o fundador do Opus Dei para que mudasse a sua forma de atuar e desse indicações precisas aos membros que desenvolviam tarefas políticas, foram persistentes e provieram tanto das autoridades civis como das eclesiásticas. Cada uma das fações exigia-lhe, paradoxalmente, duas atuações contrapostas, fruto de atitudes cesáreo-papistas ou clericais. As que provinham do âmbito civil, recriminavam-no de que a instituição por ele fundada se imiscuísse em assuntos políticos, numa luta desenfreada pelo poder. As que provinham do âmbito eclesiástico, recriminavam-no por não estar disposto a estimular os membros do Opus Dei a unir-se às forças da Democracia Cristã, que se tinham mostrado providenciais em Itália ante o imparável avanço do comunismo durante o pós-guerra, e que noutros países, especialmente na Europa e na América Latina, tinham adquirido outras formas, mas com a mesma ideia de fundo [99]. Estes também o atormentavam para que obrigasse os membros do Opus Dei a retirar-se do governo franquista. Mas ele atuava seguindo um raciocínio lógico: tal como não os havia estimulado a entrar nesses governos, também não podia encorajá-los a sair deles. Se o molestavam para que se pronunciasse sobre a moralidade de um regime político, alegava que não lhe correspondia a ele fazê-lo, mas à hierarquia eclesiástica, se o achasse oportuno, e para bem ou para mal, não houve nenhuma declaração eclesiástica oficial de condenação do regime franquista.

Acima de tudo Escrivá velava por preservar a liberdade dos membros do Opus Dei em matérias opináveis, uma ideia que hoje parece mais ou menos assimilada e de simples explicação, mas que naqueles momentos de maior polarização ideológica e maniqueísmo político era mais complexo argumentar e defender. Por muito tirânico que fosse, o regime franquista não havia sido rejeitado pela autoridade eclesiástica competente, pelo que Escrivá, concluía ele mesmo, não tinha nada mais a dizer. Além disso, e ainda que este dado seja circunstancial nesta argumentação - porque não afeta a essência do problema mas os seus efeitos conjunturais - é um facto inegável que o trabalho dos tecnocratas pressupôs um aumento considerável do nível económico de Espanha, um crescimento das possibilidades de acesso á cultura e um aumento da (relativa) diversidade ideológica que tão providenciais se mostraram à hora da Transição democrática espanhola da segunda metade dos anos setenta. Isto foi unanimemente reconhecido por todos os estudiosos do período, que acentuam o caráter exemplar da transição democrática espanhola como uma reforma sem degenerar em revolução, ao mesmo tempo que salientam como foi benéfico para o milagre espanhol o crescimento económico, a favorável conjuntura internacional e a oportuna exploração do turismo [100].

Os especialistas também reconheceram que não se podem unir as duas etiquetas, Opus Dei e tecnocracia : «atribuir a mudança da política económica à influência exclusiva do Opus Dei é um erro grave» [101]. Seja como for, Escrivá seguiu com a sua norma de não interferir na orientação política ou ideológica dos membros do Opus Dei, mesmo que isso lhe trouxesse abundantes dores de cabeça. Naqueles anos, chegou a comentar a um dos diretores regionais do Opus Dei em Espanha: «tirar-me-iam muitos problemas se esses teus irmãos não fossem ministros, mas se eu insinuasse isso não respeitaria a sua liberdade e destruiria a Obra» [102].

A verdade é que a campanha surgida desde 1957 em Espanha contra o Opus Dei e a sua presença na vida pública, confinada até então às fronteiras peninsulares, se estendeu por todo o mundo a partir de 1964, incitada pelo interesse demonstrado por influentes semanários internacionais. A grande narrativa do Opus Dei como uma força política ao serviço do falangismo (por muito inverosímil que fosse para quem tivesse um mínimo conhecimento dos acontecimentos surgidos poucos anos antes em Espanha, com a hostilidade da Falange para com o Opus Dei, e o posterior confronto entre falangistas e tradicionalistas) expandiu-se tão rapidamente entre os países democratas liberais, em meu entender, por três motivos. Em primeiro lugar, porque nesses países identificava-se, sem matizes, o regime franquista com os clássicos regimes fascistas italianos e alemães, o que supõe um erro notável do ponto de vista estritamente histórico e, naturalmente, da história intelectual e das ideologias. Em segundo lugar, porque apoiar o fascismo significava dar asas às forças que tinham sido vencidas, décadas atrás, pelos aliados e a quem haviam tido que pagar um altíssimo preço material e humano por isso. Em terceiro lugar, porque no mundo polarizado da guerra fria, não havia lugar para uma terceira força diferente da democracia liberal ou do comunismo.

Apogeu, globalização e crise da grande narrativa (1967-1977)

O debate gerado à volta dos tecnocratas foi-se apaziguando à medida que avançavam os anos sessenta, nos quais a Espanha se viu envolta progressivamente no franquismo tardio e o contexto ia mudando sensivelmente: se os tecnocratas se tinham aproveitado, em finais dos anos cinquenta do desvanecimento dos debates essencialistas entre tradicionalistas e falangistas, nos finais dos anos sessenta eles mesmos se viram deslocados do centro nevrálgico da cena política pelos novos movimentos ideológicos e sociais, que se apresentaram como alternativa a um regime que definhava, como por exemplo, o socialismo, o comunismo, o sindicalismo e os movimentos nacionalistas catalão e vasco. Os que lideraram esses movimentos de contestação ao franquismo começaram a partir de então a dominar os foros intelectuais e as lutas pelo poder, embora ainda desde fora, e foram eles que protagonizaram um pouco mais tarde a transição espanhola de meados dos anos setenta.

Não obstante, a grande narrativa do Opus Dei, como uma força política e económica, mais do que uma instituição com fins espirituais, voltou a reanimar-se depois da publicação dos livros de Daniel Artigues ( El Opus Dei en España , 1968) e Jesus Ynfante ( La prodigiosa aventura del Opus Dei , 1970). O primeiro deles é uma difamação contra o Opus Dei que teve uma notória influência em Espanha e França, cujo autor assinou como Daniel Artigues, na realidade pseudónimo de Jean Bécarud. Como o seu próprio autor reconheceu mais tarde na sua autobiografia intelectual, o livro foi escrito sem falar com nenhum membro do Opus Dei e as suas principais fontes foram ex-membros e críticos da instituição. Bécarud reconheceu trinta anos depois que evitou, «talvez equivocadamente» estabelecer contacto com representantes do Opus Dei e, finalmente, conclui:

De qualquer modo, ao escrever em 1999, tenho que insistir no facto de que o Opus Dei já não é na atualidade o que era por volta de 1970, e que agora me inibiria de emitir a seu respeito o menor juízo moral […]. Um segundo erro, e fundamental, procede da intenção de estabelecer uma relação entre o Opus Dei e a Institución Libre de Enseñanza, que tive sempre em mente [103].

É oportuno questionar-se se era o Opus Dei que tinha mudado entre 1970 e1999 ou antes o contexto. Como anota o próprio Bécarud, o Opus Dei ficou muitas vezes aprisionado entre outras instituições espanholas daquele período, que nada tinham a ver com a sua identidade – Institución Libre de Enseñanza, ordens religiosas, partidos democratas-cristãos, associações político-religiosas –, que curiosamente eram sempre tomados como pontos de comparação e analogia. Em todo o caso, é evidente que estes dois livros, incitados pelo ambiente peculiar do franquismo tardio e pelo interesse económico das suas editoras, tiveram uma ampla difusão tanto em Espanha como no mundo francês e anglo-saxónico.

Pouco tempo depois, em fevereiro de 1972, o influente semanário britânico The Economist publicava num dos seus números monográficos sobre política internacional, uma extensa reportagem sobre Espanha, intitulada « Entre Passado e Futuro » [104]. A reportagem sustentava que a chave da estabilidade de Franco podia resumir-se em que não se havia comprometido totalmente com nenhuma das forças políticas que o tinham seguido na Revolta de 1936: militares, carlistas, falangistas, democratas-cristãos e monárquicos:

O segredo da sobrevivência do General Franco durante os 33 anos após a guerra civil, foi o de que ele nunca permitiu que uma fação se tornasse demasiado forte […]. Hoje, uma nova força atingiu ascendência política em Espanha. Muitos dos alinhados com ela são demasiado novos para se lembrar da guerra civil. Alguns chamam-nos simplesmente tecnocratas; para outros, eles são os militantes disciplinados do Opus Dei [105].

Quando a evolução da política espanhola estava a tomar já outros caminhos, o semanário argumentava que os tecnocratas haviam chegado exatamente no momento em que parecia que as outras forças do Movimento tinham perdido a sua oportunidade. Isto contribuiu, segundo a tese defendida pelo semanário britânico, para que os tecnocratas fossem os encarregados de ocupar esse vazio de poder. Desde o ponto de vista mediático, era eficaz identificar um grupo que amparasse sociologicamente todos os tecnocratas . Apareceu então o Opus Dei, que não tinha nenhum interesse em meter-se no vespeiro das famílias franquistas , mas que foi introduzido à força pelo semanário britânico, que fazia eco da problemática surgida na Espanha de 1957 com a entrada dos ministros do Opus Dei no governo.

The Economist não fez mais que recolher este estado de coisas e sintetizar, num artigo subtil, essa grande narrativa e divulgá-la por todo o mundo. Cinco anos mais tarde, no seguinte número monográfico, dedicado a Espanha - «A Nova Espanha», The Economist , 2 de abril de 1977 - a grande narrativa , criada por eles mesmos, estava consolidada. No artigo havia escassas referências ao Opus Dei, mas, o que é mais importante, dava-se como adquirido alguns desses mitos como se fossem realidades. De Laureano López Rodó afirmava-se tranquilamente que era o líder membro de uma ordem laica secreta: «a leading member of the wealthy and secretive lay order», p. 18). Contudo, é evidente que o Opus Dei não assumiu o protagonismo que se lhe havia dedicado no número monográfico de 1972. O mito continuava de pé, ainda que tivesse diminuído em intensidade. A saída dos últimos ministros do Opus Dei, com a remodelação do governo no início de 1974, após o assassinato do Almirante Carrero Blanco, fez atenuar logicamente o protagonismo mediático que a instituição havia tido até esse momento, muito a seu pesar.

Nesse mesmo artigo de 1977, fazia-se referência também a uma ideia que, com o tempo, teria um certo eco na opinião pública, mas que, contudo, não acabaria por constituir uma verdadeira grande narrativa . Para alguns observadores, o Opus Dei era considerado como um novo tipo de calvinismo católico , que exaltava a importância do trabalho quotidiano e que tinha levado os seus membros a serem suficientemente racionais e competentes para dirigir a economia espanhola. Desta pequena narrativa far-se-ia eco, bastantes anos depois, Joan Estruch, na sua tese de doutoramento sobre o Opus Dei, publicada em 1994, e deu lugar a um afastamento da grande narrativa que considerava o Opus Dei como uma força onde convergem as etiquetas conservadoras e modernizantes – na linha das teorias sociológicas gerais sobre a modernização e a sua relação com a religião e os processos de secularização [106]. A aparição da ideia de modernização está obviamente relacionada com o que a poucos observadores escapa a colaboração objetiva de alguns membros do Opus Dei (Ullastres, López Rodó, López Bravo) para a modernização económica e política de Espanha, assim como a colaboração de outros (Amadeo de Fuenmayor) para a sua modernização religiosa, através da lei de liberdade religiosa.

Em todo o caso, segundo a grande narrativa dos tecnocratas , o espírito fascista do regime franquista teria impregnado o Opus Dei, dotando-o de uma tendência conservadora na política e integrista na doutrina, que já não abandonaria no futuro. Ainda hoje, podemos apreciar a vigência desta narrativa nalguns dos meios de informação mais influentes [107]. Mas, de facto, ninguém pode documentar hoje em dia um alinhamento de Escrivá com um ou outro campo. John Allen comenta subtilmente:

Nas décadas de 1930 e 1940, quando o sentimento dominante na Espanha católica era pró-franquista, o silêncio de Escrivá interpretou-se frequentemente como o sinal de um liberalismo escondido; nas décadas de 1960 e 1970, quando a opinião dos católicos havia mudado, esse mesmo silêncio interpretou-se como uma máscara do conservadorismo pró-franquista [108].

Além disso, se o Opus Dei tivesse procurado o poder e a influência, os seus oito ministros nos trinta e seis anos do franquismo teriam aumentado ainda mais (no seu número e na sua capacidade de influência) durante a Transição, coisa que não sucedeu. O número de ministros diminuiu radicalmente a partir da remodelação do governo de Franco em janeiro de 1974, depois do assassinato de Carrero Blanco – o que também desmistificava a suposta hegemonia de López Rodó nos governos de Franco. Entre os membros do Opus Dei, só Antonio Fontán foi ministro de Administração Territorial entre 1979 e 1980, e Isabel Tocino e Federico Trillo em governos sob a presidência de José Maria Aznar (1996-2004).

Desde 1975 - com a morte de Franco e do próprio fundador do Opus Dei - até 1980, as coisas voltaram a entrar num certo período de normalidade, típico dos momentos de decadência de uma grande narrativa . Como fatores que contribuíram para esta decadência, sublinharia dois: por um lado, deixaram marca as declarações feitas pelo Opus Dei, pelo seu fundador, e pelos seus próprios membros, confirmando a sua liberdade em questões políticas e ideológicas; por outro, os próprios factos foram comprovando a falsidade da grande narrativa . Esta pôde e pode continuar sobrevivendo, mudando e adaptando-se, mas é evidente que já perdeu força.

Por um lado, foi aumentando a consciência por parte dos historiadores de que o trabalho dos tecnocratas era mais complexo do que o que se vinha dizendo, o que levou a introduzir o termo desenvolvimentistas às reflexões sobre a modernização de Espanha e a sua relação com a religião que realizaram sociólogos como José Casanova [109]. Por outro lado, ficou mais patente, com a passagem do tempo, o pluralismo que se dava entre membros do Opus Dei, e o facto de que alguns se opuseram ao regime, tal como anteriormente se especificou.

A própria evolução da conjuntura histórica, em concreto no franquismo tardio, contribuiu para a dissipação da grande narrativa . O atentado a Carrero Blanco teve como consequência o desaparecimento de López Rodó, o que pôs em evidência que era Carrero Blanco e não López Rodó quem tinha um acesso mais direto a Franco e, portanto, ao poder. Depois da morte de Franco, houve pessoas do Opus Dei que se manifestaram seguidoras do partido em que militou López Rodó (Alianza Popular), outras que se comprometeram com o projeto liderado por Adolfo Suárez (Unión do Centro Democrático), outros com os nacionalistas catalães ou vascos (Unión Democrática de Cataluña, Convergencia Democrática de Cataluña, Partido Nacionalista Vasco), e outros procuraram uma restauração antiquada da democracia cristã.

Também contribuiu decisivamente o facto do reconhecimento honesto de alguns autores sobre a superficialidade científica com que tinham procedido nas suas investigações (é muito conhecido o citado caso de Jean Bécarud) e, sobretudo, o facto de que um número cada vez maior de historiadores, baseados em fontes primárias, matizaram as suas afirmações ou publicaram monografias rigorosas. Assim, os historiadores e sociólogos que adotaram as obras de Artigues e de Ynfante como uma das suas principais fontes de informação e documentação (Juan José Linz, Raymond Carr, Guy Hermet e Paul Preston [110]), foram sendo substituídos, com a passagem do tempo, por autores melhor documentados a partir dos anos noventa, ampliando as suas fontes sobre o Opus Dei e reduzindo a tendência sensacionalista e apriorística que havia predominado em anos anteriores. A lista começa a ser já conhecida: Carolyn P. Boyd (1997), Vicente Cárcel Órtí (1997), Stanley G. Payne (1997), José Andrés-Gallego e Antón Pazos (1998). Javier Tusell (1998), Gonzalo Redondo (1999, 2005, 2009), Willam J. Callahan (2000), Mercedes Cabrera e Fernando Del Rey (2002), Santos Juliá (2004) [111]. Alguns destes novos trabalhos não são totalmente alheios à grande narrativa do Opus Dei, mas naturalmente as suas análises mais documentadas e menos apaixonadas representam um passo em frente na prevalência do rigorosamente histórico sobre a mitificação ou o meta-realista.

Conclusões

Desde a fundação do Opus Dei (1928) até finais do franquismo podem distinguir-se diferentes momentos na evolução da grande narrativa : desde a consideração do Opus Dei como uma perigosa novidade e inclusive uma heresia no seio do catolicismo posterior à Guerra Civil, até à sua apresentação como uma organização conservadora com ambições políticas e económicas na Espanha fortemente ideologizada do franquismo e nos ambientes ocidentais marcados pela guerra fria e pela revolução de maio de 68 . Neste estudo, interessou sobretudo acentuar o caráter projetivo destas meta-narrativas à volta do Opus Dei, partindo do facto de que foram variando a par da paralela mutação do ambiente político, cultural e ideológico da sociedade ocidental e da própria situação da Igreja Católica. Ou seja, cada narrativa forjada à volta do Opus Dei reflete umas determinadas mentalidades, identificadas mais com os valores projetados pela sociedade nesse momento do que com a própria natureza da instituição.

Como resultado, o mito do Opus Dei modificou-se, consolidou-se e evoluiu ao longo do tempo como uma realidade sujeita a modificações, adaptada às variações das épocas e das mentalidades e como resposta às necessidades dos paradigmas gerados pela sociedade ocidental durante a segunda metade do século XX [112]. A primeira vaga responde aos receios duma sociedade em que os religiosos e eclesiásticos gozavam de grande prestígio, e onde os leigos eram considerados apenas como elementos subordinados à hierarquia; portanto, percebia-se o Opus Dei, como uma ameaça da estabilidade na vida da Igreja, com a sua mensagem «revolucionária». Estes mal-entendidos, localizados inicialmente no âmbito clerical, foram aproveitados pela Falange, que se uniu aos ataques a partir da sua posição hegemónica na vida política e cultural da primeira Espanha franquista, de partido único. O momento auge desta fase da grande narrativa foi constituído pelos ataques recebidos por membros do Opus Dei que frequentavam as congregações marianas em Madrid e Barcelona (1940).

Nesses mesmos anos quarenta, o Opus Dei foi perseguido pela Falange, que o considerava como um concorrente na dura luta pela repartição dos centros do poder no primeiro período do franquismo, apesar da pequena dimensão que ainda tinha a instituição e das suas atividades estarem restringidas ao campo espiritual. Esta presunção concretizou-se na acusação de «assalto» às cátedras universitárias por parte do Opus Dei. Este receio projetar-se-á no princípio dos anos cinquenta, quando alguns membros do Opus Dei (particularmente, Rafael Calvo Serer), começaram a ter uma maior presença pública.

A partir dos anos sessenta, os ataques deixaram de proceder da direita (se enquadramos a Falange Espanhola nesta categoria) e começaram a proceder significativamente da esquerda. O Opus Dei passou a ser considerado uma invenção franquista, que pretendia alargar a vida do desfalecido regime graças à eficaz política económica dos tecnocratas. O Opus Dei tinha conquistado o poder político, aproveitando a decadência de sectores ideológicos como a Falange ou os Propagandistas, que, anteriormente, tinham concentrado todo o poder. O mito estendeu-se de modo acrítico a alguns ambientes eclesiásticos, que começaram a considerar o Opus Dei como uma organização conservadora, integrista e reacionária, receosa das reformas do Concílio Vaticano II (1962-1965). Esta segunda vaga abarcou, pois, desde as críticas aos tecnocratas por parte de falangistas e outras famílias franquistas, até à atitude adversa de alguns eclesiásticos no contexto das tensões que conheceu o período pós-conciliar. A partir de 1975, com a morte de Franco e a consolidação da democracia em Espanha, assim como com a cada vez mais ampla expansão internacional do Opus Dei, a narrativa chegou ao seu fim, embora persistam, ainda hoje, anacrónicas consequências, fruto da inércia.

Ante tantas mutações da imagem do Opus Dei, é fácil questionar-se se é a própria instituição ou a sua imagem que se viram alteradas. Independentemente da evidência da continuidade histórica do Opus Dei como instituição, um dado surge com clareza: o Opus Dei repetiu as declarações, proclamando a orientação espiritual da sua atividade. Assim, o facto de que uma pessoa pertença ao Opus Dei, não é nem mais nem menos relevante para as suas decisões, que o de ser um cristão que deseja comportar-se de modo coerente com a sua fé. Portanto, numa história política ou ideológica é irrelevante, se não mesmo ambíguo, mencionar que uma determinada personagem pública pertence ao Opus Dei.

Chegados a este ponto, é preciso perguntar-se por alguns fatores que parecem repetir-se na história narrada neste artigo, desde as primeiras calúnias contra o Opus Dei em Madrid pós-guerra, até aos últimos momentos do final da época franquista. Em primeiro lugar, deve-se assinalar a capacidade de renovação, regeneração e mutação dos mitos à volta do Opus Dei. Para alguém que se aproxime desta realidade sem a ter vivido, este assunto transforma-se num campo de experimentação, protótipo das periódicas renovações que a memória histórica necessita para se retroalimentar. Considerando as críticas, muito diferentes, recebidas pelo Opus Dei nesse período (1940-1977), algumas das quais se apresentam totalmente opostas entre si, parece inverosímil que o seu objetivo tenha sido sempre a mesma instituição, e não diversas. As críticas aparecem assim totalmente irracionais, contrariando o princípio da não contradição : a mesma pessoa é falangista e perseguida pelos falangistas, herética e perseguida pelos inimigos da Igreja, renovadora e acusada de conservadorismo. O próprio Escrivá de Balaguer recorda que o rotularam de mação, « e também monárquico, antimonárquico, falangista, carlista, anticarlista ». Em plena guerra mundial «as mesmas pessoas – ou outras incitadas por elas – iam às embaixadas dos Aliados, dizer que eu era germanófilo; e às representações da Alemanhae de Itália dizer que era anglófilo» [113].

Ao mesmo tempo, e talvez menos paradoxalmente do que parece, essa mesma variedade enraizada das críticas é compatível com a mútua retroalimentação das diversas grandes narrativas . Umas palavras do fundador do Opus Dei, que sofreu em primeira pessoa tanta variedade de críticas, são bem eloquentes desta realidade:

Naqueles primeiros momentos fortes, que não são fáceis de descrever, porque puseram muitas almas contra o Opus Dei e contra mim, dizia aos vossos irmãos, que tinha próximo: meus filhos, o mal não é esta campanha de agora, o mal será que depois repetirão o mesmo os fanáticos e os inimigos da Igreja, reforçando as suas calúnias com o falso testemunho destes santos varões. E, efetivamente, assim sucede. Todas as falsidades contra a Obra que agora se difundem, não são novas: são francamente velhas, são as inventadas então, há tantos anos [114].

O que está em jogo na desaparição desta grande narrativa , ou na sua substituição por uma interpretação com base histórica, é o reconhecimento da finalidade apostólica do Opus Dei e a consequente liberdade política e profissional dos seus membros. Existe uma notória contradição entre a realidade da atividade do Opus Dei, de alcance internacional, estendida a pessoas de todas as condições sociais, e materializada em inumeráveis iniciativas de caráter educativo e assistencial, por um lado; e por outro, o facto de que as suas autoridades possam dar orientações sobre a política de um país concreto. A expansão por países de tão diversos contextos ideológicos e situações políticas, só é possível se os seus membros têm consciência da sua liberdade, e se as autoridades do Opus Dei a respeitam plenamente. A expansão do Opus Dei é, em suma, uma confirmação da honestidade das declarações do seu fundador e dos seus dirigentes no que toca à autonomia dos seus membros no campo da ação humana, seja esta política, económica, profissional ou cultural.

Jaume Aurell, Professor titular de História na Universidade de Navarra. Especialista em historiografia medieval e contemporânea, publicou: Els mercaders catalans al Quatre-Cents (1996) , La escritura de la memoria. De los positivismos a los posmodernismos (2005) e Authoring the Past. History, Autobiography and Politics in Medieval Catalonia (2012). Editou juntamente com Pablo Pérez , Católicos entre dos guerras, La historia religiosa de España en los años veinte y treinta (2005)e publicou alguns artigos sobre as relações entre autobiografia e historia nas revistas Annales, Biography, Viator, Rethinking History y Prose Studies.

Publicado em Studia et Documenta , vol. 6 – 2012, págs. 235-294.

[1] Sobre a natureza do Opus Dei há alguns estudos que considero imprescindíveis para quem queira entender esta realidade, muito além das deformações a que faço referência neste artigo. São, por esta ordem: Pedro Rodríguez – Fernando OCÁRIZ – José Luis ILLANES, O Opus Dei na Igreja. Introdução eclesiológica à vida e ao apostolado do Opus Dei, Lisboa , Rei dos Livros, 1994; Amadeo DE FUENMAYOR – Valentín GÓMEZ-IGLESIAS – José Luis ILLANES, El Itinerario Jurídico del Opus Dei: Historia y defensa de un carisma , Pamplona. Eunsa, 1989; Andrés VÁZQUEZDE PRADA, Josemaria Escrivá de Balaguer. Funda dor do Opus Dei , Lisboa, Editorial Verbo (3 vols. 2002, 2003, 2004); Josemaria Escrivá, Temas actuais do Cristianismo , Lisboa, Edições Prumo, 1973.

[2] É importante esclarecer que parto da definição de grande narrativa nasua aceção propriamente historiográfica, surgida nos ambiente pós-modernos, e que se desenvolveu com mais força a partir dos anos setenta do século passado. Deixo de lado, portanto, outros significados relacionados com outras disciplinas, particularmente a teológica.

[3] Jean François Lyotard, La condición postmoderna: informe sobre el saber , Madrid, Cátedra, 1984 (versão original francesa de Paris, Minuit, 1979).

[4] Para o conceito de memória coletiva , chave para a compreensão da formação das grandes narrativas, cf. os estudos clássicos de Maurice Halbwachs, On Collective Memory , Chicago, The University Press of Chicago, 1992 (1950) y Gérard Namer, Mèmoire et sociéte , París, Méridiens Klincksieck, 1987 .

[5] Cf. Marshall McLuhan, Understanding Media. The Extensions of Man , New York, McGraw-Hill, 1964, cap. I.

[6] Os forjadores do conceito de imaginário histórico foram sobretudo os historiadores da terceira geração dos Annales, historiadores vinculados à história das mentalidades, como Gerges Duby, Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie: cf. Jaume Aurell, La escritura de la memoria. De los positivismos a los postmodernismos , Valencia, PUV, 2005, pp. 97-105.

[7] Cf. José ÁLVAREZ JUNCO, Mater Dolorosa. La idea de España en el siglo XIX , Madrid, Santillana USA Pub., 2001; Ismael SAZ, España contra España. Los nacionalismos franquistas , Madrid, Marcial Pons, 2003; Santos JULIÁ, Historia de las dos Españas , Madrid, Taurus, 2004.

[8] Cf. Manuel PérezLedesma, Grandes narrativas sobre las dos Españas , «Revista de Libros» 100 (Abril 2005), p. 32.

[9] Cf. as notícias destes primeiros membros do Opus Dei que refere Andrés Vázquezde Prada, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei , vol. I, através do seu índice onomástico.

[10] A extensão do trabalho do Opus Dei às mulheres havia-se iniciado já no começo dos anos trinta, mas viu-se interrompido com a Guerra Civil. Em 1939 pertencia ao Opus Dei apenas uma mulher, Dolores Fisac, mas depressa se lhe juntaram outras. A este respeito, cf. também a obra citada de VÁZQUEZDE PRADA.

[11] Os Apontamentos íntimos são escritos de caráter autobiográfico que o próprio Josemaria Escrivá ia anotando nuns cadernos, que se conservaram na sua quase totalidade. Tratam tanto de questões da sua estrita vida interior como de aspetos do desenvolvimento da instituição que havia fundado em 2 de outubro de 1928. Em algumas épocas escreveu quase diariamente os acontecimentos que iam sucedendo, as suas reações diante deles e as suas experiências espirituais. Têm um notável valor como fonte documental, atendendo à proximidade cronológica entre o que se narra e o momento em que é narrado. Podem consultar-se bastantes dessas notas (ainda que algumas estejam incompletas e outras não datadas) em VÁZQUEZDE PRADA, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei , vol. I, especialmente págs. 310-322.

[12] Josemaria Escrivá, Apontamentos íntimos , nº 1240, 11 de março de 1935, citado em VÁZQUEZDE PRADA, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei , vol. I, p. 497.

[13] Sobre estas notícias, é referido Josemaria Escrivá numa carta do Bispo de Madrid, D. Leopoldo Eijo y Garay, ao abade coadjutor de Montserrat, Aurelio María Escarré, de 21 de Junho de 1941 (conservada no Arquivo Geral da Prelatura do Opus Dei [AGP], série A-5, 209-3-7).

[14] Sobre a Congregação Mariana de Madrid, cf. Carlos López Pego, La Congregación Mariana Universitária de Madrid, Madrid, Desclée de Brouwer, 1999.

[15] Cf. Josemaria Escrivá, Apontamentos íntimos , n. 1626, 15 de novembro de 1940, cit. em VÁZQUEZDE PRADA, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei , vol. II, p. 354.

[16] Cf. Carta de S. Josemaria a Leopoldo Eijo y Garay, 23 de abril de 1940, AGP, série A-3.4, 256-4.

[17] Carta de S. Josemaria a Miguel dos Santos Díaz Gómora, 15 de setembro de 1940, AGP, série A-3.4, 256-5.

[18] Em AGP conservam-se bastantes documentos que confirmam esta realidade: por exemplo, Documento de petição de residência de estudantes em Salamanca , de 18 de janeiro de 1945, com resposta positiva da Cancillería-Secretaría del Obispado de Salamanca, de 29 de janeiro de 1945, Registo AGP, L-3-3-5; Licença para abrir residência en Valladolid de 29 de janeiro de 1945, com resposta positiva de 5 de fevereiro de 1945, Registo AGP, L-3-3-7; Licença de residência e oratório semipúblico en Granada , de 2 de outubro de 1945: «Pedido: 1º.- A bênção e aprovação de V.E. para este trabalho de apostolado na Residencia de Estudantes. 2º. A concessão de Oratório semipúblico com Sacrário para a dita Residência», com resposta de 8 de outubro de 1945, Registo, AGP, L-3-3-13; Petición de apertura de oratório semipúblico en Barcelona , de 3 de maio de 1945, com resposta de 16 de maio de 1945, Registo em AGP, L-3-3-15. É de notar que em todas as petições os bispos respetivos respondem com celeridade, prova de que provavelmente já conheciam previamente o trabalho do Opus Dei e do seu fundador. Cf. também Benito BADRINAS, Josemaria Escrivá de Balaguer, sacerdote de la diócesis de Madrid , em «Cuadernos del Centro de Documentación y Estudios Josemaria Escrivá de Balaguer» III (1999), p. 47-76.

[19] É importante esclarecer que a questão da polémica sobre o Opus Dei e as congregações marianas se enquadra num debate mais geral entre organizações laicas e religiosas e o modo de organizar a vida da Igreja. Sobre este assunto, ver, por exemplo o capítulo La polémica entre la Acción Católica y las Congregaciones Marianas, em Gonzalo REDONDO, Política, cultura y sociedad en la España de Franco, Tomo I, La configuración del Estado español, nacional y católico (1939-1947), Pamplona, Eunsa, 1999, pp. 552-559

[20] Testemunho de Santiago Balcells Gorina, AGP, série A-5, 195-2-2, p.8-10.

[21] Cf. Alfonso BALCELLS, Memòria ingènua, Barcelona, La Formiga d’Or, 2005, p. 106-116. Para o contexto, cf. Frederic UDINA I MARTORELL, El Pare Vergés, S.L., Apòstol de la Joventut. La Congregació de la Immaculada , 1923-1953, Barcelona, F. Udina, 1995. Sobre o apostolado dos jesuitas com a juventude durante os primeiros tempos do franquismo, cf. Manuel REVUELTA GONZÁLEZ, En la España de Franco: desde el fin de la guerra hasta el Concilio (1940-1965) , em Teófanes EGIDO (coord.), Los jesuitas en España e en el mundo hispánico , Madrid, 2004.

[22] Testemunho de Rafael Escolà Gil, AGP, série A-5, 435-1-2, p. 10

[23] De uma nota anónima, recebida por Rufino Aldabalde Trecu, sacerdote vasco, que nela escreveu: «Entregue por um P. Jesuíta ao Superior de S. Filipe Neri em Barcelona, a 7 de maio de 1941», descrito em VÁZQUEZDE PRADA, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei , vol. II, p. 399, de 14 de maio de 1941, AGP, série A-3.4, 257-1.

[24] Pascual Galindo, era amigo de José Maria Albareda, e havia enviado para Madrid em 1937 as direções dos guias que poderiam ajudar na passagem dos Pirinéus, em plena Guerra Civil. Cf. VAZQUÉZ DE PRADA, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei , vol. II, p. 386, nota 76, que por sua vez remete para o testemunho de Laureano López Rodó, AGP, série A-5, 434-1-3, p. 5.

[25] Carta de S. Josemaria a Leopoldo Eijo Y Garay, 31 de maio de 1941, AGP, série A-3.4, 257-1.

[26] Cf. Testemunho de Manuel Botas Cuervo, AGP, série A-5, 197-1-6; Carlos LÓPEZPEGO, La Congregación de «Los Luises» de Madrid. Apuntes para la Historia de una Congregación Mariana Universitaria de Madri d, Madrid, Desclé de Brouwer, 1999. Cf. também o epistolario sobre Carrillo que refere Juan Maria LABOA, Papeles viejos, noticias nuevas, «XX Siglos» 56 (2006), p. 93-107.

[27] Cf. BALCELLS, Memòria , p. 106-108.

[28] Cf. Ibid . p. 116.

[29] Cf. especialmente UDINA I MARTORELL, El Pare Vergés .

[30] Testemunho de Florencio Sanchez-Bella, Servi Dei Iosephmariae Escrivá de Balaguer, Positio supra vita et virtutibus, Summarium ( adiante, Summarium) n. 7492.

[31] Testemunho de Amadeo de Fuenmayor, AGP, série A-5, 212-1-6, p.4.

[32] Testemunho de Javier de Ayala, Summarium, n. 7586.

[33] Sobre a natureza e alcance desta primeira aprovação jurídica, cf. DE FUENMAYOR – GÓMEZ-IGLESIAS – ILLANES. El itinerário jurídico , pp. 85-114.

[34] Sobre o contexto desta época, cf. especialmente Gonzalo REDONDO, Política, cultura y sociedad ; Alvaro FERRARY, El franquismo: minorías políticas y conflitos ideológicos (1936-1956). Pamplona, Eunsa, 1993; Ricardo CHUECA, El fascismo en los comienzos del régimen de Franco. Un estudio sobre la F.E.T. de las J.O.N.S ., Madrid, Centro d e Investigaciones Sociológicas, 1983.

[35] Testemunho de Alfonso Balcells Gorina, AGP, serie A-5, 195-2-1, p.8; cf. BALCELLS, Memòria, pp. 105-144.

[36] Carta de Aurelio Maria Escarré a Leopoldo Eijo y Garay, 1 de novembro de 1941, cópia conservada em AGP, série A-5, 209-3-7.

[37] Carta de Leopoldo Eijo y Garay a Alfonso Balcells Gorina, 2 de junho de 1941, AGP, série A-5, 209, 2-1.

[38] Testemunho de Luís López Ortiz, magistrado do Supremo Tribunal, jubilado em 16 de janeiro de 1976, AGP, série A-5, 222-3-10.

[39]Nota de S. Josemaria, 19 de dezembro de 1941, AGP, série A-1, 15-2-19, cit. em VAZQUEZ DE PRADA, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei , vol. II, págs. 413-414.

[40] Relação elaborada por S. Josemaria sobre uma conversa com Maria Teresa Llopis, 19 de dezembro de 1941. AGP, serie A-1, 15-2-19.

[41] A Informação, datada de Madrid, 16 de janeiro de 1942, encontra-se publicada parcialmente por José Luís RODRÍGUEZ JIMÉNEZ, Historia de la Falange Española de las JONS, Madrid, Alianza, 2000, pp. 420-423.

[42] Testemunho de Eduardo Alastrué, AGP, série A-5, 191-2-2, p.22.

[43] Cf. Stanley G. PAYNE, Fascism in Spain , 1923-1977, Madison, University of Wisconsin Press, 1999, pp. 239-398. Cf. também Jordi GARCÍA GARCÍA, La resistencia silenciosa. Fascismo y cultura en España, Barcelona, Anagrama2004; Ismael SAZ CAMPOS, Fascismo y franquismo, Valencia, Universidade de Valencia, 2004; Sheelagh ELLWOOD, Prietas las filas, Historia de la Falange Española , 1933-1983, Barcelona, 1984.

[44] Carta de S. Josemaria a Leopoldo Eijo y Garay, 17 de fevereiro de 1943, AGP, série A-3.4, 257-5.

[45] Narração de José Maria Casa Torres sobre a visita à Residência de Diego de León de um agente do Serviço de Informação da Delegação da Falange, Madrid, 6 de fevereiro de 1943, AGP, série A-5, 202-3-(2).

[46] Cf. DE FUENMAYOR – GÓMEZ-IGLESIAS – ILLANES, El itinerário jurídico, especialmente o capítulo El Opus Dei, Instituto Secular, pp. 145-194.

[47] Carta de S. Josemaria, 29 de setembro de 1947 /14 de fevereiro de 1966, nn. 3 e 18, AGP, serie A-3, 93. Trata-se de uma extensa carta que o autor preferiu que ficasse inédita.

[48] Para um estudo em pormenor da universidade espanhola do pós-guerra cf. Gonzalo PASAMAR, Historiografia y ideologia en la posguerra española. La ruptura de la tradición liberal , Zaragoza, Universidade de Zaragoza, 1991, que está bem documentada, mas não concordo com as suas posições maniqueístas; Carolina RODRIGUEZ LÓPEZ, La Universidad de Madrid en el primer franquismo, ruptura y continuidad (1939-1951) , Madrid, Dykinson, 2002; José Ramón CRUZ MUNDET, Archivos universitarios e historia de las universidades. Madrid, Dykinson, 2003; para os aspetos legislativos e institucionais, cf. Manuel MARTINEZ NEIRA – José Maria PUYOL MONTERO e Carolina RODRÍGUEZ LÓPEZ, La universidad española 1889-1939. Repertorio de legislación , Madrid, Dykinson, 2004; sobre a depuração intelectual no primeiro franquismo, cf. Patricia ZAMBRANA – Elena MARTINEZ BARRIOS, Depuración política universitaria en el primer franquismo, Málaga, Publicaciones de la cátedra de Historia del Derecho y de las Instituciones de la Universidad de Málaga , 200l; e, mais indiretamente, Julián CASANOVA (ed.) Morir, matar, sobrevivir. La violencia en la dictadura de Franco, Barcelona, Crítica, 2004. Sobre o exilio dos intelectuais, José Luis ABELLÁN (ed.), El exilio cultural de la Guerra Civil, 1936-1939. IV, 60 años después, Salamanca, Universidad de Salamanca, 2001; sobre o ensino na primeira universidade franquista, Maria Ángeles SOTÉS, Universidad franquista: debate sobre la libertad de enseñanza (1939-1962 ), Pamplona, Eunsa, 2004; sobre a oposição ao franquismo desde a universidade, cf. José ÁLVAREZ COBELAS, Envenenados de cuerpo y alma. La oposición universitaria al franquismo en Madrid, 1939-1970, Madrid, Siglo XXI de España, 2004; Jordi GARCÍA GARCÍA, La resistencia silenciosa. Fascismo y cultura en España, Barcelona, Anagrama, 2004.

[49] Sobre o tema das cátedras del Opus Dei , cf. Onésimo DÍAZ FERNÁNDEZ, Rafael Calvo Serer y el grupo “Arbor” , Valencia, Universitat de València, 2008, pp. 358-359, com abundantes referências documentais e bibliográficas que tomo como base para os comentários do texto.

[50] José ORLANDIS , Años de juventud en el Opus Dei, Madrid, Rialp, 1993, p. 182.

[51] DÍAZ, Rafael Calvo Serer , p. 359.

[52] Sobre a questão dos intelectuais do pós-guerra e a luta pelo domínio da universidade, cf. JULIÁ, História, pp.355-408 (do cap. 9: «intolerantes e compreensivos: intelectuais como donos da memória e políticos da cultura»). Ali se põe em evidência que todos os intelectuais católicos vieram da universidade como uma plataforma insuperável, para recuperar Espanha da sua Guerra Civil e recuperar o seu genuíno catolicismo, algo que era visto não só como uma tarefa propriamente espiritual mas também patriótica. Juliá salienta que neste trabalho de recuperação dificilmente se pode falar dum grupo e que entre os próprios membros do Opus Dei comprometidos com esta empresa não havia necessariamente unanimidade à hora de escolher os procedimentos adequados para a recristianização de Espanha.

[53] Josep Maria MUÑOZ I LLORET, Jaume Vicens i Vives, Una biografia intelectual, Barcelona, Edicions 62, 1994, pp. 32-38.

[54] Ángel SESMA, El discreto magistério de Don José Maria Lacarra, «Revista de Historia, Jerónimo Zurita» 73 (1998), pp. 69-87.

[55] Ignacio PEIRÓ – Gonzalo PASAMAR, Diccionario de Historiadores españoles contemporâneos, Madrid, Akal, 2002, pp. 251-252.

[56] José Manuel PÉREZ PRENDES, Luis García de Valdeavellano , Marco e notas para una biografía intelectual, «Revista de Historia, Jerónimo Zurita» 73 (1998), pp. 252-282).

[57] PEIRÓ – PASAMAR, Diccionario de Historiadores , pp. 257-258.

[58] Um maior detalhe do que se expõe neste parágrafo em Jaume AURELL, Le médiévisme espagnol au XX siècle. De l’ísolationnisme à la modernisation, «Cahiers de civilisation médiévale»: X-XII siècles, 48 (2005), pp. 201-218.

[59] Fernando FERNÁNDEZ (ed.), El espíritu de la Rábida, Madrid, Unión Editorial, 1995.

[60] A figura mais significativa nesta linha talvez seja Alberto Martín Artajo, membro da Asociación Católica de Propagandistas e presidente em 1940 da Ação Católica Espanhola, que ocupou o Ministerio de Asuntos Exteriores desde 1945 a 1957.

[61] A bibliografia para este tema é vasta. Baseio-me aqui sobretudo nas pormenorizadas anotações de Gonzalo REDONDO, Política, cultura y sociedad en la España de Franco, 1939-1975. Tomo II/2. Los intentos de las minorías dirigentes de modernizar el Estado tradicional español, Pamplona, Eunsa, 2009 (parte III): La lucha por el control político del estado español 1951-1956); no trabalho documentado de DÍAZ, Rafael Calvo Serer, nos comentários de JULIÁ, Historia , pp. 355-407. Não partilho com este último a sua tendência a agrupar os membros do Opus Dei num mesmo grupo, fação ou família política (é exatamente a interpretação contrária ao que defendo no meu artigo), mas parece-me acertada a sua tendência a basear-se em documentação de primeira mão, particularmente nos artigos publicados pelos protagonistas em revistas e periódicos da época.

[62] Naqueles anos, um dos componentes do primeiro grupo denominou estas duas fações tolerantes (falangistas) e intolerantes (tradicionalistas), na medida em que acolheram ou não posições do pensamento dominante da Europa naquela época, cf. Dionísio RIDRUEJO, Excluyentes y comprensivos (17 de abril de 1952), recolhidoem ID., Casi unas memorias , Barcelona, Planeta, 1976, pp. 301-303.

[63] Para este tema, cf. JULIÁ, Historia p. 358.

[64] PEIRÓ – PASAMAR, Diccionario de Historiadores , voz Rafael Calvo Serer , pp. 150-152.

[65] A amizade de Vicens com Calvo e Pérez Embid está bem documentada em MUÑOZI LLORET, Jaume Vicens i Vives , pp. 174-175, e em Jaume SOBREQUÉS, Història d’una amistat . Epistolari de Jaume Vicens i Vives i Santiago Sobrequés i Vidal (1929-1960), Barcelona, Vicens Vives, 2000, pp. 612-619.

[66] Rafael Calvo Serer, La politique intérieure dans l’Espagne de Franco, «Écrits de Paris», setembro de 1953, pp. 9-18. Sobre as notáveis repercussões deste artigo na vida pública espanhola e no próprio itinerário de Calvo Serer, cf. especialmente DÍAZ, Rafael Calvo Serer , 529-578. O artigo foi aproveitado de modo anacrónico, anos depois da sua publicação, por um dos adversários do Opus Dei para aprofundar na tese da instituição como grupo de pressão: Daniel ARTIGUES, El Opus Dei en España , Paris, Ruedo Ibérico, 1971, pp. 164-173.

[67] RIDRUEJO, Casi unas memorias, p. 302 (transcrição do artigo original de 1952).

[68] Neste ponto é onde me afasto mais da tese de Santos Juliá, que traça uma continuidade entre os intolerantes (excluyentes) e os tecnocratas (como se houvesse uma misteriosa continuidade entre Calvo Serer e López Rodó, que ele atribui ao facto de os dois serem membros Opus Dei, mas que evidentemente, como procurarei explicar, não existe) e uma transição dos abrangentes (comprensivos) aos democratas ( algo que tem mais sentido e que ele justifica mais propriamente): JULIÁ, Historia , pp. 391-403.

[69] Cf. por exemplo, The Observer , 3 de março de 1957; Daily Express, 12 de março de 1957; Daily Telegraph, 1 de maio de 1957. Esta denominação também passou para a imprensa francesa, como Le Monde .

[70] Sobre esta declaração pública da Secretaria Geral do Opus Dei em Espanha e o seu contexto cf. José ANDRÉS-GALLEGO – Antón M. PAZOS – LUÍSDE LLERA, Los españoles entre la religión y la política. El franquismo y la democracia , Madrid, Unión Editorial, 1996, p. 136.

[71] Comunicado da Secretaria Geral do Opus Dei, Roma, 17 de junho de 1962, cit. em VÁZQUEZDE PRADA, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei , vol. III, p. 417, nota 184.

[72] Carta de S. Josemaria a Florencio Sánchez Bella, então conselheiro do Opus Dei em Espanha, 9 de outubro de 1965, cópia em AGP, série A-3,4, 283-2.

[73] Carta de S. Josemaria a Francisco Javier de Borbón-Parma, 23 de maio de 1964, cópia em AGP, série A-3.4, 280-4.

[74] Cf. a transcrição da carta de 26 de outubro de 1966 em AGP, série A, 3-4, 285-4, e as reações posteriores em VÁZQUEZDE PRADA, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei, vol. III, pp. 429-430; a ela faz referência também Payne, Fascism , p. 442.

[75] La Croix , 26 de abril de 1966 e campanhas organizadas por Le Nouvel Observateur, Le Canard Enchaîné , y Le Monde . Cf. VÁZQUEZDE PRADA, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei, vol. III, p. 427, nota 211.

[76] Josemaria Escrivá, Temas Actuais do Cristianismo , n. 38. Entrevista de 16 de maio de 1966.

[77] Ibid., n. 28. Entrevista de 15 de abril de 1967.

[78] Stanley G. PAYNE, El régimen de Franco , Madrid, Biografías Espasa, 1992; Ángel BAHA MONDE – Javier CERVERA, Así terminó la guerra de España , Madrid, Marcial Pons, 1999; Javier TUSEL, Franco y los católicos. La política interior española entre 1945 y 1957 , Madrid, Alianza, 1984; Manuel VALDÉS LARRAÑAGA, De la Falange al Movimiento (1936-1952) , Madrid, Fundación Francisco Franco, 1994; Ricardo L. CHUECA, El fascismo en los comienzos del régimen de Franco: un estudio sobre FET-JONS, Madrid, CIS, 1983.

[79] Cf. Laureano LÓPEZ RODÓ, Memorias , Barcelona, BPR, 1990, p. 96.

[80] Sobre a tradição da democracia cristã em Espanha e especialmente a sua incidência nos anos trinta, cf. Javier TUSELL, Historia de la Democracia Cristiana en España , Madrid, Sarpe, 1986, 2 vols.

[81] Uma boa síntese sobre o tema dos tecnocratas e a sua incorreta identificação com o Opus Dei, em Antonio ARGANDOÑA, El papel de los «tecnócratas» en la política y en la economía española, 1957-1964 , em Paulino CASTAÑEDA – Manuel J.COCIÑA (coords.), Iglesia y poder político, Actas del VII Simposio de Historia de la Iglesia en España y América, Córdoba, Cajasur, 1997, pp. 221-235.

[82] Cf. a documentada monografía de Manuel-Jesús GONZÁLEZ, La economía política del franquismo (1940-1970), Dirigismo, mercado y planificación, Madrid, Tecnos, 1979, especialmente pp. 21-35.

[83] Com efeito, tanto os últimos protagonistas políticos que não eram do Opus Dei (cf. por exemplo, Gonzalo FERNÁNDEZDE LA MORA, Río arriba , Barcelona, Planeta, 1995, pp. 250-251), como os estudiosos do tema consideram irrelevante e falacioso a identificação dos tecnocratas com o Opus Dei, cf. ARGANDOÑA, El papel de los «tecnócratas» , pp. 221-235, John F. COVERDALE, The political Transformation of Spain after Franco. New York, Praeger, 1977, p. 15; Brian CROZIER, Franco. Historia y biografía , Madrid, Magisterio Español, 1969, vol. 2, pp. 245-246; Rafael GÓMEZ PÉREZ, Política y religión en el régimen de Franco , Barcelona, Dopesa, 1976, p. 262; Manuel Jesús GONZÁLEZ, La economía política del franquismo ,(1940-1970), Madrid, Tecnos, 1979, p. 26; George HILLS, Franco . El hombre y su nación , Madrid, San Martín, 1968, p. 463; JULIÁ, Historia , p. 390; Stanley G. PAYNE, El catolicismo español , Barcelona, Planeta, 1984, p. 240; Javier TUSELL, Carrero. La eminencia gris del régimen de Franco , Barcelona, Planeta, 1993, pp. 232-234.

[84] Raymond CARR - Juan Pablo FUSI, España, de la dictadura  a la democracia, Barcelona, Planeta, 1979, pp. 73-85.

[85] Esta é pelo menos a versão de LÓPEZ RODÓ, Memorias , pp. 96-99. Sobre a crise da Falange, cf. Stanley G. PAYNE, Franco y José Antonio , El extraño caso del fascismo español. Historia de Falange y del Movimiento Nacional , Barcelona, Planeta, 1997.

[86] Uma documentada monografía sobre a historia dos Propagandistas em Mercedes MONTERO, Historia da ACN de P , Pamplona, Eunsa, 1993, 2 vols.

[87] JULIÁ, Historia pp. 366-367.

[88] LÓPEZ RODÓ, Memorias , pp. 89-96.

[89] Cf., por exemplo, Maurice AGULHON, Forme di sociabilitá nella storiografia francese contemporanea, Milano, Feltrinelli, 1982.

[90] Paul PRESTON, Franco, caudillo de España , Madrid, Grijalbo, 1994, p. 863.

[91] LOPEZ RODÓ, Memorias, p. 99.

[92] ANDRÉS-GALLEGO – PAZOS – DE LLERA, Los españoles , p. 138. Para este contexto são úteis TUSELL, Franco; ID,. Historia de la Democracia.

[93] Jean BÉCARUD, El itinerario de un hispanista en época de Franco, «Boletín de la Institución Libre de Enseñanza» 39 (Octubre 2000), pp. 39-61; a citação é da p. 55.

[94] Carlos BARRERA DEL BARRIO, El diario “Madrid”, realidad y símbolo de una época , Pamplona, Eunsa, 1995.

[95] Sobre este episódio, portada da época tardia do franquismo, Joan CREXELL, La caputxinada, Barcelona, Ediciones 62, 1987; para o contexto, Pere YSÀS, Disidencia y subversión, La lucha del franquismo por su supervivencia (1960-1975). Madrid, Crítica, 2004; Javier TUSELL, La oposición democrática al franquismo, Barcelona, Planeta, 1977. Desde logo, havia precedentes da oposição no mundo universitário espanhol ao regime franquista: cf. PabloLIZCANO , La generación del 56. La universidad contra Franco, Barcelona, Grijalbo, 1981.

[96] Manuel PÉREZ LEDESMA, Grandes relatos sobre las dos Españas, «Revista de Libros» 100 (Abril 2005), p. 37, assim como a mencionada citação de Paul PRESTON, Franco, p. 863.

[97] ARGANDOÑA, El papel de los tecnócratas , p. 232.

[98] Cf., por exemplo, Francisco J. CASPISTEGUI – John K. WALTON (eds.), Guerras danzadas. Fútbol e identidades locales y regionales en Europa, Pamplona, Ediciones Universidad de Navarra, 2001.

[99] Sobre este assunto, cf. as reflexões testemunhais de Julián HERRANZ, En las afueras de Jericó. Recuerdos de los años com san Josemaria y Juan Paulo II , Madrid, Rialp, 2007, pp. 234-245.

[100] Uma síntese do milagre económico espanhol em Gabriel TORTELLA, El desarrollo de la España contemporánea. Historia económica de los siglos XIX y XX , Madrid, Alianza, 1994; sobre a transição democrática como modelo, a bibliografia começa a ser imensa. Cf., por exemplo, Javier TUSELL – Alvaro SOTO, Historia de la Transición, 1975 -1986 , Madrid, Alianza, 1989.

[101] GONZÁLEZ, La economía política, p. 29.

[102] Testemunho de César Ortiz Echague, Servi Dei Iosephmariae Escrivá de Balaguer, Positio supra vita et virtutibus, Summarium, n. 6845, também ESCRIVÁ DE BALAGUER, Temas Actuais do Cristianismo , nn. 38 e 48.

[103] BÉCARUD, El itinerario de un hispanista , pp. 39-61; as citações são da p. 55 - «quizás equivocadamente…» -, e p. 56.

[104] The Economist , 19 de fevereiro de 1972, “A Survey of Spain”.

[105] Ibid., p. 7.

[106] Joan ESTRUCH, Santos y pillos: el Opus Dei y su s paradojas. Barcelona, Herder, 1994.

[107] A tese da vigência desta narrativa está argumentada e documentada em John L. ALLEN Jr., Opus Dei, Alêtheia Editores, 2005.

[108] Ibid ..

[109] José CASANOVA, Religiones públicas en el mundo moderno . Madrid, PPC, 2000.

[110] Juan José LINZ, Opposition In and Under an Auth oritarian Regime : the Case of Spain, em R.A.DAHL, (ed.), Regimes and Oppositions , New Haven, Yale University Press, 1973, pp. 171-259; Raymond CARR – Juan Pablo FUSI, De la dictadura a la democracia , Barcelona, Planeta, 1979. Guy HERMET, Les catholiques dans l’Espagne franquiste , París, Les Presses de Sciences, Po, 1980; PRESTON, Franco .

[111] Carolyn P. BOYD, Historia Patria. Politics, History and National Identity in Spain (1875-1975 ), Princeton, Princeton University, 1997; Vicente CÁRCEL ORTÍ, Pablo VI y España. Fidelidad, renovación y crisis (1963-1978) , Madrid, BAC, 1997; Stanley G. PAYNE, El primer franquismo, 1939-1959 . Los anos de autarquía . Madrid, Historia 16, 1997; José ANDRÉS-GALLEGO – Antón PAZOS, Histoire Religieuse de l’Espagne, Paris, Les Éd. du Cerf, 1998; Javier TUSELL – Gonzalo ÁLVAREZ CHILLIDA, Pemán, una trayectoria intelectual desde la extrema derecha hasta la democracia , Barcelona, Planeta, 1998; Gonzalo REDONDO, Política. Cultura y Sociedad en la España de Franco (1939-1975) . 1: La configura ción del Estado español, nacional y católico (1939-1947), Pamplona, Eunsa, 1999; REDONDO, Política, Cultura y Sociedad en la España de Franco,(1939-1975 ) . 2 . 1: Los intentos de las minorías dirigentes de modernizar el Estado tradicional español (1947-1956 ), Pamplona, Eunsa, 2005; REDONDO, Política, Cultura y Sociedad en la España de Franco,(1939-1975 ); 2.2: Los intentos de las minorías dirigentes de modernizar el Estado tradicional español (1947-1956) , Pamplona. Eunsa, 2009, William J. CALLAHAN, The Catholic Church in Spain, 1875-1998 , Washington, Catholic University of America Press, 2000; Mercedes CABRERA – Fernando DEL REY, El poder de los empresarios, Política e intereses económicos en la España contemporánea (1875-2000) , Madrid, Taurus, 2002; Santos JULIÁ, Historia.

[112] Tomo esta imagem e algumas das ideias que se seguem, de Patrice DE PLUNKETT, Le mythe de l’Opus Dei, «Revue la Nef» 171 (maio 2006).

[113] Carta de S. Josemaria, 29 de dezembro de 1947 – 14 de fevereiro de 1966, n. 36. AGP, série A-3.93, cit. em VÁZQUEZDE PRADA, Josemaria Escrivá. Fundador do Opus Dei, vol. II, p. 410, nota 140. Sobre esta questão, cf. também François GONDRAND, Le fondateur de l’Opus Dei et les pouvoirs établis, en Églises et pouvoirs, XIVe université d’été du Carrefour d’histoire religieuse, «Les Cahiers du Littoral» 2, nº. 5.

[114] Carta de S. Josemaria, 14 de setembro de 1951, AGP, série A-3, 94-4-2.