29/6: O que podemos aprender de S. Pedro?

Depois da ressurreição, Pedro percebeu qual era a chave da sua grandeza. Neste primeiro texto da série “Como num filme”, entramos na sua conversa com Jesus que o levou a descobrir esta realidade.

Foto: De Wet Cilliers, disponível em Unsplash.

Talvez todos tenhamos uma lista de filmes preferidos, que ao longo da nossa vida nos impressionaram especialmente. Os motivos costumam ser muito variados: um enredo cativante, as emoções que provocaram em nós, uma personagem com a qual nos sentimos identificados... Outras vezes a razão principal é que estão associados a uma determinada ocasião. Quem não guarda uma boa recordação de um filme visto numa circunstância especial?

O mesmo se poderia dizer do Evangelho. Algumas passagens ajudaram-nos em certos momentos ou facilitam a nossa oração. Algo de parecido deveria acontecer aos apóstolos: cada um teria algumas recordações do seu convívio com Jesus nas quais meditaria com frequência. Faz “bem a todos nós pedir a graça de preservar a memória, conservar a memória de tudo o que o Senhor realizou na minha vida”[1]. Se nos pusermos na pele de S. Pedro, é fácil imaginar que ele gostaria de recordar o episódio da sua conversa com o Senhor depois da ressurreição (cf. Jo 21).

Uma caminhada junto à margem

Os apóstolos tinham passado toda a noite a trabalhar e não tinham pescado nada. Não era a primeira vez que isso acontecia. Anos antes, quando Jesus os tinha chamado, acontecera exatamente o mesmo.

Quando estavam de regresso, viram de repente uma figura à beira do lago. Não conseguem distingui-la claramente. Essa misteriosa personagem dá-lhes uma indicação: “Lançai a rede à direita do barco”. Trata-se do mesmo conselho que Jesus lhes tinha dado no começo da sua vida pública. Vêm-lhes à memória reflexos daqueles momentos. Do mesmo modo que o facto os tinha feito ver que o Messias estava ao seu lado, percebem agora que a pessoa que não conseguiam distinguir era o próprio Senhor. O mais novo é o primeiro a notar.

Pedro atira-se imediatamente à água. Não pode esperar; quer aproximar-se do Mestre o quanto antes. Os outros apóstolos procuram alcançar a margem com a barca. Quando chegam a terra firme, mal pisam a areia, “viram umas brasas preparadas, com peixe em cima e pão”. Jesus diz-lhes para levarem alguns dos peixes que acabavam de pescar e convida-os a sentar-se com ele. Ao acabarem de comer, podemos imaginar Jesus pedindo a Pedro para irem caminhar perto do lago. Os dois sozinhos. Um momento de intimidade com o Senhor que Pedro não esquecerá jamais.

Jesus, provavelmente, ficara em silêncio ao princípio. Andariam devagar. Pedro sabe que está junto de Jesus Cristo. Mas, que lhe pode dizer? Ainda tem a recordação recente das três negações: “Não conheço esse homem, não sei de que falam...” É o Senhor que se adianta e pergunta: “Simão, filho de João, amas-Me mais do que estes?” Pedro lembra-se então da experiência do seu pecado, do seu abandono. Trata-se de uma experiência que todos temos, e por isso é mais fácil para nós situarmo-nos nesta perspetiva: sentir que o Mestre nos dirige esta pergunta usando o nosso próprio nome. Pedro, enchendo-se de valentia, responde de um modo diferente do que fizera antes da Paixão: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. E então ouve do Senhor esta inesperada demonstração de confiança: “Apascenta os meus cordeiros”.

A mudança em Pedro

Continuam a caminhar. Só o ruído dos seus passos e o som do mar rompem o silêncio. Mais uma vez é Jesus que toma a palavra, depois de um momento: “Simão, filho de João, amas-Me?” É a segunda vez que lhe dirige a mesma pergunta em poucos minutos. Talvez Pedro tenha pensado que antes, na sua primeira resposta não tinha sido muito convincente ou que agora teria de reafirmá-la com mais força. Poderia ter-se complicado e enchido de dúvidas, mas arma-se novamente de valentia: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Jesus responde do mesmo modo, dando-lhe a entender de novo que confia nele: “Apascenta as minhas ovelhas”.

Continuam a contornar o lago no mesmo silêncio de antes. Quando Jesus lhe faz pela terceira vez a mesma pergunta, Pedro fica desarmado. Nesse momento lembra-se provavelmente de outra conversa que teve com o Mestre exatamente antes da Paixão. O evangelho de S. Marcos conta que quando se dirigiam ao horto das oliveiras, Jesus tinha profetizado o abandono de seus discípulos: “Todos vos escandalizareis, porque está escrito: ferirei o pastor, e as ovelhas dispersar-se-ão”. Pedro tinha reagido rapidamente: “Ainda que todos se escandalizem, eu não me escandalizarei”. Mas o Senhor tinha-lhe feito ver que o dizia também por ele: “Em verdade te digo que hoje mesmo, antes de o galo cantar duas vezes, ter-me-ás negado três”. E Pedro, obstinado, tinha insistido: “Ainda que tenha que morrer conTigo, jamais Te negarei”. Tê-lo-ia dito, sem dúvida, convicto: não se tratava de uma declaração ingénua ou de um anseio de aparentar o que não era. De facto, poucos minutos depois pegaria na espada e tentaria defender o Senhor de toda aquela multidão que ia prendê-lo.

Apesar daquele ímpeto, no entanto, sabemos o que aconteceu. Ao dizer “jamais Te negarei”, Pedro tinha confiado mais na sua própria palavra do que na do Senhor. Pensava que para ser fiel bastavam as suas próprias forças e convicções. Por isso agora, quando o Mestre lhe pergunta pela terceira vez se o ama, responde confiando unicamente em Jesus: “Tu sabes tudo, Tu sabes que Te amo”. De algum modo, é como se dissesse: “Se eu agora estou certo de que Te amo, já não é por ter uma enorme confiança nas minhas possibilidades, mas simplesmente porque aprendi que és o suporte do meu amor, do que é bom em mim. Descobri que tenho de confiar em Ti”.

A resposta do Senhor às palavras de Pedro enchê-lo-iam de alegria, pois comprova que não perdeu a confiança naquele que seria Rocha da Igreja: “Apascenta as minhas ovelhas”. Os bons propósitos de Pedro já não se apoiam nas suas qualidades ou na sua capacidade, mas na sua contrição. Por isso Pedro é agora muito mais forte, porque tem muito mais consciência da sua debilidade: sabe com muito mais realismo quem é ele e quem é o Senhor.

Pedro dá-nos assim uma lição. Porque, às vezes, quando as coisas correm bem, podemos pensar que estamos a ser brilhantes. Mas depois, quando começam a complicar-se, quando nos enganamos, talvez pensemos que não servimos para nada e nos deixemos invadir por uma sensação de tristeza. Pedro ensina-nos precisamente a encontrar a nossa estabilidade no Senhor, a deixar-nos amar, a não confiarmos em nós mesmos, mas em Jesus. E por isso poderemos afirmar que O amamos: porque Ele sabe disso.

Um amor porque sim

O fundador do Opus Dei definia a humildade como “a virtude que nos ajuda a conhecer, simultaneamente, a nossa miséria e a nossa grandeza”[2]. Pode ser paradoxal, porque às vezes pensamos que a humildade nos leva a descobrir as coisas que fazemos mal e a não dar importância às nossas qualidades. S. Josemaria, pelo contrário, afirma que o conhecimento dos nossos defeitos e da nossa fortaleza andam juntos: Deus ama-nos sempre.

“Não te assustes nem desanimes, ao descobrires que tens erros...e que erros! Luta por arrancá-los. E, desde que lutes, convence-te de que é bom que sintas todas essas fraquezas, porque, de outro modo, serias um soberbo: e a soberba afasta de Deus”[3].

A humildade não consiste em dizer coisas ingénuas sobre nós mesmos, mas em conhecer e assumir a verdade sobre nós mesmos, à luz do amor de Deus. Ele não nos ama pelas coisas boas que podemos fazer, mas simplesmente porque somos nós: ele ama-nos porque sim.

Dessa conversa na margem do lago, Pedro aprende a aceitar o amor que Jesus lhe oferece gratuitamente. Ele não tem de fazer grandes coisas para conquistá-lo ou para merecê-lo: basta que se deixe amar como é. A partir de então a sua vida será diferente, começará a ver os sucessos e fracassos sempre a partir da ótica do amor de Deus. Ele será efetivamente a Rocha sobre a qual se fundamentará a Igreja. E, como num bom filme, não se cansará de recordar repetidas vezes essa cena na qual redescobriu a chave da sua grandeza: que Deus o ama porque sim.



[1] Francisco, Homilia, 7/03/2019

[2] Amigos de Deus, n. 94

[3] Forja, n. 181