Uma grande aventura: como nasceu o primeiro centro em Estocolmo

O primeiro centro da prelatura do Opus Dei na Escandinávia foi inaugurado em Estocolmo em 1984. Tal como Kon-tiki, os pioneiros sabiam que estavam a fazer uma longa viagem marítima. Dois deles relatam que sentiram a graça de Deus, aquele vento poderoso que move as almas. O relato é retirado de entrevistas e apareceu no livro Cálido Viento del Norte.

Johannes Bernaldo com o Papa João Paulo II em Roma

Como surgiu o primeiro centro do Opus Dei em Estocolmo

Certamente já leu o livro “A Aventura de Kon-tiki", disse Richard Hayward. Narra a história de cinco noruegueses e um sueco que atravessaram o Pacífico numa jangada. Era parecido com o barco outrora utilizado pelos Incas. Tinham conseguido passar da costa do Peru para uma ilha na Polinésia para provar que os povoadores da América do Sul poderiam ter chegado até à Ásia no período anterior aColombo. Por vezes penso na Kon-tiki quando me lembro dos primeiros passos do Opus Dei na Escandinávia, porque esses começos foram também uma aventura. Já veneramos nos altares os três grandes aventureiros que impulsionaram a travessia:S. Josemaria, que nunca pisou estas terras, mas desejava muito fazê-lo; S. João Paulo II, que ali fez uma viagem; e D. Álvaro del Portillo, beatificado em 2014 e que lá esteve muitasvezes.

Primeiros passos para a fundação de uma sede em Estocolmo

Numa carta escrita em 1938 – conta-meJuan Luis Bernaldo, a partir de Estocolmo – S. Josemaria enumeravaalgumas cidades onde o trabalho apostólico do Opus Dei começaria no futuro. Entre elas estava Oslo, capital da Noruega, o que dá testemunho do seu zelo porcomeçarnos países nórdicos logo que possível.

No início de 1980, o seu primeiro sucessor, Álvaro del Portillo, estava a conversar com João Paulo II. O Papa comentou que achava especialmente importante recristianizar os países do norte da Europa, onde havia poucos católicos, embora a Igreja ali tivesse sido florescente emséculos passados. D. Álvaro fez suas as intenções do Papa, e no Natal desse ano,escreveu uma carta pedindo-nos que rezássemos por este trabalho futuro.

Imigrantes católicos e a dedicação da Catedral de Estocolmo em 1983

Eu era padre há sete anos evivia na Alemanha quando D. Álvaro nos impulsionou a dar os nossos primeiros passos na Escandinávia e na Finlândia. Em 1982,estabeleceram-serelações diplomáticas entre a Santa Sé e a Suécia pela primeira vez desde a Reforma. No mesmo ano, foi anunciado que em 25 de março de 1983, teria lugar a dedicação da nova catedral de Estocolmo. Devido ao aumento constante do número de imigrantes católicos nos últimos anos, tinha-se tornado necessário ampliá-la.

Muitos bispos do episcopado mundial participaram na cerimónia

Já tinha planeado ir a esta cerimónia solene, quando a 20 de março, em Colónia, recebemos uma chamada de D. Álvaro. De Oslo, disse-nos que iria a Helsínquia e Estocolmo para assistir à dedicação da catedral. Foi uma agradável surpresa para mim; pude acompanhá-lo neste ato festivo, que foi um marco na história da Igreja Católica na Suécia. Para além dos bispos dos países nórdicos, assistiram muitos outros bispos de nações de onde os imigrantes tinham vindo para cá. A cerimónia foi presidida pelo Cardeal Höffner como legado especial do Papa.

Todos devem contar com a bênção do Papa para a Escandinávia

“Foi uma viagem curta”, recordou D. Álvaro no seu regresso a Roma em 29 de março, depois da audiência que teve com João Paulo II, para fazer apré-história da Obra nestes países. Rezámos em muitas igrejas e falámos com muitas pessoas. Relatei-o ao Santo Padre, que me assegurou: 'Diga a todos que podem contar com uma bênção especial do Papa para este trabalho; porque é absolutamente necessário'”.

Pouco depois, a 1 de abril de 1983, D. Álvaro disse-nos: "Rezai muito por este futuro trabalho do Opus Dei nos cinco países escandinavos, incluindo a Islândia. Gostaria, se possível, de começar este ano na Suécia e na Finlândia. Rezai especialmente por esta intenção. A nossa grande arma é a oração, pois o que estamos a planear é inteiramente sobrenatural e nós sozinhos não podemos fazer nada. O Senhor irá realizar tudo, servindo-se dos Seus instrumentos".

As viagens a partir da Alemanha serviram para manter contactos

Pediu-nos para viajarmos da Alemanha a várias cidades na Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia. Visitámos o pároco de Gotemburgo, Rafael Sarachaga, sacerdote com grande afeto ao Opus Dei, e ficámos a conhecer vários aspetos da cultura escandinava que iapartilhando com D. Álvaro por carta. Numa ocasião, disse-lhe que estava disponívelpara ir para a Escandinávia, se ele achasse necessário.

A Região da Europa Setentrional foi criada em 1984 com um Vigário

Alguns meses mais tarde, em janeiro de 1984, os vigários do Prelado reuniram-se em Roma para discutir o progresso do trabalho apostólico do Opus Dei nos cinco continentes. A 15 de janeiro, no final da reunião, D. Álvaro erigiu a Região da Europa Setentrional como uma nova área de evangelização. Fui nomeado como seu vigário.

O Papa João Paulo II ficou surpreendido por isso ter acontecido tão rapidamente

Nessa mesma tarde, João Paulo II visitou a paróquia romana de S. João Baptista al Collatino, confiada a sacerdotes da Obra, juntamente com duas instituições anexas: o Centro ELIS e a Escola Hoteleira SAFI. D. Álvaro apresentou-nos ao Papa. Quando chegou a minha vez, ele disse-lhe: 'Este é o Vigário dos Países Nórdicos'. O Papa ficou surpreendido, pois pouco tempo tinha passado desde que tinha pedido que o Opus Dei começasse o trabalho apostólico nestes países. Disse-me: 'Este é umtrabalho muito, muito importante'".

Um inglês, um gentleman a ajudar na Escandinávia

"Porque vim aqui?" continua a contar Richard Hayward. "Juan Luis diz, a brincar, que eu sou o protótipo do gentleman. Isso não é de todo verdade. Bem, admito que o meu currículo me dá razões para pensar assim. Nasci em Londres, no seio de uma família católica, o mais velho de seis irmãos. Durante a minha infância e adolescência, vivi em várias cidades para onde o meu pai foi destinado. Trabalhava num banco. Foram Darlington, Cardiff e Epsom. Fiz o secundário nos Jesuítas em Wimbledon, e para completar o estereótipo, estudei Direito em Oxford.

Descobri a vocação em Espanha

Mas aí os clichés acabam; pois não eram as Ilhaso lugar de maior significado na minha vida, massim Torrelavega em Espanha, onde em 1970 descobri a minha vocação para o Opus Dei, que tinha conhecido pouco antes em Londres. Foi aí que decidi entregar-me a Deus. É por isso que tenho um carinho especial por Espanha. Além disso, um dos meus irmãos vive em Alicante com a família há dez anos.

Richard Hayward

Em 1974,mudei-me para Roma para estudar teologia. Lá tive a sorte de conhecer dois dos três grandes aventureiros já mencionados, Josemaria Escrivá e Álvaro del Portillo. Em 1978, regressei aLondres, poucos meses antes de ter sido eleito papa o terceiro, Karol Wojtyla, um cardeal polaco completamente desconhecido de muitos.

De Manchester e Colónia via Copenhaga até Estocolmo: só com as malas

No dia 3 de março de 1984, às nove horas da manhã, chegámos à estação de comboio em Copenhaga. Juan Luis veio de Colónia, eu de Manchester. Bent, um amigo dinamarquês, estava à nossa espera na estação para nos fazer companhia no comboio para Estocolmo. Ele ficou surpreendido por só termos connosco as malas, nada mais.

Já estava escuro quando saímos do comboio em Estocolmo, às sete menos um quarto. E estava muito frio. Lars, outro conhecido, estava à espera na estação e acompanhou-nos ao apartamento que tínhamos conseguido arrendar graças à mediação de Monsenhor Koch,pároco da catedral. Quando abrimos a porta, vários conhecidos saudaram-nos: Bo Lennart, Sven e um sacerdote colombiano, Pe. Ferrero, que tinham arranjado duas camas, um sofá e um candeeiro para nós! Muito mais do que tínhamos esperado! A partir daí, celebrámos a Santa Missa na Catedral, que ficava no mesmo bairro. Já estávamos no nosso novo país!

Para o cuidado pastoral, foi necessário dominar muitas línguas

Durante esses primeiros meses, colaborámos em várias atividades pastorais da paróquia, porque o pároco não conseguiu cuidar de todos os fiéis devido ao número cada vez maior de imigrantes. Havia apenas alguns padres. Felizmente, Mons. Koch, Juan Luis e eu falávamos várias línguas, pelo que pudemos estar disponíveis para pessoas de diferentes origens: mexicanos, ingleses, alemães, italianos, franceses, filipinos, africanos, portugueses... Um pouco mais tarde, chegaram as primeiras mulheres do Opus Dei - o início de outra aventura. O Opus Dei estende-se por todo o mundo por via da amizade.

D. Álvaro veio à Escandinávia em 1984

D. Álvaro encorajou-nos muito com as suas cartas. No final de setembro de 1984, veio visitar-nos. Foi no dia de Nossa Senhora das Mercês com ele a Marielund, a uma igreja dedicada à Virgem, a cerca de vinte quilómetros de Estocolmo.

O Beato Álvaro e o seu sucessor na visita à Suécia

“Quando contei ao Santo Padre que íamos já começar na Suécia, ficou muito feliz'” disse-nos D. Álvaro. "É muito importante que o vosso país regresse a Deus e à Igreja. É claro que isto não pode ser conseguido num dia nem em dois. É preciso trabalhar com paciência, que é uma virtude é muito necessária para tudo. Além disso - quando pensamos em quanta paciência Deus tem com cada um de nós - penso na que ele teve para comigo, perdoando-me tantas vezes - vemos que devemos ter compreensão com os outros'.

E D. Álvaro continuou: '”Não desanimeis perante as dificuldades. Certamente que as há aqui, tal como há em todo o lado onde se trabalha apostolicamente. Mas as dificuldades têm o bem de nos fazer rezar mais e confiar não nas nossas próprias forças, mas no Senhor, e também de retificar constantemente a nossa intenção. Não procuramos os aplausos das pessoas, mas sim a glória de Deus. O Papa garantiu-me que "todos os dias quando se levanta de manhã, reza primeiro pela Suécia; todos os dias".

Muitas pessoas se aproximam da Igreja Católica

Viajei regularmente à Noruega e Dinamarca, onde fiz amizade com pessoas de diferentes origens sociais, tais como os Dam,um casal de Copenhaga, um norueguês, Ole Martin Stamneströ, ou Camilla, uma jovem dinamarquesa.

Entretanto, graças a Deus, muitos escandinavos aproximaram-se do Senhor e conhecem a mensagem de S. Josemaria. Alguns deles - como Arne e Barbara - decidiram pertencer à Igreja noslugares mais insuspeitados. Arne é um cirurgião respeitado e Barbara émezzosoprano. Vivem e trabalham na Dinamarca e por vezes passam tempo na Costa del Sol como muitos outros casais nórdicos.

Nesta parte da Igreja, que é Opus Dei, tal como a Kon-tiki, enfrentamos uma longa viagem marítima, mas temos a certeza de que a graça de Deus, aquele vento impetuoso que move as almas, nunca faltará".

Nota: O Dr. Richard Hayward é inglês e trabalha como padre em Malmö. O Dr. Juan Luis Bernaldo viveu até aos 74 anos . Era de Bilbau(Espanha) e morreu em Estocolmo a 2 de novembro de 2018.

(Excerto de Cálido Viento del Norte, de José Miguel Cejas, Ed. Rialp, Madrid 2016)