Um desafio para o séc. XXI

Homilia de D. Javier Echevarría na Missa de acçao de graças pela canonizaçao de Josemaría Escrivá.

1. Laudate Dominum omnes gentes (Sal 116/117, 1), louvai o Senhor todos os povos. O convite do Salmo responsorial, que ressoou há uns momentos, é um bom resumo dos sentimentos que enchem hoje o nosso coração: Deo omnis gloria! , para Deus toda a glória. Queremos adorar o Deus três vezes Santo e dar-Lhe graças pelo dom com que enriqueceu a Igreja e o mundo: a canonização de Josemaría Escrivá de Balaguer, sacerdote, Fundador do Opus Dei, realizada ontem pelo nosso amadíssimo Papa João Paulo II.

A nossa gratidão dirige-se também ao Santo Padre, que deu cumprimento a este desígnio da Trindade: ao dispor-nos a elevar a nossa prece ao Céu, recomendamos ao Senhor a sua Augusta Pessoa e as suas intenções. Sabemos que esta súplica agradará muito a São Josemaría, que amou com toda a sua alma o Vigário de Cristo na terra, até ao ponto de não separar nunca ese amor ao Papa daquele que professava a Jesus Cristo e à sua bendita Mãe. Efectivamente, desde o mesmo instante em que o Senhor entrou na sua alma com os primeiros pressentimentos do Opus Dei, que então ainda não conhecia, começou a rezar e a trabalhar para fazer realidade o clamor que brotava do seu coração: Omnes cum Petro ad Iesum per Mariam! , todos, com Pedro, a Jesus por Maria.

Todos os participantes nesta Santa Missa, e as inumeráveis pessoas unidas espiritualmente a nós no mundo inteiro, reconhecêmo-nos gostosamente devedores do novo santo que Deus concedeu à Igreja. Muitos de nós obtivemos pela sua intercessão graças e favores de todos os géneros. Não poucos nos esforçamos por seguir os seus passos de fidelidade ao Senhor na terra, tratando de reproduzir nas nossas almas o espírito que ele encarnou. A todos, São Josemaría nos mostrou -– com o seu exemplo e com os seus ensinamentos – um modo bem concreto de percorrer o caminho da vocação cristã, que tem como meta a santidade. Por isto, a canonização do Fundador do Opus Dei assume os traços característicos de uma festa: a festa desta grande família de Deus, que é a Igreja. Por tudo isto queremos dar graças ao Senhor nesta celebração eucarística.

2. Ainda não passaram quarenta anos desde que o Concílio Vaticano II proclamou o chamamento universal à santidade e ao apostolado (cfr. Lumen gentium, cap. V), mas ainda fica muito caminho por percorrer, até que esa verdade chegue efectivamente a iluminar e a guiar os passos dos homens e das mulheres da terra. Recordou-o explicitamente o Romano Pontífice, na sua Carta apostólica Novo Millennio ineunte, ao propor essa doutrina como «fundamento da programação pastoral que nos corresponde no inicio do novo milénio» (NMI 31).

Todos na Igreja, cada Pastor e cada fiel, estamos chamados a comprometer-nos pessoalmente na procura diária da santidade pessoal e a participar – também pessoalmente – no cumprimento da missão que Cristo nos confiou. Se o século XX foi testemunha do «redescobrimento» desse chamamento universal – que estava contido no Evangelho desde o princípio, e do qual São Josemaría Escrivá foi constituido arauto pela pessoal vocação divina recebida (cfr. Missa de São Josemaría Escrivá, Oração colecta) –, o século que estamos a percorrer há-de caracterizar-se por uma prática desse ensinamento mais efectiva e mais extensa. Eis aqui um dos grandes desafios que o Espírito lança aos homens e mulheres do nosso tempo.

São Josemaría Escrivá procurou despertar esta urgência de santidade em todos os homens. O facto de que a sua canonização tenha tido lugar nos alvores do novo século, é particularmente significativo. A sua mensagem ressoa com especial força nos momentos actuais: «Viemos dizer, com a humildade de quem se sabe pecador e pouca coisa – homo peccator sum (Lc 5, 8), dizemos com Pedro –, mas com a fé de quem se deixa guiar pela mão de Deus, que a santidade não é coisa para privilegiados: o Senhor chama a todos, de todos espera Amor: de todos, estejam onde estiverem; de todos, seja qual for o seu estado, a sua profissão ou ofício. Porque essa vida corrente, quotidiana, sem brilho, pode ser meio de santidade: não é preciso abandonar o estado que cada um tem no mundo, para procurar a Deus, se o Senhor não dá a uma alma a vocação religiosa, visto que todos os caminhos da terra podem ser ocasião de um encontro com Cristo» (Carta 24-III-1930, n. 2).

3. Em todos os momentos – como aconselhava o novo Santo já desde os anos 30 (cfr. Caminho, n. 382) – há que procurar o Senhor, encontrá-Lo e amá-Lo. Só se nos esforçamos dia a dia por percorrer estas três etapas, chegaremos à plena identificação com Cristo: a ser alter Christus, ipse Christus. «Talvez vos pareça – repito-o com as suas palavras – que estais na primeira etapa. Procurai-o com fome (...). Se o fazeis com este empenho, atrevo-me a garantir que já o encontrastes, e que já começastes a conhecê-lo e a amá-lo e a ter a vossa conversa nos céus (cfr. Fil 3, 20)» (Amigos de Deus, n. 300).

Encontramos Jesus na oração, na Eucaristia e nos outros sacramentos da Igreja; mas também no cumprimento fiel e amoroso dos deveres familiares, profissionais e sociais de cada um. Trata-se, verdadeiramente, de um objectivo árduo, que só no fim da peregrinação nesta terra poderemos atingir plenamente. «Mas não me percais de vista que o santo não nasce: forja-se no contínuo jogo da graça divina e da correspondência humana». Assím exortava São Josemaría numa das suas homilias; e acrescentava: «Por isso te digo que, se quiseres portar-te como um cristão coerente (...), deves ter muito cuidado com os mais pequenos pormenores, porque a santidade que Nosso Senhor te exige atinge-se realizando com amor de Deus o trabalho e as obrigações de cada dia, que se compõem quase sempre de pequenas realidades» (Ibid., n. 7).

Santificar o trabalho. Santificar-se com o trabalho. Santificar os outros com o trabalho. Nesta frase gráfica resumia o Fundador do Opus Dei o núcleo da mensagem que Deus lhe tinha confiado, para recordá-lo aos cristãos. O empenho por alcançar a santidade encontra-se inseparavelmente unido à santificação da tarefa profissional pessoal – realizada com perfeição humana e rectidão de intenção, com espírito de serviço – e à santificação dos outros. Não é possível alhear-se dos irmãos, das suas necessidades materiais e espirituais, se se quer seguir os passos do Senhor. «A nossa vocação de filhos de Deus, no meio do mundo, exige-nos que não procuremos apenas a nossa santidade pessoal, mas que vamos pelos caminhos da Terra, para convertê-los em atalhos que, através dos obstáculos, levem as almas ao Senhor; que participemos, como cidadãos normais e correntes, em todas as actividades temporais, para sermos levedura (cfr. Mt 13, 33) que há-de fermentar toda a massa (cfr. 1 Cor 5, 6)» (Cristo que passa, n. 120).

Roma, Praça de S. Pedro, 7 de Outubro de 2002