Tema 28. Primeiro e segundo mandamentos

O primeiro mandamento do Decálogo tem uma importância existencial: é o único fundamento possível para configurar uma vida humana realizada. A razão mais alta da dignidade humana consiste na vocação do homem à comunhão com Deus. O amor a Deus deve incluir o amor àqueles que Deus ama. O segundo mandamento proíbe todo o uso inconveniente do nome de Deus e em especial a blasfémia.

Sumário:


1. O primeiro mandamento

«Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças» (Dt 6, 5). Estas palavras do Deuteronómio chamam o homem a crer em Deus, a esperar n’Ele e a amá-l’O sobre todas as coisas[1].

Embora se costume expressá-lo sinteticamente com a formulação «amarás a Deus sobre todas as coisas», na verdade, «o primeiro dos preceitos abrange a fé, a esperança e a caridade»[2], porque a caridade nos capacita para amar ao modo divino, mas não é possível sermos movidos ao amor que Deus merece sem O conhecer verdadeiramente, com a luz da fé, e sem O reconhecer como o bem total a que aspiramos e que, pela esperança, confiamos alcançar.

O próprio Jesus confirmou que «o primeiro mandamento é: Escuta, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças» (Mc 12, 28-30). Para a vida de cada pessoa é essencial que este mandamento ocupe realmente o seu lugar: é o primeiro, não só na ordem do decálogo que aprendemos, mas em importância existencial, porque é o único fundamento possível para configurar uma vida humana realizada.


2. Sentido do primeiro mandamento

A nossa liberdade permite-nos propor fins muito diversos e caminhar para eles, tomando decisões. Muitos desses fins são procurados como meios para alcançar outros fins. Porém, há sempre um a que podemos chamar fim último, que não se quer para outro fim, mas por si mesmo. É aquele que a pessoa considera o seu bem máximo, a que subordina a sua seleção e prossecução de todos os fins intermédios: elege e atua na vida conforme considera que algo a aproxima do seu fim ou não, o favorece mais ou menos; e julga com o mesmo critério se os esforços e empenho, que lhe exigiriam uns ou outros fins intermédios, valem a pena. O fim último que alguém se propõe determina a ordem do amor na sua vida.

Mas, se alguém se propõe ou atua como se se tivesse proposto um fim último equivocado, que não é capaz de preencher a sua vida, embora pareça que o promete – a fama, as riquezas, o poder... –, todas as suas decisões sobre os fins intermédios ficam condicionadas por essa desordem do amor; e a liberdade, submetida no seu exercício a essa mentira, acaba por causar dano à pessoa, ou até a destruí-la[3].

Porque fomos criados à medida de Deus: «O homem foi criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem para si, e só em Deus o homem pode encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de buscar. A razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à união com Deus. O homem é convidado ao diálogo com Deus desde o seu nascimento; pois não existe senão porque, criado por Deus por amor, é constantemente conservado por amor; nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente aquele amor e se entregar ao seu Criador»[4].

Todo o nosso bem está em Deus, e fora d’Ele não há bem verdadeiro e total. Este é, objetivamente, o nosso fim último. Embora possamos não o saber, ou não o entender com clareza em alguns momentos da nossa vida, só Deus pode preencher o nosso desejo de felicidade. E todo o amor que não nos leva a Deus, que nos afasta d’Ele, é por sua vez uma traição a nós próprios, uma condenação à frustração futura.

O nosso coração foi feito para amar a Deus e para se deixar preencher pelo seu amor. Não há sucedâneo nem alternativa real. Por isso, a única medida adequada para acolher o amor infinito que Deus nos oferece é “tudo”: amar com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças. Se não lhe damos um amor à medida dos seus anseios, «o coração vinga-se..., e converte-se numa vermineira»[5].


3. O amor a Deus

O amor a Deus a que se refere o primeiro mandamento compreende:

A) Escolhê-l’O como fim último de tudo o que decidimos fazer. Procurar fazer tudo por amor a Ele e para a sua glória: «quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus» (1Cor 10, 31). «“Deo omnis gloria”. – Para Deus toda a glória»[6]. Não pode haver nenhum fim que seja preferido a este, porque nenhum amor merece estar acima do amor a Deus: «Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais que a Mim, não é digno de Mim» (Mt 10, 37). Não seria verdadeiro, nem bom, um amor que excluísse ou subordinasse o amor a Deus.

B) Cumprir com obras a Sua vontade: «Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus, mas só o que faz a vontade de Meu Pai, que está nos céus» (Mt 7, 21). Cumpri-la também quando exige sacrifício: «não se faça a minha vontade, mas a Tua» (Lc 22, 42), convencidos de que vale a pena, porque aí se encerra o nosso maior bem.

A vontade de Deus é que sejamos santos (cf. 1Ts 4, 3), que sigamos Cristo (cf. Mt 17, 5), fazendo o necessário para viver guiados pelos seus mandamentos (cf. Jo 14, 21). «Queres deveras ser santo? – Cumpre o pequeno dever de cada momento: faz o que deves e está no que fazes»[7].

C) Viver sabendo-se em dívida para com Ele – a dívida de um filho com o seu bom pai – querendo corresponder ao seu amor. Ele amou-nos primeiro, criou-nos livres e fez-nos filhos seus (cf. 1Jo 4, 19). O pecado é recusar o amor de Deus[8], mas Ele perdoa sempre, entrega-se-nos sempre: a lógica de Deus é a sobreabundância. «Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou o seu Filho como vítima de propiciação pelos nossos pecados» (1Jo 4, 10; cf. Jo 3, 16). «Amou-me e entregou-se por mim» (Gl 2, 20). «Para corresponder a tanto amor é preciso que haja da nossa parte entrega total»[9]. Não é um sentimento, mas uma determinação da vontade, que pode ser, ou não, acompanhada de manifestações sensíveis.

O desejo de corresponder por amor leva ao compromisso de cultivar, de diversas formas[10], a relação com Deus, o trato pessoal com Ele que, por sua vez, configura e alimenta o amor. Por isso, o primeiro mandamento inclui diversas manifestações da religião:

– «A adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura diante do seu Criador»[11]. É a atitude fundamental da religião[12]. «Ao Senhor teu Deus adorarás e a Ele só servirás» (Mt 4, 10). «Que a tua oração seja sempre um sincero e real ato de adoração a Deus»[13]. A adoração a Deus liberta das diversas formas de idolatria, também atuais, que levam à escravatura.

– A ação de graças[14], porque tudo o que somos e temos d’Ele o recebemos: «Que tens tu, que não tenhas recebido? E se o recebeste, porque te glorias, como se o não tivesses recebido?» (1Cor 4, 7).

– A petição: de perdão, pelas decisões e atitudes que nos separam de Deus (o pecado); e de ajuda, também para os outros, para a Igreja e para toda a humanidade. Jesus inclui no Pai Nosso estes dois tipos de petição. A oração de petição do cristão está cheia de segurança, porque é um pedido filial, por meio de Cristo: «se pedirdes a Meu Pai alguma coisa em Meu nome, Ele vo-la dará» (Jo 16, 23; cf. 1Jo 5, 14-15).

– O amor manifesta-se também com o sacrifício, que é o oferecimento a Deus de um bem como expressão da entrega interior da própria vontade, ou seja, de obediência. Cristo redimiu-nos pelo Sacrifício da Cruz, que manifesta a sua obediência perfeita ao Pai até à morte (cf. Flp 2, 8).

– A oração e o sacrifício são inseparáveis: «a oração valoriza-se com o sacrifício»[15]. Ambos, na sua diversa forma, fazem parte do culto a Deus, que se chama culto de latria ou adoração. O ato de culto por excelência é a Santa Missa, em que o próprio Cristo oferece ao Pai, pelo Espírito Santo, a adoração perfeita, ação de graças, petição de perdão pelos pecados e súplica da sua graça. Nós, cristãos, feitos membros de Cristo pelo batismo, recebemos a capacidade de nos oferecermos n’Ele, especialmente na celebração eucarística, deixando que Jesus assuma os nossos sacrifícios e, unidos ao Seu, os apresente ao Pai pelo Espírito Santo[16].

– O amor a Deus deve manifestar-se na dignidade do culto: observância das prescrições da Igreja, «urbanidade da piedade»[17], cuidado e limpeza dos objetos destinados ao culto divino. «Aquela mulher que, em casa de Simão o leproso, em Betânia, unge com rico perfume a cabeça do Mestre, recorda-nos o dever de sermos magnânimos no culto de Deus. – Todo o luxo, majestade e beleza me parecem pouco»[18].


4. A fé e a esperança em Deus

Fé, esperança e caridade são as três virtudes “teologais” (virtudes que se dirigem a Deus). A maior é caridade (cf. 1Cor 13, 13), que dá “forma” e “vida” sobrenatural à fé e à esperança (de modo semelhante a como a alma dá vida ao corpo). Mas a caridade pressupõe a fé, porque só pode amar a Deus – como fruto da sua liberdade – quem O conhece; e pressupõe a esperança, porque só pode amar a Deus quem põe o seu desejo de felicidade na união com Ele, de contrário amará, para seu mal, aquilo em que puser os seus desejos.

A fé é um dom de Deus, luz na inteligência que nos permite conhecer a verdade que Deus revelou e assentir a ela, fazê-la nossa. Implica acreditar no que Deus revelou, mas também crer no próprio Deus que o revelou (confiar n’Ele).

Não há nem pode haver oposição entre fé e razão. A razão, guiada pela luz da fé, é imprescindível para assimilar e aprofundar a fé, fazendo cada vez mais nosso, por assim dizer, o olhar de Deus sobre a realidade.

A formação doutrinal é importante para alcançar uma fé firme e, assim, alimentar o amor a Deus e aos outros por Deus: para a santidade e para o apostolado. A vida de fé é uma vida apoiada na fé e coerente com ela.

A esperança também é um dom de Deus que leva a desejar a união com Ele, na qual consiste a nossa felicidade, sem nos desalentarmos por a considerar inalcançável, porque confiamos em que Deus nos dará, embora não saibamos como, a capacidade e os meios para a alcançar[19].

Nós, cristãos, temos de estar «alegres na esperança» (Rm 12, 12), porque, se formos fiéis, nos aguarda a felicidade do Céu: a visão de Deus cara a cara (1Cor 13, 12), a visão beatífica. «Se somos filhos, também somos herdeiros: herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo; pois sofremos com Ele, para sermos também com Ele glorificados» (Rm 8, 17).

A vida cristã é um caminho de felicidade, não só futura, mas também nesta terra, porque já agora, com a certeza que nos dá a verdadeira esperança, gozamos antecipadamente algo dessa felicidade eterna. Enquanto dura a nossa vida terrena, sabemos que é uma felicidade compatível com a dor, com a cruz. A esperança permite-nos viver seguros de que vale a pena trabalhar e sofrer, por Amor[20], para que se cumpram, com a nossa cooperação, os maravilhosos desígnios de Deus sobre a nossa vida.

«A esperança não desengana! Não está fundada no que nós podemos fazer ou ser, e nem sequer naquilo em que podemos acreditar. O seu fundamento, ou seja, o fundamento da esperança cristã, é o que de mais fiel e seguro pode existir, isto é, o amor que o próprio Deus alimenta por cada um de nós»[21].


5. Amor aos outros e a si próprio por amor a Deus

Jesus, quando respondeu à pergunta sobre o principal mandamento, antes recordada, acrescentou: «O segundo é semelhante a este: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”» (Mt 22, 39). Não se refere ao mandamento formulado como segundo no decálogo, mas ao segundo núcleo essencial, junto com o amor a Deus, que inclui vários mandamentos do decálogo. Jesus descreve-o como “semelhante” ao primeiro: é diferente, não é equivalente nem permutável, mas sim inseparável. Por isso a sua importância é semelhante à do primeiro.

O amor a Deus deve incluir o amor àqueles que Deus ama. «Se alguém disser: amo a Deus, e odiar o seu irmão, é um mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a Quem não vê? Temos de Deus este mandamento: que aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão» (1Jo 4, 19-21). Não se pode adorar a Deus sem amar todos os homens, criados por Ele à sua imagem e semelhança e chamados a ser Seus filhos pela graça[22].

«Com os filhos de Deus, temos de comportar-nos como filhos de Deus»[23]:

A) Portar-se como filho de Deus, como outro Cristo. O amor aos outros tem como regra o amor de Cristo: «Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Assim como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois Meus discípulos» (Jo 13, 34-35). O Espírito Santo foi enviado aos nossos corações para podermos amar como filhos de Deus, com o amor de Cristo (cf. Rm 5, 5).

B) Ver Cristo nos outros filhos de Deus: «todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequenos, a Mim o fizestes» (Mt 25, 40). Querer para eles o seu verdadeiro bem, o que Deus quer: que sejam santos e, portanto, felizes. A primeira manifestação da caridade é o apostolado. Também leva a preocupar-se com as suas necessidades materiais. Compreender – fazer próprias – as dificuldades espirituais e materiais dos outros. Saber perdoar. Ser misericordioso (cf. Mt 5, 7). «A caridade é paciente, é bondosa; não é invejosa, (…) não busca os seus próprios interesses; não se irrita, não guarda ressentimento…» (1Cor 13, 4-5). A correção fraterna (cf. Mt 18, 15).

«Amarás o teu próximo como a ti mesmo» (Mt 22, 39), indica também que há um amor a si próprio correto, que leva a ver-se e a valorizar-se como Deus o faz e a procurar para si próprio o bem que Deus quer: a santidade e, portanto, a felicidade n’Ele.

Também há um amor desordenado a si próprio, o egoísmo, que inclina a pôr a vontade própria acima da de Deus e o interesse próprio acima do serviço aos outros. O amor reto a si próprio não pode existir sem luta contra o egoísmo. Compreende abnegação, entrega de si a Deus e aos outros. «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Porque quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de Mim achá-la-á» (Mt 16, 24-25). O homem «não se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo»[24].


6. Pecados contra o primeiro mandamento

Os pecados contra o primeiro mandamento são os pecados contra as virtudes teologais:

A) Contra a fé: o ateísmo, o agnosticismo, a dúvida deliberada, o indiferentismo religioso, a heresia, a apostasia, o cisma, etc.[25]. Pôr voluntariamente em perigo a própria fé também é contrário ao primeiro mandamento. Contrários ao culto a Deus são o sacrilégio, a simonia, certas práticas de superstição, magia, etc., e o satanismo[26].

B) Contra a esperança: o desespero da própria salvação[27] e, no extremo oposto, a presunção de que a misericórdia divina perdoará os pecados sem conversão nem contrição ou sem necessidade do sacramento da Penitência[28]. Também é contrário a esta virtude pôr a esperança de felicidade última em algo fora de Deus.

C) Contra a caridade: qualquer pecado é contrário à caridade, mas opõe-se diretamente a ela a rejeição de Deus e também a tibieza, que leva a não querer amá-l’O seriamente com todo o coração.


7. O segundo mandamento

O segundo mandamento do decálogo é: Não invocar o nome de Deus em vão. Este mandamento manda honrar e respeitar o nome de Deus[29], que não se deve pronunciar «senão para o bendizer, louvar e glorificar»[30]. Caso contrário, o homem perde, em maior ou menor escala, o sentido da realidade: esquece quem é Deus e quem ele é; e reincide na tentação da origem.

«O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e o sentido da sua vida. Deus tem um nome. Não é uma força anónima»[31]. Contudo, Deus não pode ser abarcado pelos conceitos humanos, nem há ideia capaz de O representar, nem nome que possa expressar exaustivamente a essência divina. Deus é “Santo”, o que significa que é absolutamente superior, que está por cima de toda a criatura, que é transcendente.

Apesar de tudo, para podermos invocá-l’O e dirigir-nos pessoalmente a Ele, no Antigo Testamento «revelou-Se progressivamente e sob diversos nomes ao seu povo»[32]. O nome que manifestou a Moisés indica que Deus é o Ser por essência, que não recebeu o ser de ninguém e que d’Ele tudo procede: «Disse Deus a Moisés: “Eu sou Aquele que sou”. E acrescentou: “Assim dirás aos filhos de Israel: 'Eu sou' enviou-me a vós!» (...) Este é o meu nome para sempre» (Ex 3, 13-15)[33]. Por respeito pela santidade de Deus, o povo de Israel não pronunciava o seu nome, substituía-o pelo título “Senhor” (“Adonai”, em hebraico; “Kyrios”, em grego)[34]. Outros nomes de Deus no Antigo Testamento são: “Eloim”, que é o plural majestático de ‘plenitude’ ou ‘grandeza’; “El-Saddai”, que significa poderoso, omnipotente.

No Novo Testamento, Deus dá a conhecer o mistério da sua vida íntima: que é um só Deus em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Jesus ensina-nos a chamar “Pai” a Deus (cf. Mt 6, 9): “Abba” que é o modo familiar de dizer Pai em hebraico (cf. Rm 8, 15). Deus é Pai de Jesus Cristo e nosso Pai, embora não do mesmo modo, porque Ele é o Filho Unigénito e nós somos filhos por adoção. Mas esta peculiar adoção faz-nos verdadeiramente filhos (cf. 1Jo 3, 1), irmãos de Jesus Cristo (cf. Rm 8, 29), porque o Espírito Santo foi enviado aos nossos corações e participamos da natureza divina (cf. Gal 4, 6; 2Pe 1, 4). Somos filhos de Deus em Cristo. Logo, podemos dirigir-nos a Deus chamando-lhe de verdade “Pai”, como aconselha S. Josemaria: «Deus é um Pai cheio de ternura, de amor infinito. Chama-lhe Pai muitas vezes durante o dia, e diz-lhe – a sós, na intimidade do teu coração – que o amas, que o adoras: que sentes o orgulho e a força de seres seu filho»[35].

No Pai Nosso rezamos: “Santificado seja o Vosso nome”. A palavra “santificar” deve ser entendida, aqui, no sentido de «reconhecer o nome de Deus como santo, tratar o seu nome de modo santo»[36]. É o que fazemos quando adoramos, louvamos ou damos graças a Deus. Mas as palavras “santificado seja o Vosso nome” também são uma das petições do Pai Nosso: ao pronunciá-las pedimos que o seu nome seja santificado através de nós, quer dizer, que com a nossa vida Lhe demos glória e levemos os outros a glorificá-l’O (cf. Mt 5, 16). «Depende da nossa vida e da nossa oração que o seu Nome seja santificado entre as nações»[37].

O respeito pelo nome de Deus exige também respeito pelo nome da Santíssima Virgem Maria, dos Santos e das realidades santas em que Deus, de um modo ou outro, está presente, antes de tudo pela Santíssima Eucaristia, verdadeira Presença de Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, entre os homens.

O segundo mandamento proíbe todo o uso inconveniente do nome de Deus[38], e especialmente a blasfémia, que «consiste em proferir contra Deus – interior ou exteriormente – palavras de ódio, de censura, de desafio (...). É também blasfematório recorrer ao nome de Deus para justificar práticas criminosas, reduzir povos à escravidão, torturar ou condenar à morte. [...] A blasfémia é, em si mesma, pecado grave»[39].

Também proíbe jurar falso[40]. Jurar é tomar a Deus como testemunha do que se afirma (por exemplo, para dar garantias de uma promessa ou de um testemunho). O juramento é lícito, quando é necessário e se faz com verdade e justiça: por exemplo, diante de um tribunal ou quando se assume um cargo[41]. Caso contrário, o Senhor ensina a não jurar: «a vossa linguagem deve ser: “Sim, sim; Não, não”» (Mt 5, 37; cf. Tg 5, 12)[42].


8. O nome do cristão

«O homem é a única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma»[43]. Não é “algo”, mas “alguém”, uma pessoa. «Só ele é chamado a partilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus. Com este fim foi criado e tal é a razão fundamental da sua dignidade»[44]. No Batismo, recebe um nome que representa a sua irrepetível singularidade diante de Deus e diante dos outros[45]. Batizar também se diz “cristianizar”. Cristão, seguidor de Cristo, é o nome próprio de todos os batizados: «em Antioquia foi dado pela primeira vez aos discípulos [os que se convertiam através da evangelização] o nome de “cristãos”» (At 11, 26).

Deus chama cada um pelo seu nome (cf. 1Sm 3, 4-10; Is 43, 1; Jo 10, 3; At 9, 4). Ama cada um pessoalmente. Espera de cada um uma resposta de amor: «Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças». Ninguém pode substituir-nos nesta resposta. S. Josemaria anima a meditar «com calma aquela divina advertência, que enche a alma de inquietação e, ao mesmo tempo, lhe traz sabores de favo de mel: redemi te, et vocavi te nomine tuo: meus es tu (Is 43, 1); redimi-te e chamei-te pelo teu nome: és meu! Não roubemos a Deus o que é Seu. Um Deus que nos amou até ao ponto de morrer por nós, que nos escolheu desde toda a eternidade, antes da criação do mundo, para sermos santos na sua presença (cf. Ef 1, 4)»[46].


Bibliografia básica

Catecismo da Igreja Católica, n. 203-213, 2064-2132, 2142-2195.

– Bento XVI-Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré, cap. 5.


Leituras recomendadas

– Bento XVI, Deus caritas est, n. 1-18.

– Bento XVI, Spe salvi.

– Francisco, Lumen fidei.

– S. Josemaria, HomiliasVida de fé, A esperança do cristão, Com a força do amor, em Amigos de Deus, n. 190-237.

– S. Josemaria, HomiliaIntimidade com Deus, em Amigos de Deus, n. 142-153.


[1] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2134.

[2] cf. Ibid., n. 2086.

[3] cf., por exemplo,Catecismo da Igreja Católica, n. 29.

[4] Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, n. 19, 1.

[5] S. Josemaria, Forja, n. 204.

[6] Ibid., Caminho, n. 780.

[7] Ibid., n. 815.

[8] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2094.

[9] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 87.

[10] cf. S. Josemaria, Caminho, n. 91.

[11] Catecismo da Igreja Católica, n. 2628.

[12] cf. Ibid., n. 2095.

[13] S. Josemaria, Forja, n. 263.

[14] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2638.

[15] S. Josemaria, Caminho, n. 81.

[16] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2100.

[17] S. Josemaria, Caminho, n. 541.

[18] Ibid., n. 527; cf. Mt 26, 6-13.

[19] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2090.

[20] S. Josemaria, Forja, n. 26.

[21] Francisco, Audiência geral, 15/02/2017.

[22] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2069.

[23] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 36.

[24] Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, n. 24.

[25] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2089.

[26] cf. Ibid., n. 2111-2128.

[27] cf. Ibid., n. 2091.

[28] cf. Ibid., n. 2092.

[29] cf. Ibid., n. 2142.

[30] Ibid., n. 2143.

[31] Ibid., n. 203.

[32] Ibid., n. 204.

[33] cf. Ibid., n. 213.

[34] cf. Ibid., n. 209.

[35] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 150.

[36] Catecismo da Igreja Católica, n. 2807.

[37] Ibid., n. 2814.

[38] cf. Ibid., n. 2146.

[39] Ibid., n. 2148.

[40] cf. Ibid., n. 2150.

[41] cf. Ibid., n. 2154.

[42] cf. Ibid., n. 2153.

[43] Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, n. 24.

[44] Catecismo da Igreja Católica, n. 356.

[45] cf. Ibid., n. 2156, 2158.

[46] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 312.

Javier López / Jorge Miras