Personagens de uma história divina

Centrando-se na surpreendente história de Irene Kalpas, Pablo Perez, Professor de História Contemporânea na Universidade de Navarra, fala sobre como a história do Opus Dei pode ser contada através de cada uma das pessoas que encontraram o seu caminho para Deus nesta instituição da Igreja Católica.

🎙 Link para os restantes artigos da série: “Fragmentos de história, um podcast sobre o Opus Dei e a vida de S. Josemaria


Falando como historiador profissional, estou cada vez mais convencido de que a melhor maneira de compreender a verdade sobre a história é conhecer melhor os seus protagonistas.

A história, na minha opinião, é a recordação do uso feito da sua liberdade por aqueles que nos antecederam no tempo. E quanto melhor soubermos como decidiram e o que decidiram, melhor compreenderemos a história que ajudaram a fazer.

Assim, para conhecer melhor o Opus Dei e a sua história, penso que a chave é conhecer melhor mais pessoas do Opus Dei, incluindo as que já faleceram. De facto, só é possível apreender o sentido completo da vida de uma pessoa depois de esta ter morrido. Aqueles de nós que experimentaram a morte dos nossos próprios pais, sabemos que também encontrámos as nossas próprias vidas iluminadas de uma forma completamente nova por este triste acontecimento.

Esta realidade de como a nossa vida adquire todo o seu significado apenas com a nossa morte levou-me a interessar-me por uma secção do Boletim Oficial da Prelatura da Santa Cruz e do Opus Dei. O Boletim chama-se Romana e é publicado duas vezes por ano em Roma. Quase todas as suas secções estão disponíveis online em espanhol e inglês, exceto uma que costumava estar disponível online mas que já não está, e que, no contexto desta palestra, me interessa mais. Esta é a secção chamada In Pace. Em Paz. Reúne os nomes dos fiéis do Opus Dei que faleceram durante os seis meses anteriores.

Portanto, quando me pediram para falar sobre a história do Opus Dei, a primeira coisa que fiz foi ler algumas das breves biografias de pessoas do Opus Dei na secção In Pace de Romana. Fiquei imediatamente impressionado com uma que li em Romana 54 (janeiro-junho de 2012):

Irene Kalpas nasceu em Varsóvia a 13 de agosto de 1915. Aos 24 anos de idade, durante a Segunda Guerra Mundial, ficou viúva; o seu marido era um oficial polaco assassinado em Katyn. Em 1944, toda a sua família foi dispersa por vários campos de concentração. Irene passou o resto da guerra no campo de Ravensbrück. Após a guerra, trabalhou num gabinete governamental em Varsóvia. Conheceu o Opus Dei a 26 de junho de 2002, e foi cativada pelo espírito da Obra e pelo caráter e personalidade de S. Josemaria. Tornou-se membro da Prelatura em 2003, aos 88 anos de idade, e a partir daí deu uma dimensão apostólica a toda a sua vida. Lidou com um grande número de pessoas, especialmente jovens, que lhe pediam conselhos. Foi fiel a esse apostolado até aos últimos momentos da sua vida, com uma dedicação autossacrificial que superou o seu estado de saúde e as dificuldades causadas pela fadiga e as limitações da idade. Pedindo a Deus a graça de "perseverar até ao fim", morreu em Varsóvia a 23 de março de 2012.

Quando li esta biografia, por acaso tinha acabado de ver o filme Katyn sobre os acontecimentos brutais que tiveram lugar na floresta de Katyn, perto de Smolensk, em território que fazia então parte da União Soviética. Tinha-o mostrado aos meus alunos de história na escola de comunicação para os ajudar a compreender a complexidade desse acontecimento histórico e o sofrimento a que ele tinha dado origem. E assim, quando li essa breve biografia em Romana, percebi que uma viúva do massacre de Katyn era também protagonista na história do Opus Dei.

Há algum tempo atrás, ao conversar com alguns jovens que me tinham pedido para falar sobre a história do Opus Dei, como estou a fazer agora, usei este exemplo. E fiquei bastante surpreendido quando, no final da minha conversa, um dos jovens que lá estavam veio ter comigo e disse-me: "Olha, eu conheço essa mulher". Ele próprio era polaco. E depois contou-me esta história, que vou relatar brevemente.

Mas primeiro, quero falar um pouco sobre o massacre de Katyn, que foi horrível. Se não o conhecer, recomendo que leia um breve relato do que realmente aconteceu ali. A verdade esteve escondida durante muitos anos. As sepulturas foram descobertas quando os alemães ocuparam a zona soviética no seu ataque contra a URSS. Encontraram enormes sepulturas comuns, que continham mais de 20.000 corpos (calculam que os soviéticos assassinaram 23.000 pessoas com uma bala na nuca, incluindo padres, intelectuais, e sobretudo oficiais do exército, entre 13.000 e 16.000 oficiais do exército).

Quando os alemães descobriram as sepulturas, os soviéticos afirmaram que na realidade os alemães os tinham matado e que tentar colocar a culpa nos comunistas, nos russos, era uma mentira fascista. Tal como os nazis, não se podia confiar neles. As pessoas tinham dúvidas sobre os factos. Não querendo tornar-se inimigos de Estaline, os aliados, especificamente os ingleses, deixaram passar todo o episódio.

É claro que Irene Kalpas tinha vivido profundamente o sofrimento causado por esse acontecimento. Além disso, a sua casa tinha sido gravemente danificada na revolta de Varsóvia de 1944, sobre a qual não temos tempo de falar aqui em pormenor. Ela não tinha sido capaz de herdar aquela casa para si própria, devido às dificuldades legais que surgiram. Causou-lhe tanta tristeza voltar atrás e vê-la que tentou evitar a sua antiga casa nas suas viagens por Varsóvia, quando era uma trabalhadora do governo na Polónia comunista, depois de regressar do campo de concentração. Mas à medida que foi crescendo, teve de ir ao oculista com alguma frequência, e o oculista mudou-se para um novo local na mesma rua onde tinha vivido, na Rua Filtrova, número 27. E ela foi ao oculista várias vezes.

Apanhou o elétrico e nunca mais passou a pé para ver a sua antiga casa. Não queria vê-la por causa das emoções que despertava. Até que um dia, sem ser capaz de explicar porquê (sentiu-se impelida interiormente a fazê-lo), saiu do elétrico e decidiu continuar a caminhar ao longo da rua até Filtrova 27. Quando lá chegou, queria ver se as belas rosas do jardim ainda lá estavam (era 26 de junho de 2002), por isso foi até ao portão para dar uma olhadela mais atenta. Finalmente, tocou à campainha. Um jovem agradável abriu a porta e perguntou-lhe se a podia ajudar. Ela respondeu: "Queria ver se as rosas ainda cresciam no jardim, nas traseiras".

"Muito bem, entre". A casa tinha mudado muito desde o seu tempo (como disse, tinha sido muito danificada na revolta de 1944). O que tinha sido a sala de jantar era agora uma biblioteca, com um retrato de João Paulo II pendurado por cima da mesa. Disse: "Sabe, eu vivi aqui. A sala de jantar costumava estar ali". A sala de estar era agora um pequeno oratório. Onde muitos dos acontecimentos mais comoventes da sua vida tinham tido lugar, ela encontrou agora Cristo no sacrário. Perguntou com surpresa: Que lugar é este? O jovem explicou que era um centro do Opus Dei.

A sua surpresa deu origem a mais perguntas. Perguntou sobre a Obra, sobre este caminho para santificar a vida quotidiana, e com o tempo percebeu que este caminho também se destinava a ela. E como diz num vídeo muito bonito no site do Opus Dei (que pode ser visto aqui), encoraja os mais velhos dizendo-lhes que é sempre um bom momento para seguir fielmente a voz de Deus quando a ouvimos, porque isso leva à felicidade.

Portanto, esta é a história de Irene Kalpas, e é também a história do Opus Dei: a vida de cada pessoa que faz parte dele, uma vez que Deus lhes mostrou que este é o caminho que Ele quer para eles no mundo.