Os primeiros agregados do Opus Dei

Neste episódio de “Fragmentos de história”, o historiador Constantino Ánchel percorre a história do primeiro agregado do Opus Dei e descreve como se foi estendendo a vocação à Obra como agregado nos anos seguintes em várias cidades espanholas.

🎙 Link para os restantes artigos da série: “Fragmentos de história, um podcast sobre o Opus Dei e a vida de São Josemaria


A vocação ao Opus Dei é a mesma para todos os membros. Existem simplesmente modos diferentes de viver essa mesma chamada, segundo as circunstâncias pessoais de cada um. Neste episódio, Constantino Ánchel explica como foi o caminho pelo qual chegaram a incorporar-se ao Opus Dei os primeiros agregados – homens – a partir de 1950.

Constantino Ánchel é doutorado em Teologia e investigador do Centro de Estudos Josemaría Escriva, autor de diversos textos sobre a história do Opus Dei.


Desde os inícios, São Josemaria explicou que, para pertencer ao Opus Dei, é necessária uma chamada, uma vocação divina, cujo conteúdo é o mesmo para todos os seus membros: procurar a santidade no meio do mundo santificando o trabalho profissional e as realidades seculares em que vivem. É algo análogo ao que acontece na Igreja: ainda que haja diversidade de membros, todos receberam o mesmo batismo que os incorpora na missão da Igreja e onde todos estão chamados à plenitude cristã.

Assim, no Opus Dei, há uma unidade de vocação. O fenómeno vocacional é idêntico em todos, pois todos têm a mesma chamada para alcançar a santidade na vida quotidiana segundo o espírito do Opus Dei. Os meios de santificação são os mesmos, o direito a receber a formação é idêntico e o dever da Obra de proporcionar essa assistência espiritual e formativa é igual para todos os membros. Todos participam plenamente no apostolado próprio da Obra.

Partindo desta unidade de vocação, o que caracteriza numerários, agregados e supranumerários é a maior ou menor disponibilidade habitual de cada um «para se dedicarem às tarefas de formação e a determinados trabalhos apostólicos». Tal disponibilidade depende das circunstâncias pessoais, familiares e profissionais. Não se distinguem, pois, num maior ou menos empenho em alcançar a santidade e viver a missão apostólica, que é total para todos.

O primeiro agregado do Opus Dei

Aqueles que, nos primeiros anos, seguiram São Josemaria eram, na sua maioria, jovens universitários, mas a visão fundacional era muito mais ampla, pois abarcava as pessoas de todos os setores da sociedade.

Inicialmente, a legislação canónica e a doutrina teológica da época não contemplavam que uma única instituição acolhesse a variedade de pessoas às quais o Opus Dei estava chamado a dirigir-se. A partir de 1950, isto mudou. Neste podcast vamos percorrer a história do primeiro agregado e, a partir daí, ver como se foi estendendo a vocação à Obra como agregado, entre os homens, nos anos posteriores. Noutro podcast analisa-se a expansão entre as mulheres.

O primeiro que pediu a admissão como agregado foi Francisco Navarro Rodríguez. Qual foi o itinerário que seguiu? Tinha nascido em Valpeñas, na província de Ciudad Real, em 1922. O pai administrava uma loja de comestíveis e a mãe ocupava-se dos trabalhos da casa. Realizou os estudos primários e secundários na sua terra. A educação moral e religiosa recebida na família era básica e não especialmente fervorosa. Com a chegada da guerra civil, e perante a impossibilidade de qualquer tipo de culto cristão, produziu-se um certo esfriamento. Ao concluir a guerra, com 17 anos, começou a carreira de Comércio, uma Especialização Mercantil. Era um curso médio.

No ano seguinte, em 1940, houve um acontecimento que o fez refletir e reorientar a sua vida espiritual. Teve uma doença que o obrigou a estar três ou quatro meses de repouso. Nesses dias, leu o Novo Testamento todo seguido e, no final, chegou à conclusão de que tinha de mudar de vida, pois estava um tanto afastado da Igreja. A sua vida religiosa consistia em rezar alguma oração a Nossa Senhora ao deitar e nada mais, pois não ia à igreja para nada. Assim, pois, fez uma confissão geral e começou a ir à Missa nos dias festivos e a comungar de dois em dois ou três em três em meses (na altura, não era habitual a comunhão frequente).

Recuperada a saúde, prosseguiu os estudos de Comércio e decidiu preparar um concurso, para trabalhar num banco de implantação nacional, que se realizaria no último trimestre de 1941. Perante a dificuldade que se lhe apresentava e o interesse em conseguir esse lugar, Navarro tomou uma decisão: «Lembrei-me – explica – de fazer um pacto com o Senhor. Se passasse no concurso, comungaria diariamente durante seis meses». Conseguiu e, como era homem de palavra, cumpriu a promessa e conta que, ao acabar o compromisso, sentiu necessidade de continuar a comungar diariamente.

Passados dois anos, em abril de 1943, pediu e concederam-lhe a transferência para a capital de província, Ciudad Real. Ali, recorda, «esperava adquirir mais conhecimentos bancários e aprofundar também na vida interior». Na capital de província, começou a trabalhar na Ação Católica, onde entrou em contacto com o Pe. Nicolás Úriz, recentemente nomeado conselheiro da secção juvenil. Este necessitava duma pessoa que exercesse a função de presidente e escolheu Navarro para essa tarefa. Os dois esforçaram-se nesse trabalho de tal modo que, em pouco tempo, aumentou consideravelmente o número de participantes nas atividades da Ação Católica.

Francisco Navarro dedicou todo o seu tempo livre ao apostolado da Ação Católica, enquanto se esforçava por melhorar no campo profissional e mantinha o teor de vida cristã iniciado desde a sua segunda “conversão”. O cuidado da sua vida de piedade e o esforço apostólico fizeram-no ver a sua existência com novas luzes e tornou-se-lhe patente a necessidade de aprofundar na sua vida espiritual. Esta situação interior que vem a ser uma “terceira conversão”, a descrevia assim: «À medida que me ia entregando mais no trabalho do Centro (de Ação Católica), via mais claro a necessidade de vida interior e crescia em mim o desejo de me entregar mais ao Senhor. Começou a manifestar-se em mim a vocação – viver em celibato na minha profissão, voltado para o apostolado, mas, todos os sacerdotes que consultava, diziam-me que isso não era possível. Se tinha esse desejo de entrega podia ser sacerdote, ir para um seminário que havia em Salamanca “para vocações tardias” ou ingressar na Companhia de Jesus. Esta era a solução que o diretor espiritual também propunha, mas eu não estava de acordo com isso e continuava a procurar a solução».

Imerso nesta situação espiritual, leu numa revista a notícia da ordenação dos três primeiros sacerdotes do Opus Dei. A breve alusão a esta Instituição que aparecia no artigo pareceu-lhe interessante e pensou que aquilo poderia ser uma resposta às suas inquietações. Tudo isto aconteceu nos finais de 1944 ou começos de 1945.Fez os possíveis por conseguir uma direção para se pôr em contacto com o Opus Dei, mas não conseguiu, durante uns meses, um resultado positivo. Além de desejar um encontro pessoal, o seu interesse levou-o a procurar notícias e artigos que falassem do Opus Dei.

Algum tempo depois, soube que uma revista que se editava em Bilbao, chamada “El Mensajero del Corazón de Jesús”, tinha uma morada. Imediatamente, perguntou para esse local se conheciam o domicílio da Obra. Responderam-lhe que só conheciam o domicílio de Bilbau. Escreveu para essa direção e responderam-lhe que seria melhor dirigir-se a Diego de León, n.o 14, em Madrid. Depois de quase quatro anos de procura, encontrou o modo de conhecer, em primeira mão, aquela realidade eclesial que, de modo inesperado, tinha captado o seu interesse. No dia 30 de novembro de 1948, escreveu uma carta dirigida ao “Sr. Diretor do Opus Dei”. Explicava nessa carta que sentia desejos de perfeição – como era comum referir-se à santidade naquela época –, mas afirmava não ter vocação para o sacerdócio nem para a vida religiosa. Informava que tinha 26 anos, era empregado bancário, Especialista Mercantil e solteiro. Além disso, perguntava quais os requisitos necessários para participar nessa Obra já que considerava que nela poderia alcançar o ideal a que aspirava.

Teve resposta a 20 de dezembro. Quem escrevia era precisamente uma daquelas três pessoas que se haviam ordenado em 1944: José Luis Múzquiz. Na carta, dava-lhe uma lista de artigos da imprensa sobre o Opus Dei e acrescentava: «De qualquer maneira, se passar em alguma ocasião por Madrid, não tenha inconveniente em vir visitar-me para conversarmos sobre as suas inquietações de vocação».

Navarro leu atentamente a carta e a 21 de dezembro voltou a escrever. Dizia que já conhecia a literatura indicada e perguntava se a sua condição de não universitário era um obstáculo para pertencer à Obra. Assim o manifesta na sua resposta: «tenho dúvidas acerca das circunstâncias necessárias para pertencer ao Instituto; por esse motivo lhes indicava na carta anterior que tinha 26 anos, era empregado na Banca e possuía o título de Especialista Mercantil. É neste último dado que tenho mais dúvidas visto que creio que serão necessários estudos superiores para poder ser membro dessa Instituição». Por último, declara-se disposto a entrevistar-se em Madrid desde que seja num dia não-laboral.

Por fim, marcou-se a entrevista para o último domingo de fevereiro, dia 27, às três da tarde, na sede do Opus Dei da rua Diego de León. Ao chegar, não foi Múzquiz quem o atendeu, pois, poucos dias antes, tinha partido para os Estados Unidos. Em seu lugar, atendeu-o um jovem de uns 30 anos chamado Amadeo de Fuenmayor. Na conversa expressou as suas dúvidas sobre a entrega e Fuenmayor falou-lhe de Isidoro Zorzano, que se tinha santificado no meio do mundo, no exercício do seu trabalho profissional. Navarro não explica se Fuenmayor, ao apresentar o exemplo de Isidoro Zorzano lhe insinuou de que modo podia incorporar-se ao Opus Dei. Navarro entendeu claramente que a sua entrega a Deus podia realizar-se no Opus Dei.

Francisco Navarro regressou a Ciudad Real, onde prosseguiu o seu trabalho no banco e continuou a sua dedicação à implantação e consolidação da juventude da Ação Católica. Esforçou-se por levar à prática os conselhos recebidos em Madrid e, quer por meio de cartas quer por viagens à capital, intensificou o seu conhecimento da vocação ao Opus Dei.

A 11 de dezembro de 1949, regressou de novo a Madrid, pois Fuenmayor que tinha recebido a ordenação sacerdotal, convidou-o para uma recoleção de um dia que ele próprio pregava. Ao acabar, falaram enquanto passeavam e, entre outras coisas, Fuenmayor propôs-lhe que organizasse um retiro com os jovens da Ciudad Real em Molinoviejo, na província de Segóvia. Junto com o conselheiro da Ação Católica, Nicolás Úriz, deitou mãos à obra e, concretizada a data, a 17 de março de 1950, apresentou-se em Molinoviejo acompanhado de 22 jovens da zona manchega.

No envelope da última carta que Navarro escreveu antes dos exercícios espirituais, em março de 1950, Amadeo Fuenmayor apontou esta frase: «Que procure ver-me (pode apitar!)» o que significava que podia unir-se rapidamente ao Opus Dei. Até esse momento, Fuenmayor não tinha dado uma resposta positiva ao desejo de Francisco Navarro de pertencer ao Opus Dei.

Por um lado, atuou assim por prudência: na sua tarefa de acompanhamento espiritual, tinha de discernir as disposições e as qualidades de Navarro para se certificar de que entendia a vocação à Obra e estava em condições de corresponder assim como perceber qual seria o perfil mais idóneo para ele.

Em Molinoviejo, conheceu Ramón Montalat, um leigo que estava à frente da atividade. O sacerdote pregador era o Pe. Jesús Urteaga. Além das meditações e palestras, havia muito tempo para a meditação e reflexão pessoal. Navarro falou com calma com o sacerdote e, se ainda tinha dúvidas, estas acabaram por se desvanecer. Assim o contava a Fuenmayor a 24 de março de 1950: «Os dias vividos em Molinoviejo foram de muita luz para mim e pude resolver muitas dúvidas, quer com o Pe. Jesús quer com Ramón, mas, de qualquer forma, presumo que terá de dizer-me alguma coisa nova».

Acabaram os exercícios espirituais e Francisco Navarro saiu com a ideia de passar por Madrid nessa mesma quarta feira, dia 22, e falar com Amadeo Fuenmayor para lhe manifestar a sua decisão de ser do Opus Dei, mas não pôde ser devido a um imprevisto. Assim, depois de um intercâmbio epistolar, ficaram de se encontrar no domingo, 30 de abril. Depois de falar com Fuenmayor, escreveu a Josemaria Escrivá, solicitando ser admitido no Opus Dei. Na carta, resume assim a sua trajetória: «Querido Padre: desde o ano de 1945 em que comecei a ouvir falar da Obra, começou em mim o desejo de conhecê-la e comecei a consegui-lo a partir de 1949, mês de fevereiro, em que estabeleci contacto com Amadeo Fuenmayor. Pelas conversas que tive com ele desde então, vou assimilando o espírito da Ora, especialmente depois de ter realizado Exercícios Espirituais em Molinoviejo, por isso solicito a minha admissão como sócio supranumerário interno (segundo a nomenclatura de então, seria o equivalente aos atuais agregados). Esperando que aceite o meu desejo, cumprimenta-o carinhosamente Francisco Navarro Rodríguez».

A partir dessa data, Navarro começou a participar nos meios de formação do Opus Dei, que, nos primeiros meses, eram só para ele. Esteve nesta situação até 8 de dezembro de 1950 em que se produziu um acontecimento digno de nota: Rafael Poveda Longo e Pedro Zarandona Antón pediram a admissão no Opus Dei como agregados. Pouco depois, a 14 de fevereiro de 1951, Francisco Uceda Toledo fez mesmo.

Desenvolvimento e crescimento nos anos de 1950- 1952

Há muitos documentos que relatam o caminho que conduziu os primeiros agregados ao Opus Dei. Os relatos de muitos deles encheriam muitas páginas, mas como a limitação de tempo e espaço não permite alongar-se, explicaremos de modo esquemático como se deu o crescimento do número dos agregados nos primeiros anos.

O primeiro foco situa-se quase ao mesmo tempo em Madrid e em Ciudad Real. Na capital manchega, como consequência dos exercícios espirituais de Molinoviejo, vários jovens decidiram manter e fomentar a relação com o Opus Dei. A isso ajudava também o trabalho do conselheiro Pe. Nicolás Úriz que, por essa altura tinha pedido a admissão na Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz. Para dar os meios de formação específicos, vinham com frequência alguns leigos de Madrid e reuniam-se com estes jovens num parque, num bar ou em casa de algum deles. Desde o início, se sentia a necessidade de um local onde se pudessem reunir, o que se conseguiu passados três anos. Passado pouco tempo, os que tinham pedido a admissão, vinham com frequência a Madrid, especialmente para as recoleções mensais.

Em Madrid, através dos conhecidos de Poveda e Uceda, forma-se um grupo que aumenta de mês para mês. Amadeo de Fuenmayor segue os seus primeiros passos. Em agosto de 1951, consegue-se um apartamento na rua de Bravo Murillo, no bairro de Tetuán. Também em Madrid, havia outro grupo de agregados que eram estudantes da Universidade ou de cursos médios e profissionais jovens que tinham algum diploma universitário. Estes começaram a reunir-se, primeiro num apartamento na rua de Sagasta. Mais tarde, encontraram outro apartamento na rua de Menorca que chamaram Estúdio. Os dois grupos, juntos com o de Ciudad Real, tinham o mesmo conselho local, quer dizer, os mesmos responsáveis locais pela sua formação e impulso apostólico. Também as recoleções mensais que se organizavam em algumas igrejas de Madrid eram para todos.

Fora de Madrid, o crescimento teve, como ponto de partida, aquelas cidades em que havia Centro do Opus Dei. Assim aconteceu, nestes primeiros anos em Saragoça, Barcelona, Valência, Granada e um pouco em Santiago de Compostela e Salamanca. Em Valladolid, Bilbau e Sevilha levou mais tempo a lançar raízes. Falaremos de algumas delas.

Em Barcelona, o primeiro que pediu a admissão foi um estudante de Direito que frequentava o Colegio Mayor Monterols, Francisco Javier Hervada. Tinha inquietações de vocação ao celibato, mas não considerava que o seu lugar fosse como numerário. No outono de 1951, pediu a admissão. Para facilitar que outros jovens pudessem discernir o seu caminho, os diretores de Monterols pensaram em três possibilidades. Por um lado, animar os catalães da residência a conhecer mais gente dos bairros de Barcelona e localidades próximas. Por outro, prestar mais atenção àqueles profissionais jovens não universitários e solteiros que iam às recoleções, meditações ou direção espiritual em Monterols. Em terceiro lugar, frequentar os lugares onde pudessem encontrar-se com trabalhadores jovens: saídas das fábricas, centros de reunião, etc.

Ao estudar a ajuda que podiam prestar os catalães de Monterols, viu-se que eram muitos e poucos os de Barcelona e arredores. Entre aqueles profissionais jovens, não universitários, já mencionados, encontravam-se alguns que se incorporariam ao Opus Dei como agregados no início de 1952. Mas a terceira opção foi o plano mais eficaz. Conta Julián Herranz que os diretores de Monterols pediram a uns quantos residentes que fossem ao encontro de jovens trabalhadores e empregados para os conhecer e falar-lhes do Opus Dei e dos meios de formação. Como, em princípio, não tinham nenhuma preferência, optaram por ir à saída de uma das indústrias mais conhecidas de Barcelona, La Maquinista Terrestre y Marítima que contava, então, com cerca de três mil trabalhadores, mas não foi este o único lugar. Foram também a Poble Nou, Badalona, Hostafranc, Hospitalet, Terrassa e Sabadell. Atendiam aqueles trabalhos Diego Martínez Caro, Javier de Pedro, Julián Herranz e alguns outros. No princípio iam um pouco à aventura, pois não dispunham de locais para falar ou dar palestras, servindo-se do que tinham mais à mão, como algum recanto de um bar ou lugares semelhantes. De facto, em breve conseguiram dispor do apartamento onde se instalou o primeiro centro de Barcelona, chamado El Palau, situado na rua Balmes, que se tornou o local de referência.

Em Saragoça, um jovem profissional do setor administrativo com inquietação vocacional foi orientado para o centro do Opus Dei pelo seu diretor espiritual, um religioso carmelita. Encontrou ali a resposta e em novembro de 1951 incorporou-se ao Opus Dei. No local da Ação Católica que frequentava, falou com alguns amigos seus e dois deles frequentaram o trabalho apostólico do Opus Dei. Eram operários que trabalhavam em várias oficinas da cidade. Assim começou uma cadeia e o trabalho apostólico cresceu entre trabalhadores dessas oficinas mecânicas, tendo vários deles pedido a admissão. Depressa puderam dispor dum local onde se reunir.

Em 1950, já havia em Valência um trabalho do Opus Dei bastante extenso e já se contava com um bom número de supranumerários, na capital e nas principais povoações da província. Foi esse o húmus que facilitou o desenvolvimento dos agregados na cidade e na província. Ainda que haja pouca documentação do ano 1951 e 1952, sabe-se que ao acabar o ano letivo de 1951/952, já havia alguns agregados em Valência. O que chama a atenção, à primeira vista, é a variedade de lugares de nascimento: Titaguas, Llombai, Foios, Pobla de Vallebona, Canals, etc, localidades à volta da cidade de Valência. Foram atendidos por Juan Antonio Paniagua e Constantino Gargallo aos que ajudava, como sacerdote, o Pe. Miguel Rivilla. Não tardou a poderem contar com o antigo casarão da rua de Samaniego, que ficou disponível ao abrir-se a Residência de La Alameda.

Também começou a haver agregados em lugares em que não havia centro do Opus Dei e nos quais, em princípio, não se tinha pensado começar, como Teruel, Logronho ou Girona. O início em cada uma destas cidades foi proporcionado pelo interesse de uma pessoa em receber informação sobre o Opus Dei. A partir daí, houve um intercâmbio epistolar e viagens entre Saragoça ou Barcelona e essas povoações para atender os que tinham solicitado a admissão.

Traços comuns do trabalho apostólico

Detivemo-nos com o processo que levou Francisco Navarro a pedir a admissão no Opus Dei porque é especialmente clarificador das características que definem a condição de agregado. Claro que o itinerário de cada vocação é único, mas há algo de comum naqueles que pediram a admissão: de uma maneira ou outra estavam num processo de procura do sentido da sua existência, com desejos de encontrar um ideal pelo que valesse a pena entregar a sua vida. Nas suas averiguações, encontraram-se normalmente com as soluções clássicas de uma entrega a Deus: o estado religioso ou o sacerdócio. Por isso, quando descobriram o Opus Dei, experimentaram um certo deslumbramento e afirmaram-se na convicção de que era esse o caminho que procuravam.

Há um denominador comum que explica o crescimento do número de agregados em todas as cidades e que radica nas relações de amizade ou de trabalho. Para ampliar o círculo de conhecidos e alargar o campo da amizade, há como que uma unanimidade no modo de proceder em todos os lugares, tanto a nível individual, como no impulso do trabalho apostólico. O habitual é compartilhar o gosto pelo desporto, passeios em grupo ou alguns dias de convívio em alguma casa de campo próxima. Na Catalunha, a preferência ia para a montanha e, pela proximidade do mar, os passeios de barco a remos. De Madrid pode dizer-se algo semelhante, trocando o mar pelo lago do Retiro. Em Saragoça, caminhadas a pé até lugares próximos, junto a um rio, especialmente no verão, tomar banho, fazer desporto, almoço com tertúlia prolongada, fazer algum ato de piedade, como rezar o terço ou um pouco de meditação e falar uns com os outros na caminhada. Algo análogo se pode dizer de Granada. Não havia grandes programas, em parte porque o número de membros e de meios materiais não o permitiam.

As atividades de tipo espiritual para as pessoas que não eram da Obra começaram a organizar-se quando já havia um maior número de pessoas. Deram-se palestras de formação cristã básica, círculos de São Rafael para os que participavam há mais tempo, pregaram-se recoleções mensais, especialmente em Barcelona e em Madrid. Nas cidades pequenas, nesses anos, não houve oportunidade de dar essa formação.

A proveniência dos agregados, desta primeira época, variou de um lugar para outro, normalmente em função das relações sociais ou laborais dos primeiros que se incorporaram ao Opus Dei. Assim, em Saragoça, trabalhou-se num ambiente nitidamente operário; em Girona, entre telegrafistas; em Barcelona e arredores, de preferência, com estudantes de cursos médios, em Ciudad Real, com o grupo profissional que recebia o nome genérico de empregados; em Santiago de Compostela, com pessoas do âmbito académico; em Granada, entrou-se em contacto com pessoas do campo, etc. Desde o começo, incorporaram-se pessoas do mundo universitário, tanto em Madrid, onde se formou um grupo que contou com um lugar de reunião específico, como em Barcelona ou Valência. Por idades, a maioria estava abaixo dos 25 anos e eram estudantes ou jovens profissionais. Também pediram a admissão alguns já com mais de trinta anos, mas eram menos. A variedade de situações pessoais não permite traçar um perfil único, específico dos agregados, pois, pelas suas profissões e ambientes de origem, procedem de todos os campos da sociedade.

As Semanas de Convívio

Houve uma atividade que, além de realizar a sua finalidade específica, serviu para que se conhecessem e relacionassem os agregados de diferentes cidades: as chamadas Semanas de Convívio. Os diretores do Opus Dei puseram um especial empenho em que os Convívios fossem um marco na formação dos agregados, especialmente nestes primeiros meses da sua existência.

As primeiras Semanas de Convívio realizaram-se, pela primeira vez, em Molinoviejo, no Verão de 1952. Era uma oportunidade para expor de modo vivo e presencial as características da vocação ao Opus Dei. Assistiram agregados de toda a Espanha em dois momentos sucessivos. Na primeira, participaram 22, procedentes de Madrid, Girona, Terassa, Barcelona, Ciudad Real, Valência, Cádis e Santiago de Compostela. A segunda foi um pouco mais numerosa, com 28 assistentes que vinham de Madrid, Saragoça, Ciudad Real, Girona, Terrassa, Barcelona, Badalona, Valência, Logronho e Granada. Dos que pediram a admissão antes das datas dos Convívios, houve 19 que não puderam assistir.

Para poderem assistir, tinham de resolver as dificuldades em três frentes: a profissional, a económica e a familiar. No âmbito laboral, o problema apresentava-se com os que trabalhadores por conta de outrem ou funcionários públicos, empregados de escritório e operários. Nestes anos ainda não estavam regulamentadas as férias de verão. Em muitos casos, acabavam por ser umas licenças que não excediam os 15 dias. No campo económico, não se apresentaram situações insuperáveis, pois o custo do Convívio ajustou-se às possibilidades dos participantes, ainda que, em bastantes casos, houve necessidade de obter mais recursos, quer deitando mão a poupanças quer a horas extraordinárias.

Restava a frente familiar. Os que já eram maiores (na altura, aos 21 anos) tinham maior liberdade, mas os mais novos precisavam de autorização paterna. Tanto uns como outros podiam ter compromissos familiares. De facto, foram muito poucos os que tiveram de ficar em casa por motivos familiares.

Realizar as Semanas de Convívio representou um marco na história inicial dos agregados. Ainda que não pudessem participar todos, a experiência de Molinoviejo serviu para alcançar vários objetivos. Um deles foi o começo de um plano de formação global que serviu de pauta para os tempos futuros. Outro, não menos importante, foi a maior compreensão da natureza da vocação de agregado e a valorização do papel do Fundador. E um terceiro foi perceber fisicamente a universalidade do Opus Dei e a realidade da vida de família. Depois disso, os participantes voltaram com uma bagagem de conhecimentos e um entusiasmo que impulsionou o crescimento do apostolado.

Por último, convém sublinhar que, nesta exposição, se procurou apresentar o aparecimento dos agregados como um novo modo de viver a mesma vocação no Opus Dei e que, portanto, estamos perante um fenómeno fundamentalmente espiritual. Por isso, tentar reduzi-lo a categorias sociológicas ou a mera estatística desvirtuaria a compreensão cabal desta realidade, pois dilui o que se opera na intimidade da consciência. Com a perspetiva dos anos, pode classificar-se de extraordinária a conduta de muitos destes primeiros e até dizer-se que as suas vidas foram heroicas e santas.