Tema 15. A Igreja, fundada por Cristo

Ao longo da sua vida, Cristo foi manifestando como deveria ser a Sua Igreja. A Igreja é a comunidade de todos aqueles que receberam a graça regeneradora do Espírito, pela qual são filhos de Deus. Todos os batizados participam no sacerdócio comum: são chamados a relacionar-se com Deus e com os outros. O movimento ecuménico é uma tarefa eclesial que procura a unidade visível entre os cristãos na única Igreja fundada por Cristo.

Sumário:


1. Cristo e a Igreja

A Igreja é um mistério, isto é, uma realidade na qual entram em contacto e comunhão Deus e os homens. A palavra Igreja vem do grego “ekklesia”, que significa assembleia dos convocados. No Antigo Testamento, esta definição era usada para traduzir o “quahal Yahweh”, ou seja, a assembleia reunida por Deus para fins de adoração. Exemplos disso são a assembleia do Sinai e aquela que se reuniu no tempo do rei Josias para louvar a Deus e voltar à pureza da Lei (reforma). No Novo Testamento, em continuidade com o Antigo Testamento, o termo Igreja tem vários significados, mas designa especialmente o povo que Deus convoca e reúne, de todos os confins da terra, para constituir a assembleia de todos aqueles que, pela fé na Sua Palavra e no Seu Batismo, são filhos de Deus, membros de Cristo e templos do Espírito Santo[1].

«A Igreja é, ao mesmo tempo, caminho e meta do desígnio de Deus: prefigurada na criação, preparada na antiga Aliança, fundada pelas palavras e atos de Jesus Cristo, realizada pela sua Cruz redentora e pela sua ressurreição, manifesta-se como mistério de salvação pela efusão do Espírito Santo. Será consumada na glória do céu como assembleia de todos os resgatados da terra»[2].

A Igreja não foi fundada por homens, nem sequer é uma nobre resposta humana a uma experiência de salvação realizada por Deus em Cristo. Nos mistérios da vida de Cristo, ungido pelo Espírito Santo, cumpriram-se as promessas anunciadas na Lei e nos profetas. Também na Sua vida – toda ela – foi fundada a Igreja. Cristo não fundou a Igreja num momento único, fundou-a ao longo da Sua vida: da encarnação à morte, ressurreição, ascensão e envio do Paráclito. Ao longo da Sua vida, Cristo – em quem o Espírito Santo habita – foi manifestando como deveria ser a Sua Igreja, dispondo algumas coisas e depois outras. Depois da Sua Ascensão, o Espírito Santo foi enviado a toda a Igreja e permanece nela, recordando tudo o que o Senhor disse aos apóstolos e guiando-a ao longo da história até à sua plenitude. Ele é a causa da presença de Cristo na Sua Igreja pelos sacramentos e pela Palavra, e continuamente a adorna com vários dons hierárquicos e carismáticos (cf. Lumen gentium, n. 4 e 12). Pela Sua presença cumpre-se a promessa do Senhor de estar sempre com os Seus, até ao fim dos tempos (Mt 28, 20).


2. Povo de Deus, Corpo de Cristo e Comunhão dos Santos

Na Sagrada Escritura, a Igreja recebe diversos nomes, cada um dos quais destaca de maneira especial alguns aspetos do mistério da comunhão de Deus com os homens. “Povo de Deus” é um título que Israel recebeu. Quando aplicado à Igreja, o novo Israel, significa que Deus não quis salvar os homens isoladamente, mas constituindo-os num único povo unido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que O conhecesse na verdade e O servisse santamente (cf. Lumen gentium, n. 4 e 9; S. Cipriano, De Orat Dom. 23; CSEL 3, p. 285).

Também significa que ela foi escolhida por Deus. O Povo pertence a Deus e não é propriedade de nenhuma cultura, governo ou nação. É também uma comunidade visível que caminha – entre as nações – rumo à sua pátria definitiva. Neste último sentido pode-se dizer que «Igreja e sínodo são sinónimos» (S. João Crisóstomo, Explicatio in Psalmum 149: PG 55.493). Caminhamos todos juntos para o mesmo destino comum, todos somos chamados à mesma missão, todos estamos unidos em Cristo e no Espírito Santo com Deus Pai. Nesse povo, todos têm a dignidade comum de filhos de Deus, a missão comum de ser sal da terra, e um objetivo comum, que é o Reino de Deus. Todos participam das três funções de Cristo[3].

Quando dizemos que a Igreja é o “corpo de Cristo” queremos sublinhar que, mediante o envio do Espírito Santo, Cristo se une intimamente aos fiéis, sobretudo na Eucaristia, porque nela os fiéis permanecem e crescem unidos em caridade, formando um só corpo na diversidade de membros e funções. Indica também que a saúde e a doença de um membro afetam todo o corpo (cf. 1Cor 12, 1-24), e que os fiéis, como membros de Cristo, são Seus instrumentos de trabalho no mundo[4]. A Igreja também é chamada «Esposa de Cristo» (Ef 5, 26), o que acentua, na união que a Igreja tem com Cristo, a distinção entre Cristo e a Sua Igreja. Esta definição assinala também o carácter definitivo da Aliança de Deus com os homens, a fidelidade de Deus às suas promessas, e a correspondência fiel da Igreja ao ser Mãe fecunda de todos os filhos de Deus.

O Concílio Vaticano II retomou uma antiga expressão para designar a Igreja: “comunhão”. Isso indica que ela é a expansão da comunhão íntima da Santíssima Trindade com os homens, que nesta terra ela já é comunhão com a Trindade divina, embora não tenha ainda sido totalmente consumada. Além de comunhão, a Igreja é sinal e instrumento dessa comunhão para todos os homens. Por ela participamos da vida íntima de Deus e pertencemos à família de Deus como filhos no Filho (cf. Gaudium et spes, n. 22), pelo Espírito Santo. Isso realiza-se especificamente nos sacramentos, principalmente na Eucaristia, também chamada muitas vezes comunhão (cf. 1Cor 10, 16).

A Igreja é communio sanctorum: comunhão dos santos, isto é, comunidade de todos aqueles que receberam a graça regeneradora do Espírito, pela qual são filhos de Deus, unidos a Cristo e chamados santos. Alguns ainda caminham nesta terra, outros já morreram e também são purificados com a ajuda das nossas orações. Outros, enfim, já desfrutam da visão de Deus e intercedem por nós. A comunhão dos santos significa também que todos os cristãos têm em comum os dons santos, no centro dos quais está a Eucaristia e todos os outros sacramentos, dons e carismas a ela se ordenam.

Pela comunhão dos santos, os méritos de Cristo e de todos os santos que nos precederam na terra ajudam-nos na missão que o próprio Senhor nos pede para realizar na Igreja. Os santos que estão no Céu não assistem com indiferença à vida da Igreja peregrina, e esperam que se realize a plenitude da comunhão dos santos com a segunda vinda do Senhor, o juízo e a ressurreição dos corpos. A vida concreta da Igreja peregrina e de cada um dos seus membros é de grande importância para o cumprimento da sua missão, para a purificação de muitas almas e para a conversão de muitas outras: «Não te esqueças: muitas coisas grandes dependem de que tu e eu vivamos como Deus quer»[5].

Ao mesmo tempo, é lamentável que, por força das suas limitações, erros ou pecados, os fiéis não correspondam como Deus quer. Algumas das parábolas do Reino explicam que o trigo convive com o joio, o peixe bom com o mau, até ao fim do mundo. S. Paulo reconheceu que os Apóstolos carregavam o grande tesouro em vasos de barro (cf. 2Cor 4, 7) e há várias admoestações no Novo Testamento contra os falsos profetas e contra aqueles que escandalizam os outros (por exemplo, Ap 2 e 3)[6].Como na Igreja primitiva, também agora os pecados dos cristãos (ministros ou fiéis não ordenados) têm uma certa repercussão na missão e nos outros cristãos. Esta repercussão é maior quando a pessoa que peca – por ação ou omissão – é um ministro ou tem a responsabilidade de zelar pelos outros, podendo até causar escândalo (convite ao pecado). Embora os pecados afetem a comunhão e esse efeito possa até ser bastante visível, nunca pode ofuscar completamente a santidade da Igreja ou sufocar completamente a sua missão, porque isso seria o mesmo que afirmar que o mal é mais forte do que o amor que Deus manifestou e continua a manifestar pelos homens. Além disso, a repercussão do bem que tantos cristãos fazem é menos visível, mas muito maior, do que a do pecado. A oração de todos os cristãos pelo Papa, pelos bispos, por todo o clero, pelos religiosos e pelos leigos, é uma resposta de fé diante desta situação que a Igreja vive até que o seu mistério chegue à consumação na Pátria. Mesmo reconhecendo a presença de pecadores na Igreja, S. Josemaria afirmou que tal «não autoriza de maneira nenhuma a julgar a Igreja por critérios humanos, sem fé teologal, atendendo apenas ao maior ou menor valor de certos eclesiásticos ou de certos cristãos. Proceder assim é ficar à superfície. O mais importante na Igreja não é ver como correspondemos nós, os homens, mas sim o que Deus realiza. A Igreja é isto mesmo: Cristo presente entre nós; Deus que vem ao encontro da humanidade para a salvar, chamando-nos com a sua revelação, santificando-nos com a sua graça, sustentando-nos com a sua ajuda constante, nos pequenos e grandes combates da vida de todos os dias. Podemos chegar a desconfiar dos homens, e cada um está obrigado a desconfiar pessoalmente de si mesmo e a concluir cada um dos seus dias com um mea culpa,com um ato de contrição profundo e sincero. Mas não temos o direito de duvidar de Deus. E duvidar da Igreja, da sua origem divina, da eficácia salvífica da sua pregação e dos seus sacramentos, é duvidar do próprio Deus; é não acreditar plenamente na realidade da vinda do Espírito Santo»[7].

A comunhão dos santos está organicamente estruturada na terra, porque Cristo e o Espírito Santo fizeram e fazem dela o sacramento da Salvação, isto é, o meio e o sinal pelo qual Deus oferece a Salvação à humanidade. A Igreja estrutura-se internamente segundo as relações que existem entre os que, em virtude do Batismo, têm o sacerdócio comum e os que, além disso, receberam o sacerdócio ministerial pelo sacramento da Ordem. A Igreja estrutura-se também externamente na comunhão das Igrejas particulares, formadas à imagem da Igreja universal e cada uma presidida pelo seu próprio Bispo. Analogamente, esta comunhão ocorre noutras realidades eclesiais. A Igreja, assim estruturada, serve o Espírito de Cristo para a missão (cf. Lumen gentium, n. 8).


3. Sacerdócio comum

Ao entrar na Igreja, o cristão renasce em Cristo e, com Ele, torna-se rei e sacerdote pelo sinal da Cruz; pela unção do Espírito Santo é consagrado sacerdote. Além disso, alguns recebem o sacramento da Ordem, mediante o qual são habilitados a tornar Cristo presente sacramentalmente nos outros fiéis, seus irmãos, pregar a Palavra de Deus e orientar no que diz respeito à fé e à vida cristã. Com esta distinção entre a condição cristã comum e os ministros sagrados, Deus mostra-nos que quer comunicar a Sua graça através dos outros, que a salvação vem de fora de nós e não depende das nossas capacidades pessoais. Na Igreja de Deus há, pois, duas formas essencialmente diferentes de participar do sacerdócio de Cristo, que se ordenam mutuamente; esta ordenação mútua não é uma mera condição moral para o desenvolvimento da missão, mas o modo como o sacerdócio de Cristo se torna presente nesta terra (cf. Lumen gentium, n. 10 e 11).

O sacerdócio não se reduz, portanto, a um serviço específico na Igreja, porque todos os cristãos receberam um carisma específico e se reconhecem membros de uma linhagem real e participantes da função sacerdotal de Cristo (cf. S. Leão Magno, Sermões, IV, 1: PL 54, 149). Trata-se de uma condição comum a todos os cristãos, homens e mulheres, leigos e ministros sagrados, recebida pelo Batismo e reforçada pela Confirmação. Neste sentido, todos os cristãos têm em comum a condição de fiéis: ao serem «incorporados em Cristo pelo Batismo, são constituídos membros do povo de Deus. Tornados participantes, segundo a sua condição, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, são chamados a exercer a missão confiada por Deus à Igreja. Entre eles subsiste uma verdadeira igualdade, na sua dignidade de filhos de Deus»[8]. O sacerdócio comum é exercido em resposta ao chamamento à santidade e à continuação da missão de Cristo, que todos receberam no Batismo.

No judaísmo, nas religiões que rodearam Israel e em muitas outras religiões, é o sacerdote que age como mediador. Portanto, quem quer entrar em relação com Deus deve pedir ao sacerdote que o faça em seu nome. A função do sacerdote é a mediação: unir os homens a Deus, e Deus aos homens, oferecer sacrifícios e abençoar. Para explicar o sacerdócio dos fiéis, os Padres da Igreja enfatizaram que cada um dos cristãos tem acesso direto a Deus. Uma vez que todos nós participamos do sacerdócio de Cristo, há um imediatismo e proximidade de todos os cristãos a Deus.

Especificamente, o cristão – pela sua união com Cristo – está capacitado para oferecer sacrifícios espirituais, levar o mundo a Deus e Deus ao mundo. Todos os batizados são chamados a relacionar-se com Deus e com os outros. No sacerdócio comum, há uma dimensão ascendente e uma dimensão descendente. A dimensão ascendente permite-nos elevar a nossa vida a Deus com tudo o que ela implica, juntamente com Cristo. Nela, e através da Santa Missa, os nossos pequenos trabalhos e sacrifícios adquirem um valor de eternidade e, mais tarde, no Céu, vê-los-emos transfigurados.

A dimensão descendente do sacerdócio comum implica que o sacerdote comunique os dons de Deus aos homens. É o que nos torna instrumentos da santidade dos outros, por exemplo, através do nosso apostolado. Tal ocorre na missão dos pais quando ajudam os filhos a crescer na fé, na esperança e na caridade, ou na santificação do matrimónio e da vida familiar. Também acontece quando aproximamos os nossos amigos e colegas de trabalho a Deus: «Enquanto desenvolveis a vossa atividade no próprio seio da sociedade, participando em todas as nobres ocupações e em todas as obras justas dos homens, não deveis perder de vista o profundo significado sacerdotal que a vossa vida tem: deveis ser mediadores em Cristo Jesus para levar a Deus todas as coisas, e para que a graça divina vivifique tudo»[9]. Esta missão santificadora dos cristãos não ordenados está intimamente ligada à missão santificadora dos ministros sagrados, e dela necessita. S. Josemaria abordou este tema, falando especificamente do apostolado dos seus filhos, explicando que cada um «procura ser apóstolo no seu próprio ambiente de trabalho, aproximando as almas de Cristo mediante o exemplo e a palavra, isto é, através do diálogo. Mas, no apostolado, ao conduzir as almas pelos caminhos da vida cristã, chega-se ao muro sacramental. A função santificadora do leigo tem necessidade da função santificadora do sacerdote, que administra o sacramento da Penitência, celebra a Eucaristia e proclama a Palavra de Deus em nome da Igreja»[10].

O sacerdócio comum inclui também a verdadeira missão de Cristo, através da qual todos os cristãos fazem reinar Cristo na sua vida e ao seu redor, servindo os outros, especialmente os pobres, os doentes e todos os necessitados. O serviço é a forma de exercitar a dignidade real dos cristãos. Também nos ajuda a descobrir e realizar o que Deus tem em mente para o mundo.

Deus pensou o sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial mutuamente relacionados entre si na Igreja. O Seu sacerdócio surge na terra nessa articulação mútua. Por isso, o clericalismo traduz-se num desequilíbrio dessa ordenação mútua. Ocorre quando os ministros invadem o campo dos demais fiéis em assuntos e aspetos que não lhes dizem respeito, ou quando os fiéis não ordenados invadem o campo do sacerdócio ministerial cumprindo funções que pertencem aos ministros.


4. Diversidade de vocações na Igreja

A Igreja deve anunciar e estabelecer, entre todos os povos, o Reino de Deus inaugurado por Cristo. Na terra ela é a semente e o início deste Reino. Depois da Sua Ressurreição, o Senhor enviou os Apóstolos a anunciar o Evangelho, batizar e ensinar a cumprir tudo o que Ele tinha mandado (cf. Mt 28, 18-ss). O Senhor deixou à sua Igreja a mesma missão que o Pai Lhe tinha confiado (cf. Jo 20, 21). Desde o início da Igreja, esta missão foi realizada por todos os cristãos (cf. At 8, 4; 11, 19), que muitas vezes sacrificaram a própria vida para cumpri-la. O mandato missionário do Senhor tem a sua fonte no amor eterno de Deus, que enviou o Seu Filho e o Seu Espírito porque «quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (1Tm 2, 4).

Neste envio missionário estão contidas as três funções da Igreja na terra: o munus profeticum (anunciar a boa nova da salvação em Cristo), o munus sacerdotale, (tornar presente e transmitir a vida de Cristo que salva pelos sacramentos e pela graça) e o munus regale (ajudar os cristãos a cumprir a missão de levar o mundo a Deus e crescer em santidade). Embora todos os fiéis compartilhem esta mesma missão, nem todos desempenham o mesmo papel. Alguns sacramentos e carismas configuram e preparam os cristãos para determinadas funções ligadas à missão.

Como vimos, os que têm o sacerdócio comum e os que têm o sacerdócio ministerial estão mutuamente relacionados, de modo que tornam presente o sacerdócio e a mediação de Cristo na terra, os dons da graça, da força e da luz de que todos precisam para poder desempenhar a sua missão. Alguns deles foram conformados com Cristo, cabeça da Igreja, de modo específico, diferente dos demais. Tendo recebido o sacramento da Ordem, eles possuem o sacerdócio ministerial para tornar Cristo presente sacramentalmente em todos os outros fiéis. Quem recebe a plenitude do sacramento da Ordem são os bispos, sucessores dos Apóstolos. Quem recebe o sacramento da Ordem no segundo grau são os presbíteros, que ajudam diretamente os bispos. O terceiro grau do sacramento da Ordem – a ordenação diaconal –, configura o cristão com Cristo servidor, para auxiliar o bispo e os presbíteros na pregação, nas obras de caridade e na celebração de alguns sacramentos.

Em relação à missão de levar o mundo a Deus, duas grandes condições de vida estão ligadas a esta tarefa: os leigos têm a peculiar vocação de trazer o mundo a Deus a partir de dentro. Fazem-no ordenando, segundo Deus, as coisas temporais com que a sua vida está entrelaçada (cf. Lumen gentium, n. 31). Ao participarem do sacerdócio de Cristo, os leigos participam da Sua missão santificadora, profética e real[11]. Participam da missão sacerdotal de Cristo quando oferecem a própria vida, com todas as suas obras, como sacrifício espiritual, especialmente na Eucaristia. Participam da missão profética de Cristo quando acolhem com fé a Palavra de Cristo e a anunciam ao mundo com o testemunho da vida e da palavra. Participam da missão real de Cristo porque recebem d’Ele o poder de vencer o pecado em si mesmos e no mundo, por meio da abnegação e da santidade das suas próprias vidas, e impregnam de valores morais as atividades temporais do homem e das instituições da sociedade.

Outros, os consagrados, têm a peculiar vocação de se afastarem das realidades e atividades seculares, vivendo segundo um estado de vida específico que se assemelha, tanto quanto humanamente possível, à condição de vida que os homens terão no fim dos tempos (não se casam e muitas vezes vivem como irmãos em comunidades, não possuem propriedades, muitas vezes mudam de nome para significar que “morrem” para a sua vida anterior, etc.). Para entrar neste estado de vida, consagram-se de modo especial a Deus pela profissão dos conselhos evangélicos: castidade (no celibato ou na virgindade), pobreza e obediência. A vida consagrada é um estado de vida reconhecido pela Igreja, que participa na sua missão mediante a dedicação plena a Cristo e aos irmãos, dando testemunho da esperança do Reino dos Céus[12]. Em concreto, pelo seu estado de vida, lembram a todos que não têm morada permanente neste mundo, dão testemunho público de que todas as realizações humanas serão transfiguradas no dia da vinda do Senhor e conduzem o mundo a Deus como por atração, fora das atividades e assuntos dos quais se retiraram (cf. Lumen gentium, n. 44; PC, 5).

Leigos e religiosos levam o mundo a Deus a partir de diferentes posições: os primeiros, a partir de dentro e promovendo o desenvolvimento da criação segundo a vontade de Deus (cf. Gn 2, 15); os segundos, a partir de fora, atraindo a criação para a sua consumação, que antecipam simbolicamente no seu modo de vida. Os primeiros precisam de que os segundos lhes recordem que o mundo não pode ser levado a Deus sem o espírito das bem-aventuranças, os segundos precisam de que os primeiros lhes recordem que a vocação originária do homem é levar a criação à perfeição que Deus pensou para ela; uns e outros, em comunhão, servem para edificar o Reino de Deus. A vida consagrada também contribui muito para promover o cristianismo no mundo através das obras de caridade, beneficência e assistência social, às quais se dedica generosamente.

Além disso, na vida da Igreja surgem muitos caminhos e maneiras de realizar a missão comum. O século XX viu nascer muitas realidades, movimentos, novas comunidades monásticas e outras instituições mais recentes, e todas colaboram na evangelização a partir dos seus próprios carismas.


5. Oitavário pela unidade dos cristãos

A Igreja é Una porque a sua origem e modelo é a Santíssima Trindade; porque Cristo – seu fundador – restaura a unidade de todos em um só corpo; porque o Espírito Santo une os fiéis à Cabeça, que é Cristo. Esta unidade manifesta-se no facto de que os fiéis professam a mesma fé, celebram os mesmos sacramentos, estão unidos na mesma hierarquia, têm uma esperança comum e a mesma caridade.

Como sociedade constituída e organizada no mundo, subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele (cf. Lumen gentium, n. 8). Somente nela se pode obter a plenitude dos meios de salvação, pois o Senhor confiou todos os bens da Nova Aliança somente ao Colégio Apostólico, cuja cabeça é Pedro. Cristo deu unidade à Igreja e ela subsiste na Igreja Católica. Essa unidade não se perde por causa da desunião dos cristãos entre si. As separações entre cristãos causam, porém, uma ferida na Igreja, podendo causar escândalo e atrasar a evangelização.

Aqueles que nasceram num estado de separação da Igreja Católica não podem ser simplesmente considerados cismáticos ou hereges. Nas suas comunidades e Igrejas podem receber a graça através do Batismo. Nelas existem muitos bens de santificação e de verdade que vêm de Cristo e promovem a unidade católica, e o Espírito Santo serve-se deles como instrumentos de salvação, pois a sua força vem da plenitude de graça e verdade que Cristo deu à Igreja Católica[13].

Os membros dessas Igrejas e comunidades são incorporados a Cristo no Batismo e por isso os reconhecemos como irmãos. Estamos, com os cristãos que não pertencem à Igreja Católica, numa certa comunhão de orações e outros benefícios espirituais, incluindo uma certa união verdadeira no Espírito Santo (cf. Lumen gentium, n. 15). Pode crescer-se em unidade: aproximar-se de Cristo e ajudar outros cristãos a aproximarem-se d'Ele, promovendo a unidade no que é essencial, a liberdade no que é acidental e a caridade em tudo, tornando a casa de Deus mais habitável para os outros, crescendo na veneração e no respeito pelo Papa e pela hierarquia, ajudando-os e seguindo os seus ensinamentos.

O movimento ecuménico é uma tarefa eclesial que busca a unidade visível entre os cristãos na única Igreja fundada por Cristo. É um desejo do Senhor (cf. Jo 17, 21). Faz-se através da oração, da conversão do coração, do conhecimento fraterno recíproco e do diálogo teológico.

O Oitavário de oração pela unidade dos cristãos constitui uma das atividades de que se compõe o movimento ecuménico, situando-se no âmbito do chamado ecumenismo espiritual. Nasceu nos Estados Unidos da América em 1908, pelas mãos do episcopaliano Paul Watson, que mais tarde ingressou na Igreja Católica. Os Papas Pio X e Bento XV elogiaram e encorajaram todos os católicos a aderir a esta iniciativa. Celebra-se de 18 a 25 de janeiro, festa da Conversão de S. Paulo. Além da Igreja Católica, é vivida em várias Igrejas Ortodoxas e em muitas comunidades cristãs. Em alguns lugares pode incluir encontros de oração ou mesmo uma oração litúrgica, como as Vésperas, com a presença de cristãos que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica. Não obstante, o costume mais difundido é a oração pessoal pela intenção comum de unidade visível dos cristãos, durante os oito dias indicados.


Bibliografia básica

– Catecismo da Igreja Católica, n. 748-945.

– Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 147-193.

– S. João Paulo II, Ut unum sint, 25/05/1995.


[1] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 777; cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 147.

[2] Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 149; cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 778.

[3] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 782-786.

[4] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 787-795.

[5] S. Josemaria, Caminho, n. 755.

[6] «Em muitas ocasiões, de há mais de um quarto de século para cá, ao recitar o Credo e ao afirmar a minha fé na divindade da Igreja, una, santa, católica e apostólica, costumo acrescentar: apesar dos pesares. Quando alguma vez me acontece comentar este costume e alguém me pergunta a que quero referir-me, respondo: aos teus pecados e aos meus» (S. Josemaria,Cristo que passa, n. 131).

[7] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 131.

[8] Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 177.

[9] S. Josemaria, Cartas, n. 4.

[10] S. Josemaria, Entrevistas com o Fundador do Opus Dei, n. 69. «A santidade – quando é verdadeira – transborda do recipiente para encher outros corações, outras almas, dessa superabundância. Nós, os filhos de Deus, santificamo-nos santificando. – Alastra à tua volta a vida cristã? Pensa nisso diariamente» (S. Josemaria, Forja, n. 856).

[11] cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 189-191.

[12] cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 192-ss. «A nossa missão de cristãos é proclamar essa Realeza de Cristo; anunciá-la com a nossa palavra e com as nossas obras. O Senhor quer os seus em todas as encruzilhadas da Terra. A alguns, chama-os ao deserto, desentendidos das inquietações da sociedade humana, para recordarem aos outros homens, com o seu testemunho, que Deus existe. Encomenda a outros o ministério sacerdotal. À grande maioria, o Senhor quere-a no mundo, no meio das ocupações terrenas. Estes cristãos, portanto, devem levar Cristo a todos os ambientes em que se desenvolve o trabalho humano: à fábrica, ao laboratório, ao trabalho do campo, à oficina do artesão, às ruas das grandes cidades e às veredas da montanha» (S. Josemaria, Cristo que passa, n. 105).

[13] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 819.

Miguel de Salis Amaral