Meditações: quarta-feira da XXIII semana do Tempo Comum

Reflexão para meditar na quarta-feira da XXIII semana do Tempo Comum. Os temas propostos são: confiar na felicidade que vem de Deus; a promessa da alegria percorre o Evangelho; as tristezas e as alegrias de um cristão.


NAS bem-aventuranças, Cristo oferece-nos as chaves que nos abrem as portas do Céu… e da felicidade nesta terra[1]. Contudo, o nosso coração tem dificuldade em acreditar que encontrará alegria na pobreza, na fome, no pranto ou na perseguição. O Senhor insiste ao empregar dois verbos muito expressivos para indicar a meta desse trajeto: “alegrai-vos” e “regozijai-vos” (Lc 6, 23).

Estas aparentes contradições convidam-nos «a refletir sobre o profundo significado de ter fé, que consiste em acreditarmos totalmente no Senhor. Trata-se de derrubar os ídolos mundanos para abrir o coração ao Deus vivo e verdadeiro; só Ele pode dar à nossa existência essa plenitude tão desejada e, contudo, tão difícil de alcançar. Muitos, também nos nossos dias, se apresentam como dispensadores da felicidade. (…) E aqui é fácil cair, sem se dar conta, no pecado contra o primeiro mandamento, a idolatria, substituindo Deus por um ídolo. A idolatria e os ídolos parecem coisas de outros tempos, mas, na realidade, são de todos os tempos!»[2].

«Deus quer abrir-nos – comenta o Prelado do Opus Dei – um panorama de grandeza e de beleza, que ainda se oculta aos nossos olhos. É necessário confiar n’Ele, dar um passo ao seu encontro e afastarmos o medo de pensar que, se o fazemos, perderemos muitas coisas boas da vida. A capacidade que tem de surpreender-nos é muito maior que qualquer das nossas expetativas»[3]. Isto não quer dizer que a vida cristã consista em acumular sofrimento na terra para poder gozar depois no céu; Jesus quer-nos felizes também aqui, mas não quer que a nossa felicidade dependa do efémero, daquilo que rapidamente passa, mas daquilo que é realmente verdadeiro, do único que é capaz de saciar a nossa sede do infinito.


SE RECORDARMOS a anunciação do arcanjo S. Gabriel a Maria «podemos dizer que a primeira palavra do Novo Testamento é um convite à alegria: “alegra-te”, “regozija-te”. O Novo Testamento é realmente “Evangelho”, “boa nova” que nos traz alegria. Deus não está longe de nós, não é desconhecido, enigmático ou até perigoso. Deus está junto de nós»[4]. Esta irrupção de uma nova alegria no mundo perpassa todo o Evangelho e encontra um ponto revelador nas bem-aventuranças. Jesus é quem melhor compreende a novidade do que está a dizer. Por isso, se nos lembrarmos dos momentos que nos fizeram felizes de verdade, talvez possamos descobrir que nem sempre se fundamentaram na riqueza, no prazer ou na comodidade.

«A alegria não é uma emoção de um momento: é outra coisa! A verdadeira alegria não vem das coisas, de ter, nasce do encontro, da relação com os outros; nasce de se sentir acolhidos, compreendidos, amados e de aceitar, compreender e amar»[5]. É natural que, por vezes, identifiquemos aquela alegria que nos promete Jesus como algo que sucederá no futuro. Contudo, as suas palavras são eficazes também no momento presente da nossa vida quotidiana. Quem confia em Deus está mais preparado para se deixar amar. Quem confia em Deus está mais disposto a que as contrariedades sejam uma contínua recordação de que a verdadeira felicidade só a encontramos na companhia divina.

Como filhos de Deus, criados à sua imagem, não aspiramos a uma felicidade finita, mas a participar da própria felicidade do nosso Pai do céu. Jesus prometeu-nos que o seu único interesse é que a sua alegria esteja em nós para que a nossa alegria seja completa (cf. Jo 15, 11). Por isso, quem primeiro está empenhado na nossa felicidade é o próprio Deus e isso enche-nos de consolo.


QUAL É o principal obstáculo à nossa alegria? Com a fé, podemos afirmar que o único mal que nos pode levar à tristeza é o pecado. As outras desditas só o são na medida em que ainda não julgamos as coisas do ponto de vista de Deus. «O Senhor quer-nos felizes – dizia S. Josemaria –. Eu vejo os meus filhos sempre alegres com uma alegria sobrenatural, com algo tão íntimo que é compatível com as dores e com as contradições desta nossa vida na terra»[6] Como assinala também S. João Crisóstomo: «Na terra, até a alegria costuma acabar em tristeza; mas para quem vive segundo Cristo, até as penas se transformam em felicidade»[7].

Talvez pensemos, alguma vez, que merecemos a tristeza, pela nossa falta de correspondência. Não obstante, esta perspetiva pressupõe que só podemos ser felizes se cumprimos na perfeição tudo aquilo a que nos propusemos. Enquanto estamos no caminho de nos identificarmos com Cristo, a alegria a que nos chama o Senhor «não se apoia nas nossas virtudes: não é uma vã satisfação pessoal, mas edifica-se sobre a própria fraqueza e debilidade humana. Conhecer a própria fragilidade, experimentar a presença da adversidade dentro de nós mesmos pode e deve dar lugar à alegria»[8]. Como repetia o fundador do Opus Dei: «Estai seguros: Deus não quer as nossas misérias, mas não as desconhece, e conta precisamente com essas debilidades para que sejamos santos»[9].

A alegria verdadeira só pode encontrar-se no amor infinito e imerecido que Deus nos oferece. A nossa Mãe, Maria, acolheu incondicionalmente no seu seio o Senhor, por isso, é capaz de afirmar, cheia de humildade, que a «chamarão bem-aventurada todas as gerações» (Lc 1, 48). Podemos pedir-Lhe que nos faça perceber e desfrutar dessa mesma alegria.


[1] Fernando Ocáriz, À luz do Evangelho (título: Felizes).

[2] Francisco, Angelus, 17/02/2019.

[3] Fernando Ocáriz, “Dejarse sorprender por un Padre bueno”, 25/01/2019.

[4] Bento XVI, Homilia, 18/12/2005.

[5] Francisco, Discurso, 06/07/2013.

[6] S. Josemaria, Homilia 26/05/1974.

[7] S. João Crisóstomo, Homilias sobre S. Mateus, 18.

[8] Fernando Ocáriz, À luz do Evangelho (título: A alegria dos filhos de Deus).

[9] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 215.