Meditações: sábado da VI semana da Páscoa

Reflexão para meditar no sábado da VI semana da Páscoa. Os temas propostos são: o dom da piedade; a oração de petição é confiança em Deus; a piedade torna-nos mansos de coração.


NUM CLIMA de grande intimidade, Jesus diz aos apóstolos: «O próprio Pai vos ama, porque vós Me amastes e acreditastes que Eu saí de Deus. Saí de Deus e vim ao mundo; agora deixo o mundo e vou para o Pai» (Jo 16, 26-28). Cheio de ternura por eles, Jesus repete-lhes, uma e outra vez, que Deus Pai os ama com um amor semelhante ao seu. Toda a conversa está impregnada de emoção, enquanto lhes revela os tesouros escondidos no coração divino. A afeição de Cristo é tão profunda – «amou-os até ao fim» (Jo 13, 1), diz S. João – que lhe dói deixá-los sozinhos, sem o calor da sua presença.

«O próprio Pai vos ama». A confiança no amor de Deus Pai cresce no cristão com o dom da piedade, que o Espírito Santo dá quando habita na alma. É um dom que aperfeiçoa a virtude da piedade, «virtude que se baseia, tem a sua fonte e fundamento na filiação divina, porque dela nasce, da consciência de quem vive e saboreia a sua condição de filhos de Deus»[1]. «Por isso, acima de tudo, o dom da piedade desperta em nós gratidão e louvor. Este é, de facto, o motivo e o sentido mais autêntico do nosso culto e da nossa adoração. Quando o Espírito Santo nos faz perceber a presença do Senhor e todo o seu amor por nós, aquece-nos o coração e move-nos quase naturalmente à oração e à celebração»[2].

Saboreamos, então, a nossa identidade de filhos amados. A piedade semeia no coração a ternura filial, que nos faz necessitar do diálogo com Deus. A piedade, diz S. Josemaria, chega a «informar a existência inteira: está presente em todos os pensamentos, em todos os desejos, em todos os afetos»[3] e traduz-se na alegre confiança de que o amor do Pai nunca nos faltará. Através deste dom, «o Espírito cura o nosso coração de toda a dureza e abre-o à ternura para com Deus e para com os irmãos»[4].


«TUDO O QUE pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo dará. Até agora não pedistes nada em meu nome: pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa» (Jo 16, 23-24). Jesus anima-nos a ter tanta confiança em Deus que podemos pedir com a certeza de que ele nos ouve. Sermos muito pedinchões é uma manifestação de piedade. Embora possa parecer à primeira vista uma manifestação de egoísmo, é justamente o contrário, pois a oração de petição supõe um abandono total à sua vontade poderosa. Ao sentirmo-nos filhos sem muitos recursos próprios, como é lógico olhar para Deus e recorrer a Ele em busca de graça, ajuda e perdão!

«Pedir, implorar, isto é muito humano (...). A oração de petição anda de mãos dadas com a aceitação dos nossos limites e da nossa condição de criaturas. Podemos até deixar de crer em Deus, mas é difícil não acreditar na oração: ela simplesmente existe, aparece-nos como um clamor, e todos temos que lidar com essa voz interior que pode estar calada por muito tempo, mas que um dia acorda e grita. Sabemos que Deus responderá. No livro dos Salmos, não há ninguém que reze, que levante o seu lamento e não seja ouvido. Deus sempre responde, de uma forma ou de outra. A Bíblia repete-o inúmeras vezes: Deus ouve o clamor de quem o invoca. Mesmo os nossos pedidos gaguejantes, aqueles que ficam no fundo do nosso coração, que temos vergonha de exprimir, são ouvidos pelo Pai e quer dar-nos o Espírito Santo que anima cada oração e tudo transforma»[5].

Desse modo, o dom de piedade dá frescura e naturalidade à oração, que além de ser um simples diálogo, terá um tom confiante que nos faz «tratar a Deus com ternura de coração»[6]. O Espírito Santo desperta em nós uma oração cheia de tonalidades, como a própria vida. Às vezes vamos reclamar com o Pai: «Porque escondes a tua face?» (Sl 44, 25). Outras vezes, falar-lhe-emos do nosso desejo de santidade: «Ó Deus, tu és o meu Deus! Anseio por ti! A minha alma tem sede de ti» (Sl 63, 2); ou do desejo de uma união mais profunda com ele: «Na terra só desejo estar contigo» (Sl 73, 25). E a nossa esperança repousará sempre na sua misericórdia: «Tu és o Deus meu salvador, em ti confio sempre» (Sl 25, 5).


A PIEDADE verdadeira influencia o nosso relacionamento com os outros. As pessoas que nos rodeiam são filhas do mesmo Pai, são nossos irmãos. A ternura com Deus Pai leva à ternura também com eles. Na vida quotidiana, em que nos relacionamos com tantas pessoas, «a ternura, como abertura genuinamente fraterna aos outros, manifesta-se na mansidão»[7]. O Espírito Santo dilata o nosso coração e torna-o capaz de amar os outros de forma livre e gratuita. De alguma forma, os nossos corações recebem o dom imerecido da mansidão do coração de Cristo.

A piedade impele-nos a tratar com bondade e carinho quem está ao nosso lado. Além disso, «extingue no coração aquelas fontes de tensão e divisão, como amargura, raiva, impaciência, e alimenta-o com sentimentos de compreensão, tolerância, perdão»[8]. A piedade torna-nos gratos, acolhedores e pacientes. Ao estar em paz com Deus, estendemos essa paz a todos os nossos relacionamentos. Em situações difíceis, quando estamos sob pressão, com a ajuda da piedade aprendemos a reagir sem violência, como vemos Cristo fazer. «A mansidão é característica de Jesus, que diz de si mesmo: “Aprendei de mim porque sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29). Mansos são os que têm domínio de si, que dão espaço ao outro, que o escutam e o respeitam no seu modo de viver, nas suas necessidades e nas suas exigências. Não pretendem subjugá-lo ou depreciá-lo, não querem destacar-se e dominar tudo, nem impor as suas ideias e interesses em detrimento dos outros (...). Precisamos de mansidão para avançar no caminho da santidade. Escutar, respeitar, não atacar»[9].

«Peçamos ao Senhor que o dom do seu Espírito vença o nosso medo, as nossas inseguranças, também o nosso espírito inquieto e impaciente, e nos torne alegres testemunhas de Deus e do seu amor, adorando o Senhor em verdade e também no serviço dos nossos com mansidão e com o sorriso que o Espírito Santo sempre nos dá»[10]. Confiamos esta súplica à intercessão de Maria, Vaso insigne de devoção, com as palavras da Salve Rainha: «Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria!»


[1] Dicionário de S. Josemaria, entrada “Piedade”.

[2] Francisco, Audiência geral, 04/06/2014.

[3] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 146.

[4] S. João Paulo II, Angelus, 28/05/1989.

[5] Francisco, Audiência geral, 09/12/2020.

[6] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 167.

[7] S. João Paulo II, Angelus, 28/05/1989.

[8] Ibid.

[9] Francisco, Angelus, 01/11/2020.

[10] Francisco, Audiência geral, 04/06/2014.