Meditações: 23 de dezembro

Reflexão para meditar no dia 23 de dezembro: os temas propostos são: a missão de João; ocultar-se e desaparecer; o modo silencioso do agir de Deus.


«QUEM VIRÁ A SER este menino?» (Lc 1, 66). Os amigos de Zacarias e de Isabel, na sua pequena aldeia, estão admirados. Estão a suceder coisas maravilhosas à volta do nascimento de João. A expetativa cresce a cada momento. O seu pai acaba de recuperar a fala e todas as suas palavras são de louvor e de bênção a Deus. Zacarias não pode esconder a sua alegria e o seu agradecimento. Os que o rodeiam apercebem-se da intervenção divina em todos estes acontecimentos, pelo que não querem perder nada; gravam todas as palavras no mais íntimo da sua alma.

Naquela aldeia «souberam a grande misericórdia que o Senhor tinha manifestado» em Isabel (cf. Lc 1, 8). Neste Natal, que já está à porta, nós também queremos ouvir novamente as misericórdias de Deus, quão bom é, quanto nos ama e como nos quer salvar e libertar do pecado. Podemos pedir aos parentes de Maria que nos ajudem a afinar o ouvido, a dispormo-nos o melhor possível para receber o dom maravilhoso da redenção. No ambiente natalício destes dias, não queremos deixar de escutar a suave voz de Jesus. «Guardemos silêncio e deixemos que esse Menino nos fale. Gravemos as suas palavras nos nossos corações, sem afastar os olhos do seu rosto. Se o tomarmos nos braços e deixarmos que nos abrace, Ele dar-nos-á uma paz de coração que nunca terá fim»[1].

No Evangelho de hoje vemos que acaba de nascer o precursor. Ele não é o Messias e sabe-o. Alguns perguntam-lho expressamente. E sabemos que responde sempre o mesmo: «Ele deve crescer, e eu diminuir» (Jo 3, 30). Às vezes não nos é fácil deixar Deus atuar. Não é simples tirarmo-nos do meio. Certamente estamos empenhados na missão apostólica e talvez tenhamos rezado muito por uma pessoa específica. Porém, o verdadeiro apóstolo sabe estar em segundo plano, sabe que não é imprescindível, não quer ser o protagonista; leva a mensagem de Cristo às almas e não o seu próprio eu. Podemos pedir a S. João Batista que nos ajude a ser, como ele foi, bons precursores da chegada de Jesus à vida de tantas pessoas que nos rodeiam.


DESFRUTAR de algo significa apreciar os frutos que produz. O apóstolo vê sempre frutos, porque sabe que nada do que faz, em união com Jesus Cristo, cai em saco roto. Desfruta sempre da missão, mesmo que não se veja o resultado. O modo como Deus realizou a redenção é misterioso. O seu nascimento, que celebraremos em breve, sucedeu sem que quase ninguém o soubesse. E João é um bom precursor porque faz o mesmo que Jesus: é discreto, simples, não se dá importância. Como disse Sto. Agostinho: «Viu onde estava a salvação, compreendeu que ele era só uma tocha e teve medo de ser apagado pelo vento da soberba»[2].

Ocultar-se e desaparecer enche de paz a alma do apóstolo, pois quem vive assim sabe-se instrumento. Tem consciência de que não carrega com o peso todo. Nos bons momentos, reconhece que é Deus quem o faz. Nos maus, não se inquieta porque sabe que Deus o corrigirá. E isso não lhe tira entusiasmo nem espontaneidade. Pelo contrário, tira-lhe tensão, angústia e inflexibilidade. Podemos dizer ao Senhor, cada vez que pensarmos que algo se nos escapa das mãos, que confiamos n'Ele; que não queremos nada para nós, mas sim que estamos dispostos a ser o canal pelo qual faça chegar a sua felicidade aos outros.

Muitos santos sentiram-se inclinados a viver esta humildade. Desejam imitar Jesus e, como Ele, procurar só a glória de Deus. S. Josemaria relaciona as duas atitudes. Podia parecer que desaparecer é retirar-se, abandonar a missão, mas não é assim. Vemo-lo claramente na vida de João Batista e na de todos os santos: sendo humildes, não ignoraram as almas que estavam próximas. Por isso S. Josemaria podia dizer: «Senti na minha alma, a partir do momento em que me decidi a escutar a voz de Deus –ao pressentir o amor de Jesus–, um desejo de me ocultar e desaparecer; um viver aquele illum oportet crescere, me autem minui (Jo 3, 30); convém que a glória de Deus cresça e que eu diminua»[3]. Outras vezes dizia-o de uma forma mais resumida: «Ocultar-me e desaparecer é o que me é próprio, que só Jesus brilhe»[4].


JOÃO também se adiantou a Cristo quando chegou o momento de dar a vida. Para ele, deve ter sido uma grande alegria ver como os seus discípulos encontraram o Messias e como permaneceram com Ele. Ao ser preso e executado, deve ter pensado que tudo aquilo valia a pena para cumprir a vontade de Deus, mas ignorava que o próprio Messias seguiria as suas pegadas passado pouco tempo. O Batista é o maior dos nascidos de mulher (cf. Mt 11, 11) e, mesmo assim, viveu tentando passar despercebido. Se o nome João significa preferido de Deus, podemos dizer que àquele que se oculta, Deus fá-lo feliz, dá-lhe paz, fá-lo desfrutar. A carga torna-se suave e o jugo, leve.

O plano de Deus realiza-se desta forma, no silêncio e sem que muitos se deem conta. Interessa-nos que Cristo reine e Ele já decidiu de que modo o vai fazer: a partir da cruz, da dor que implica carregar os pecados de todos os homens. Cumpriu-se a profecia sobre a humildade divina levada ao limite: «O inclinar-Se de Deus assumiu um realismo inaudito, antes inimaginável. O Criador que tudo sustenta nas suas mãos, de Quem todos nós dependemos, faz-Se pequeno e necessitado do amor humano. Deus está no curral. De facto, de que modo poderia aparecer maior e mais pura a sua predileção pelo homem, a sua solicitude por ele? É que nada pode ser mais sublime e maior do que o amor que assim se inclina, desce, se torna dependente»[5].

À Virgem Maria, a humilde mulher de Nazaré que quis que Jesus fosse sempre o protagonista, pedimos que nos ajude a ser instrumentos eficazes e discretos nas mãos do melhor artesão da história.


[1] Francisco, Homilia, 24/12/2015.

[2] Sto. Agostinho, Sermão 293.

[3] S. Josemaria, Carta 29/12/1947 - 14/02/1966, n. 16.

[4] S. Josemaria, Carta 28/01/1975.

[5] Bento XVI, Homilia, 24/12/2008.