Isidoro Zorzano, o santo da porta à minha frente

Neste episódio da série “Fragmentos da História”, Enrique Muñiz, autor do livro “Isidoro 100%”, faz-nos mergulhar na vida de Isidoro Zorzano, um dos primeiros membros do Opus Dei. Ao longo da narração, Muñiz apresenta três aspetos que definiram a vida de Isidoro: a vocação, a profunda preocupação pelos outros e o seu inquebrantável otimismo.

🎙 Link para os restantes artigos da série: “Fragmentos de história, um podcast sobre o Opus Dei e a vida de S. Josemaria


O Papa Francisco tornou popular a expressão “o santo da porta ao lado”. Parece-me que é um conceito bastante ilustrativo. Por um lado, temos muitos bons exemplos de pessoas santas que estão à nossa volta, muito mais próximas do que imaginamos, nem necessitamos de procurar os seus nomes no santoral e também conhecemos pessoalmente muitas pessoas que, de certeza, estão no Céu. Por outro lado, a expressão “o santo da porta ao lado” é uma chamada a cada um a procurar a santidade nas circunstâncias normais que a vida nos oferece, sem esperar oportunidades extraordinárias que raramente se apresentam.

Na introdução do meu livro intitulado Isidoro 100%, falo do santo da porta à minha frente, não da do lado e explico que Isidoro viveu na casa na que eu vivo agora e ocupou, precisamente, o quarto que está à frente do meu.

Não o faço só para me gabar, mas também para tecer algumas considerações acerca das muitas pessoas que têm motivos para sentir que Isidoro é o seu santo da porta ao lado, para sentir que estão próximos. Por exemplo, os moradores da Av. Corrientes com Riobamba, na cidade do tango e lugar onde nasceu Isidoro; ou os paroquianos de Santo Alberto Magno, em Vallecas (Madrid), onde repousam os seus restos; todos os de Málaga, cidade onde trabalhou como professor e como engenheiro, além de percorrê-la em excursões e onde se empenhou em numerosas atividades de voluntariado, sem esquecer os trabalhadores dos caminhos de ferro, seus colegas.

Esta é uma razão, mas também há muitos outros motivos para se sentir próximo dele. Era migrante – tanto na Argentina, por ser filho de espanhóis, como em Espanha por ter nascido na Argentina. Estas realidades são atuais, estudava com o suor do seu rosto, os professores duvidavam que terminasse o ensino secundário e demorou três anos a ser aprovado para entrar na Escola de Engenharia. Ficou sem o pai aos nove anos; a avó, que vivia com eles, faleceu vítima da pandemia, que ficou conhecida como gripe espanhola em 1918; o seu irmão Fernando faleceu no dia de Reis de 1920, devido a uma febre tifoide e o seu irmão Paco na batalha de Brunete, durante a guerra civil espanhola; a família arruinou-se devido à falência do Banco Espanhol do Rio da Prata.

Ainda mais, era uma família numerosa – cinco irmãos –, os seus pais tinham uma retrosaria, eram o que chamaríamos pequenos empresários. Agradava-lhe colecionar selos do correio, sabia construir aparelhos caseiros de rádio de galena, gostava de dar aulas, era um apaixonado pela educação, era rigoroso nas contas da sua casa e nas do Opus Dei, era baixo (tinha 1,63 m quando se mediu em 1923), usava óculos, fazia excursões à montanha e morreu de um cancro em 1943, pouco antes de fazer 41 anos.

Neste texto, não é possível desenvolver cada um destes temas: Escolhi três: a sua vocação ao Opus Dei, a sua preocupação pelos outros e o seu otimismo. Comecemos, então.

Vocação de Isidoro Zorzano

Isidoro é o primeiro do Opus Dei. Bom, o primeiro é S. Josemaria. Há mais dois: José Romeo e Norberto Rodríguez, que viram a sua vocação à Obra e, por diversas causas, não continuaram. Isidoro é o primeiro a perseverar na sua vocação.

Parece-me importante situar no seu contexto a vocação de Zorzano que foi colega no secundário do Fundador do Opus Dei. Ambos nasceram em 1902: S. Josemaria em Barbastro e Isidoro em Buenos Aires. Os seus pais são da Rioja e fizeram certa fortuna na América; voltam para Espanha em 1905 para orientarem o estudo dos seus filhos por lá e regressarem à Argentina para continuarem os seus negócios, mas em 1912 morre o pai e optam por permanecer em Logronho. Não vou deter-me em demasiados detalhes da infância e juventude de S. Josemaria, mas sim da sua chegada a Logronho no ano académico de 1915/16. O Fundador da Obra era, então, um adolescente que sofria pela ruína da sua família e pela morte das suas irmãs mais novas. Mudou de cidade, de amigos e de escola e aí conheceu Isidoro. Foram colegas no quarto, quinto e sexto anos.

Não sabemos desses anos mais do que da sua amizade. Provavelmente, as mães também seriam amigas. Seria interessante ter o testemunho da mãe de cada um deles sobre o outro. Como lhe agradaria que fossem amigos, os projetos que fariam para o futuro de ambos, se acediam ou não ao frigorífico um do outro, que é a integração total na família de um amigo.

O certo é que a partir de 1918, as suas vidas se separaram: S. Josemaria vai para Saragoça para o Seminário e também estudar Direito e Isidoro para Madrid para Engenharia Industrial.

É frequente que as amizades que nascem nessas idades durem toda a vida. Naquela época, a distância entre Madrid e Saragoça era idêntica à atual, mas não havia mensagens instantâneas nem comboio de alta velocidade.

Algum contacto pode ter havido durante os anos que vão de 1918 a 1930, nos quais teriam de 16 a 28 anos, mas pouco sabemos desse tempo, exceto que durante uns meses coincidiram vivendo em Madrid. S. Josemaria chegou à capital em abril de 1927, onde Isidoro permaneceu até novembro de 1928, altura em que foi para Cádis e mês e meio mais tarde para Málaga. Nesse ano e meio, devem ter trocado alguma correspondência e encontrar-se alguma vez.

Nos finais de 1930, quando os dois tinham 28 anos, Isidoro está em Málaga, trabalha como engenheiro nos caminhos de ferro, mas sente alguma inquietação, tem dúvidas. Alguns dizem que vá ser padre, tem a certeza de que quer ser engenheiro (ainda que não se dê muito bem com o chefe e os caminhos de ferro andaluzes não corram muito bem) e necessita de ganhar dinheiro para sustentar a sua família. Mas a verdade é que Isidoro evita arranjar noiva.

S. Josemaria procura pessoas para a Obra, reza e pede orações, sobretudo aos doentes que atende no Patronato de Enfermos e envia-lhe um postal: “Caro Isidoro: quando vieres a Madrid não deixes de me visitar. Tenho coisas muito interessantes para te contar. Um abraço do teu bom amigo”. Envia o postal através da sua mãe que vivia em Madrid e que o faz chegar a Isidoro. Este responde: “Espero ir dentro de pouco tempo aí” (se refere a Madrid, a capital) “talvez no fim do mês, se assim for, é claro que a primeira visita será para ti”.

Em 24 de agosto de 1930, dia de S. Bartolomeu, Isidoro vai a Madrid e, em circunstâncias de completa casualidade, encontram-se. Isidoro vai ao Patronato de Enfermos; S. Josemaria não estava lá, foi dar uma volta; S. Josemaria estava noutro sítio e, sem saber bem porquê, vai ao Patronato e sem se encontrarem num local em que coincidiam os percursos que ambos faziam, encontram-se um pouco mais longe. Isidoro conta-lhe as suas inquietações e S. Josemaria explica-lhe o Opus Dei.

Isidoro dá-se conta que Deus lhe pede algo, mas, ao mesmo tempo, quer ser engenheiro a 100%. S. Josemaria procura pessoas que entendam a santidade no meio do mundo. Se se me permite fazer uma comparação um pouco bruta: um pirómano com uma caixa de fósforos encontra uma bomba de gasolina: o Fundador procura pessoas como Isidoro e Isidoro tem perguntas às quais responde a vocação ao Opus Dei.

Nessa mesma tarde, pede a admissão, passa umas semanas com a sua família em Logronho e volta para Málaga. Ou seja, o primeiro que entende, em profundidade, a mensagem do Opus Dei, vive a pouco mais de 500 quilómetros do Fundador. S. Josemaria está muito interessado em dar-lhe essa primeira formação para que se incorpore ao Opus Dei como locomotiva e não como vagão.

Desde então, Isidoro consegue ir a Madrid mais ou menos duas vezes por mês. Na altura, não havia a semana inglesa, trabalhava-se também ao sábado. Normalmente, Isidoro viajava para Madrid no sábado à noite e regressava no domingo à noite para trabalhar na segunda logo de manhã.

A boa notícia é que essas distâncias obrigam a que grande parte do acompanhamento espiritual que S. Josemaria realiza com Isidoro, nesses primeiros anos da sua vocação, se faz por carta e se conservam muitas dessas cartas.

Por exemplo, numa carta de 19 de setembro, escreve Isidoro: “Encontro-me agora completamente confortado, o meu espírito está invadido de um bem-estar, de uma paz que não tinha sentido até agora”. Confirma-se: andava à procura do Opus Dei.

Isidoro em Málaga

Em Málaga, Isidoro era o Secretário da Associação de Engenheiros Industriais, embrião da Ordem dos Engenheiros; aceitou o encargo de projetar uma central hidráulica para uma fábrica de mel na povoação de Frigiliana, que proporcionaria luz elétrica a bom preço a todas as pessoas. Em finais de 1930 e começos de 1931, com alguns dos seus alunos, criou a Delegação Malaguenha da Federação de Estudantes Católicos, de que é presidente honorário. Também fez parte, como tesoureiro, da primeira Junta Diocesana da Ação Católica.

Devido à queima de conventos em abril de 1931 (que foi especialmente dura em Málaga), conheceu algumas Adoradoras que se tinham refugiado em casa do seu amigo Ángel Herrero – uma delas era sua irmã – e começou a colaborar com elas. Particularmente, a partir de então, pedia dinheiro todos os anos aos amigos para oferecer brinquedos, na festa dos Reis Magos, às meninas acolhidas por estas religiosas.

Nesses anos colaborou com a Casa do Menino Jesus, uma espécie de asilo para rapazes, no qual dá aulas e ajuda. Essa Casa era dirigida por um jesuíta, o padre Aicardo.

A juntar a tudo isto, trabalha nos Caminhos de Ferro e dá aulas na Escola Industrial. Nessa altura, foi nomeado tesoureiro do Patronato local de Formação Profissional de Málaga.

E ainda mais coisas: participa da Sociedade Excursionista de Málaga e inscreve-se num ginásio.

Que lhe diz S. Josemaria enquanto Isidoro tem estas atividades? Nas cartas que conservamos, S. Josemaria não limita a sua atividade, mas pede-lhe que fundamente tudo na oração, que ofereça as dificuldades. Mencionei a queima dos conventos e ele participa de organizações católicas que não só são vistas, por algumas pessoas, com antipatia, mas com verdadeira agressividade. Diz-lhe que seja constante no que se propõe, que procure comungar diariamente. Consta que Isidoro teve uma verdadeira devoção à Eucaristia e, de facto, em criança, conseguiu receber a primeira comunhão antes da idade, mas quando pediu a admissão no Opus Dei só ia à Missa aos domingos. Até finais de 31, as cartas não falam de comunhão diária.

Preocupação pelos outros

Tive a sorte de ler os testemunhos de pessoas que conviveram com ele; testemunhos que S. Josemaria se encarregou de recolher quando ele faleceu. Chama a atenção como uns e outros se referem a detalhes de serviço que teve com eles: dava aulas particulares aos sobrinhos, punha o fato-macaco para ajudar os trabalhadores dos caminhos de ferro – o que era pouco frequente num engenheiro –; preparava gráficos aos que estavam a fazer teses de doutoramento e exames académicos; aos de Letras, que estavam em situação parecida, limpava-lhes os sapatos para se apresentarem ao júri de forma aceitável.

Durante a guerra civil, visitava uns e outros, mesmo os que estavam na prisão. Encarregava-se da instalação dos centros da Obra: procurava canalizadores, eletricistas, carpinteiros, fornecedores de diversas coisas. Há pequenos episódios que relatam que se encarregou da gestão da funerária da namorada de um amigo, que ia buscar a família de um amigo à estação, facilitava gestões burocráticas, fazia contabilidades.

E tudo com um sorriso e um marcado carácter de engenheiro, que se manifestava especialmente no trato com outros engenheiros ou estudantes de Engenharia.

Há um testemunho de José Ramón Madurga, estudante de engenharia industrial que diz: «Num caso concreto (…) disse-me meio a sério, meio a brincar, mas dando tom sobrenatural ao tema, o seguinte: “A vida é uma soma de mortificações pequenas de ordem diferencial e a integral da expressão diferencial da mortificação é a santidade”».

Também há muitos testemunhos dos que o acompanharam duranta a sua doença. Pessoas que iam estar atentas ao doente e saíam com a sensação de serem elas as atendidas.

Mas não quero ler mais testemunhos acerca do espírito de serviço que tinha. Escolhi este tema para animar a recorrer à sua intercessão. É muito importante ter a certeza de que a pessoa a que se recorre tem muito espírito de serviço e está atenta aos pormenores.

O seu otimismo

Disse que ia falar do seu otimismo e uma promessa é uma promessa. Só uma recordação, um testemunho de Eduardo Alastrué. Esteve a viver com o Fundador do Opus Dei na Legação de Honduras e, na segunda metade de 1938, junto de Álvaro del Portillo e mais algum. Deixaram a Legação com a intenção de se alistar no exército republicano e serem destinados à frente de batalha para se passarem para o outro lado. Eduardo recorda:

“Isidoro vinha almoçar connosco ao quartel, nos dias que passamos em Madrid, já fora da Embaixada, pendentes da nossa incorporação no exército. Um dia calhou almoçarmos no quartel que estava em frente à Basílica de Atocha, no [bairro do] Pacífico e regressámos só os dois para o Centro, dando um longo passeio pela Rua Alfonso XII. Comentávamos as desgraças e as vantagens da guerra e Isidoro começou a enumerar os bens que nos trazia e nos tinha trazido. Via-a de um modo totalmente sobrenatural, como uma oportunidade magnífica que Deus nos apresentava para nos santificarmos e, cheio de alegria, ia enumerando as virtudes, sobretudo a caridade e a unidade fraterna, que naquelas circunstâncias e pela bondade de Deus se afirmavam em nós. Quando chegámos a casa, recordo que estávamos cheios de alegria e dávamos graças interiormente a Deus de todo o coração por tantos dons que nos concedia naquele tempo. Estas conversas sobrenaturais, falando de Deus, da Obra e seus traços principais, do futuro do Opus Dei, eram muito frequentes entre nós. Enchiam-nos de entusiasmo e alegria, de agradecimento a Deus e sobrepunham-nos às dificuldades e perigos que nos rodeavam. Isidoro provocava-as com frequência e as circunstâncias prestavam-se a que estivessem cheias de naturalidade. Ao comentar as coisas grandes que presenciávamos já e que nos esperavam, recordo que repetia amiúde, como não podendo expressar de outro modo a sua admiração: É admirável! É extraordinário!».

Não quero terminar sem animar a aprofundar na vida de Isidoro. É muito fácil encontrar o meu livro que está disponível, grátis, em áudio e em formatos eletrónicos. Ali também se faz o link para uma biografia mais ampla e um vídeo no Youtube.

Enrique Muñiz