Meditação do Prelado (11/5): Mãe de Deus e esperança nossa

Primeira reflexão de Mons. Fernando Ocáriz, prelado do Opus Dei no contexto do mês de maio, dedicado a Nossa Senhora. Está prevista a publicação de outra meditação nos próximos dias que será traduzida em língua portuguesa.

Neste mês de maio, ainda nos encontramos numa situação mundial difícil, uma emergência sanitária, com tantas e tão dolorosas consequências. Os nossos pensamentos, as nossas orações, dirigem-se especialmente à Santíssima Virgem Maria, que é a Mãe da Misericórdia e Saúde dos Enfermos.

E, acima de tudo, Maria é Mãe de Deus. Foi assim que a fé da Igreja exprimiu no século V no Concílio de Éfeso com estas palavras solenes, profundas e ao mesmo tempo simples: "A Santíssima Virgem é a Mãe de Deus, porque deu à luz carnalmente o Verbo de Deus feito carne".

O Senhor, no seu desígnio de salvação, quis contar "uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; o nome da virgem era Maria", como lemos no Evangelho de S. Lucas (Lc 1, 26-27). E Ela respondeu ao anúncio do anjo: "Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1, 38). E o Verbo fez-se carne.

Na maternidade divina de Maria estão enraizadas todas as suas qualidades, especialmente a de ser "cheia de graça" (Lc 1, 28), como o Anjo a saúda, completamente santificada pela graça de Deus.

Nem sempre podemos compreender os planos de Deus, como Maria e José que, confrontados com a resposta de Jesus depois de O terem encontrado no Templo, "não compreenderam o que lhes disse"

A plenitude da graça em Maria desenvolveu-se numa plenitude de fé, esperança e caridade. Esta plenitude não impedia que o sofrimento estivesse presente na vida de Nossa Senhora, desde Belém até ao Calvário. “Se Deus quis, por um lado exaltar a sua Mãe, por outro, durante a sua vida terrena, não foram poupados a Maria a experiência da dor, nem o cansaço do trabalho, nem o claro-escuro da fé"[1]. A fé é certamente luz, mas é também escuridão, porque acredita-se no que não se vê. Nem sempre podemos compreender os planos de Deus, como Maria e José que, confrontados com a resposta de Jesus depois de O terem encontrado no Templo, "não compreenderam o que lhes disse" (Lc 2, 50). Que Nossa Senhora nos obtenha um aumento na fé, que nos leve a uma confiança segura em Deus, a acreditar firmemente no amor de Deus por nós, também quando essa fé se manifestar mais no seu aspeto obscuro.

Com a oração "lembrai-vos" de S. Bernardo, dizemos que Nossa Senhora não abandona aqueles que imploram a sua ajuda

Gostaria de me deter hoje especialmente na esperança. Maria - escreve o Papa Francisco – “ensina-nos a virtude da esperança, até quando tudo parece sem sentido (...), quando Deus parece desaparecer por culpa do mal do mundo". Ela apoia-nos nos nossos passos e diz-nos: "Levanta-te! Olha em frente, olha para o horizonte, porque Ela é Mãe de esperança"[2].

Com a oração "lembrai-vos" de S. Bernardo, dizemos que Nossa Senhora não abandona aqueles que imploram a sua ajuda: "Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência, e reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado". Podemos repeti-la nestes dias, com fé, para que dê esperança perante a atual crise sanitária, que está também a causar graves dificuldades na economia de muitas famílias, perturbação nos lugares de trabalho e tensões na sociedade.

O Papa convidou-nos a unirmo-nos "a toda a humanidade" num dia de oração, jejum e obras de caridade, no próximo dia 14 de maio, para implorar a Deus que se supere a pandemia do coronavírus. Para além do que cada um de nós considere apropriado, rezemos no Terço, especialmente neste dia, por esta intenção, pensando em todos aqueles que sofrem as consequências desta crise sanitária.

Os momentos de contrariedade podem acabar por ser ocasiões favoráveis ao crescimento interior, à melhoria pessoal e social: obrigam-nos a sair de nós próprios, a abrir-nos aos outros.

Peçamos a Nossa Senhora que nos ajude a enfrentar o futuro com esperança sobrenatural, com confiança no amor de Deus por nós, mesmo quando a incerteza humana for grande, para que possamos transmitir afeto e serenidade aos outros. Que saibamos ver a vida como um caminho de colaboração no qual nos apoiamos uns aos outros.

Os momentos de contrariedade podem acabar por ser ocasiões favoráveis ao crescimento interior, à melhoria pessoal e social: obrigam-nos a sair de nós próprios, a abrir-nos aos outros. Mas também é verdade que, nestes momentos, podem surgir dúvidas, inquietação e ansiedade.

Com a luz da fé, o sofrimento adquire sentido, torna-se mais suportável e pode mesmo chegar a ser um lugar onde se pode encontrar clareza, paz e alegria interior. Não desejamos que ninguém sofra e, ao mesmo tempo, porque sabemos que o sofrimento faz parte da existência humana, aprendemos a suportá-lo com os outros, a revesti-lo de amor. Na encíclica de Bento XVI Spe Salvi, lemos: " Não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor, que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor"[3].

À Virgem Maria, Mãe da Esperança, confiamos de uma forma especial o presente e o futuro da Igreja. A sua confiança segura no seu Filho manteve a Igreja nascente unida no Pentecostes naqueles momentos de fragilidade que tinham ocorrido, quando vários discípulos tinham fugido, um tinha negado Jesus, outros duvidaram, todos tiveram medo (cf. Act 1, 14). Ela infundiu esperança.

A nossa fé renovada na Igreja - que é um dom de Deus - manifesta-se, em primeiro lugar, na oração pela Igreja, pelo Papa e por todos aqueles que sofrem perseguição por causa do Evangelho.

Renovemos o itinerário espiritual que S. Josemaria propôs nos primeiros tempos: Omnes cum Petro ad Iesum per Mariam, todos com Pedro a Jesus por Maria! A nossa fé renovada na Igreja - que é um dom de Deus - manifesta-se, em primeiro lugar, na oração pela Igreja, pelo Papa e por todos aqueles que sofrem perseguição por causa do Evangelho. Pedimo-lo agora a Santa Maria, Mãe da Igreja.

Com a frase final de uma das orações que o Papa propôs acrescentar ao Terço neste mês de maio, dizemos a Nossa Senhora: " Confiamo-nos a Vós, que resplandeceis sobre o nosso caminho como sinal de salvação e de esperança, ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria. Ámen"[4].

Voltemos com o pensamento, com a nossa contemplação do Evangelho, aos momentos que se seguem a esse "faça-se em mim segundo a tua palavra" de Maria. Para uma mãe, a expectativa de um filho, de uma filha, é um tempo de esperança humana. Em Maria, essa espera teria ressonâncias salvíficas universais, porque sabia que trazia no seu ventre o Redentor do mundo. Na sua visão do futuro, de certa forma, cada um de nós estava lá. Já a partir dessa espera de nove meses, Nossa Senhora sentiria o peso de toda a humanidade, o de ser a "nova Eva".

Foi junto à Cruz que Maria ouviu estas palavras dos lábios do seu Filho crucificado, referindo-se a S. João e, em S. João, a cada um de nós: "Mulher, eis o teu filho" (Jo 19, 26). Saber que Maria é "nossa Mãe", leva-nos a tratá-la com confiança filial, com a esperança segura da sua mediação maternal. Com palavras de S, Josemaria, podemos assegurar com alegre esperança: "Toda a força de que precisamos, por causa da nossa pequenez pessoal, das nossas debilidades e erros, iremos procurá-la continuamente em Deus através da nossa filial devoção mariana"[5].

estamos muito seguros de Ti e de tudo o que nos deste (…). Não admitimos outra ambição senão a de servir o teu Filho e, através dele e com a tua ajuda, todas as almas

Esta procura “contínua de Deus através da filial devoção mariana" foi uma característica concreta da sua própria vida. Precisamente nestes dias estamos a celebrar o quinquagésimo aniversário da peregrinação a Guadalupe, no México, em que S. Josemaria rezou durante nove dias consecutivos por todo o mundo e pela Igreja. "Tive de vir ao México - dizia, olhando para a imagem de Nossa Senhora - para Te repetir com a boca e com a alma cheia de confiança, que estamos muito seguros de Ti e de tudo o que nos deste (…). Não admitimos outra ambição senão a de servir o teu Filho e, através dele e com a tua ajuda, todas as almas”.

Este mês de maio assinala também o centenário do nascimento de S. João Paulo II, que colocou o seu longo pontificado sob a proteção de Maria, com o lema Totus Tuus, "todo teu", referindo-se a Nossa Senhora. "Quantas graças recebi da Santíssima Virgem Maria", escreveu na sua carta sobre o Rosário.

Que Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, nos obtenha do seu Filho Jesus um aumento da fé e da esperança, que nos fará intensificar o nosso amor a Deus e aos outros.


[1] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 172.

[2] Francisco, Audiência geral, 10 de maio de 2017.

[3] Bento XVI, Spe Salvi, 37.

[4] Francisco, Carta a todos os fiéis para o mês de maio, 25 de abril de 2020.

[5] Carta 31-V-1954, n. 36.