O coração de uma mãe só outra mãe o entende

Kika e Marina, mãe e filha. Uma história como a própria vida, com os seus encontros e desencontros. A vocação divina que Marina sente, e mais tarde o seu irmão Arturo, provoca uma forte rejeição na sua mãe. Distância, amargura, crise, doença. Outra Mãe entra em cena, a de Torreciudad, que acalma os ânimos e devolve a alegria. "A história da conversão da minha mãe foi a história da conversão do meu pai e de cada um dos seus filhos", conclui Marina.

Na beatificação de Álvaro del Portillo, em Valdebebas, encontrámos um casal invulgar e pensámos que deviam vir de um lugar remoto entre a Europa de Leste e o Sudeste Asiático. Nada mais... perto. Vinham de Valência e deram-nos um testemunho emocionante que publicámos com o título Los chicos del coro. Hoje, a sua filha Marina conta-nos como terminou a história de Luis e Kika e de toda a sua família. Ou melhor, como continua, porque as histórias felizes nunca acabam.

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Sou a terceira de uma família numerosa de treze irmãos. Os meus pais sempre foram profundamente cristãos; o meu pai parece-se com o santo Job – e um pouco com o Pai Natal – e a minha mãe com a Judite, na sua beleza e no seu carácter.

Kika e Marina, mãe e filha.

Ela foi sempre apaixonada em discussões e sentimentos, rebelde numa sociedade privilegiada e muito corajosa. Mas, acima de tudo, era mãe por definição. Educou-nos sem programas nem receitas, com a naturalidade de uma família, celebrando tudo o que podia ser celebrado e estando muito presente em casa. Lia muito, conversava e divertia-se connosco, e repreendia-nos de vez em quando – tinha 113 motivos –. Todos nos lembramos do dia em que quis atirar um bolo à cara do meu pai e, ao ver a sua cara de susto, virou a mão, de forma que o bolo ficou incrustado no teto. Enquanto o apanhávamos, ríamos à gargalhada e, depois da sua reconstrução, comemo-lo alegremente.

A MINHA MÃE EDUCOU-NOS SEM PROGRAMAS NEM RECEITAS, COM A NATURALIDADE DE UMA FAMÍLIA, CELEBRANDO TUDO O QUE PODIA SER CELEBRADO E ESTANDO MUITO PRESENTE EM CASA

Apesar dos atritos naturais, sempre nos considerámos uma família muito unida, privilegiada por tantos dons recebidos de Deus ao longo dos anos: o maior, o dom da fé, que pudemos reafirmar junto a João Paulo II na missa do primeiro Encontro das Famílias, em 1994. Outro, saber desfrutar da vida. Encantam-nos as relações humanas, os encontros com a família e os amigos, etc. Ter oportunidade de viver é uma maravilha que sempre valorizámos:

Os planos de Deus não são os nossos planos

Quando eu tinha 19 anos, fui ao Santuário de Torreciudad com uns amigos. Aí, a minha irmã Paula, que é supranumerária, apresentou-me a uma rapariga do Opus Dei e, a partir desse momento, comecei a frequentar algumas atividades. Sempre pensei que a minha vida seria semelhante à dos meus pais, pela grande admiração que tinha por eles e pela minha inclinação natural para o casamento e a maternidade. No entanto, os planos de Deus não são os nossos planos e, depois de anos de busca, quando estava a terminar a minha licenciatura em Arquitetura, descobri que Deus me pedia para viver uma vida de entrega a Ele e aos outros, como numerária do Opus Dei. Pouco tempo antes, o meu irmão Arturo tinha tomado a mesma decisão de responder ao chamamento de Deus.

Quando falei com a minha mãe sobre o assunto, a sua reação foi totalmente inesperada. Não acreditava que eu tivesse verdadeira vocação: ficou literalmente furiosa e disse-me que, se eu quisesse viver essa vida, me poria fora de casa só com a roupa que tinha vestida, e assim fez. A seguir, falou com o meu irmão Arturo para lhe dizer que fizesse a mala e se fosse embora também. Nós e o resto da família estávamos muito confusos com o que tinha acontecido, mas o coração de uma mãe só pode ser compreendido por outra mãe.

O MEU PAI TAMBÉM REAGIU MAL NO INÍCIO, MAS, DEPOIS DE OUVIR A MINHA HISTÓRIA, DISSE-ME: "ISSO É DE DEUS, QUANDO A TUA MÃE O OUVIR, FICARÁ CERTAMENTE CONVENCIDA"; MAS A MINHA MÃE NÃO TINHA FORÇAS PARA OUVIR.

O meu pai também reagiu mal no início, mas, depois de ouvir a minha história, disse-me: "Isso é de Deus, quando a tua mãe o ouvir, ficará certamente convencida"; mas a minha mãe não tinha forças para ouvir. O meu pai sempre a apoiou, foram um só coração e uma só alma, e isso foi um exemplo para todos. Pode dizer-se que cumpriram à letra a promessa feita no matrimónio: "Amar-te-ei na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza... todos os dias da minha vida".

Muitas vezes ouvia no meu coração como o Senhor me dizia: "Tem confiança, tu cuida das minhas coisas que eu cuido das tuas".

Duas semanas depois regressámos a casa, mas a nossa família nunca mais foi a mesma. A minha relação com a minha mãe mudou muito: discutíamos frequentemente e havia desentendimentos mútuos. Eu sofria com a ideia de que aquilo que Deus me pedia podia separar a minha mãe e os meus irmãos e irmãs d'Ele e da Igreja. Muitas vezes ouvia no meu coração como o Senhor me dizia: "Tem confiança, tu cuida das minhas coisas, que eu cuido das tuas". Entre as "minhas" estava a nossa família.

PASSARAM OS ANOS E A MINHA MÃE CONTINUAVA A NÃO COMPREENDER A NOSSA VOCAÇÃO, EMBORA A NOSSA RELAÇÃO SE FOSSE SUAVIZANDO. O NASCIMENTO DA MINHA SOBRINHA MARINA APROXIMOU-NOS UM POUCO MAIS

Passaram os anos e a minha mãe continuava a não compreender a nossa vocação, embora a nossa relação se fosse suavizando. O nascimento da minha sobrinha Marina aproximou-nos um pouco mais. Os meus pais continuavam a não frequentar os centros onde vivíamos nem a saber nada da nossa vida em relação ao Opus Dei. Nunca deixaram de nos amar e de contar connosco. Íamos a casa com frequência, embora não tanta como eles queriam, e eles faziam-nos notar isso. O Arturo brincava com o meu pai dizendo que não tinha o "dom da ubiquidade", que quereria estar sempre nas duas casas. Numa noite de Natal, o meu pai ofereceu-lhe um anel de ubiquidade – feito de papel – mas, logicamente, não funcionou. Eu sentia-me pior, porque não conseguia brincar com a minha mãe. Como o tempo põe as coisas no seu sítio, a minha mãe acabou por admitir que a nossa vocação era verdadeira e não fruto de um "capricho" e contava connosco para que rezássemos por diversas intenções, quase sempre relacionadas com os meus irmãos e familiares.

Uma enorme crise familiar

A harmonia familiar parecia ter sido restabelecida, mas catorze anos após o primeiro "terramoto", a minha irmã Paz decidiu entregar-se a Deus como membro consagrado do Regnum Christi. Entregou-se ao Senhor no dia do meu aniversário, 27 de agosto de 2012, e considerou a coincidência um sinal claro de que a sua resposta foi uma consequência da minha. Perguntámo-nos qual seria a reação dos nossos pais. Pensámos que poderiam reagir bem, mas desta vez o equilíbrio precário foi quebrado, desencadeando uma enorme crise. Depois de anos de sofrimento moral, e cansada de ser "a má da fita", a minha mãe explodiu. No dia em que lhe contou, a Paz também se viu "de rastos". Era difícil para nós compreender esta falta de aceitação, mas a minha mãe foi a primeira a não aceitar o facto de não o aceitar.

EM JANEIRO, DECIDIU MUDAR-SE PARA O APARTAMENTO QUE TEMOS NA PRAIA E DISSE AO MEU PAI QUE TINHA "DECIDIDO SEPARAR-SE DELE".

Perante esta nova situação e a incapacidade de a aceitar, a minha mãe entrou numa depressão profunda que a levou a rejeitar o que mais amava. Em janeiro, decidiu mudar-se para o apartamento que temos na praia e disse ao meu pai que tinha "decidido separar-se dele". Ao princípio, não acreditámos nela porque parecia uma ameaça típica que passaria num curto espaço de tempo; mas passaram-se dias, semanas e meses e ela continuava a não querer ter nada a ver com o meu pai. Estava farta de tomar as decisões importantes da família, de lutar por cada um de nós, e queria deixar de sofrer de vez. Por isso, optou por "olhos que não veem, coração que não sente".

Sem saber o que fazer, decidimos pedir a Nossa Senhora que nos devolvesse a nossa mãe.

Sem saber o que fazer, decidimos pedir à Virgem que nos devolvesse a nossa mãe. Um dia, combinámos o meu pai, a Paz e eu ir a um santuário mariano. Por essa altura, a renúncia de Bento XVI , a eleição do Papa Francisco e outras circunstâncias comoveram-na. Por outro lado, era a vez de o meu irmão ser calvário da nossa Confraria do Sangue e Cristo de São Marcelo e a minha mãe deslocou-se a Segorbe com toda a família, embora continuasse a manter uma certa distância do meu pai.

A Virgem de Torreciudad muda os corações

Falei com a minha mãe e propus-lhe ir a Torreciudad depois da Semana Santa, aproveitando o facto de o Arturo estar lá num retiro com jovens e eu a passar uns dias de descanso e formação em La Solana, uma casa de retiros próxima. Para minha surpresa, ela aceitou. A minha mãe continuava a ter um coração duro, sem vontade de mudar.

No primeiro dia, convidei-a para almoçar e passar a tarde comigo em La Solana. A administração preparou uma paella valenciana e as pessoas foram muito afetuosas. No final, ela estava feliz, comovida com a atenção e os pormenores. Quando soube que vinha, fui falar com o Pe. Javier Mora-Figueroa, que era na altura o reitor do Santuário, e expliquei-lhe a situação: "Tem de falar com a minha mãe, tem de ser o Pe. Javier". Ele, com o melhor dos sorrisos, respondeu-me: "Não, tem de ser a Virgem; tu, reza, pede-lho a Ela".

"TEM DE FALAR COM A MINHA MÃE, TEM DE SER O Pe. JAVIER". ELE, COM O MELHOR DOS SORRISOS, RESPONDEU-ME: "NÃO, TEM DE SER A VIRGEM; TU, REZA, PEDE-LHO A ELA".

Durante esses dias íamos almoçar com a minha mãe, fazíamos excursões ou visitávamos os lugares do santuário. Uma tarde, decidimos ir ao terço e à bênção com o Santíssimo Sacramento. Assim que terminámos, olhei para a minha mãe, que estava muito séria, e disse-lhe: "Mamã, disse ao reitor que estavas aqui: queres falar com ele?". Ela respondeu sem hesitar: "Sim, agora mesmo". Depois contou-me a conversa que tinha tido com ele, concretamente: "Reconheço tantos erros na minha vida... Mas não quero mudar, não quero voltar para o meu marido, por isso não me pude confessar". O padre disse-lhe: "Não te preocupes com isso, que o propósito de te corrigires vai ser Deus a dar-to". E assim foi, porque no dia seguinte encontraram-se para limpar a alma. Nesse dia, a minha mãe voltou a ser a minha mãe e estava feliz.

UMA SEMANA DEPOIS, A MINHA MÃE REGRESSOU A VALÊNCIA COM ARTURO, FELIZ POR ESTAR DE VOLTA A CASA. INSEGURA DE SI PRÓPRIA, MAS SEGURA DE DEUS.

Nos dias que se seguiram, tanto o reitor como o vice-reitor abriram-nos o coração. Fiquei impressionada com o trato delicado e afetuoso, com a compreensão e a misericórdia tão delicadas. Uma das virtudes dos que acolhem as pessoas em Torreciudad é a capacidade de nos receberem como se fôssemos a única pessoa no mundo. Numa visita guiada, o vice-reitor mostrou-nos a capela da Sagrada Família. Disse-nos que ali se celebravam muitos aniversários de casamento. A minha mãe disse que, no dia 12 de outubro, faziam quarenta anos de casados e que seria uma boa altura para ir com todos. Então o vice-reitor disse, rindo, que sim, que esperar até aos cinquenta anos é arriscado; em primeiro lugar, porque é preciso ver se se consegue e, em segundo lugar, porque é preciso ver como se chega lá. Uma semana depois, a minha mãe regressou a Valência com Arturo, feliz por estar de volta a casa. Insegura de si própria, mas segura de Deus.

Uma chamada urgente

No dia 24 de setembro de 2013, o meu pai telefonou-me alarmado para me dizer que a minha mãe estava no hospital porque, de repente, teve graves problemas na fala. Fui a correr e, quando cheguei, o médico disse-nos que ela tinha um tumor cerebral bastante evidente. Decidimos contar-lhe logo, porque ela sempre quis saber a verdade e também é perita em apanhar-nos em qualquer disfarce ou mentira. Assim, com o coração destroçado, acompanhámos o médico. A minha mãe, a Paula, o meu pai e eu estávamos na sala. Ao ouvir a notícia, a minha mãe olhou para o médico e disse: "Bem, temos de morrer de alguma coisa; uns vão antes e outros depois". Então rompemos em soluços e a minha mãe disse-nos que "não fizéssemos dramas e fôssemos almoçar".

A MINHA MÃE, A PAULA, O MEU PAI E EU ESTÁVAMOS NA SALA. AO OUVIR A NOTÍCIA, A MINHA MÃE OLHOU PARA O MÉDICO E DISSE: "BEM, TEMOS DE MORRER DE ALGUMA COISA; UNS VÃO ANTES E OUTROS DEPOIS".

No bar, o meu pai, entre lágrimas e com um riso nervoso, disse-me que estava impressionado com a força da minha mãe e que achava que devia ter sido ao contrário: que o médico devia ter-lhe contado primeiro e depois ter-lhe perguntado: "Bem, minha senhora, quando é que acha que devemos contar ao seu marido e aos seus filhos?", porque realmente a notícia atingiu-nos como uma bomba: a minha mãe era nova e ainda precisávamos muito dela.

Respondi-lhe: "Vamos lá ver, mamã, o Papa Francisco está a falar de misericórdia. Deus vai rir-se quando chegares ao céu e vai dar-te um grande abraço.

Nessa noite, fiquei com ela no hospital. Houve um momento em que, com um ar preocupado, ela me disse: "Deus vai-me fazer passar um mau bocado quando chegar à outra vida, porque passei tantos anos a opor-me à Sua vontade...". Respondi-lhe: "Vamos lá ver, mamã, o Papa Francisco está a falar de misericórdia. Deus vai rir-se quando chegares ao Céu e vai dar-te um grande abraço. Ela tentava sorrir, mas eu via que não estava calma. Adormeci no sofá do hospital, pedindo ao Senhor que lhe desse a paz que lhe faltava. No dia seguinte, disse-lhe: "Esta tarde trago-te uns biscoitos, queres mais alguma coisa? E ela respondeu: "Sim, traz-me um sacerdote. Durante a sua estada no hospital, falámos muito de Deus, da vida eterna, da oração, etc. Pedi ao Senhor que "lhe inflamasse o coração como a Santa Teresa de Jesus".

"Pensat i fet"

Depois de mil exames, os médicos decidiram que era preciso operar no dia 14 de outubro. Telefonámos ao vice-reitor de Torreciudad para lhe dizer que não poderíamos festejar lá o aniversário dos meus pais. A minha mãe ficou desgostosa por não poder ir. No dia 11 de outubro, às três horas da manhã, rezou: "Senhor, podias ter esperado um pouco mais pelo tumor e assim toda a família teria ido a Torreciudad". Sentiu que o Senhor lhe respondia: "E quem é que te impede de ir? Depois pensou: "É verdade, ninguém nos impede de ir", e disse-o ao meu pai. Às 8 horas da manhã estávamos todos avisados. Pediu autorização no hospital e assim, ao mais puro estilo valenciano – pensat i fet –, fomos no dia seguinte, os trinta e seis, de autocarro, ida e volta no mesmo dia.

NO DIA 11 DE OUTUBRO, ÀS TRÊS HORAS DA MANHÃ, REZOU: "SENHOR, PODIAS TER ESPERADO UM POUCO MAIS PELO TUMOR E ASSIM TODA A FAMÍLIA TERIA IDO A TORRECIUDAD". SENTIU QUE O SENHOR LHE RESPONDIA: "E QUEM É QUE TE IMPEDE DE IR?"

Para mim, esse dia foi agridoce. Muito doce pela maravilha de ter ido com todos a Torreciudad. Era a resposta do Senhor: "Fiz asneira, arranjei-a". Mas um pouco amargo porque pensei que poderia ser a última viagem que faríamos em família; que a operação tinha uma elevada percentagem de insucesso e que a minha mãe estava preparada para enfrentar a passagem para o céu. S. Josemaria dizia que Deus não é um caçador furtivo que leva a sua presa no momento mais inesperado, mas um jardineiro que corta a rosa no momento mais belo: era assim que eu via a minha mãe, como uma flor bonita que se pode cortar. A Virgem derramou a sua graça sobre cada um de nós. Os meus pais quiseram voltar a confessar-se antes da cerimónia e alguns dos meus irmãos deram um passo decisivo para a conversão. Só podíamos agradecer a Deus pela família que nos tinha dado.

"Quero dar testemunho"

A 14 de outubro, a operação correu muito bem. Conseguiram retirar o tumor de maneira correta e sem danificar o cérebro. À tarde, vimos a minha mãe na UCI. O Arturo e eu fomos os últimos a vê-la. Entrámos na enfermaria e ela disse-nos com um rosto radiante: "Hoje foi o dia mais feliz da minha vida". Perguntei-lhe se tinha tido medo da operação e ele respondeu-me que não.

Alguns dias mais tarde, fiquei a dormir no hospital com ela e atrevi-me a perguntar-lhe o que se tinha passado durante a operação. Ela disse: "Não sei exatamente, só sei que Deus me deu um dom e não o quero perder. Não compreendo como é que me foi dado desta forma, eu que estive tão longe, eu que me opus tantas vezes à Sua vontade, eu que no ano passado queria desistir de tudo". Disse-lhe que era certamente um mistério, mas que sempre tinha procurado viver retamente e que Deus via isso. Sentia-se como Dimas, o bom ladrão, que no último momento roubou o Céu a Jesus Cristo. Depois perguntei-lhe: "Mãe, compreendes agora a nossa vocação?". E, quase sem me deixar acabar, disse: "Não só a compreendo, como compreendo que é a melhor coisa que te podia ter acontecido". Mais tarde, conversando com uma irmã, ela contou-me que, ao entrar na enfermaria depois da operação, disse a vários irmãos: "Quero que saibam uma coisa: passei toda a minha vida confiando muito em Deus, mas confiando até certo ponto. E esse ponto era o meu orgulho, e esse ponto impedia-me de estar unida a Deus e de compreender as suas coisas". Naqueles dias, teve também muitas palavras de reconciliação, ternura e compreensão com a minha irmã Paz.

DEPOIS PERGUNTEI-LHE: "MÃE, COMPREENDES AGORA A NOSSA VOCAÇÃO?". E, QUASE SEM ME DEIXAR ACABAR, DISSE: "NÃO SÓ A COMPREENDO, COMO COMPREENDO QUE É A MELHOR COISA QUE TE PODIA TER ACONTECIDO".

Dias depois, dizia-nos que queria dar testemunho de uma mãe que viveu obcecada pela vocação dos seus filhos, uma mãe que se enganou. Contudo, a minha mãe não se enganou, porque soube educar-nos e ensinou-nos a ser generosos, pelo que é uma realidade que devemos noventa por cento da nossa vocação aos nossos pais, como dizia S. Josemaria-; eu diria que, no nosso caso, são 99%.

Quando o tumor foi analisado, foi-nos dada a má notícia de que lhe restavam entre seis meses a um ano de vida. Foram meses de tratamento: radioterapia, quimioterapia, etc., e uma dádiva de vida porque já passaram dois anos. Pôde viver acontecimentos importantes: casamentos, batizados, uma peregrinação à Terra Santa, uma visita à Virgem de Fátima, a Torreciudad, etc. Mas não só isso, cada dia nos ensinou coisas novas, teve tempo para pedir perdão, para agradecer, para falar com cada um de nós, para nos pedir que sejamos não bons, mas santos.

Contudo, a minha mãe não se enganou, porque soube educar-nos e ensinou-nos a ser generosos.

Em setembro de 2014, os meus pais estiveram presentes na Beatificação de Álvaro del Portillo, em Madrid. Foram dias inesquecíveis, também cheios de muita graça de Deus e de gratidão da nossa parte. Ali, no dia da Missa de ação de graças, por "casualidade" puderam dizer algumas palavras comoventes que foram publicadas no site da Obra, numa reportagem intitulada Los chicos del coro.

A história da conversão da minha mãe foi a história da conversão do meu pai e de cada um dos seus filhos. Ela dizia que ia para o Céu preparar a nossa casa para que fosse acolhedora. Faleceu a 24 de fevereiro de 2016, rodeada pelos filhos e netos, com grande serenidade e alegria. É ela que vai puxar lá de cima até que todos nós vamos ter com ela, junto à família de Nazaré, junto à Santíssima Trindade. Lá no Céu não haverá choro, nem dor, nem quimioterapia, nem mal-entendidos... haverá apenas uma grande comunhão de amor e espero encontrar-me com todos os que lerem esta história.