Quénia: começar uma faculdade de Direito

A Strathmore University abriu uma faculdade de Direito, a terceira do país africano. "Esperamos que das suas aulas saiam importantes advogados para o país", diz um dos responsáveis.

Os alunos de Strathmore sabem que serão agentes de mudança no país.

São oito da manhã. Os alunos de Strathmore entram no novo edifício de Direito. Caminham depressa, conversam animadamente. Sabem que o professor é pontual, pelo que procuram chegar com vários minutos de margem. São as primeiras gerações de estudantes na Faculdade de Direito e, ainda que eles não se apercebam, são parte importante da história da universidade.

Strathmore começou em 1961 como um college onde estudavam e conviviam pessoas de diferentes raças e credos. Era um desejo de S. Josemaría.

Começar uma faculdade de Direito, como se pode imaginar, não é uma tarefa simples. A experiência que pretendo relatar nestas páginas poderá, talvez, servir para outros países onde fiéis da Obra, cooperadores e amigos levam para a frente projetos de educação universitária.

Strathmore começou em 1961 como um college onde estudavam e conviviam pessoas de diferentes raças e credos. Era um desejo de São Josemaría que todos os homens aprendessem a viver unidos e pensava que o Quénia podia dar exemplo ao mundo neste sentido. Por isso, no escudo de Strathmore – que apresenta três corações que vibram em uníssono – pretendeu-se simbolizar que as três raças maioritárias no Quénia – africanos, europeus e asiáticos – trabalham unidas pelo desenvolvimento do país. Devido às leis segregacionistas dos anos sessenta, não era possível uma instituição educativa multi-racial e multi-religiosa. De todas as formas, os pioneiros de Strathmore não baixaram os braços e solicitaram as autorizações oportunas para começar o college. O governo aprovou finalmente uma lei especial e, no dia 6 de março de 1961, chegaram os primeiros alunos de Strathmore.

Sede da Strathmore Law School.

Cinco anos depois, em 1966, começou a School of Accountacy, que ministrava cursos de formação em finanças, com a colaboração da Associação de Contabilistas e Auditores da África do Este. Com o desenvolvimento destes cursos e de outros de Informática, em Strathmore sonhávamos atingir o estatuto de universidade. Em 1993, Strathmore College mudou-se para o campus de Madaraka, uma zona de Nairobi então pouco desenvolvida. Em 2001 conseguimos ter dois títulos universitários, Empresariais e Informática, sob o amparo de uma universidade pública com que se chegou a um acordo. Passado pouco tempo, obteve-se o reconhecimento temporal como universidade. Entretanto, conseguiram-se fundos para ampliar o campus e construiu-se o edifício da biblioteca, uma residência de estudantes e um salão de atos com capacidade para 500 pessoas. Finalmente em 17 de abril de 2008, o Presidente do Quénia conferiu a Strathmore o título de universidade.

Em 17 de abril de 2008, o Presidente de Quénia conferiu o título de universidade a Strathmore.

Nesse momento, tínhamos desenvolvido as especializações em Administração Empresarial, Comércio e Informática. Pese embora se tenha feito muito, sabíamos que ainda podíamos crescer mais e pensámos abrir uma faculdade de Direito. Em 2004, por ocasião de uma conferência em que participaram cerca de 500 advogados, alguns deles encorajaram-nos a seguir esta linha educativa, oferecendo-se para colaborar no projeto. No país existiam apenas duas universidades que ofereciam um título em Direito, pelo que o número de advogados era reduzido. Além disso, existiam sérias carências de pessoal qualificado para dar as aulas, já que o total de doutorados em Leis não superava a quinzena.

As licenças foram-se conseguindo a bom ritmo. No princípio de 2012, tínhamos já o edifício, os professores e toda a burocracia em ordem. Finalmente, no dia 28 de abril organizámos a cerimónia da inauguração da Strathmore Law School. Ao evento assistiram muitas personalidades do mundo jurídico e de alguns cargos públicos. A Orquestra Sinfónica Juvenil do Quénia animou a cerimónia com a interpretação de várias peças musicais. O discurso principal ficou a cargo do fiscal geral do país, que salientou que a universidade se caracteriza pelo seu serviço inigualável na educação e nos valores éticos que promove. Concluiu a seguir: a partir de agora, os olhos dos juristas do Quénia dirigir-se-ão para Strathmore e esperamos que das suas salas saiam importantes advogados para o país.

Meses antes da abertura, tivemos uma reunião com vários professores para elaborar o plano de estudos, no qual procurámos oferecer um currículo completo, incluindo cadeiras de conteúdo humanístico, como "Fundamentos do Direito Romano" e "Pensamento Crítico". Além disso, seria obrigatório o estudo de uma língua estrangeira, à escolha entre chinês, japonês, espanhol, francês ou alemão.

Frequentemente os alunos reúnem-se com um professor, para resolver dúvidas e casos práticos.

Um segundo ponto consiste na distribuição de computadores, que os estudantes pagam ao longo dos quatro anos da licenciatura. Além de ser uma ferramenta útil, os computadores portáteis implicaram uma poupança quer para a faculdade quer para os estudantes, já que gastámos pouco dinheiro em livros e impressões. Para os suprir, subscrevemos bases de dados legais de investigação jurídica, nas quais se disponibilizam manuais e artigos e difundimos o uso da plataforma didática.

Com a ideia de ver outras formas práticas de Direito, estabelecemos a terceira base no nosso plano de estudos: a realização de uma viagem ao estrangeiro. Ao terminar o segundo ano, os alunos visitam várias instituições europeias. Desta maneira, conhecem organismos e sistemas jurídicos diferentes dos que existem no Quénia. Alguns nunca tinham viajado de avião nem tinham saído do país, pelo que a viagem tem a sua parte de aventura. Sem dúvida, é um eye-opener em todos os sentidos.

O quarto objetivo – ainda que possa parecer um pouco atrevido, é muito importante para nós – consiste em proporcionar que professores conhecidos internacionalmente venham à universidade. Alguns dos que já nos visitaram provinham de Harvard, Notre Dame, Stanford, Oxford ou Navarra. Geralmente permanecem poucos dias, conhecem as instalações e fazem algumas conferências na faculdade. Procuramos aproveitar a sua estadia para estreitar laços com as suas respetivas universidades. Recordo a boa impressão com que ficou um professor da New York University. Durante os dias que passou em Strathmore, foi nomeado membro do Conselho Assessor da faculdade e, antes de se ir embora, fez um importante donativo para o fundo de bolsas.

Queríamos que o estudo do Direito em Strathmore tivesse um forte impacto social. Para o conseguir, estabelecemos práticas obrigatórias.

Por último, pretendíamos que em Strathmore o estudo do Direito tivesse um forte impacto social. Para o conseguir, estabelecemos práticas obrigatórias, como trabalhar 200 horas num escritório de advogados, fazer algumas visitas aos tribunais de Nairobi ou passar as últimas oito semanas do curso nas clínicas jurídicas, organismos de assessoria que resolvem problemas das pessoas dos bairros mais pobres da capital.

Eric Schmidt, presidente do Conselho de Administração do Google, visitou a Law School.

Na Strathmore Law School também surgiram alguns órgãos que facilitam a investigação dos professores e, ao mesmo tempo, são óptimas plataformas para promover a cultura jurídica no Quénia. Nos últimos anos consolidaram-se as seguintes:

Strathmore Dispute Resolution Centre, que se dedica a arbitrar e mediar conflitos com um grupo de peritos à sua disposição.

Centre of Intellectual Property and Technology Law, centrado na investigação, ensino e assessoria da legislação sobre copyright e patentes.

Strathmore Law and Policy Institute, um think-tank para assessorar o governo e o poder judicial em matérias de legislação.

Strathmore Tax Research Centre, que organiza cursos e conferências sobre impostos nacionais e internacionais, em colaboração com um instituto semelhante da Universidade de Oxford.

Centre of Oil and Gas Law, que está a colaborar na legislação sobre o petróleo recentemente encontrado no Quénia.

Centre of Business and Human Rights, que procura envolver-se no atualíssimo debate sobre os Direitos Humanos, defendidos na perspetiva do desenvolvimento e da justiça.

Visita de alunos ao Tribunal Internacional da Haia.

Além disso, a faculdade de Direito está a ser um bom instrumento para o apostolado pessoal cristão dos que ali trabalham. Por exemplo, organizámos várias aulas de doutrina cristã para advogados nas primeiras horas da manhã, antes de entrarem nos seus escritórios. As visitas de outros professores servem para explicar a mensagem cristã que nos move a servir a sociedade, bem como o espírito da Obra que nos alenta. Entre os estudantes, alguns animam os seus companheiros a participar na Missa que diariamente se celebra na universidade.

Gostaria de terminar este artigo com as palavras de um estudante de religião muçulmana na Strathmore Law School, que foram publicadas por um importante jornal e que podem dar uma ideia de como está a ser acolhida esta iniciativa no país. “A admissão em Strathmore foi a melhor coisa que me aconteceu na minha vida. Há um ambiente contagioso. Aprende-se a sério e, além disso, divertimo-nos. Os professores são amáveis, próximos, mas sabem exigir-nos para fazer brilhar a jóia que cada um leva dentro de si”.