Meditação do Prelado (8 de abril): Cristo, espelho da nossa fragilidade

Terceiro áudio do Prelado do Opus Dei sobre a Paixão do Senhor. O tema central é "o grande mistério da Cruz de Jesus Cristo” que deixa de ser “instrumento de tortura, de violência e de desprezo” para se transformar em “em meio de salvação, em símbolo de esperança”.

Consultar outras homilias do Prelado para a Semana Santa 2020


A liturgia da Sexta-feira Santa coloca-nos diretamente diante do grande mistério da Cruz de Jesus Cristo. No Evangelho, contemplamos o Senhor em Getsemani, preso por uma coorte liderada por Judas. Vemo-Lo a ser conduzido até ao sumo-sacerdote Caifás e, depois de ser interrogado, receber uma bofetada injusta. Depois, na presença de Pilatos, o povo grita: "Crucifica-o, crucifica-o!" (Jo 19, 6). Jesus é açoitado e coroado de espinhos.

Na manhã de Sexta-feira Santa, Pilatos apresentou Cristo ao povo, torturado e humilhado, dizendo: Ecce Homo "eis o homem" (Jo 19, 5). Horas depois, seria crucificado. Num famoso quadro de Ticiano - o Ecce homo - pode ver-se Jesus, destroçado como homem, mas que, no entanto, revela a sua divindade e beleza. Deus quis tornar-se visível também na vulnerabilidade.

No sofrimento, e talvez na escuridão de tantas pessoas que sofrem no mundo (agora também devido à pandemia do coronavírus), podemos contemplar Cristo

No sofrimento, e talvez na escuridão de tantas pessoas que sofrem no mundo (agora também devido à pandemia do coronavírus), podemos contemplar Cristo flagelado e coroado de espinhos. S. João Paulo II contemplava-O assim: "Ele é o homem, todo o homem, cada homem no seu ser único e irrepetível, criado e redimido por Deus (...) Ecce homo!...".

É verdade que sofremos juntos, e há tantas provas de solidariedade que o mostram, mas, em última análise, cada pessoa experimenta a dor a sós com Deus.

A solidão de Jesus mostrado ao povo faz-nos recordar os doentes que morrem sem poder despedir-se das suas famílias, devido ao isolamento destes dias, e outros que sofrem a doença sozinhos. Também Jesus, diante do povo, experimentava a solidão. O seu grito na Cruz ("Porque Me abandonaste?") talvez tenha começado antes, com o silêncio sereno do Ecce Homo.

Pedimos a Deus que nos ajude, que nos salve. Ele carrega sobre Si todas as consequências dos pecados dos homens. Ele é a nossa esperança.

Cristo apresentado por Pilatos ao povo é também um ícone da dignidade humana maltratada. Há uma presença misteriosa de Deus no sofrimento de cada pessoa. No inocente que sofre por desastres naturais ou por injustiças humanas, mas também quando sofremos por causa de nós mesmos, principalmente pelos nossos pecados. Pedimos a Deus que nos ajude, que nos salve. Ele carrega sobre Si todas as consequências dos pecados dos homens. Ele é a nossa esperança.

Jesus, ferido e manso, é também como um espelho em que nos vemos. O Deus que é amor mostra-se nas chagas de Cristo sofredor. Uma presença especial de Deus acompanha também aqueles que se entregam desinteressadamente aos outros, porque "onde está a caridade e o amor, aí está Deus": Ubi caritas et amor, Deus ibi est! Vemos tantas mulheres e homens que são como esses bons samaritanos, figuras de Jesus, nos hospitais, em lares de idosos, nas famílias. Confirmamos que o individualismo e o útil não têm a última palavra. Numa sociedade aparentemente autossuficiente, o Espírito de Deus bate no coração de muitas pessoas. De uma maneira ou de outra, Deus sempre Se torna presente na História e fecunda-a de novo com amor.

A figura do Ecce Homo também nos pode ajudar a tomar mais consciência de que somos frágeis e muitas vezes indefesos perante numerosos acontecimentos, como o Papa nos lembrou – daquela Praça de S. Pedro vazia –, ao falar-nos da tempestade que revela a nossa fragilidade. Reconhecer esta verdade sobre nós mesmos pode ajudar-nos a reconfigurar a nossa relação com Deus e com os outros.

Porquê todo este sofrimento? Porquê a Cruz? Embora não o possamos compreender totalmente, a crucifixão revela-nos que aí onde parece haver apenas debilidade, Deus manifesta o seu poder sem limites.

O Evangelho continua: Jesus carrega o madeiro, é despojado das suas vestes e, aparentemente, também da sua dignidade. No momento da crucifixão, o Senhor pronuncia aquelas palavras de um Salmo: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Mt 27, 46).

Porquê todo este sofrimento? Porquê a Cruz? Embora não o possamos compreender totalmente, a crucifixão revela-nos que aí onde parece haver apenas debilidade, Deus manifesta o seu poder sem limites. Onde vemos fracasso, derrota, incompreensão e ódio, precisamente aí, Jesus revela-nos o grande poder de Deus: transformar a Cruz em expressão de Amor e de Vitória.

Na epístola aos Hebreus, lemos que no madeiro encontramos "o trono da graça, para alcançar misericórdia" (Hb 4, 16).

Cruz e paraíso. De instrumento de tortura, de violência e de desprezo, a Cruz transforma-se em meio de salvação, em símbolo de esperança

Isto foi o que viveu um dos condenados ao lado de Cristo no Calvário. O "bom ladrão" experimenta como a Cruz de Jesus se torna o lugar onde ele se sabe perdoado e amado: "Hoje estarás comigo no Paraíso", diz-lhe o Senhor (Lc 23, 43). Na Cruz, ouvimos pronunciar a palavra "Paraíso".

Cruz e paraíso. De instrumento de tortura, de violência e de desprezo, a Cruz transforma-se em meio de salvação, em símbolo de esperança: converteu-se em manifestação do Amor infinito e misericordioso de Deus. S. Josemaria explica que, no caminho para a Cruz, vemos como Cristo "se entrega à morte com a plena liberdade do amor". Olhar para o Crucificado é contemplar a nossa esperança.

Também O podemos contemplar, pegando com as nossas mãos num crucifixo para, simplesmente, olhar para o Senhor. O Papa Francisco convidou-nos a “deixar-nos olhar por Ele no momento em que dá a vida por nós e nos atrai a Si. O Crucifixo não nos fala de derrota, de fracasso. Paradoxalmente, fala-nos de uma morte que é vida, que gera vida, porque nos fala de amor, porque Ele é o Amor de Deus encarnado, e o Amor não morre, mais ainda, vence o mal e a morte. Aquele que se deixa olhar por Jesus crucificado é recriado, chega a ser uma «nova criatura»".

Contemplar o Crucifixo: quanta esperança nos pode transmitir nestes momentos! Pode ser o mesmo Crucifixo que temos no nosso quarto ou noutro lugar da casa. Deter-se em silêncio, mostrar-Lhe as nossas feridas interiores, os nossos cansaços, as nossas preocupações e colocá-los nas Suas mãos.

Assim, experimentaremos o poder transformador do Amor de Deus, que na Cruz abraça o fraco e o enche de esperança. E também nos tornaremos nós próprios um sinal concreto do amor de Deus: nas nossas famílias, nas nossas relações de amizade, em todos os ambientes em que vivemos... Em cada um desses "lugares", podemos ser um sinal concreto de esperança, se nos unimos a Jesus na Cruz e, com Ele, abrimos os nossos braços aos outros.

De modo especial na Sexta-Feira Santa, agradeçamos, a misericórdia divina que nos chega no sacramento da Penitência. Precisamente neste período de mais oração e penitência que é a Quaresma e a Semana Santa, muitas pessoas em todo o mundo não têm a possibilidade de se aproximarem da Confissão.

diz-Lhe a verdade: 'Senhor, eu fiz isto, isto e isto... Perdoa-me', e pede-Lhe perdão de todo o coração, com o ato de contrição e promete-Lhe: " Depois, vou-me confessar, mas perdoa-me agora"».

Nesta circunstância tão peculiar, o Papa aconselhava-nos, há dias, a pôr em prática o que o Catecismo da Igreja Católica diz sobre os atos de contrição [1]: «se não conseguires encontrar um padre para te confessar, fala com Deus, que é teu Pai e diz-Lhe a verdade: 'Senhor, eu fiz isto, isto e isto... Perdoa-me', e pede-Lhe perdão de todo o coração, com o ato de contrição e promete-Lhe: " Depois, vou-me confessar, mas perdoa-me agora"».

Na Sexta-feira Santa, a Igreja dirige a sua atenção para o Lignum Crucis, a árvore da Cruz. Na liturgia, rezamos: «Adoramos a vossa Cruz, Senhor, e louvamos e glorificamos a vossa santa Ressurreição. Pelo madeiro, veio a alegria ao mundo». A Cruz irradia esperança para todo o mundo. Aí vemos o Senhor de braços abertos, disposto a acolher e curar as nossas debilidades. E lá vemos também a Virgem Maria.

Quando o sofrimento aparecer nas nossas vidas, ao olharmos para Jesus, saber-nos-emos também sempre acompanhados por Maria

Ticiano, depois do Ecce Homo, pintou "A Dolorosa com as mãos abertas". Durante anos, os dois quadros estiveram lado a lado, na mesma parede. Quando o sofrimento aparecer nas nossas vidas, ao olharmos para Jesus, saber-nos-emos também sempre acompanhados por Maria. A Ela pedimos que nos ajude a permanecer perto da Cruz, para oferecer esperança às pessoas que nos rodeiam.


[1] Números 1451 e 1452.

Musica: Beethoven Piano Concert n.5 - 2nd Movement (by @alvarosiviero, Alvaro Siviero)


Consultar outras homilias do Prelado para a Semana Santa 2020