Meditações: sábado da XXXI semana do Tempo Comum

Reflexão para meditar no sábado da XXXI semana do Tempo Comum. Os temas propostos são: a liberdade de não nos apegarmos aos bens terrenos; o desprendimento recorda-nos que tudo é de Deus; agradecer o que temos.


«NENHUM SERVO pode servir a dois senhores» (Lc 9, 13), diz-nos Jesus hoje no Evangelho. São palavras claras e precisas. Parece não haver espaço para meias tintas. Quem quiser ser discípulo de Cristo procura que os bens terrenos não o afastem daquilo que deseja ser o centro da sua vida. «Não podeis servir a Deus e às riquezas» (Lc 9, 13), continua Cristo. Queremos pedir ao Espírito Santo que nos ajude a descobrir o convite que Ele nos dirige. O reinado de Deus e o reinado do dinheiro são muito diferentes. Um, recebemo-lo e abre-nos aos outros; o outro utiliza múltiplos enganos − a ganância, o desejo excessivo de possuir, a confiança única nos bens, etc. − para nos fechar sobre nós próprios.

O efeito imediato, mas efémero, do apego do nosso coração aos bens terrenos é a autossuficiência. Uma vez conseguido o que desejávamos, desfrutamos de alguns momentos de glória superficial, muito visível, talvez barulhenta a nível afetivo. No entanto, essa escapatória aprisiona-nos gradualmente. Estes bens não podem penetrar no nosso coração, não o podem alimentar. Podem ser capazes de o anestesiar, mas mais cedo ou mais tarde acordamos na solidão. Provavelmente não são maus em si mesmos, mas se os transformarmos em pequenos ídolos, facilmente tomam conta da nossa vida. Seguir Jesus implica viver a virtude do desprendimento, desfrutar de um uso harmonioso das coisas que nos rodeiam: «Tornar-se seu discípulo implica a opção de não acumular tesouros na terra, que dão a ilusão duma segurança na realidade frágil e efémera; ao contrário, requer disponibilidade para se libertar de todos os vínculos que impedem alcançar a verdadeira felicidade e a paz, para reconhecer aquilo que é duradouro e que nada nem ninguém pode destruir (cf. Mt 6, 19-20)»[1].

A alma que vive sem se apegar às coisas, sem lhes entregar a sua felicidade, está cheia da riqueza de Deus, do Seu amor e da Sua paz. Não precisa de nada porque tem tudo, e quando usa os bens materiais, o tempo ou os seus talentos, agradece-os como dádivas, dispõe do que necessita porque estando com Deus, tudo lhe pertence. Não os considera como próprios, nem os retém. E por isso, desfruta deles totalmente.


PODEMOS PEDIR A JESUS que nos ensine esta arte: assumir o risco de viver abandonados ao seu cuidado. Num outro momento da sua pregação, chamou a atenção dos seus ouvintes para os lírios e as aves: nunca lhes falta alimento nem roupa porque, à sua maneira, vivem de Deus (cf. Mt 6, 25-33). De nós, espera apenas «um pouco de amor para derramar abundantemente a sua graça sobre a alma»[2]. Um pouco de amor é o suficiente para nos entregar a sua fortuna. Neste negócio divino, as palavras de Sta. Teresa de Jesus são perfeitamente cumpridas: «Convencei-vos de que destes muito pouco, pois tanto haveis de receber»[3].

Jesus dá-nos a todos a possibilidade de viver a virtude do desprendimento, que nos faz lembrar que tudo pertence a Deus. Cada um vivê-la-á nas próprias circunstâncias, de maior ou menor abundância, de maior ou menor escassez. A situação específica de cada um é a melhor para confiar em Deus. Quando nos perturbe a incerteza, a dúvida ou o medo, podemos pedir-lhe que nos convença de que a alegria não depende do muito ou do pouco; que interiorizemos que «o que é preciso para conseguir a felicidade não é uma vida cómoda, mas um coração enamorado»[4].

«Os projetos de Deus não coincidem com os do homem; são infinitamente melhores, mas muitas vezes permanecem incompreensíveis à mente humana (…) Não devemos, certamente, esperar de maneira passiva aquilo que Ele nos manda, mas colaborar com Ele, a fim de que complete tudo o que começou a realizar em nós. Devemos ser solícitos sobretudo na busca dos bens celestes. Estes devem ocupar o primeiro lugar, como o exige Jesus: “Procurai primeiro o Seu reino e a Sua justiça” (Mt 6, 33). Os outros bens não devem ser objeto de preocupações excessivas, porque o nosso Pai do céu conhece quais são as nossas necessidades»[5].


UM CAMINHO QUE nos leva ao desprendimento cristão − que é, ao mesmo tempo, um "prender-se" pelo que realmente queremos − é o agradecimento. Quando não damos por garantido o amor que queremos receber, aprendemos a estar abertos a qualquer forma com que chegue até nós. E assim, abandonamos as pobres garantias que os bens ou mesmo as criaturas nos oferecem e descobrimos mil maneiras de como os outros nos estavam simplesmente a manifestar o seu amor.

No dia 28 de fevereiro de 1964, S. Josemaria entrou no seu quarto e surpreendeu-se ao ver que havia uma colcha cobrindo a cama, habitualmente descoberta. Dois dias depois, telefonou a uma das suas filhas para lhe agradecer: «Obrigado, minha filha, Deus te abençoe! Que surpresa tive no outro dia ao entrar no meu quarto. Pensei que me tinha enganado e disse para mim mesmo: Josemaria, ficaste rico! Em 36 anos é a primeira vez que tenho colcha. Sabes que durante estes anos insisti em que queria ser o último»[6].

«A atitude de reconhecimento deve distinguir a vida de todos os homens, de cada um dos cristãos em particular. (…) É uma atitude “eucarística”, que vos dá paz e serenidade nas fadigas, vos liberta de todo o apego egoísta e individualista, vos torna dóceis à vontade do Altíssimo, também nas exigências morais mais difíceis (…) Agradecer significa acreditar, amar, dar! E com alegria e generosidade!»[7]. Pedimos à Virgem Maria, que recebeu com total agradecimento todos os dons com que Deus a cumulou, que nos dê a valentia de não nos apegarmos às coisas desta terra, mas confiar acima de tudo no nosso Pai do céu.


[1] Francisco, Mensagem, 14/09/2021.

[2] S. Josemaria, Via-Sacra, V Estação.

[3] Sta. Teresa, Caminho de Perfeição, 33, 2.

[4] S. Josemaria, Sulco, n. 795.

[5] S. João Paulo II, Audiência, 24/03/1999

[6] S. Josemaria, testemunho citado em A. Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, tomo III.

[7] S. João Paulo II, Homilia, 09/11/1980.