Meditações: 14 de maio, São Matias

Reflexão para meditar no dia 14 de maio, Festa de S. Matias, Apóstolo. Os temas propostos são: toda a vocação é um dom gratuito; S. Matias conhecia a vida de Jesus; Deus conta com todos no seu plano de salvação.


CONTAM OS Atos dos Apóstolos que, nos dias posteriores à Ressurreição do Senhor, S. Pedro se reuniu com os discípulos para escolher o substituto de Judas (cf. At 1, 15-26). Reuniram-se umas cento e vinte pessoas. Talvez fosse o núcleo dos que tinham permanecido com o Senhor depois do sermão do Pão da vida, incluindo aqueles setenta e dois que tinha mandado pregar uns tempos atrás. O que mais surpreende é a forma de chamar Matias para que fosse um dos Doze. Depois duma oração para rogar a Deus que se faça a Sua vontade, deitam sortes entre dois candidatos… e nasce um novo apóstolo.

Seguir de perto o Senhor como fizeram os Apóstolos tem um certo ar de sorte. A pergunta que podemos fazer-nos é: por que fui escolhido se há muitas mais pessoas que se podiam encarregar desta tarefa? No entanto, a nossa atitude perante os dons divinos é a de nos maravilharmos e de nos sentirmos afortunados. O Senhor atua de maneira não usual para os nossos parâmetros. Matias está bem preparado, conhece o Senhor há algum tempo, mas quem sabe se até esse instante se tinha proposto algo semelhantePerante a necessidade de dispor de novos apóstolos, graças à oração e à sorte divina, descobre que Jesus Cristo tem uma missão concreta para ele. No fundo do coração, Matias ouviria dalguma maneira a voz de Deus.

«Se me preguntais como se nota o chamamento divino, como nos damos conta – dizia S. Josemaria –, dir-vos-ei que é uma visão nova da vida. É como se se acendesse uma luz dentro de nós; é um impulso misterioso, que leva a pessoa a dedicar as suas mais nobres energias a uma atividade que, com a prática, chega a tornar-se parte de si mesmo. Essa força vital, que tem algo de avalanche arrasadora, é o que outros chamam vocação. A vocação leva-nos – sem repararmos – a tomar uma posição na vida, que manteremos com entusiasmo e alegria, cheios de esperança até ao transe da morte. É um fenómeno que comunica ao trabalho um sentido de missão, que enobrece e dá valor à nossa existência. Jesus mete-se com um ato de autoridade na alma, na tua, na minha: é esse o chamamento»[1] e foi isso que muito possivelmente Matias sentiu naquele dia.


«NÓS RECEBEMOS este dom como destino: a amizade do Senhor. Esta é a nossa vocação: viver sendo amigos do Senhor, como os apóstolos. Todos os cristãos recebemos este dom: a abertura, o acesso ao coração de Jesus, à amizade de Jesus. Coube-nos em sorte o dom da tua amizade. O nosso destino é ser teus amigos. É um dom que o Senhor conserva sempre»[2]. E para ser amigos de Jesus precisamos de O conhecer. No momento da escolha do novo apóstolo, o único requisito que se devia cumprir era conhecer de perto a vida de Cristo, «desde o batismo de João até ao dia em que do meio de nós foi elevado ao Céu» (At 1, 22).

«Não posso deixar de vos confiar algo – dizia S. Josemaria –, que constitui para mim um motivo de pena e ao mesmo tempo um estímulo para a ação: pensar nos homens que ainda não conhecem Cristo, que não pressentem ainda a profundeza da felicidade que nos espera nos Céus, e vagueiam pela terra como cegos, m perseguição de uma alegria cujo verdadeiro nome ignoram, ou se perdem por sendas que os afastam da felicidade autêntica»[3].

Toda a felicidade aqui na terra é uma centelha divina que aponta para Cristo. A nossa procura só descansa n’Ele. Só encontramos a paz que não nos deixa, na nossa amizade com Jesus, feita de palavras e de momentos compartilhados. Por isso desejamos conhecê-lo cada vez melhor, nos Evangelhos, na Eucaristia, na oração pessoal e nas pessoas que nos rodeiam.

A nós, que não vivemos naqueles anos em que Jesus pisou a nossa terra, pode servir-nos o exemplo de S. Paulo, que também não conheceu Cristo sob esse aspeto. «S. Paulo não pensava em Jesus na qualidade de historiador, como numa pessoa do passado. Certamente que conhece a grande tradição sobre a vida, as palavras, a morte e a ressurreição de Jesus, mas não trata tudo isso como algo do passado; propõe-no como realidade de Jesus vivo. Para S. Paulo, as palavras e as ações de Jesus não pertencem ao tempo histórico, ao passado. Jesus vive agora e fala agora connosco e vive para nós. Esta é a verdadeira forma de conhecer Jesus»[4]. No nosso empenho por conhecer com a maior profundidade possível Cristo, podemos pedir a intercessão do Apóstolo Matias. Ele poderá ajudar-nos a que as ações e palavras do Senhor que ele conheceu, desde que foi batizado por João até à Sua ressurreição, sejam uma realidade viva também para nós.


NA PASSAGEM da vocação de Matias há outro aspeto que também chama a atenção e que se vai prolongar ao longo da história. É o facto de que «a primeira vocação teve lugar quando a Igreja estava unida e rezava. Quando a Igreja permanece unida e reza, não precisa de se preocupar muito com a propaganda, porque pode estar segura da resposta do Senhor»[5]. Isto dá-nos paz. A Igreja foi instituída pelo Senhor e é Ele que a leva para a frente; nada nem ninguém poderá contra ela. Continuará a chamar novos apóstolos mesmo no meio de qualquer circunstância, jovens e velhos, homens e mulheres. Permanecer unidos na oração e no carinho fraterno é, em última análise, continuar atentos a Deus e confiar plenamente na sua misericórdia. Não faltarão pessoas dispostas a seguir Cristo e a permanecer com Ele para serem testemunhos da paz e da alegria que surgem da Ressurreição.

O alvoroço por esse novo apóstolo foi enorme: em toda a assembleia e no coração do próprio Matias. No entanto, José, chamado Barnabé, o outro discípulo que interveio no sorteio, ficou às portas dessa predileção, bem como o resto daqueles cento e vinte que se tinham reunido (cf. At 1, 23-26). José era um discípulo fiel e o facto de não ser chamado para fazer parte dos Doze não significa que valesse menos ou que não fosse bom cristão. Deus chama quem quer, cada um tem o seu caminho de felicidade traçado por Deus, e o próprio do homem é pôr-se nas suas mãos. Tanto Matias como José são afortunados porque fundamentam a sua vida na segurança de que o Senhor está sempre ao seu lado. E responder que sim às inspirações de Deus, aceitá-las com gratidão, é fonte de paz. O que conta é a santidade de cada um nas suas circunstâncias e com o seu modo de ser, onde estiver.

Matias, como antes tinham feito os outros apóstolos, pôs imediatamente mãos à obra. «Porquê imediatamente? Porque se sentiram atraídos. Não foram rápidos e animados por terem recebido uma ordem, mas porque tinham sido atraídos pelo amor. Os bons compromissos não são suficientes para seguir Jesus, mas é necessário ouvir o seu chamamento todos os dias. Só Ele, que nos conhece e nos ama até ao fim, nos faz sair para o mar da vida»[6]. O mar imenso deste mundo conta com que os cristãos, na companhia da Santíssima Virgem, Stella Maris, estrela do mar, sulquemos as suas águas para levar a todos a alegria de Cristo.


[1] S. Josemaria, Cartas 3, n. 9

[2] Francisco, Homilia, 14/05/2018.

[3] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 163.

[4] Bento XVI, Audiência geral, 08/10/2008.

[5] Bento XVI, Homilia numa Missa Nova, 1973, e recolhida em Enseñar y aprender el amor de Dios.

[6] Francisco, Homilia do domingo da Palavra de Deus, 26/01/2020.