Luis Adaro Ruiz-Falcó, um supranumerário comprometido com Gijón

Neste episódio de “Fragmentos de história” percorremos a vida de Luis Adaro, o primeiro supranumerário de Gijón, que sempre mostrou uma profunda inquietação por melhorar a vida das pessoas e iniciativas sociais das Astúrias, a sua terra.

🎙 Link para os restantes artigos da série: “Fragmentos de história, um podcast sobre o Opus Dei e a vida de São Josemaria


Neste episódio, o filósofo Francisco de Borja Santamaría Egurrola aproxima-nos da figura de Luis Adaro Ruiz-Falcó (1914-2006), engenheiro, empresário e historiador que deixou uma marca significativa nas Astúrias durante o século XX.

Adaro, primeiro membro do Opus Dei em Gijón, viveu a sua fé em estreita relação com o seu trabalho profissional e público. A partir da sua história, exploramos como a espiritualidade secular do Opus Dei influiu nas suas múltiplas realizações.

Francisco Santamaría, doutorado em Filosofia pela Universidade de Navarra. Forma parte do Grupo de Investigação Culturas, Religiões e Direitos Humanos da Universidade Internacional de la Rioja. É autor dum artigo publicado na revista Studia et Documenta, sobre a incidência da espiritualidade do Opus Dei nas diversas atividades empreendidas por Luis Adaro.



Lágrimas de um pai viúvo

Primavera de 1959. Um homem de 44 anos na plenitude das suas faculdades. A tarde já está avançada e os seus filhos, Luis, Fernando, Covadonga e Gonzalo (de 16, 15, 12 e 8 anos respetivamente) vão subindo as escadas da casa familiar. Então, este homem, Luis Adaro Ruiz-Falcó, retira-se para o seu quarto para chorar copiosamente.

Uma pontada interior crava-se no mais fundo do seu coração e dirige-se ao Céu: “Meu Deus, onde irei eu com estes quatro filhos, onde irei, Mãe da minha alma? Isto acabou-se, foi uma coisa brusca, uma rutura tremenda na minha vida; uma vida orientada, melhor ou pior, mas orientada; e, no entanto, agora quebrou tudo! Partiu-se tudo, sem a minha mulher e com estes quatro filhos, isto é complicado. Eu não posso continuar assim, assim vou mal. É claríssimo que desço a pique, assim não vou, tenho que fazer alguma coisa, e acho que isso é o Opus Dei”.

E, sem mais demoras (Luis não conhecia adiamentos nos assuntos), decidiu peregrinar a Lourdes e, no regresso, parar em Pamplona para se entrevistar com Carmelo de Diego Lora, Professor de Direito na Universidade de Navarra.

Em 24 de outubro de 1958, vítima dum lúpus eritematoso que se declarara oito anos antes, tinha falecido a sua mulher María Covadonga de Jove Ramírez-Cienfuegos, com quem tinha contraído matrimónio em 1942. María Covadonga era uma rapariga profundamente religiosa e, ainda que já se tivessem conhecido antes, o jovem Luis apaixonou-se por ela num encontro ocasional, ao acabar a guerra, na avenida de San Sebastián, onde a família de María Covadonga passava às vezes o verão. O seu «foi – assim o contava – um amor enorme, de loucura, apaixonado, que tirava a respiração. E com ela foi igual, amor à primeira vista».


Artigo em El Comercio, jornal asturiano, sobre Luis Adaro


Portanto, a nossa narração começa na situação de viuvez de Luis, que, como se disse, tem 44 anos e carrega com a enorme responsabilidade de atender e educar os seus quatro filhos. Mas, quem é o nosso protagonista e porque é que perante o sofrimento que lhe provoca a sua situação afetiva e vital, decide dirigir-se ao Opus Dei? Que percurso teve na sua vida essa aproximação ao Opus Dei?

Seguidamente contaremos quem foi Luis Adaro e que significou para ele a Obra. Esboçaremos alguns dados biográficos e centrar-nos-emos especialmente na dimensão religiosa dessa biografia, incluindo nela a sua vocação ao Opus Dei.

Um homem ao serviço da sua terra

Luis Adaro Ruiz-Falcó nasceu em Gijón em 11 de agosto de 1914 e faleceu na sua cidade natal em 26 de setembro de 2006. Provinha de uma antiga e importante família das Astúrias. Com efeito, o seu avô, Luis Adaro Magro – proveniente da zona biscainha Adaro – foi um destacado protagonista do desenvolvimento mineiro e industrial das Astúrias, que, além disso criou a empresa Adaro S. A., à qual daria continuidade o pai do nosso protagonista, Luis Adaro Porcel, e de que finalmente se encarregou quem nos ocupa neste episódio de “Fragmentos de história”.

Mas o nosso protagonista, além de continuar e manter a empresa familiar, desenvolveu uma intensa atividade acrescentada à sua responsabilidade estritamente empresarial. O resumo dessa atividade é esmagador: na década de sessenta, pôs em andamento ou impulsionou uma quantidade de projetos que resultariam decisivos para as Astúrias nos âmbitos empresarial, financeiro, cultural ou social. Ao mesmo tempo, publicou os seus primeiros livros sobre a história das minas e da indústria asturiana. Esse foi o início de um frutuoso trabalho de investigação materializado em cerca de cinquenta publicações, algumas delas compostas por vários e grossos volumes. E, como se isto fosse pouco, criou uma sociedade editora de meios de comunicação.

Portanto, Luis Adaro foi uma figura destacada do mundo empresarial e social nas Astúrias na segunda metade do século XX, sem dúvida, graças às suas notáveis qualidades profissionais e organizativas, ao amor – talvez se devesse chamar-lhe antes paixão – pela sua terra, à sua visão de futuro ou aos seus dotes para criar e dirigir equipas. Toda esta atividade, que desenvolvia desinteressadamente, fez com que gozasse duma peculiar autoridade moral, que levava a que as pessoas, ao dirigirem-se ou referirem-se a ele, utilizassem a expressão “Don Luis”. E o certo é que pessoas de todas as ideologias e camadas sociais das Astúrias viam nele uma referência, alguém com quem tinham contraído uma certa dívida moral.

Ainda que não fosse movido pelo aplauso, foi objeto de muitos reconhecimentos. Basta assinalar – entre uma longa lista – talvez os mais prestigiados: a Grã Cruz da Ordem de Mérito Civil, outorgada pelo Governo espanhol; o Prémio Astúrias com Medalha de Prata, concedido pelo Departamento de Cultura do Principado das Astúrias e a nomeação como Filho Predileto de Gijón.

Infância e juventude

Uma vez apresentada a sua figura, podemos centrar- nos mais detidamente no seu perfil religioso, com o objetivo de enquadrar nela a sua vocação ao Opus Dei.

A sua educação foi a característica de uma família abastada dos começos do século XX, em que a religião católica formava parte da conceção da vida e da moral social e pessoal. Também é certo que na sua família sucedia o mesmo que em muitas outras: que a educação moral e religiosa estava entregue à mãe. Ela, María Josefa Ruiz Falcó, era quem conservava e transmitia no lar a fé cristã.

O jovem Adaro fez o ensino secundário no Liceu Jovellanos, um centro estatal em que não faltava a aula de Religião. Nessa altura, sentia alguma inquietação religiosa, pois frequentou, por convite dum companheiro seu do instituto Luises, uma iniciativa apostólica dos padres Jesuítas dirigida à juventude.

No outono de 1930, terminado o secundário, Luis Adaro mudou-se para Madrid para preparar o exame de acesso à Escola de Engenheiros de Minas. Por conselho de Gumersindo Junquera, marido da sua tia Maria Adaro, matriculou-se e residiu no Colégio Nossa Senhora das Maravilhas, um centro dirigido pelos Irmãos de la Salle. Além da eficácia académica, o colégio proporcionava à família uma segurança moral em relação ao jovem impetuoso que abandonava pela primeira vez o lar paterno.

Os resultados do seu primeiro ano na capital de Espanha foram um fracasso académico. Após as férias de verão, voltou a Madrid no outono de 1931 e a preparação para o exame de acesso durou três anos, concluídos em 1934; mas os resultados posteriores demonstraram que não fora tempo perdido, já que no primeiro ano do curso acabou em quinto lugar entre vinte e quatro alunos matriculados.

Mas no plano religioso, se nos ativermos ao que ele dirá mais tarde de si mesmo, dava-se um certo desleixo: sem deixar por completo as práticas religiosas, e devido em certa medida às companhias, nem sempre vivia de acordo com as suas crenças. A guerra civil espanhola interrompeu os seus estudos e a sua fé encontrava-se abaixo dos mínimos. Anos mais tarde, admirava-se de ter saído ileso, “sem um arranhão”, dizia ele, o que considerava providencial por, segundo ele, se encontrar tão longe de Deus nesses anos.

Conversão e apostolado na Ação Católica

Esta situação alterou-se durante o seu namoro. Como já se disse, María Covadonga era uma pessoa profundamente religiosa. O que acontece é que, juntamente com ela, teve lugar o que Luis chamou o momento culminante da sua vida: uma “conversão à maneira de São Paulo”, de acordo com a sua própria expressão. Aconteceu na igreja madrilena das Calatravas, na rua de Alcalá, perto da Porta do Sol, provavelmente no dia 12 de outubro de 1939, enquanto acompanhava a namorada à Missa.

“De repente – contava –, caía-me o mundo em cima, sentia como esse movimento das águas de que às vezes se fala na Bíblia: o ruído… o ruído do movimento das águas. E eu dizia: «Que é isto, Luis? Que me está a acontecer? Isto é muito importante»; e alguém me dizia: «Luis, não pode ser (…), tens que tomar uma decisão». Fiquei assustado. Desde esse dia nunca mais deixei de comungar em nenhum dia da minha vida”.

Uma vez casado, recém-instalado em Gijón e integrado na empresa do seu pai, apareceu na sua vida Ignacio Soto Larroza, um senhor bastante mais velho que ele e a quem Luis Adaro se referia às vezes como “apóstolo da caridade”. Soto Larroza trabalhava intensamente nas Conferências de São Vicente de Paulo e o jovem engenheiro juntou-se a essas atividades caritativas. Juntou-se também a eles Ricardo Heredia y Guilhou, conde de Benahavis.

Os três iam aos domingos de manhã às casas dos bairros mais pobres de Gijón para ajudar. As casas estavam degradadas e às vezes dispunham de três divisões para três famílias, com direito a sanita e cozinha. E ali Adaro e os amigos faziam o que podiam: dar esmola, procurar emprego para algum dos homens, encontrar solução para os doentes… Por essa altura, Adaro também começou a participar na União Municipal de Homens da Ação Católica de Gijón, da qual se tornou presidente em 1949.

Por outro lado, Soto animou-o a dar um impulso à Cozinha Económica, entidade que existia desde 1890 e que em 1909 foi absorvida pela Asociación Gijonesa de Caridad, fundada em 1905. Luis entrou como conselheiro em 1948 e colaboraria ativamente (vice-presidente ou presidente), até 1994.

Na atualidade, esta instituição realiza uma ampla atividade social, que vai desde a cantina social, que proporciona diariamente 600 refeições entre almoços e jantares, até uma clínica dentária gratuita, passando por módulos de alojamento temporário para famílias com filhos menores, residência de meia estada para pessoas sem casa, uma residência para idosos de escassos recursos e outra para adultos com problemas de dependências. De certeza que, exceto o Sporting de Gijón, a Cozinha Económica é a entidade mais querida da cidade.

Mas voltemos aos anos quarenta do século passado. Adaro também se implicou na construção de casas para pessoas sem recursos, através da Construtora de Beneficência Nossa Senhora de Covadonga, da qual passaram a fazer parte algumas empresas da cidade. Esta construtora ergueu um bairro bastante grande em que acabaram por viver três mil e quinhentos moradores em 658 casas.

Por outro lado, entre as iniciativas religiosas promovidas por Luis Adaro, sobressaem as atividades marianas. Por exemplo, impulsionou pessoalmente – antes de mais com a sua insistência junto dos correspondentes arcebispos – as peregrinações da Virgem de Covadonga por todo o território asturiano em 1951 e em 2001. Estas peregrinações tiveram o seu precedente numa série de homenagens à Virgem que promoveu desde 1944, através da Ação Católica.

Por último, graças à sua iniciativa, arrancou em 1951 a campanha de pedidos de donativos para religiosas de clausura, que naquele ano juntou onze mil pesetas. Adaro manteve até ao final da sua vida estes pedidos de ajuda para os conventos de clausura.

Um novo canal para o seu apostolado

No começo, dizíamos que foi no meio da solidão que Luis experimentou depois do falecimento da sua mulher que viu o Opus Dei como a sua tábua de salvação, pois necessitava de estabilidade interior para poder educar os filhos e manter-se orientado no meio dessa profunda perda. Que sabia Luis dessa jovem instituição da Igreja, que relação mantinha com ela, se é que mantinha? Não muita, na verdade. Mas, sim, tinha havido um contacto prévio, que não deixa de ser uma história curiosa. Ao começar a década de quarenta, a sua mãe tinha-lhe oferecido um livro que lhe haviam recomendado na livraria. Tratava-se dum exemplar de Caminho, a obra que Josemaria Escrivá tinha publicado em Valência em 1939.

Nem ele nem a mãe sabiam nada sobre o Opus Dei nem sobre o seu fundador. Mas leu o livro com enorme interesse. Passados uns quantos anos, no começo da década de cinquenta, citou-o num relatório anual da Ação Católica. Naquela época havia poucas pessoas do Opus Dei nas Astúrias. Mas o escrito da Ação Católica foi parar às mãos de um deles, Carmelo de Diego, que se apresentou na fábrica de Luis Adaro para conhecer aquele “franco-atirador” – assim o disse Carmelo com humor – que, sem pertencer ao Opus Dei, difundia o livro do seu fundador.

Ao empresário e engenheiro pareceu muito bem aquela visita e também a explicação que De Diego lhe deu sobre o Opus Dei. Poucos anos depois visitou-o também Alfonso Nieto, futuro catedrático e reitor da Universidade de Navarra, mas não chegou a estabelecer-se um contacto regular. Talvez porque o único centro do Opus Dei existente nas Astúrias se encontrava em Oviedo e não lhe era fácil deslocar-se até lá para assistir aos meios de formação espiritual. E talvez também porque a mulher já estava doente e tinha que tratar dela.

Mas a semente do Opus Dei estava lançada e, como antes já se mencionou, nos primeiros meses de 1959, no regresso de Lourdes, Luis Adaro apresentou-se em Pamplona para manifestar ao juiz Carmelo de Diego, professor da Universidade de Navarra nessa altura, o seu desejo de ser do Opus Dei. Por sugestão de Carmelo de Diego, Adaro começou a frequentar em Oviedo os meios de formação do Opus Dei. Foi assim que compreendeu melhor o alcance da vocação de supranumerário do Opus Dei, de modo que, decorridos alguns meses, nesse mesmo ano de 1959, solicitou a admissão. Foi a primeira pessoa de Gijón a incorporar-se no Opus Dei.

Primeiros anos no Opus Dei

Já na Obra, a energia característica de Luis Adaro transbordou. Por um lado, para dentro, sugerindo iniciativas organizativas da instituição; por outro, para fora, promovendo diversas atividades apostólicas. Um bom exemplo disso é a carta que dirigiu em janeiro de 1963 aos diretores do Opus Dei em Oviedo, em que explicava porque considerava necessário abrir em Gijón um centro em que residissem numerários que se ocupassem de dar formação e de incentivar o crescimento dos apostolados do Opus Dei.

Na carta, incluía uma extensa informação sobre a realidade da cidade e os benefícios que se poderiam obter com a presença permanente dum centro do Opus Dei. Além disso, sugeria que os membros do Opus Dei que fossem viver em Gijón se encarregassem da direção de uma escola masculina de ensino secundário no bairro de Nossa Senhora de Covadonga, e também que se organizassem retiros espirituais na capela de Asociación Gijonesa de Caridad. Era um plano inspirado, em parte, na sua experiência na Ação Católica. Nos anos seguintes, como vimos ao dar a conhecer as suas realizações mais destacadas, Luis levou, com grande iniciativa, a luz do Evangelho ao seu ambiente laboral, familiar e social.

Por outro lado, nos começos dos anos sessenta, tinha-se sentido também a necessidade de conseguir uma casa, fora da cidade, para realizar atividades de formação cristã e espiritual, como sejam cursos de retiro e convívios. Depois de diversas buscas, escolheu-se a quinta de García Sol, na paróquia de Granda, na altura propriedade da viúva de Manuel Vega Arango.

Essa senhora, ao saber da finalidade cristã do projeto de Adaro e dos seus amigos, aceitou a sua oferta e fixou-se a venda em seis milhões de pesetas. Para o conseguir, subscreveu-se um crédito com a Caja de Ahorros das Astúrias, a pagar em 16 anos, em quatro prazos de quatro anos, com um juro de 5%. Com o entusiasmo de Luis Adaro e de outros asturianos do Opus Dei e com a ajuda de cooperadores e amigos que entenderam o projeto, a quinta de García Sol pôde tornar-se no que hoje é Solavieya.

Vimos antes como Adaro, antes da sua incorporação no Opus Dei, realizava um extenso trabalho caritativo que exigia conseguir recursos económicos. Ao arrancar com Solavieya, acrescentou a procura de fundos para diversas iniciativas apostólicas promovidas por outros membros do Opus Dei.

Os pedidos de donativos foram uma tarefa a que Luis Adaro se dedicou durante toda a sua vida. Ao longo dos anos, pediu ajudas para a Associação de Amigos da Universidade de Navarra; para o Colégio Romano da Santa Cruz, onde se formam os numerários do Opus Dei que se preparam para receber o sacerdócio; para o primeiro centro masculino do Opus Dei que se abriu em Gijón em 1970 e que atualmente se chama Clube Juvenil Deva e para outro posterior aberto em 1980 na zona do estádio de futebol El Molinón: para o arranque do colégio feminino, Valmayor, que Fomento de Centros de Ensino abriu em Gijón na década dos anos setenta; para um centro de formação semelhante a Solavieya chamado El Llendón de la Peña, que se abriu na década de oitenta no concelho de Villaviciosa; para a construção do santuário de Torreciudad em Huesca, que se inaugurou em 1975; para a Fundação Centro Académico Romano, destinada à formação de seminaristas e sacerdotes, que o Beato Álvaro del Portillo, sucessor de São Josemaria à frente do Opus Dei impulsionou em meados dos anos oitenta, etc.

Não há dados disponíveis de como materializou pessoalmente a sua generosidade económica, a não ser o testemunho oral dos que o conheceram, que afirmam que era muito generoso nas suas contribuições. Neste ponto, não é de mais sublinhar que, embora a sua posição económica fosse desafogada, não se pode dizer que dispusesse duma grande fortuna. Por outro lado, o seu estilo de vida era simples e sóbrio. A sua forma de descanso consistia muitas vezes em encerrar-se durante uns dias nalguma pousada nacional para avançar em investigações históricas; algo muito diferente do que se costumam chamar viagens de prazer.

Como dizíamos, não há dados das quantias dos seus donativos aos apostolados do Opus Dei, mas numa das entrevistas conduzidas com Luis Adaro pelo autor deste episódio, pensando numa possível biografia, existe a estimativa de ter conseguido ao longo de 25 ou 30 anos, juntamente com um pequeno grupo de supranumerários asturianos, mais de 100 milhões de pesetas em donativos para a Associação de Amigos da Universidade de Navarra.

Referindo-se a esta incessante atividade de procurar recursos económicos para tantos projetos apostólicos, Adaro desabafava num longo escrito que dirigiu em 1994 ao sacerdote Florencio Sánchez Bella, que tinha sido em Espanha o equivalente ao que hoje em dia é um vigário do Opus Dei. Adaro escreve-lhe nestes termos: “Além disso, este outro tema é importante: que temos que viver na Obra toda a vida, pedindo donativos, ajudas, subscrições, numa palavra: dinheiro; pois a Obra é uma família numerosa e pobre que sempre terá muitas necessidades e nunca as terá todas cobertas”.

«Foi então que me realizei»

No mencionado escrito a Sánchez Bella, Luis deixa testemunho duma convicção pessoal profunda, que ilumina o que supôs para ele a sua incorporação no Opus Dei. Depois de fazer um resumo de tantas coisas que tinha já realizado naquele momento da sua vida, que mencionámos no início deste relato e que coincidem com o princípio da sua vocação de entrega a Deus no Opus Dei, continuava:

“Se pude fazer, participar, colaborar em tantíssimas obras, instituições e trabalhos, foi tudo por ser membro da Obra, pois caso contrário não teria feito nada de nada. Tão simples quanto isso (…) quando me lancei de verdade, foi depois de fazer 50 anos (…) foi então que me realizei, como sempre na Obra”.

Um pequeno pormenor pode interessar a quem ouvir este áudio é que o parágrafo da carta que acabo de ler, foi escrito por Adaro em letras maiúsculas, mostrando assim a importância que dava a essas afirmações. Esta forma entusiástica de se exprimir num contexto de confiança requer uma pequena explicação. Especialmente, a afirmação «por ser membro da Obra», pode prestar-se a uma interpretação errónea. O que Luis quer dizer é que a formação específica recebida no Opus Dei o animava a implicar-se no bem do seu ambiente.

Um exemplo muito concreto é a sua aceitação da presidência da Câmara de Comércio de Gijón. Contava Adaro que, quando Rogelio Martínez e José López de Haro, presidente e vice-presidente da Câmara de Comércio de Gijón, lhe propuseram em 1961 que se encarregasse da presidência, a proposta não era nada apetecível e pediu-lhes uns meses para pensar, já que tinha o encargo da sua empresa e a família.

O caso é que, ao considerar o que ouvia nos meios de formação da Obra sobre a responsabilidade de tornar presente Jesus Cristo na sociedade, decidiu aceitar. E foi precisamente a presidência da Câmara de Comércio que terá atuado como motor de muitas outras realizações que levou a cabo posteriormente e que já mencionámos.

Mas a afirmação inequívoca “foi então que me realizei, como sempre, na Obra”, como digo, dá-nos, na minha opinião, a chave de uma nova forma de um leigo levar a cabo o seu apostolado. No seu caso, através das iniciativas que dinamizariam as Astúrias e Gijón. A sua ação apostólica tornou-se plenamente secular, pois inseriu-se por completo no progresso da cidade e da região em que vivia; uma tarefa em que a referência, logicamente, já não era a hierarquia eclesiástica, mas as autoridades civis e esse conjunto de pessoas e instituições em torno das quais girava de modo especial o desenvolvimento económico, material e humano da sua cidade e região.

Sem ocupar nenhum cargo político nem ser um profissional da política, tal como se costuma entender esta designação, converteu-se num ator político de primeira ordem na medida em que punha generosa e desinteressadamente – não o moviam interesses pessoais nem de brilho social – toda a sua energia e capacidade de execução em tudo o que entendia que podia trazer melhorias para Gijón e para as Astúrias.

No livro editado por várias personalidades asturianas por altura do primeiro aniversário do seu falecimento, há um capítulo intitulado “Biobibliografia”, em que se dá conta cronológica dos factos que marcam a sua vida. A cronologia está ordenada por décadas, e ao leitor salta à vista como, a partir da década de sessenta as páginas vão em crescendo. Se até 1960 a sua cronologia se resume em meia página, a partir dessa data, cada década ocupa nunca menos duma página; para ir decrescendo paulatinamente na década de 1990 e 2000, quando a sua idade era já avançada.

Isto, soube vê-lo com a sua agudeza característica o jornalista Francisco Carantoña, diretor do Diario El Comercio durante quase 40 anos. Na altura em que foi concedida a Adaro a Medalha de Prata do Principado em 1994, Carantoña encerra com certa solenidade a sua exposição sobre o nosso protagonista da seguinte maneira: “Não é um segredo, por outro lado, que Adaro encontra exemplo e apoio espiritual na vida e obra de São Josemaria Escrivá de Balaguer. Engenheiro, empresário, dominado pela curiosidade histórica, com preocupação fraterna pelos outros e pelo progresso da coletividade, com o ideal de cavalheiro cristão como meta a alcançar, Adaro é um homem de agora e também de outro tempo. O que herdou e conserva, no entanto, não é o que perdeu vigência, mas o que continua a ser atual”.

«Deus pede-me muito, tenho que fazer coisas na vida»

Ao longo deste episódio, pudemos apreciar a evolução daquele menino que recebeu uma primeira instrução cristã com a mãe, que na juventude abandonou a prática religiosa e que em 12 de outubro de 1939 experimentou uma conversão “tipo São Paulo”. Por coerência de vida cristã, permaneceu sempre fiel à reflexão que naquele momento tinha feito: «Deus pede-me muito, tenho que fazer coisas na vida».

Certamente levou a cabo muitíssimas realizações, quase até ao último momento da sua dilatada existência, que terminou em 2006, aos 92 anos de idade. O percurso cronológico, com o fio condutor da sua formação religiosa, mostra como entre 1942 e 1958 a sua ação apostólica se vincula, sobretudo, através da sua participação em obras de caridade e no fomento da piedade popular e propaganda da fé cristã.

Após o seu contacto com o Opus Dei, sem esquecer a ação caritativa, sobretudo através da Cozinha Económica e da ajuda aos conventos de clausura, o seu apostolado desenvolveu-se numa intensa atividade direcionada ao desenvolvimento da sua cidade e região, através principalmente da sua responsabilidade como presidente da Câmara de Comércio de Gijón, e na investigação histórica.

Luis Adaro passou então a ser protagonista destacado à escala local do mundo em que lhe coube viver, numa ação livre e secular com a qual desejava, inspirado nos ensinamentos do fundador do Opus Dei, colaborar com Jesus Cristo na divina tarefa de reconciliar o mundo com Deus. Por outro lado, o percurso de Adaro pode ilustrar o aspeto de caridade que, como recordou o Papa Francisco, leva consigo a própria realização do trabalho.

Neste episódio, pouco espaço dedicámos à sua vida familiar; não podemos, no entanto, esquecer que foi precisamente a preocupação pela educação dos filhos que o levou a procurar a ajuda espiritual do Opus Dei, em cujos meios de formação cristã se sublinha a ideia de que, para uma pessoa casada, o amor e a entrega ao cônjuge e aos filhos, são a primeira manifestação do seguimento de Jesus Cristo. De qualquer modo, pode referir-se um pequeno apontamento: durante o tempo letivo, quase todos os domingos ia com os filhos à montanha. Essa parece ser uma das formas que encontrou este viúvo, com uma atividade tão agitada e absorvente para, além da rotina familiar diária, dedicar em exclusividade um tempo precioso aos seus quatro filhos.

Em suma, através de um pai de família, empresário e homem de ação como Luis Adaro, vemos como a espiritualidade secular do Opus Dei, vivida de modo tangível, é capaz de iluminar a vida de pessoas que se sentem chamadas com vocação divina para levar ao mundo a luz do Evangelho.