O exemplo dos primeiros cristãos nos ensinamentos de S. Josemaria

Artigo do Prof. Domingos Ramos-Lissón publicado na revista Romana, n. 29 (1999)

Introdução

O apreço de S. Josemaria Escrivá de Balaguer pelos primeiros cristãos encontra-se presente nos seus escritos mais antigos [1]. Já em Consideraciones Espirituales incitava o leitor para que penetrasse no conhecimento da vida dos primeiros fiéis e tratasse de acomodar a sua conduta a esses modelos primogénitos [2]. Esta alta estima estendeu-a também aos Padres da Igreja, como pode ver-se lendo as suas Homilias [3]. O que chama muito a atenção é que o seu interesse pelos primeiros cristãos estará presente, como veremos, ao longo de toda a sua vida [4].

Um primeira questão a esclarecer, ainda que nos possa parecer óbvia, seria a seguinte: a quem chamava S. Josemaria com essa expressão de “primeiros cristãos”? Nos seus escritos podemos constatar que considera como tais, aqueles que viveram num espaço de tempo que vai desde o núcleo inicial dos “Doze” primeiros seguidores de Nosso Senhor [5] até aos começos do século IV, quando tem lugar a perseguição de Diocleciano e Maximiano [6]. Pensamos, por outro lado, que o período dos três primeiros séculos da era cristã representa, com bastante precisão, uma primeira etapa da vida da Igreja que tem já uma especificidade e umas coordenadas próprias que mudarão significativamente a partir do Édito de Milão de 313 [7].

Também pode perguntar-se pela procedência social dos cristãos das primeiras gerações, sobretudo se tivermos presente que o cristianismo nasce no seio da “oikumene”, num momento histórico em que a sociedade romana aparecia configurada em estratos sociais muito separados [8]. Neste sentido observa D. Álvaro del Portillo que: «a realidade do Opus Dei recorda a dos primeiros cristãos (…): cada comunidade de fiéis reunia pessoas de todos os estratos sociais, de todas as proveniências: gentes convertidas à fé de Cristo, que era quem os aglutinava. Estavam representadas nessas comunidades todas as profissões: havia médicos como Lucas, juristas como Zela, financeiros como Erastro, universitários como Apolo, artesãos como Alexandre, pequenos e grandes comerciantes, guardas das prisões e suas famílias, soldados e oficiais, um procônsul - Sérgio Paulo -, etc.; eram pobres e ricos, escravos e livres, gente civil e militares como Sebastião» [9].

A opção metodológica que adoptámos tem como ponto de partida a documentação escrita do Fundador do Opus Dei, nos lugares onde menciona os primeiros cristãos, quer seja com esta mesma expressão ou outras similares, ou com nomes concretos dos primeiros féis. Também procurámos situar alguns rasgos ligeiros do ambiente histórico da época, na medida em que podia ajudar a uma melhor contextualização deste estudo, mas sem pretensão de exaustividade. Nas notas aparecerão igualmente as referências bibliográficas e alguns esclarecimentos complementares.

Assim, pois, a partir destes pressupostos vamos fixar a nossa atenção na santificação da vida ordinária nos cristãos das primeiras gerações, através dos ensinamentos de S. Josemaria. Prestaremos especial atenção, em primeiro lugar, aos aspectos que mais sobressaem do chamamento universal à santidade no meio do mundo, para passar depois à análise das situações que compõem a vida ordinária de um cristão relativamente à santificação da vida familiar e social. Seguidamente, examinaremos a projecção apostólica. Por último, faremos um breve resumo conclusivo.

1. O chamamento à santidade no meio do mundo: características principais

Um dos ensinamentos mais repetidos por S. Josemaria foi o chamamento à santidade no meio do mundo. Explicitava muito claramente esta mensagem quando lhe perguntavam sobre a vocação para o Opus Dei. Numa entrevista que lhe fez um jornalista norte-americano, responde, ilustrando a resposta, com um paralelismo entre o chamamento para o Opus Dei e a vida dos primeiros cristãos. Estes viviam a fundo a sua vocação cristã; procuravam seriamente a perfeição a que estavam chamados pelo facto simples e sublime do Baptismo. Não se distinguiam externamente dos outros cidadãos [10].

Das múltiplas sugestões que proporciona o texto citado, talvez convenha sublinhar de modo especial, a da busca da santidade [11]. Mas há que entender bem essa procura, no sentido de resposta a um chamamento que Deus ofereceu anteriormente. S. Josemaria Escrivá tem muito presente que a santidade é um dom dos filhos de Deus [12], a que é preciso corresponder com humildade «visto que não são as nossas forças que nos salvam e nos dão a vida, mas o favor divino. Esta é uma verdade que jamais se pode esquecer, porque senão perverter-se-ia o endeusamento , convertendo-se em presunção, em soberba e, mais cedo ou mais tarde, em ruína espiritual perante a experiência da nossa fraqueza e miséria [13].

Daí que não considere a santidade como algo abstracto, que fica ancorado no mundo das ideias, mas como uma realidade encarnada em pessoas singulares, com nomes próprios e manifestações externas que se expressavam até no próprio trato fraterno dos primeiros seguidores do cristianismo: «“Saudai a todos os santos. Todos os santos vos saúdam. A todos os santos que vivem em Éfeso. A todos os santos em Cristo Jesus, que estão em Filipos”. Não é verdade que comove aquele apelativo – santos! – que empregavam os primeiros fiéis cristãos para se designarem entre si?

– Aprende a tratar com os teus irmãos» [14].

De alguns desses “santos” conhecemos os nomes e inclusivamente ocupam um lugar no santoral da Igreja [15], doutros, a imensa maioria, não temos esses dados, simplesmente porque as mutações da história impediram que chegassem até nós.

a) A novidade cristã

A novidade aparece já desde os começos, como um elemento configurador da mensagem cristã. Não em vão a palavra “Evangelho”, que tem raízes muito profundas no cristianismo primitivo, conota com esse sentido de novidade [16]. Uma faceta que emerge da recepção do baptismo, e que é apreciada como tal não só pelos primeiros convertidos ao cristianismo, mas também por parte dos judeus e pagãos [17]. O sentido de novidade cristã compreende-se melhor se fazemos uma análise comparativa, mesmo que seja sumária, com as religiões contemporâneas do século I. Essas religiões da antiguidade estavam muito vinculadas ao culto externo, quer pela pertença a uma determinada etnia, como sucedia com o povo de Israel, quer porque se tributasse o culto aos deuses de uma polis (civitas) , como acontecia no mundo grego; dando-se além disso uma estreita união entre o sacro e o civil [18]. Existiam também outras âncoras da religiosidade pagã que o cristianismo viria a ultrapassar [19], e daí que se apresentasse para muitos como uma autêntica nova religião .

S. Josemaria tem também uma clara consciência da novidade que significa o Opus Dei, e enlaça-a com a novitas christiana dos primeiros tempos: «Esta nossa novidade , meus filhos, é tão antiga como o Evangelho. (…) Assim a autêntica espiritualidade do Evangelho foi produzindo frutos abundantes de santidade, em todos os ambientes cristãos da primeira hora» [20].

Noutra ocasião não duvidará em adjectivar esta novidade, como velha novidade [21], porque essa novidade participa da perene vitalidade do divino: «Esta novidade da Obra, escreve, não é a novidade de um simples fenómeno humano. É a novidade das coisas de Deus, que como o bom Pai provê a sua família com coisas velhas e novas (cfr. Mt 13, 52 ). Novidade, filhas e filhos meus, que não envelhece, porque é participação da única boa nova , e que supõe, como fenómeno social dos fiéis cristãos, o regresso maravilhoso ao espírito com que viveram os primeiros fiéis a mensagem de salvação» [22].

Para S. Josemaria a novidade cristã arranca, como não pode deixar de ser, de seguir Cristo: «Desde que Jesus Cristo disse que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14 , 6) e convidou todos a segui-Lo (cfr. Mt 16 , 24), brotou com força na alma de muitos fiéis, desde os primeiros tempos da Igreja, o desejo de tornar realidade a busca da perfeição traçada pelo Evangelho e praticada exemplarmente pelo mesmo Jesus Cristo: vida de santidade pessoal e de actividade apostólica» [23].

O texto que acabamos de transcrever oferece-nos uma síntese muito conseguida à hora de juntar o seguimento e a imitação de Cristo com a busca da santidade. Esta síntese fundamenta-se na que realizaram com as suas vidas os primeiros seguidores do Senhor, alguns cujos testemunhos chegaram até nós, como os de Clemente Romano, Inácio de Antioquia ou Policarpo de Esmirna, entre outros [24].

b) A radicalidade da vida cristã

Ora bem, o seguimento de Cristo é também algo novo pela radicalidade que leva consigo, como assinalámos noutro lugar [25]. Pode dizer-se que nenhum homem da antiguidade clássica ou judaica se atreveu jamais a pedir a quem o seguisse o que exigiu o Senhor. Jesus pede aos seus seguidores uma amplíssima renúncia que, nalguns casos, pormenoriza com minúcia: casa, irmãos, irmãs, pai, mãe, esposa, filhos, campos [26].

A nota de radicalidade é assinalada por S. Josemaria, por exemplo, na homilia O grande Desconhecido , a partir do testemunho de vida cristã narrado no livro dos Actos dos Apóstolos: «Nos Actos dos Apóstolos, diz, descreve-se a situação da primitiva comunidade cristã com uma frase breve, mas cheia de sentido: Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações (Act 2, 42) (…). É doutrina que se aplica a qualquer cristão, porque todos estamos igualmente chamados à santidade. Não há cristãos de segunda categoria, obrigados a levar à prática só uma versão reduzida do Evangelho e na comum fracção do pão e na oração» [27]. Quer dizer, as exigências do chamamento à santidade afectam a qualquer cristão, e a todos se lhes pede uma resposta que comporte assumir a perfeição que propôs Nosso Senhor [28]. Assim o expressava em Caminho : «Tens obrigação de te santificar. – Tu, também. – Quem pensa que é tarefa exclusiva de sacerdotes e religiosos?

A todos, sem excepção, disse o Senhor: «Sede perfeitos, como meu Pai Celestial é perfeito» [29].

Para compreender melhor este aspecto pode-nos ajudar considerar o martírio como exemplo de entrega plena, até dar a vida, na radicalidade da vocação cristã. Assim o expressava Santo Inácio de Antioquia, a caminho de Roma, quando escreve: «Agora começo a ser discípulo. Que nada visível ou invisível me inveje, para que alcance Cristo (…) Permiti-me ser imitador da paixão do meu Deus» [30]. Por outro lado, o cristão dos primeiros séculos sabia que a recepção do baptismo levava consigo o dever de testemunhar, com a sua própria vida, a fé que professava em Cristo [31].

A perfeição paradigmática do martírio irá criando também uma atmosfera própria para que se abra caminho à ideia de um martírio [32]. Sob esta óptica compreende-se que S. Josemaria declarasse quando lhe perguntavam sobre a vocação para o Opus Dei: «Vou dizê-lo em poucas palavras: buscar a santidade no meio do mundo, no meio da rua. Quem recebe de Deus a vocação específica para o Opus Dei sabe e vive que deve alcançar a santidade no seu próprio estado, no exercício do seu trabalho, manual ou intelectual. (…). A vocação recebida é igual à que surgia na alma daqueles pescadores, lavradores, comerciantes ou soldados que sentados perto de Jesus Cristo na Galileia, o ouviam dizer: Sede, pois, perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito ( Mt 5, 48 )» [33].

Este modo de viver a radicalidade do compromisso cristão é equivalente à vivência de uma entrega de martírio espiritualizada, que se identifica com Cristo na sua obediência perfeita à vontade de Deus. Com esta chave há que ler alguns pontos de Caminho , que nos falam de martírio: «Que bem entendeste a obediência quanto me escrevias: “Obedecer sempre é ser mártir sem morrer!”» [34]. «Queres ser mártir. – Eu te indicarei um martírio ao alcance da mão: ser apóstolo e não te chamares apóstolo; ser missionário – com missão – e não te chamares missionário; ser homem de Deus e pareceres homem do mundo. Passar inadvertido!» [35].

c) A centralidade da oração

A santidade a que o cristão está chamado não é uma meta inacessível: todos podemos alcançar a identificação com Cristo [36]. Esta finalidade leva-se a cabo pondo em prática meios determinados, tal como o fizeram os primeiros fiéis. Sob esta perspectiva focava S. Josemaria os seus ensinamentos:

«Ser santo não é fácil, mas também não é difícil. Ser santo é ser bom cristão: parecer-se com Cristo. Aquele que mais se parece com Cristo, é o mais cristão, mais de Cristo, mais santo.

– E que meios temos? Os mesmos dos primeiros fiéis, que viram Jesus ou o entreviram através dos relatos dos Apóstolos ou dos Evangelistas» [37].

Será, com efeito, a imitação e o seguimento de Cristo um elemento configurador da ascética cristã. Por isso, à hora de considerar e valorizar os meios ascéticos, a vida de oração será um ponto de referência [38]. O olhar do Fundador do Opus Dei centrar-se-á, de novo, na figura do Senhor e nos seus primeiros seguidores:

«Recordai o que de Jesus nos narram os Evangelhos. Às vezes, passava toda a noite em colóquio íntimo com o seu Pai. Como cativou os primeiros discípulos a figura de Cristo em oração! [39] Depois de contemplarem essa atitude constante do Mestre pediram-Lhe: Domine, doce nos orare ( Lc 11, 1), Senhor, ensina-nos a orar assim. São Paulo – oratione instantes ( Rm 12, 12), na oração contínua, escreve – difunde por toda a parte o exemplo vivo de Cristo. E S. Lucas, com uma pincelada, retrata a maneira de actuar dos primeiros fiéis: animados de um mesmo espírito, perseveravam juntos em oração ( Act 1, 14) [40].

Este modo de actuar dos primeiros cristãos estimula S. Josemaria a projectar o seu exemplo entre os jovens, e assim o indicará aos seus filhos: «Tende especial interesse em dar-lhes a conhecer a vida de oração dos primeiros cristãos: os Actos dos Apóstolos são um arsenal encantador de notícias» [41].

Uma visão globalizante do que vimos dizendo sobre a oração no-la oferece a homilia Vida de oração.

«Nos Actos dos Apóstolos narra-se uma cena que me encanta, porque apresenta um exemplo claro e sempre actual: perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, na comum fracção do pão e na oração ( Act 2, 42). É uma nota insistente no relato da vida dos primeiros seguidores de Cristo: Todos, animados por um mesmo espírito, perseveravam juntos em oração ( Act 1, 14). E quando Pedro é preso por pregar audazmente a verdade, decidem rezar. Entretanto a Igreja fazia sem cessar oração a Deus por ele ( Act 12, 5).

A oração era então, como hoje, a única arma, o meio mais poderoso para vencer nas batalhas da luta interior. Há entre vós alguém que esteja triste? Que se recolha em oração ( Tg 5, 13). E S. Paulo resume: orai sem cessar (1 Tes 5, 17), nunca vos canseis de implorar» [42].

Em síntese, vemos como S. Josemaria põe especial ênfase em sublinhar a importância da «vida de oração». Haveria que acrescentar que não é difícil encontrar expressões simulares noutros lugares da sua obra escrita, tais como: «oração constante» [43], «a oração torna-se contínua» [44], etc., que nos falam desse trato ininterrupto com Deus, que leva o cristão à contemplação divina [45]. Ou dito com outras palavras do nosso autor: «A oração torna-se contínua como o bater do coração, como as pulsações. Sem essa presença de Deus não há vida contemplativa. E sem vida contemplativa de pouco vale trabalhar por Cristo, porque em vão se esforçam os que constroem se Deus não sustenta a casa» [46].

2. A vida ordinária como âmbito de santificação

Nos escritos e na pregação de S. Josemaria abunda a referência à santificação da vida ordinária do cristão [47]. Poder-se-ia repetir, uma vez mais, que a santidade a que alude se desenvolve normalmente no meio das ocupações da vida ordinária. Assim, na homilia Trabalho de Deus cita uma conhecida passagem da chamada Epístola a Diogneto: «Saboreai estas palavras de um autor anónimo desses tempos, o qual resume assim a grandeza da nossa vocação: os cristãos são para o mundo o que a alma é para o corpo. Vivem no mundo, mas não são mundanos, tal como a alma está no corpo, mas não é corpórea. Habitam em todos os povoados, como a alma está em todas as partes do corpo. (…) E não é lícito aos cristãos abandonar a sua missão no mundo, como não é permitido à alma separar-se voluntariamente do corpo [48]. Portanto, será nesse âmbito do ordinário onde o cristão tem de levar à prática os meios que permitem realizar a sua tarefa santificadora [49].

a) Santificação na vida familiar

As famílias cristãs dos primeiros tempos são consideradas por S. Josemaria o modelo em que hão-de rever-se os membros das famílias actuais [50]. Oiçamos as suas palavras: «Por isso, talvez não possa apresentar-se aos esposos cristãos melhor modelo que o das famílias dos tempos apostólicos: o centurião Cornélio, que foi dócil à vontade de Deus e em cuja casa se consumou a abertura da Igreja aos gentios; Áquila e Priscila, que difundiram o cristianismo em Corinto e em Éfeso, e que colaboraram no apostolado de S. Paulo; Tabita, que com a sua caridade assistiu aos necessitados de Jope. E tantos outros lares de judeus e de gentios, de gregos e de romanos, nos quais lançou raízes a pregação dos primeiros discípulos do Senhor [51].

Ao ser-lhe perguntado numa entrevista sobre a importância de educar as crianças na vida de piedade, S. Josemaria responde: «Considero que é precisamente o melhor caminho para dar aos filhos uma autêntica formação cristã. A Sagrada Escritura fala-nos dessas famílias dos primeiros cristãos – a Igreja doméstica, diz S. Paulo (1 Cor 16, 1 9) – às quais a luz do Evangelho dava novo impulso e nova vida» [52].

Inculcou nos seus filhos a essencial dimensão de família do Opus Dei: «Todos os que pertencemos ao Opus Dei, meus filhos, formamos um só lar: a razão de que constituamos uma só família não se baseia na materialidade de conviver sob o mesmo tecto. Como os primeiros cristãos, somos cor unum et anima una ( Act 4, 32) e ninguém na Obra poderá sentir jamais a amargura da indiferença» [53]. Este forte sentido de unidade encontra-se estreitamente ligado ao entendimento da Obra como uma parte da Igreja [54], que procura ser fiel à sua vocação específica [55].

Mas, ao mesmo tempo que sublinha com vigor a unidade da Obra, S. Josemaria destaca a necessidade de estabelecer essas pequenas comunidades cristãs, as antes citadas Igrejas domésticas paulinas, à volta de algumas famílias. «Deste modo, escreve, formamos pequenas comunidades cristãs, em todos os graus e em todos os planos da sociedade, que são uma fonte real de vida fraterna e de caridade, de carinho evangélico» [56].

Também no seio da família cristã dos primeiros séculos se desenvolve a virgindade [57] como género de vida que se professa propter regnum caelorum [58]. Os primeiros cristãos que viviam a virgindade sem se afastar do mundo [59], faziam-no no próprio âmbito familiar. A eles alude o Fundador do Opus Dei, quando numa Instrução dirigida aos seus filhos se refere a este precedente, que convirá ter presente na vida da Obra, tanto no aspecto jurídico, como no espiritual:

«Antes de colocar-nos, diz, nesse recipiente jurídico, hão-de ter presente, e nós também, que os primeiros fiéis cristãos – inclusive aqueles crentes e aquelas virgens, que dedicavam pessoalmente a sua vida ao serviço da Igreja – não se encerravam num convento: ficavam no meio da rua, entre os seus iguais. Este é o nosso caso, dado que não nos temos de diferenciar em nada dos nossos companheiros e dos nossos concidadãos» [60].

E um pouco mais adiante na mesma Instrução expõe o motivo pelo qual alguns membros do Opus Dei vivem o celibato ou a virgindade: «Tende sempre presente que é o Amor – o Amor dos amores - o motivo do nosso celibato: não somos portanto solteirões, porque o solteirão é uma criatura desgraçada que nada sabe de amor» [61]. O celibato, recorda noutro momento, proporciona «maior liberdade de coração e de movimentos, para dedicar-se estavelmente a dirigir e sustentar empreendimentos apostólicos, também no apostolado secular» [62].

Se lançarmos o nosso olhar à primitiva cristandade apercebemo-nos de que a motivação, para viver o celibato e a virgindade por parte dos fiéis correntes, é a mesma que acaba de mencionar S. Josemaria [63].

b) Santificação na vida social

A variada composição da sociedade servia a S. Josemaria de excelente ocasião para mostrar a riqueza santificadora que é oferecida ao cristão de todos os tempos, começando pelos primeiros. Assim o expressava numa das suas Cartas : «Tal como entre os primeiros seguidores de Cristo, nos nossos Supranumerários está presente toda a sociedade actual, e o estará sempre: intelectuais e homens de negócios; profissionais e artesãos; empresários e operários; gente da diplomacia, do comércio, do campo, das finanças e das letras; jornalistas, homens do teatro, do cinema e do circo, desportistas. Jovens e anciãos. Sãos e doentes. Uma organização desorganizada, como a própria vida, maravilhosa; especialização verdadeira e autêntica do apostolado, porque todas as vocações humanas –honestas, dignas– tornam-se apostólicas, divinas» [64].

Para quem conheça o pensamento do Fundador do Opus Dei, as palavras que acabamos de transcrever situar-se-ão perante um aspecto central entre as realidades que se hão-de santificar, conforme o espírito do Opus Dei: o trabalho ordinário [65]. Nesta perspectiva podemos ler a seguinte reflexão de Sulco: «Está a ajudar-te muito, dizes-me, este pensamento: desde os primeiros cristãos, quantos comerciantes terão sido santos?

E queres demonstrar que também agora isso é possível... O Senhor não te abandonará nesse empenho» [66].

É relevante que, neste ponto, como em muitos outros, depois de procurar a referência testemunhal dos primeiros fiéis, S. Josemaria salte imediatamente para a concretização que é aplicável ao homem dos nossos dias. Nota-se que a sua sintonia com os primeiros seguidores de Cristo não se fica no plano da “teoria”, mas lateja com força o seu zelo apostólico por aquelas pessoas que possam receber a sua mensagem. É claro para S. Josemaria o sentido santificador do trabalho, a partir do chamamento à santidade que está presente em qualquer cristão: «A atitude de um homem de fé é olhar para a vida, em todas as suas dimensões, com uma perspectiva nova: a que nos dá Deus. (…) Esta é a razão pela qual vos haveis de santificar, contribuindo ao mesmo tempo para a santificação dos outros, vossos iguais, precisamente santificando o vosso trabalho e o vosso ambiente» [67].

Ainda que já tenhamos aludido a isso, pode ser conveniente recordar aqui, as grandes dificuldades da vida cultural e política que impregnavam a sociedade na época imperial romana, e que os primeiros fiéis tiveram de superar. Permita-se-nos trazer à memória, apenas enumerando, alguns dos mais importantes obstáculos que tiveram de suportar: as perseguições do Império Romano [68], com a sequência de martírios [69] ao longo de três séculos; os ataques da elite intelectual, entre os quais se destacam Frontão de Cirta, Celso e Porfírio [70]; as troças burlescas de autores como Luciano [71]; a condenação da opinião pública [72]; as acusações de ateísmo, de cultos estrangeiros, de charlatanismo e de magia, de antropofagia, etc. [73]. A resposta cristã, ainda que existam variantes na sua formulação, é inequívoca: proclamar a verdade, cumprindo o mandato de Jesus [74], mesmo à custa de que essa actuação acarrete a morte a quem a manifeste.

3. Projecção apostólica

Proclamar a verdade de Cristo, como dizíamos, é a grande tarefa dos primeiros cristãos e, por isso, será um dos grandes atractivos que descobrirá neles S. Josemaria. Para ele este modo de actuar apostólico será também um exemplo para os homens do nosso tempo: «Para seguir os passos de Cristo, o apóstolo de hoje não vem reformar nada, e menos ainda desentender-se da realidade histórica que o rodeia... Basta-lhe actuar como os primeiros cristãos, vivificando o ambiente» [75].

Mas ainda que a razão de fundo neste modo de proceder seja sempre a de seguir Cristo, o Fundador do Opus Dei dá-se conta da falta de conhecimento da verdade de Jesus no mundo circundante [76] e, portanto, o seu olhar dirige-se também para os primeiros fiéis, que se encontraram com o mesmo problema: «Volta-se a repetir, na nossa vida, a vida dos primeiros cristãos. Também nós encontramos no nosso caminho, em tantas ocasiões, a mais desoladora ignorância religiosa, que nos exige um profundo e continuado apostolado da doutrina. E isto não só entre os pagãos do nosso tempo, mas também entre não poucos que se ofenderiam se não se lhes chamasse católicos» [77].

Outra característica, a destacar, é o modo personalizado da acção apostólica que encontramos’ feito realidade, na conduta dos cristãos da primeira hora [78]:

«Assim actuaram os primeiros cristãos. Não tinham, em virtude da sua vocação sobrenatural, programas sociais nem humanos para cumprir; mas estavam invadidos de um mesmo espírito, de uma concepção da vida e do mundo, que não podia deixar de ter consequências na sociedade em que viviam.

Com um apostolado pessoal semelhante ao nosso, foram fazendo prosélitos e, durante o seu cativeiro, já enviava Paulo às igrejas as saudações dos cristãos que viviam na casa do César ( Fil 4, 22). Não vos comove a carta que o Apóstolo dirige a Filémon, que é testemunho vivo de como o fermento de Cristo, sem directamente o pretender, tinha dado um novo sentido, pelo influxo da caridade, às estruturas da sociedade? (cfr. Fil 8-12; Ef. 6, 5ss.; Col. 3, 22-25; 1 Tim 6, 1 e 2; 1 Ped 2, 18ss.).

Somos de ontem e enchemos já a orbe e todas as vossas coisas: as cidades, as ilhas, as aldeias, os municípios, os concelhos, os próprios acampamentos, as tribos, as decúrias, o palácio, o senado, o foro: só vos deixámos os vossos templos , escrevia, pouco depois de passado um século, Tertuliano (Tertuliano, Apologeticus, 37)» [79].

Mesmo que estas últimas palavras de Tertuliano haja que tomá-las com alguma cautela, dada a vehementia cordis do escritor africano, é indiscutível que a expansão do cristianismo nos fins do século II e princípios do III é muito considerável, dentro das fronteiras do Império Romano [80]. Na linha argumentativa de S. Josemaria, a citação tertuliana serve-lhe para mostrar a eficácia do apostolado individualizado que praticaram os nossos primeiros irmãos na fé.

Um aspecto do apostolado individual é o de testemunhar, com a própria vida, a fé que se professa. O tema tem uma profunda raiz bíblica [81] e patrística [82], e é um ponto essencial da mensagem cristã: a coerência entre a fé e a sua prática na vida do seguidor de Cristo. Daqui que S. Josemaria o recorde aos seus filhos: «E desta maneira, com um apostolado individual, silencioso e quase invisível, levam a todos os sectores sociais, públicos e privados, o testemunho de uma vida semelhante à dos primeiros fiéis cristãos» [83].

Mas não se pode esquecer que o testemunho cristão está alimentado e promovido pela caridade. Assim o põe de manifesto S. Josemaria na sua homilia Com a força do Amor de 1967: «Que bem puseram em prática os primeiros cristãos esta caridade ardente, que sobressaía e transbordava dos limites da simples solidariedade humana ou da benignidade de carácter. Amavam-se uns aos outros de modo afectuoso e forte, através do Coração de Cristo. Um escritor do século II, Tertuliano, transmitiu-nos o comentário dos pagãos, comovidos ao presenciarem o comportamento dos fiéis de então, tão cheio de atractivo sobrenatural e humano: Vede como se amam , (Tertuliano, Apol. XXXIX ), repetiam» [84].

Contudo, o testemunho deve ir acompanhado da palavra, que tem uma enorme força comunicativa, e como sempre Cristo é a referência suprema. Do seu desejo de diálogo aprenderão as primeiras gerações cristãs a levar a cabo um apostolado dialógico [85]. Escutemos neste sentido o que o Fundador escrevia aos seus filhos:

«Poderíamos continuar folheando o Evangelho e contemplar tantas conversas de Jesus com os homens: toda a sua vida foi um contínuo diálogo, em busca das almas; os primeiros Doze, para pregar o Evangelho, tiveram uma conversa maravilhosa com todas as pessoas que encontraram, que procuraram, nas suas viagens e peregrinações. Não haveria Igreja, se os Apóstolos não tivessem mantido esse diálogo sobrenatural com todas aquelas almas. Porque o apostolado cristão não é mais que isso. ergo fides ex auditu, auditus autem per verbum Christi ( Rm 10, 17); já que a fé provém do ouvir, e o ouvir depende da pregação da palavra de Jesus Cristo.

Que bem o entenderam as primeiras gerações cristãs, das que tanto gosto de falar, porque são um modelo da nossa vocação!» [86].

Um exemplo mais de como a primeira geração cristã valorizava a palavra para comunicar a mensagem de Jesus, no-lo glosa S. Josemaria com grande expressividade na homilia Para que todos se salvem:

«Vem agora a propósito recordar um episódio que põe em evidência o esplêndido vigor apostólico dos primeiros cristãos. Não tinha passado um quarto de século desde que Jesus subira aos céus e já em muitas cidades e povoados se propagava a sua fama. A Éfeso chega um homem chamado Apolo, varão eloquente e versado nas Escrituras. Estava instruído no caminho do Senhor; pregava com fervor de espírito e ensinava com exactidão o que dizia respeito a Jesus, embora só conhecesse o baptismo de João ( Act 18, 24-25).

Na mente desse homem já se tinha insinuado a luz de Cristo. Ouvira falar d'Ele e anuncia-O aos outros. Mas ainda lhe faltava um pouco de caminho para se informar mais, abraçar totalmente a fé e amar deveras o Senhor. Áquila e Priscila, um casal em que ambos são cristãos, ouvem as suas palavras e não ficam inactivos, indiferentes. Não pensam: este já sabe bastante; não temos por que lhe dar lições. Como eram almas com autêntica preocupação apostólica, foram ter com Apolo, levaram-no consigo e instruíram-no mais a fundo na doutrina do Senhor ( Act 18, 26) [87].

O comentário do Fundador do Opus Dei a esta passagem dos Actos dos Apóstolos mostra a sua admiração pelo vigor do zelo apostólico, que impregna todo o episódio narrado, mas ao mesmo tempo faz finca-pé na pronta determinação que leva Priscila e Áquila a instruir Apolo. É a mesma determinação que não se deterá nem sequer nos momentos supremos do martírio, aproveitando, inclusive uma ocasião tão excepcional, para aproximar a Cristo também os próprios perseguidores, e procurar assim a sua conversão [88].

O apostolado pessoal baseado no amor, terá também a característica do entusiasmo, própria de quem descobre as imensas riquezas da mensagem cristã. Escreve a este propósito S. Josemaria: «Parece-me tão bem a tua devoção pelos primeiros cristãos, que farei o possível por fomentá-la, para que exercites – como eles – cada dia com mais entusiasmo, esse Apostolado eficaz de discrição e de confidência [89].

Uma última questão, que se instalaria no terreno da finalidade de qualquer acção apostólica, é a dos resultados. S. Josemaria Escrivá responde, com grande realismo, sem cair em utopias e, com o aval de quem o tem bem experimentado, que dependerão da resposta ao chamamento à santidade: «A eficácia do nosso apostolado dependerá sempre do nosso empenho por ser santos. E a santidade tem agora os mesmos meios que nos tempos dos primeiros cristãos: não há outros» [90].

Resumo conclusivo

Uma primeira impressão que provoca a leitura dos textos seleccionados de S. Josemaria é a sua proximidade, quase imediata, com os primeiros seguidores de Jesus. Tem-se a sensação de ter superado a barreira do tempo. Por outro lado, estes escritos destilam frescura e calor, quer dizer, os primeiros cristãos não são uma referência a que se alude de forma “teórica”, mas, antes, têm o vigor daqueles que encarnaram com plenitude a doutrina de Cristo. Nota-se que o Fundador do Opus Dei sintoniza as suas próprias vivências espirituais com o modelo que eles representam. Nesta mesma linha há que registar os seus comentários às passagens da Escritura, especialmente do livro dos Actos dos Apóstolos , que protagonizam o trabalho apostólico dos primeiros seguidores de Cristo.

O testemunho dos primeiros fiéis, quanto à santificação da vida ordinária, representa uma maneira de viver o cristianismo, que tem o atractivo do recém-nascido e ao mesmo tempo a plenitude de quem seguiu o Senhor com todas as exigências que Ele assinalou. Ficou muito evidenciado que o chamamento à santidade é o mesmo no século I que nos nossos dias, não só quanto à sobrenaturalidade intrínseca do mesmo, mas também em relação aos meios para a alcançar. O mesmo sucede com as exigências da vida cristã: a santidade vivida pelos nossos primeiros irmãos na fé estava fundamentada no baptismo, com uma nota de radicalidade que leva o discípulo de Cristo, até ao martírio. Tenha-se em conta, além disso, que este chamamento à santidade tinha lugar no meio do mundo, quer dizer, na vida ordinária e entre pessoas de todos os estratos sociais, e em não poucas ocasiões com sérias dificuldades políticas e sociais. Esta plenitude da vida cristã é a que S. Josemaria Escrivá verá reflectida nos fiéis do Opus Dei.

Reparando também na dimensão apostólica dos primeiros cristãos, S. Josemaria descobrirá uns perfis de actuação personalizada, que são pautas de conduta aplicáveis aos nossos dias, avalizadas além disso pelos resultados positivos alcançados nos três primeiros séculos. Assim, numa esplêndida unidade, se conjugam o testemunho de umas pessoas que vivem a mensagem de Jesus, e o conteúdo dessa mensagem, que se comunica pessoa a pessoa no próprio ambiente familiar e social.

Notas:

[1] Assim o manifestava em 1933: «A nossa maior ambição há-de ser a de viver como viveu Cristo Senhor Nosso: como viveram também os primeiros fiéis, sem que haja divisão por motivos de sangue, de nação, de língua ou de opinião (S. Josemaria, Carta 16-VII-1933 , n. 19).

[2] S. Josemaria Escrivá de Balaguer, Consideraciones Espirituales . Imprenta Moderna, Cuenca 1934, p. 99. Este ponto será reproduzido integralmente em Camino , Gráfica Turia, Valência 1939, n. 925.

[3] A título de exemplo basta-nos recordar o número de citações de Santo Agostinho, que figuram nas suas Homilias (cfr. D. Ramos-Lissón, La presencia de San Agustín en las Homilías del Beato Josemaría Escrivá de Balaguer , em «Scripta Theologica» 25 (1993) 901-942), cfr. id. El uso de los “loci” patrísticos en las « Homilías del Beato Josemaría Escrivá de Balaguer» ; em «Anuario de Historia de la Iglesia» 2 (1993) 17-28.

[4] A última referência escrita que encontrámos procede de uma homilia, O matrimónio vocação cristã , pronunciada no Natal de 1970 (S. Josemaria, Cristo que passa, nn. 29-30). Quando já está no último trecho da sua vida terrena, voltaria a recordar aos seus filhos do Opus Dei: «De vós se pode dizer o mesmo que dos primeiros cristãos: olhai como se amam» (19-II-1975 na Guatemala).

[5] Cfr. S. Josemaria, Carta 24-X-1965 , n. 13.

[6] Deduzimos este termo ad quem pela menção (cfr. mais adiante a nota n. 9) de S. Sebastião na Instrução , 8-XII-1941, n. 90, nota 128. Este santo sofreu o martírio durante a perseguição de Maximiano (+ aprox. 304).

[7] Alguns autores, como A. Hamman, consideram primeiros cristãos os que viveram durante os dois primeiros séculos, como mostra o título de uma conhecida obra sua: La vie quotidienne des premiers chrétiens (95/197) , Hachette, Paris, 1971.

[8] Cfr. A. D’ors, Derecho Privado Romano , 9ª ed, Eunsa, Pamplona 1997, pp. 48-53; 275-304.

[9] Mons. Álvaro del Portillo, nota 128 em São Josemaria, Instrução , 8-XII-1941.

[10] S. Josemaria, Temas Actuais do Cristianismo , n. 24. Neste mesmo sentido ver ibid. , n. 62.

[11] Cfr. S. Josemaria, Carta 11-III-1940 , n. 21.

[12] Cfr. F. Ocáriz, La filiación divina, realidad central en la vida y en la enseñanza de Mons. Escrivá de Balaguer , em VV. AA., Mons. Josemaría Escrivá de Balaguer y el Opus Dei, 2ª ed., Eunsa, Pamplona 1985 p. 178 s.; S. Garofalo, El valor perenne del Evangelio , em «Scripta Theologica » 24 (1992) 27; J Burggraf, El sentido de la filiación divina , em M. Belda e outros (eds) Santidad y mundo, Estudios en torno a las enseñanzas del Beato Josemaría Escrivá , Eunsa Pamplona 1996, pp. 109-127.

[13] S. Josemaria, Cristo que passa , n. 133. Convém fazer notar o emprego do termo endeusamento , pois vemos nele um equivalente ao de “théosis”, théopoiesis (=“deificação”, “divinização”) que aparece já em Clemente de Alexandria ( Protréptico , XI, 114, 4 [ ISC 2, 183]) expressão será muito utilizada pelos Padres da Igreja no Oriente, e conta com uma rica polissemia à hora de expressar a acção do Espírito Santo no cristão (cfr. G.W.H. Lampe, A Patristic Greek Lexicon , 2ª ed. , Claredon Press, Oxford 1968, pp. 649 s; B. P. T. Bilaniuk, The mystery of theosis or divinization, em «Orientalia Chistiana Analecta» 195 (1973) 337-359.

[14] S. Josemaria, Caminho , n. 469; Forja , n. 622.

[15] Acta Sanctorum , Joannes Meursium, Antwerp-Bruxelles, 1643 ss; Martyrologium Romanum , Marietti, Torino 1922.

[16] Cfr. G. Friedrich, s.v. Evangelion , em «Grande Lessico del Nuovo Testamento» 3, 1060-1106.

[17] Cfr. D. Ramos-Lissón, La novità cristiana negli apologisti del II secolo, em «Studi e Ricerche sull’Oriente Cristiano», 15 (1992), 18s.

[18] Cfr. A. J. Festugière, Le monde gréco-romain au temps de Notre Seigneur , I, Bloud & Gay, Paris 1935, pp. 53 s.

[19] Cfr. G. Bardy, La conversión al cristianismo durante los primeros siglos , trad. esp., Desclée de Brouwer, Bilbao 1961, pp. 136-157.

[20] S. Josemaria, Carta, 11-III-1940 , n. 21.

[21] S. Josemaria, Carta, 9-I-1932 , n. 91.

[22] S. Josemaria, Carta, 25-I-1961 , n. 13.

[23] S. Josemaria, Carta, 11-III-1940 , n. 21.

[24] Cfr. D. Ramos-Lissón, El seguimiento de Cristo (En los orígenes de la espiritualidad de los primeros cristianos) , em «Teología Espiritual» 30 (1986) 3-27.

[25] Cfr. D. Ramos-Lissón, El seguimiento de Cristo (En los orígenes de la espiritualidad de los primeros cristianos) , em «Teología Espiritual» 30 (1986) p. 25; D. Ramos-Lissón, La radicalidad de la vida espiritual de los primeros cristianos , em «XX Siglos» 5 (1994) 42-57.

[26] Cfr. Mt 19, 29 (=Mc 10, 29; Lc 18, 29). É uma renúncia que afecta, inclusive, ao próprio eu (cfr. Mt 10, 39; 16, 24; Lc 14, 25-33; Jo 12, 23-26).

[27] Cristo que passa, n. 134. Um bom comentário a este texto encontramo-lo em J. M. Casciaro, La santificación del Cristiano en medio del mundo , em Mons. Josemaría Escrivá de Balaguer y el Opus Dei , pág. 117 ss.

[28] Cfr. Mt 5, 48.

[29] S. Josemaria, Caminho , n. 291.

[30] Inácio de Antioquia, Romanos , V, 2-VI, 3 (FPatr 1, 154-156).

[31] O próprio Inácio de Antioquia afirmará esta disposição no cristão dizendo: «Se por Este não estamos dispostos a morrer [para participar] na Sua paixão, a Sua vida não está em nós» ( Magnésios V, 2 [ FPatr 1, 130]); cfr Efésios , X, 3 (FPatr 1, 114).

[32] Assim o expressava Clemente de Alexandria no século II: «Se o martírio consiste em confessar a Deus, a alma que vive puramente no conhecimento de Deus, que obedece aos Seus mandamentos, é mártir na vida e nas palavras (…) este homem é bem-aventurado, por que leva a cabo não o martírio ordinário, mas o martírio gnóstico, deixando-se guiar de acordo com o Evangelho, por amor do Senhor» ( Stromata IV, 4, 15 [GCS 52, 255]). Convém esclarecer que Clemente emprega aqui a palavra “gnóstico” no sentido genuíno da “gnosis cristã”, quer dizer, de “autêntico conhecedor de Deus”. Isto é algo totalmente distinto dos gnósticos heterodoxos, que teve que combater o próprio Clemente na sua cidade de Alexandria.

[33] S. Josemaria, Temas Actuais do Cristianismo , n. 62.

[34] S. Josemaria, Caminho , n. 622.

[35] S. Josemaria, Caminho , n. 848.

[36] Cfr. A. Aranda, El Cristiano Alter Christus, ipse Christus en el pensamiento del beato Josemaría Escrivá de Balaguer, em VV. AA., Santidad y mundo , cit., pp. 129-187.

[37] S. Josemaria, Forja , n. 10. No mesmo sentido se pode citar também Caminho , n. 470; Carta 19‑III‑1967 , n. 139.

[38] Sobre os aspectos mais relevantes da oração nos primeiros séculos do cristianismo ver: A. Hamman, La oración , trad. esp., Herder, Barcelona 1967, pp. 439-776. A vida de oração como atitude contemplativa tem um lugar destacado nos escritos de S. Josemaria: Ver por exemplo: S. Josemaria Escrivá de Balaguer, Vida de oração , em Amigos de Deus , nn. 238-255. Sobre este aspecto na sua vida e doutrina: cfr. J. M. Casciaro, La santificación del Cristiano en el medio del mundo , pp. 150-157; F. Ocáriz, La filiación divina, realidad central en la vida y en la enseñanza de Mons. Escrivá de Balaguer , em Mons. Josemaría Escrivá de Balaguer y el Opus Dei , pp. 200-203; G. Cottier, La oración y la estructura fundamental de la fe, en Santidad y mundo , cit. , pp. 91-108; M. Belda, Contemplativos en medio del mundo , em «Romana» 27 (1998) 326-340.

[39] A representação iconográfica de pessoas em oração (“orantes”) teve uma enorme influência na arte cristã dos primeiros séculos (cfr. H. Leclercq, s.v., orante, em «Dictionnaire D’Archéologie Chrétienne et de Liturgie», 12, 2291‑2322).

[40] S. Josemaria, Cristo que passa , n. 119.

[41] S. Josemaria, Instrução , 9-I-1935, n. 258.

[42] S. Josemaria, Amigos de Deus , n. 242.

[43] S. Josemaria, Cristo que passa , n. 116.

[44] S. Josemaria, Cristo que passa , n. 8.

[45] S. Josemaria, Cristo que passa , n. 107.

[46] S. Josemaria, Cristo que passa , n. 8

[47] Basta rever as suas homilias em Cristo que passa e em Amigos de Deus para chegar a essa conclusão.

[48] S. Josemaria, Amigos de Deus , n. 63. A citação reproduzida no texto está tomada da Epístola a Diogneto, VI, 1-10 (SC 33 bis, 64-66).

[49] Cfr. M. A. Tabet, La santificación en la propia situación de vida. Comentario exegético a 1 Cor 7, 17-24 , em «Romana» 6 (1988/1) 169-176; G. Dalla Torre, La animación Cristiana del mundo, en Santidad y mundo , pp. 191-210.

[50] Cfr. S. Josemaria, O matrimónio vocação cristã, em Cristo que passa , nn. 22-38. Ver também C. Burke, El Beato Josemaría Escrivá y el matrimonio, Camino humano y vocación sobrenatural , em «Romana» 19 (1994/2) 374-384; F. Gil Hellín, La vida familiar, camino de santidad , em «Romana» 20 (1995) 224-236; B. Castilla Cortazar, Consideraciones sobre la antropología “varón-mujer” en las enseñanzas del Beato Josemaría Escrivá , em «Romana» 21 (1995/2) 434-447. Sobre o conceito de família nesta época ver A. de Mier Vélez, Aspectos relativos al término “familia” en el cristianismo antiguo , em «Religión y Cultura» 30 (1994) 437-463.

[51] S. Josemaria, Cristo que passa , n. 30. Noutra ocasião reproduzirá um texto de Tertiuliano ( Ad uxorem, II, 8, 6 [CCL 1,393-394], em que se descreve a excelência do matrimónio cristão ( Ibid, n. 29).

[52] S. Josemaria, Temas Actuais do Cristianismo. N. 193. Temos notícia de algumas “igrejas domésticas”: a que se reunia na casa de Estéfanes (1 Cor 1, 16); a da casa de Filémon ( Flm , 2); a de Cornélio ( Act 16, 15); a de Lídia ( Act 16, 31); a de Onesíforo (2 Tim 1, 16). A actividade de Santo Inácio de Antioquia também a deve ter realizado casa a casa (cfr. Smirneos, XIII, 1 ([Patr 1, 178-180]). Esta situação perdura ao longo do século II, segundo nos testifica Justino, pois nas Actas do seu martírio à pergunta do perfeito Rústico sobre o lugar onde se reunia com os cristãos , Justino responde-lhe: «Onde cada um prefere e pode» ( Acta Justini et soc, III, 1 [BAC 75, 312]).

[53] S. Josemaria, Carta , 6-V-1945 , n. 23.

[54] A expressão concreta que nalgumas ocasiões empregava o Fundador do Opus Dei para definir a Obra era: «O Opus Dei é uma pequena parte da Igreja» (P. Rodríguez, O Opus Dei como realidade eclesiológica , em P. Rodríguez-F. Ocáriz-J. L. Illanes, O Opus Dei na Igreja , Rei dos Livros, Lisboa 1994, p. 20).

[55] Cfr. S. Josemaria, Instrução, mayo-1935 , n. 1.

[56] S. Josemaria, Instrução, mayo-1935 , 85. Completa esta passagem da Instrução , uma nota (155) de D. Álvaro del Portillo, que explica o seu sentido: «Trata-se, realmente, de um regresso aos primeiros tempos do cristianismo, nos quais os fiéis tinham cor unum et anima una ( Act 4, 32) e, cheios desse carinho evangélico, reuniam-se nos lares de uns e de outros, para louvar e dar graças a Deus; para receber a formação, ouvindo a palavra divina, explicada de modo conveniente conforme as necessidades de cada pequena comunidade , e para fazer os seus planos de apostolado e proselitismo. – Estes são, precisamente, os fins das reuniões nos lares dos nossos irmãos Supranumerários, fonte real de vida fraterna e de caridade.

[57] Sobre a virgindade e o ascetismo nos primeiros séculos pode consultar-se: T. Camelot, Virgines Christi. La virginité aux premiers siècles de l’église , Paris 1944; J.Joubert, La virginité ou les vrais noces , na «Revue de Droit Canonique» 40 (1990) 117. 133.

[58] Cfr. Mt 19, 12. A virgindade e celibato eram muito apreciados na antiga Igreja. Podemos mencionar alguns testemunhos: Clemente Romano, Epístola aos Coríntios , I, 38, 2 (FPatr 4, 120); Inácio de Antioquia, Epístola aos Esmírnios , XIII, 1 (FPatr 1, 178-180); Hermas, Pastor , Visões I, 2, 4; II, 3, 2 (FPatr 6, 66; 78); Semelhanças IX, 29, 1; IX, 31, 3 (FPatr 6, 274;276-278); Minucio Félix, Octávio , 31 (CSEL 2,44-45); Cipriano, Sobre o vestuário das virgens , 3-6 CSEL 3/1, 189-192); Metódio de Olimpo, Banquete , Hino (SC 95, 310-321).

[59] O nascimento do monacato, com o consequente afastamento do mundo é um fenómeno posterior que tem as suas origens em finais do século III (cfr. L. Bouyer, La spiritualité du Nouveau Testament et des Pères, Aubier , Paris 1966, p. 369).

[60] S. Josemaria, Instrução, 8-XII-1941 , n. 81.

[61] S. Josemaria, Instrução, 8-XII-1941 , n. 84.

[62] S. Josemaria, Temas Actuais do Cristianismo , n. 92.

[63] Como pequena amostra podemos citar o que escreve Atenágoras no século II: «E até é fácil encontrar a muitos entre nós, homens e mulheres, que chegaram à velhice celibatários, com a esperança de trato mais íntimo com Deus» ( Legación, 33 [BAC 116, 703-704]).

[64] S. Josemaria, Carta, 9-I-1959, n. 11.

[65] Sobre a santificação do trabalho no pensamento de S. Josemaria: J. L. Illanes, La santificación del trabajo , Palabra, Madrid 1981; Id., Trabajo, caridad, justicia, en Santidad y mundo , pp. 211-242; J. M. Aubert, La santificación del trabajo, en Mons. Josemaría Escrivá de Balaguer y el Opus Dei , pp. 215-224; P. P. Donati, El significado del trabajo en la investigación sociológica actual y el espíritu del Opus Dei , em «Romana» 22 (1996/1) 122-134. Sobre o trabalho e a espiritualidade dos primeiros cristãos: S. Felici (Ed.), Spiritualità del lavoro nella catechesi dei Padri del III-IV secolo, (Biblioteca de Scienze Religiose 75), LAS, Roma 1986; A. Quacquarelli, L’educazione al lavoro: dall’antica comunità cristiana al monachesimo primitivo, em «Vetera Christianorum» 25 (1998) 149-163.

[66] S. Josemaria, Sulco , n. 490.

[67] S. Josemaria, Cristo que passa, n.46. Toda a homilia, Na oficina de S. José , numa apertada síntese, o pensamento do Fundador do Opus Dei sobre a santificação do trabalho: cfr. C risto que passa, nn. 39-56.

[68] Cfr. P. Allard, Histoire des persécutions pendant les deux premiers siècles , 2 vols., 3ª ed., Gabalda, Paris 1903-1905; T. Baumeister, Mártires y perseguidos en el cristianismo primitivo , em «Concilium» (E) 19 (1983) 312-320; J. Siat, La persécution des chrétiens au début du IIe s., d’après la lettre de Pline le Jeune et la réponse de Trajan en 112 , em «Études Classique» 63 (1995) 161-170.

[69] Cfr. L. Cignelli, Significato del martirio: Pensieri dei Padre della Chiesa, em «Studi Francescani» 92 (1995) 19-41.

[70] Cfr. P. de Labriolle, La réaction païenne. Étude sur la polémique antichrétienne du I au VI siècle , Artisan du Livre, Paris 1948; D. Ramos-Lissón, Alegorismo pagano e alegorismo cristiano en Orígenes. La polémica contra Celso , em A. González Blanco (Ed.), Cristianismo y aculturación en tiempos del Imperio Romano , em « Antiguedad y Cristianismo» (Múrcia) 7 (1990) 125-136.

[71] Luciano, De morte Peregrini, Loeb Classical, Havard University Press- William Heinemann, Cambridge (Ma) – London 1962, Lucian, V, pp. 1-51.

[72] Um eco desta condenação encontramo-lo em Tertuliano, Apologeticum, III, 1 (CCL 1, 91).

[73] Cfr. H. Leclercq, Accusations contre les chrétiens , em «Dictionnaire D´Archéologie Chrétienne et de Liturgie» 1, 265 y ss.

[74] Mc 16, 15. Temos os testemunhos dos Apologistas cristãos dos séculos II e III. A título de exemplo do que dizemos podemos acrescentar um texto de Aristides que o corrobora: «Estão dispostos [os cristãos] a dar as suas vidas por Cristo, pois guardam com firmeza os seus mandamentos, vivendo santa e justamente de acordo como lhes ordenou o Senhor Deus, dando-Lhe graças a todo o momento por toda a comida e bebida e pelos outros bens (…). Este é, pois, verdadeiramente o caminho da verdade, que conduz aos que por ele caminham para o reino eterno, prometido por Cristo na vida futura» ( Apologia, XV, 10-11 [BAC 116, 131]).

[75] S. Josemaria, Sulco , n. 120.No mesmo sentido se expressa em Caminho, n. 376.

[76] A mente perspicaz de Clemente de Alexandria detectava já na sua época que «não existe outro mal que a ignorância» ( Stromata, VI, 113, 3 [GCS 52, 488]).

[77] S. Josemaria, Carta, 15-VIII-1953, n. 19. A necessidade de dar doutrina leva-o a associá-la também ao campo da opinião pública ( Carta 30-IV-1946 , n. 73).

[78] Cfr. G. Bardy, La conversión ao cristianismo durante los primeros siglos, ci. , pp. 294-307.

[79] S. Josemaria, Carta, 9-I-1959, n. 22.

[80] Cfr. K. Baus, Manual de Historia de la Iglesia , dirigida por H. Jedin, I, trad. esp. , Herder, Barcelona 1966, pp. 311‑319.

[81] Cfr. Mt 5, 16; Tg 2, 17.

[82] Cfr. Inácio de Antioquia, Magnésios, IV (FPatr 1, 130); Efésios X, 1-2(FPatr 1, 114).

[83] S. Josemaria, Instrução, mayo-1935, n. 94.

[84] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 225.

[85] Cfr. D. Ramos-Lissón, El diálogo entre el poder político romano y los cristianos, según la literatura de los tres primeros siglos , em D. Ramos-Lissón (ed.), El diálogo Fe-Cultura en la Antiguedad Cristiana , Eunate, Pamplona 1996, pp. 199-225.

[86] S. Josemaria, Carta 24-X-1965, n. 13.

[87] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 269.

[88] Podemos citar por exemplo a acção apostólica da mártir Potamiena que consegue a conversão do soldado Basílides, a caminho do martírio, tal e como no-lo conta Eusébio de Cesareia, História eclesiástica , VI, 5. Cfr. D. Ramos-Lissón, La conversion personnelle dans la littérature des martyrs dans l’antiquité chrétienne (I-III siècles) , em «Studia Patristica» 29 (1997) 101-108.

[89] Caminho, n. 971. Um exemplo de viver esse entusiasmo dos primeiros fiéis é o recolhido nos Actos dos Apóstolos , protagonizado por Cleofas e o seu companheiro de Emaús, e que deu lugar ao ponto 917 de Caminho . «“Nonne cor nostrum ardens erat in nobis, dum loquereturem in via?” – Não é verdade que sentíamos abrasar-se-nos o coração, quando nos falava pelo caminho?”

Se és apóstolo, estas palavras dos discípulos de Emaús deviam sair espontaneamente dos lábios dos teus companheiros de profissão, depois de te encontrar a ti no caminho da sua vida»

[90] S. Josemaria, Carta 19-III-1967, n. 139.