Meditações: 7 de fevereiro, Cinco Chagas do Senhor

Reflexão para meditar no dia 7 de fevereiro, Festa das Cinco Chagas do Senhor. Os temas propostos são: aprender a meter-se nas Cinco Chagas; o significado das Chagas de Cristo; os efeitos que esta devoção traz à alma.


CELEBRAMOS hoje a festa das Cinco Chagas do Senhor, devoção que é muito antiga em Portugal, tendo marcado profundamente a piedade dos portugueses desde os começos da nacionalidade. Sabemos bem como isso ficou plasmado nas armas da bandeira nacional, com as cinco quinas que simbolizam as Santas Chagas do nosso Redentor. É um bom dia para de um modo particular seguir o conselho de S. Josemaria e “meter-nos” «com intimidade nas Chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo, e concretamente na Chaga do seu Coração amante, infinitamente misericordioso, para Lhe dizer, como o nosso Padre: Senhor que eu veja com os teus olhos, que eu fale com as tuas palavras, que eu escute com os teus ouvidos, que eu trabalhe com as tuas mãos, que eu queira com a tua vontade, que eu ame com o teu coração»[1].

A consideração das Chagas de Cristo foi prática constante da piedade tradicional, devoção de tantos bons cristãos fundamentada na palavra do Senhor e encaminhada através da liturgia. Quantas vezes teremos repetido aquela oração de ação de graças para depois da comunhão na qual se afirma: «eu, com grande afeto e dor de alma, considero e medito nas vossas cinco Chagas»; ou aquela, na qual clamamos, inflamados por uma santa aspiração: «dentro das vossas Chagas, escondei-me!»[2].

Talvez em bastantes ocasiões nos tenhamos perguntado pelo sentido profundo desta petição. Como aprender a introduzir-se nas Chagas de Nosso Senhor? O que significa, no fundo, esse “meter-se”? Numa ocasião perguntaram isso ao Fundador do Opus Dei, que respondeu: «porque é que não lho perguntas a Ele, quando O recebes na Sagrada Eucaristia? Está oculto sob as espécies sacramentais, e podes fazer a tua ação de graças dessa maneira, dizendo-Lhe que te ensine. Em vez de dizer: não repararam em mim..., humilharam-me..., vai junto de uma Chaga do Senhor, mete-te ali dentro e diz-Lhe: o que é que vale isto que me aconteceu –que provavelmente não é verdade, mas fruto da soberba, mas mesmo que fosse verdade–, que vale isto, diante das tuas Chagas dessa Cruz na qual Te penduraram, daqueles açoites, daquelas ofensas, daqueles desprezos? Ficarás contente e repararás. Mas que te ensine Ele: é um Mestre extraordinário!»[3].

Por pudor compreensível, S. Josemaria não falava explicitamente de tantas graças interiores que recebeu na sua vida; mas muitos desses tesouros podem-se entrever nos seus escritos e na sua pregação. Não o travava só o pudor e uma sincera humildade, mas também a própria pobreza da linguagem, que não consegue exprimir realidades ou experiências verdadeiramente inefáveis. E conhecendo perfeitamente os recursos da língua castelhana, o Fundador da Obra escolheu precisamente um verbo: meter-se. Os efeitos que traz à alma esse piedoso exercício são bem conhecidos; mais difícil é aperceber-se do que é esse místico meter-se que o Senhor mostra às almas que Lho pedem. Por isso há que insistir na importância do conselho de S. Josemaria: «que te ensine Ele: é um Mestre extraordinário!».


O QUE É QUE significam, antes de mais, as feridas do Nosso Redentor? São como as fontes pelas quais manou, até à última gota, o preço do nosso resgate: o Sangue salvador. São o manancial, por assim dizer, do qual brotam todos os bens. São o lugar ao qual a alma vai saciar a sua sede de vida eterna, ansiosa de se purificar, no próprio manancial, com esse precioso líquido –que fortalece, vivifica e cura– sem que se escape nem uma só gota.

As Chagas de Cristo são como portas de acesso à sua Humanidade, que nos introduzem em Deus, pois em Cristo habita a divindade corporalmente (cf. Cl 2, 9). Um Padre da Igreja punha na boca de Nosso Senhor as seguintes palavras: «estas Chagas não provocam os meus gemidos, o que fazem é introduzir-vos mais no meu interior. O meu Corpo ao ser estendido na Cruz acolhe-vos com um peito mais dilatado, mas não aumenta o meu sofrimento. O meu Sangue não é para mim uma perda, mas a paga do vosso preço»[4]. E mais concretamente parece como se fossem o umbral do Coração de Jesus: através delas encontramos proteção, e aprendemos a identificar-nos com os sentimentos da sua Alma. Refugiamo-nos ali para amar a Deus com loucura; para contemplar o amor de Deus, no sossego e na segurança daquela fenda, contra a qual nenhum inimigo pode nada.

Este amor de Deus não se pode reduzir a um mero sentimento afetivo, mas deve incluir um propósito renovado de autêntica entrega, porque «se alguém me ama – adverte o Mestre –, guardará a minha palavra» (Jo 14, 23). Procurar meter-se nas Chagas exige afastar-se de toda a ocasião voluntária de O ofender; recorda a necessidade de desaparecer pela humildade; no fundo, que não nos importe que muitas coisas nossas passem ocultas a todos menos a Quem tudo vê e que seja nosso afã levar uma «vida escondida com Cristo em Deus» (Cl 3, 3).

Seria uma ingenuidade pensar que este trato íntimo com Cristo nos converte em pessoas impecáveis. Somos capazes das maiores vilanias, e cometê-las-íamos se a graça de Deus faltasse. A ajuda divina descobre-se, muitas vezes, nos aparentes retrocessos na vida interior, na hora da prova, amarga e desconcertante, na tentação... Por isso, o Fundador do Opus Dei ensinou a recorrer, especialmente na oração ao refúgio das Chagas de Cristo: «aconselhar-vos-ei que, quando a carne tente recobrar os seus foros perdidos, ou a soberba – que é pior – se revolte e se encabrite, corrais a esconder-vos nessas divinas fendas que abriram no Corpo de Cristo os cravos que o seguraram à Cruz e a lança que atravessou o seu peito»[5]. Quando vem uma tontice à vossa cabeça, recomendava noutra ocasião, dizei: Senhor, queria meter-me dentro da chaga da tua mão direita, do teu pé, do teu lado –de acordo com a devoção–; e com o desejo meteis-vos ali, com palavras da Escritura, como as pombas se metem nas gretas das rochas para se salvar. E estai tranquilos: tudo passa, menos Deus, que não muda»[6].


INTRODUZIR-SE nas Chagas de Cristo leva a enraizar, a partir de agora, a nossa vida na entrega generosa do Gólgota: «ali aprenderás a guardar os teus sentidos, terás vida interior, e oferecerás ao Pai continuamente as dores do Senhor e as de Maria, para pagar pelas tuas dívidas e por todas as dívidas dos homens»[7]. Olharemos só para o Crucificado, sem mover-nos dali, oferecendo cada instante, cada jornada, por Ele, com Ele e n’Ele, no Sacrifício da Santa Missa que há de ser o centro da nossa vida. Deste modo abrir-se-á diante de nós, na intimidade da oração, o imenso panorama que o S. Josemaria descreveu no Caminho: «Verdadeiramente, é amável a Santa Humanidade do nosso Deus! – “Meteste-te” na Chaga santíssima da mão direita do teu Senhor, e perguntaste-me: “Se uma Ferida de Cristo limpa, cura, tranquiliza, fortalece, abrasa e enamora, o que não farão as cinco, abertas no madeiro?”»[8].

A contemplação das Chagas do Senhor ressuscitado acenderá também em nós a fé, a esperança e o amor, movendo-nos a repetir, no silêncio da oração, como Tomé: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20, 27), aqui estou porque me chamaste (cf. 1Sm 3, 5): ajuda-me a entregar-me totalmente, e a não ser incrédulo, mas fiel! Metidos nas Chagas de Cristo, as ânsias corredentoras e apostólicas crescem: o afã de chegar a todos, de salvar todos, faz-se cada vez mais universal e no nosso coração cabem todas as almas. Os que conviveram com S. Josemaria recordam como os punha ao rubro com anseios apostólicos, fazendo-os ver o grande panorama do mundo inteiro, com aquela vibração que ficou refletida numa canção: A terra é muito pequena / se é grande o coração. / Fiéis, que vale a pena! / Brilhará sob o sol / o trigo que guardava / a mão ferida do semeador.

Escondidos nas suas mãos feridas pelos cravos, surgirá o desejo de dar-nos totalmente, como Ele, e de ser nas suas mãos a semente que o Semeador divino lança ao vento. «Estamos gostosamente, Senhor, na tua mão chagada. Aperta-nos com força!, espreme-nos!, de modo que percamos toda a miséria terrena!, que nos purifiquemos, que nos inflamemos, que nos sintamos empapados no teu Sangue! E depois, lança-nos longe!, longe, com fome de messe, para uma sementeira cada dia mais fecunda, por Amor de Ti»[9].

Seguindo o exemplo do Fundador do Opus Dei, D. Javier impulsionou-nos a levar a todas as almas a luz e a força que recebemos com a nossa vocação: «então, sim, Jesus Cristo tomar-nos-á na sua mão chagada e depois de empapar-nos – como insistia o nosso Padre – no seu Sangue precioso, sem abandonar o sítio onde nos pôs a cada um, lançar-nos-á longe, longe: tornará fecunda a nossa entrega em lugares próximos e remotos; servir-se-á do nosso trabalho e do nosso descanso, das nossas alegrias e das nossas dores, das nossas palavras e dos nossos silêncios, para colocar a sua semente em miríades de corações»[10]. Peçamos a Santa Maria, Rainha de Portugal, que interceda por nós, seus filhos portugueses, para que sejamos outros Cristos, o próprio Cristo!


[1] Javier Echevarría, agosto de 1994.

[2] cf. Missale Romanum, Gratiarum actio post Missam.

[3] S. Josemaria, tertúlia, 05/09/1973.

[4] S. Pedro Crisólogo, Sermo CVIII (PL 52, 499-500).

[5] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 303.

[6] S. Josemaria, Tertúlia, 19/03/1975.

[7] S. Josemaria, Caminho, n. 288.

[8] Ibid. n. 555.

[9] S. Josemaria, Forja, n. 5.

[10] Javier Echevarría, Carta, 01/02/1995.