Uma grande surpresa

Barbara nasceu na Suécia, estudou canto e no início do século XXI foi com o marido para a Arábia Saudita. Ali começou a assistir a programas religiosos, “só porque era proibido”, mas aos poucos, Deus conquistou o seu coração.

Foto: Thirdman (Pexel)

Nasci em Norrland e quando tinha cinco anos, a minha família mudou-se para Svealand, no centro da Suécia. É de lá que vêm todas as minhas memórias de infância. A minha mãe era loira e alta, muito discreta. Tão discreta que as minhas amigas me diziam: “O quê? Não sabes? A tua mãe não te contou?” E, a seguir, contavam-me alguma coisa má sobre alguém conhecido. Eu era sempre a última a saber porque a minha mãe nunca murmurava nem fazia comentários negativos sobre ninguém, mesmo tendo uma especial intuição para conhecer as pessoas.

Era protestante não praticante, como eu, como os meus avós e como a maioria das pessoas na Suécia, país muito secularizado desde o final do século XIX. Só íamos à igreja no dia de Natal. A igreja era decorada com flores e cantávamos hinos antigos como Filha de Sião e, sempre, Noite Feliz.

Tínhamos um pastor novo que gostava muito de música clássica e sacra e me pedia sempre para cantar. Também havia um organista maravilhoso que tocava Mendelsohn, Schubert e Bach (especialmente Bach!). Aos oito anos, estreei-me na igreja com a Ave Maria de Schubert.

Arne, a música e eu

Aos quinze anos, fui estudar canto em Västerås com Birgitta Samuelsson, e aos dezoito anos em Uppsala, com Marianne Eriksson. Achei a cidade séria e fria. Os estudantes bebiam muito, e embora eu adore dançar, não gostava do ambiente das discotecas. “Vem connosco, Barbara! – diziam. “É muito divertido!” Para mim era uma alegria superficial.

Depois estudei em Malmö com Nils Bäckström, que tinha cantado nas grandes óperas da Europa e era um verdadeiro cavalheiro. Inclusive, era ele que cantava The title role no Rigoletto, com o tenor Rolf Björling, filho do lendário tenor Jussi Björling, que morreu nos anos 60.

Durante os dois primeiros anos em Uppsala senti-me muito só, até que conheci Arne, um rapaz de 20 anos que estava a estudar literatura francesa e inglesa antes de começar Medicina. Era o mais velho de quatro irmãos, de uma família protestante não praticante como a minha, e tínhamos muito em comum: ambos éramos apaixonados por música clássica e tínhamos a mesma maneira de ver a vida. Por exemplo, quando começaram a estudar o aborto na faculdade, repugnava-nos aos dois. Poucas pessoas na Suécia eram contra o aborto. A nossa rejeição não era por razões religiosas (acreditávamos em Deus, mas não éramos praticantes), mas porque estávamos convencidos de que aquilo era mau sob todos os pontos de vista: científico, ético e humano.

Foto: Aramis Cartam (Pexel)

Casámos e morámos em diferentes lugares da Suécia e da Dinamarca. Arne especializou-se primeiro em Uppsala e depois em Malmö até se tornar um cirurgião especialista em técnicas avançadas. Fui durante muitos anos professora de canto em Malmö e fiz parte do coro da orquestra sinfónica.

Não sabia distinguir o Antigo e o Novo Testamento...

Em junho de 1989, João Paulo II esteve na Suécia três dias. Arne e eu conhecíamo-lo pelos jornais, mas não sabíamos muito sobre ele, ao contrário da minha mãe, que se interessava pelo catolicismo há muitos anos e tinha, como já disse, um dom especial para avaliar as pessoas. Ela disse-me que era um homem muito, muito excecional, uma pessoa extraordinária, e várias outras coisas que me surpreenderam, tratando-se do Papa dos católicos, a quem eu respeitava, mas a quem nunca havia prestado atenção.

A minha mãe morreu pouco depois, aos 74 anos, de cancro, para minha grande tristeza e surpresa, porque eu tinha tias de 108, 100 e 98 anos de idade, e pensei que ela viveria pelo menos mais vinte anos. Durante esse tempo, comecei a rezar e encontrei uma Bíblia, mas como nunca a havia lido, não conseguia distinguir bem entre o Antigo e o Novo Testamento.

NINGUÉM ME TINHA ME EXPLICADO QUE O PAI BOM DA PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO ERA O PRÓPRIO DEUS, QUE NOS AMA SEMPRE

Quando eu era criança, dos cinco aos oito anos, ia todos os domingos à söndagsskolan[1], onde havia senhoras que nos liam a Bíblia, geralmente passagens do Antigo Testamento, como a saída do Egito, quando os judeus fugiram do Faraó e dos seus soldados. Do Novo Testamento,conhecia apenas algumas parábolas, como a parábola do Filho Pródigo, mas ninguém tinha me explicado que o pai bom da parábola que recebe o filho perdido era o próprio Deus, que nos ama sempre e espera que voltemos a Ele.

A leitura dos Salmos deu-me paz. Uma amiga protestante que conheci aos treze anos ajudou-me muito. Consolava-me, encorajava-me e falava-me de Deus.

O “gostinho” do proibido

Passaram anos e, no início deste século, um amigo propôs a Arne a possibilidade de ir trabalhar para a Arábia Saudita. Eu sabia que teria que passar muitas horas sozinha, mas estava disposta, porque a oportunidade profissional era muito interessante. Além disso, poderia manter-me em contacto com o mundo ocidental por meio da televisão por satélite.

Chegámos em julho de 2001. Ficámos muito surpreendidos com a intolerância. Qualquer manifestação religiosa pública diferente do Islão era proibida. Nem sequer se podia assistir a programas de outra religião na Internet.

Como eu raramente saía à rua (estava muito calor), tinha muito tempo livre e não conhecia ninguém, comecei a pesquisar na Internet programas religiosos (ao princípio, pelo gostinho do proibido) e encontrei a ETWN, da Madre Angélica. Dia após dia, eu assistia a programas que falavam daquele catolicismo pelo qual a minha mãe estava tão interessada. Fazia comentários sobre eles ou voltava a vê-los com o Arne.

Foi uma grande surpresa. Nunca ouvimos falar tanto sobre a infinita misericórdia de Deus. Do amor de um Deus que está muito perto de nós; do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a Trindade que vive na nossa alma. O Deus que nos tinhamapresentado até então era muito mais distante. E descobrimos o purgatório. A encíclica Spe Salvi, de Bento XVI, foi um bálsamo para a alma. Deu-nos uma perspetiva muito diferente sobre a fé.

11 de setembro de 2001

E fomos descobrindo as raízes católicas da Suécia. Até que, na noite do 11 de setembro, fui ao centro da cidade, de carro, para fazer umas compras. Quando parei num stop, um colega do Arne, que ia noutro carro, disse-me: “Olha, Bárbara: não sabes o que aconteceu?”

Isso lembrou-me a minha infância. Não tinha ideia do que (desta vez sem exagero) o mundo inteiro sabia! Ao chegar ao centro comercial, notei um ambiente estranho. Todas as mulheres, cobertas de véus, falavam ao telemóvel. Uns rapazes começaram a gritar: Fora, Americanos! E decidi voltar para casa imediatamente. Exceto alguns miúdos que atiraram pedras ao carro, não me aconteceu nada. Ligámos para o embaixador. Disse-nos para termos cuidado. Os boatos começaram e aconteceram coisas muito desagradáveis que não foram publicadas no Ocidente. Eles olhavam-nos como se fôssemos inimigos dos muçulmanos, quando nem Arne nem eu somos inimigos de ninguém, nem nunca fomos.

Como não nos sentíamos seguros, assim que Arne recebeu uma oferta para trabalhar no Bahrein, partimos. Do Bahrein mudámos para o Dubai, onde encontrámos a igreja de S. Francisco. A missa dominical era celebrada ali às sextas-feiras, porque os outros dias eram laborais[2]. Íamos cerca de três mil pessoas de todas as raças: europeus, africanos, filipinos .... Lá conhecemos um capuchinho, o padre Eugene Mattioli, que nos ajudou muito no caminho para o catolicismo.

EU, COMO CANTORA, SEI QUE SE DEVE CANTAR COM SENTIMENTO, MAS NÃO SE CANTA BEM SÓ COM O SENTIMENTO: É NECESSÁRIO ESTUDAR

Foi um caminho agradável, porque tudo nos atraía. Gostávamos particularmente da importância dada pelo catolicismo à relação entre razão e fé. Arne é um cientista e eu, como mezzosoprano, sei que se deve cantar com sentimento. Mas não se canta bem só com o sentimento: é necessário estudar, raciocinar, aprender, ensaiar, pensar ...

Para nós, foi uma descoberta fantástica, à medida que conhecíamos melhor a História da Igreja Católica, saber que graças ao cristianismo foram lançadas grande parte das bases da civilização ocidental: a Igreja fundou as primeiras universidades, os hospitais ... e acima de tudo, difundiu a caridade; não só para a própria família, como acontecia antes, mas para todos. Graças à Igreja, foi proclamado que homens e mulheres somos iguais em dignidade.

E depois havia o exemplo dos santos: Edith Stein, Maximiliano Kolbe, Teresa de Ávila, João da Cruz, Damião de Molokai ... Houve uma polaca que me impressionou muito, mas muito: Santa Faustina Kowalska! No Dubai, comprei pela Internet o seu Diário[3] e, como este, muitos livros e DVDs sobre Jesus, a Virgem Maria, a Igreja e os santos, que começaram a chegar ao endereço do hospital onde Arne trabalhava...!

Um ano antes de sermos recebidos em plena comunhão com a Igreja, o Cardeal Ratzinger foi nomeado Papa em 2005. Para nós, o pontificado de Bento XVI foi, a 100%, uma verdadeira bênção! Faltam palavras para expressar a nossa gratidão. Os seus conhecimentos teológicos, a maneira de se expressar, a enorme humildade, a simplicidade, os seus conhecimentos da liturgia e da música litúrgica e sacra, os seus livros maravilhosos, etc. Vimos a mão de Deus por trás disso.

Fui aprofundando no canto litúrgico, que segue os ensinamentos do salmo: cantai com sabedoria (em latim: “psallite sapienter”). A liturgia precisa do canto e não só por estética, porque as palavras dizem muito, mas quando cantamos, dizemos muito mais, porque tentamos expressar o inefável.

“Quero ser católico!”

E um dia Arne disse em voz alta o que eu queria ouvir há muito tempo: “Quero ser católico!”

Entusiasmam-me o órgão, as peças clássicas e o latim, como a tantos suecos, mas quando fizemos a profissão de fé não houve nada disso. No coro estavam africanos, asiáticos e pessoas de vários países. E eles cantaram aquelas canções cheias de ritmo, pun-pun, pun-pun, que lhes agradam e me horrorizam.

Ao ouvi-los, agradeci a Deus, pensando: “finalmente cheguei à Igreja em que todos cabemos! A Igreja não é daqui nem dali: é de Cristo; e Cristo é para todos os tempos, para todas as culturas, para todas as raças ... e também para todos os gostos!”

“FINALMENTE CHEGUEI À IGREJA EM QUE TODOS CABEMOS”

Depois pensei que além do canto litúrgico solene, é necessário o canto religioso popular, que exprime o modo de ser de cada povo e revela algo muito belo: a unidade, pois geralmente é cantado em coro, todos juntos. Essa atitude de cantar todos juntos é como um avanço na unidade dos cristãos, esse imenso dom que pedimos a Deus.

Muitas pessoas ajudaram-nos de forma decisiva no nosso caminho, como Anders Arborelius, o nosso bispo sueco, e os sacerdotes do Opus Dei. Encanta-nos a maneira de agir das pessoas do Opus Dei, que não excluem ninguém, católico ou não. Amamos muito S. Josemaria e o Bem-aventurado Álvaro. Sempre que podemos, Arne e eu vamos aos retiros que são organizados para homens e mulheres, e que nos fazem muito bem ...

Lembro-me que quando cantei o MESSIAS pela primeira vez, não sabia que o texto era da Bíblia, nem o que significava a letra. Mas algo me dizia que aquilo era mais do que música e chegava ao mais profundo do meu coração. Quando terminava, voltava para casa de bicicleta, cantando pelas ruas. Às vezes eram árias de ópera, mas quase sempre era música em que sentia que Deus falava comigo. Deus sempre falou comigo por meio da música. Por isso, não me importa se são quatro ou quatro mil pessoas que me ouvem: canto para Deus, e quando canto uno-me a Ele, e peço que aconteça o mesmo a quem me escuta. Estou ciente de que na liturgia é Deus quem age e nós somos “drawn into the action” de Deus. O resto é secundário.

Deus aproximou-nos a Arne e a mim da Igreja Católica por meio da arte: a música, a pintura, a arquitetura.

Esta tarde, depois de rezar o terço no terraço, recordei, mais uma vez, como Nossa Senhora foi decisiva na nossa vida. E pensei na sua humildade. Ela nunca esteve na primeira fila. E na sua fidelidade total, que é uma inspiração para todos os que acreditam. Agora, graças a Deus, a Igreja protestante luterana (que eu tanto amo, porque nela fui batizada) está a abrir-se cada vez mais a Nossa Senhora, mas na nossa infância e quando éramos estudantes, ela desaparecia após o nascimento de Jesus. É uma maravilha descobrir a sua importância, porque ninguém conhecia Jesus melhor do que ela!

Arne e eu também amamos muito S. José, o pai protetor de Jesus. Principalmente na sociedade de hoje, com tanta confusão, com os problemas familiares, etc., é um importante modelo a imitar para todos, e especialmente para os jovens.


[1] «Söndagsskolan»: Escola dominical

[2] Pelas peculiares circunstâncias desse país de maioria muçulmana, pode-se cumprir o preceito dominical na sexta-feira, sábado ou domingo.

[3] Diário: a Divina Misericórdia na minha alma, Santa Faustina Kowalska.


*Excerto do livro Cálido viento del norte, de José Miguel Cejas, ed. Rialp, Madrid 2016, págs. 185 ss.