Ideias para humanizar o teletrabalho

Com o coronavírus, muitas empresas em todo o mundo mandaram os seus empregados para casa. Em muitos casos recorreram ao teletrabalho para garantir a continuidade da produção e os empregos. Esta situação constitui um desafio mas também uma oportunidade. S. Josemaria animava a todos a “santificar o trabalho, santificar-se no trabalho e santificar os outros com o trabalho” e isto pode aplicar-se a todas as circunstâncias.

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A crise atual empurrou muitos para o teletrabalho. Isto pressupõe um desafio sem precedentes na organização de muitas famílias.

No caso de Belén e Pedro, espanhóis, informáticos e pais de três filhos, o dia foi dividido para que cada um deles dedique umas horas a estar a acompanhar os filhos. “Para as crianças, os primeiros dias implicaram um processo de adaptação mas estão a portar-se muito bem”.

Dividir o tempo para chegar a tudo é um dos primeiros desafios. Outro é encontrar um espaço adequado. “Em casa estamos nós os dois com as crianças, a minha sogra, a cadela e uma prima que está connosco há um tempo”, conta Javi. “A convivência obriga-nos a todos a dar conta ou mesmo a exigir com toda a clareza que se deve partilhar o espaço”.

Como as crianças têm aulas virtuais desde o primeiro dia, todos trabalham. Contudo, a avó vê-se obrigada a renunciar à televisão, que habitualmente é o centro da casa durante a manhã. “Aquilo a que não renuncia – comenta Javi com humor – é às tardes de telenovela mas, como temos espaço, todos podemos dispersar-nos pela casa para fazer outras coisas”.

A PROFESSORA DO IESE MIREIA LAS HERAS APONTA TRÊS MEDIDAS QUE PODEM AJUDAR A ORGANIZAR-SE NESTA SITUAÇÃO

A professora do IESE Mireia Las Heras aponta três medidas que podem ajudar a organizar-se nesta situação. A primeira é ter espaços e definir fronteiras, algo difícil se as casas são pequenas. “Se a minha fronteira consiste em trabalhar na cozinha, talvez tenha de pôr um letreiro, de modo que os filhos entendam que o pai e a mãe estão a trabalhar. Ter fronteiras para mim própria, físicas mas também de horários, porque isso ajuda-me a saber quando estou a trabalhar e quando não. A segunda medida é ter rotinas: organizo as minhas metas, contacto com clientes, fornecedores, etc. A terceira é estar em contacto com familiares e amigos; saber o que precisam, como posso ajudá-los, como estão as suas famílias, o que é que os preocupa”, explica.

Para profissionais como Rocío, que trabalha no setor biofarmacêutico, esta experiência de teletrabalho generalizado e forçoso “pode também ser vista como uma oportunidade para as empresas testarem o modelo. Pode ajudá-las a valorizar até que ponto é necessária a atividade presencial, a refletir sobre novas possibilidades no âmbito da conciliação da vida profissional com a vida pessoal. Pode, talvez, apesar da desgraça, constituir um ponto de inflexão, um antes e um depois”.

Um desafio social: menos work-centric

Nuria Chinchilla, professora de Gestão de Recursos Humanos nas Organizações, na IESE Business School, considera que se está a gerar uma crise de procura sem precedentes. “Sabemos que conseguiremos levantar a economia mas será difícil recuperar a confiança. Por cada mês de confinamento teremos seis meses de paralisação económica”.

Mireia Las Heras, por seu lado, nota que uma mudança radical requer mais tempo. “Mas isto vai pôr em cima da mesa a realidade de que é possível, que temos nas empresas pessoas muito comprometidas, com muita vontade de colaborar e que sabem fazê-lo sem que haja alguém a controlar”, assinala.

A CASA DE FAMÍLIA É O LUGAR A PARTIR DO QUAL SE DESENVOLVEM AS COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS MAIS IMPORTANTES PORQUE IMPLICA PENSAR NOS OUTROS E DAR-SE

Segundo Nuria Chinchilla, especialista em conciliação, estamos confinados sem o querermos, mas o certo é que dantes éramos ‘work-centric’, chegávamos a casa com menos energia e menos capacidade de enfrentar a vida familiar, e agora estamos em casa teletrabalhando com tensão. Agora a situação é bem diferente. “Se temos horários, regras de jogo com os de casa; se trabalhamos separados dos outros e distribuímos o trabalho da casa, isto pode ser um campo infinito de possibilidades”, garante. Exige, isso sim, desenvolver competências de liderança pessoal , autocontrolo e capacidade interpessoal de planificação. “A casa de família – continua – é o lugar onde se desenvolvem as competências profissionais mais importantes porque exige pensar nos outros e dar-se”.

Um desafio empresarial: mais empatia

Até agora nas empresas tinha-se teletrabalhado em grupos-piloto mas nunca com toda a gente ao mesmo tempo. “Se superarmos esta situação – comenta a professora Chinchilla – a sociedade estará preparada para outras etapas em que se pode realizar um teletrabalho normal superando o presencialismo. Obviamente, seria necessário estudar que temas se podem trabalhar, que pessoas têm mais capacidade para se autorregular; aprender a dirigir por objetivos e não só a pagar por eles. Pressupõe mudar a cultura, mas a cultura é também o cultivo dos comportamentos”.

ESTA SITUAÇÃO QUE ESTAMOS A VIVER EXIGE QUE CADA UM TRABALHE A PARTIR DO SEU LUGAR COM EMPATIA

No campo da motivação, a coach Elena de Paz considera que, presentemente, esta situação que estamos a viver exige que “cada um trabalhe a partir do seu lugar de forma empática, que seja capaz de se pôr no lugar dosempregados, dos colegas, do chefe. Antecipar cenários ajuda a gerar energia de colaboração, mais numa perspetiva de compaixão do que na lógica da exigência ou da intolerância: pensar no peso que o chefe tem em cima dos ombros, no que significa trabalhar num apartamento pequeno, com a família à volta, etc.

Um desafio pessoal: viver o presente

Em pequena escala, a solução é viver o presente. “Quando alguém sente angústia – explica Chinchilla – é porque não está centrado no presente, mas antecipando um futuro incerto. Devo dizer: agora tenho vinte e quatro horas e vou fazer o melhor que puder aquilo que tenho que fazer: o meu trabalho, desfrutar da família. A incerteza dói porque é dramático o que está a acontecer. Vem a propósito uma frase de S. Josemaria: ‘Nunca acontece nada e, se acontece, que importa, e se importa, que acontece?’.* Não vale a pena perder a paz. Se empregarmos os meios, se tomarmos as medidas de precaução, as coisas correrão bem. Quanto mais cedo isto terminar, melhor para todos, do ponto de vista social, económico, familiar”.

VEM A PROPÓSITO UMA FRASE DE S. JOSEMARIA: ‘NUNCA ACONTECE NADA E SE ACONTECE, QUE IMPORTA, E SE IMPORTA, QUE ACONTECE?’

Também é preciso gerir bem o tempo. “Quando uma pessoa está sobrecarregada, não consegue chegar a tudo. Para não cair na loucura é preciso atuar como um médico em campanha, dar prioridade ao que requer mais atenção. Algumas coisas já foram ao ar, outras podem ser adiadas, umas não tenho outro remédio senão ser eu a fazê-las, mas outras posso delegá-las. Assim, a cabeça tranquiliza-se”.

Mireia Las Heras realça outro aspeto: “cada um de nós tem os seus meios para enfrentar a situação. Claramente, um deles é a oração”. Outra questão importante – acrescenta – são as relações pessoais. Não podemos acompanhar de perto as pessoas queridas, mas podemos visitá-las virtualmente. Há tantas aplicações gratuitas! Não é um contacto que nos confira o calor de estar diante da outra pessoa, mas podemos ver o seu rosto, falar, partilhar, etc.”.

O desporto também ajuda a diminuir este stress. “Temos uma infinidade de vídeos para fazer exercícios de cardio, zumba, etc. O que for adequado à nossa idade e se adaptar ao espaço permitir-nos-á não acumular tensão, relaxar e descansar fisicamente durante a noite”.

Criatividade, motivação e sentido de humor

Elena de Paz conclui com três pontos essenciais: criatividade, sentido de humor e clareza nas motivações. “Criatividade, ou seja, não perder a energia, não perder o foco. Isto permite arranjar recursos e fazer as coisas de modo diferente de como se costumavam fazer. O sentido de humor ajuda a reduzir a ‘terrivilite’, porque o riso gera endorfinas, que são as hormonas da felicidade, e limita a do stress que é o cortisol. E motivação: perguntar-me para que é este confinamento, porque perguntar-se sobre os para quês leva à essência: para estar bem e poder cuidar dos outros, por amor a Deus. Ou seja, trata-se de pensar em grande e atuar em pequeno”.

A MOTIVAÇÃO LEVA A PERGUNTAR-ME PARA QUE É ESTE CONFINAMENTO, PORQUE PERGUNTAR-SE SOBRE OS PARA QUÊSLEVA À ESSÊNCIA

Maria Dolores Fernández de Liencres é médica psicoterapeuta. A sua perceção é a de que esta situação nos proporcionou algo que antes não tínhamos: tempo. Tempo para redescobrir o marido, a mulher, os filhos. Tempo também para trabalhar de maneira diferente, apesar do medo do futuro.

“Estamos a trabalhar com menos pressão mas com mais qualidade e entusiasmo – considera –. O stress é produzido pela pressão externa, pela pressa, pela competitividade mal entendida. Agora, vemos que o trabalho é um dom mas não é tudo”.

* N.T. No original: “Nunca pasa nada y si pasa, qué importa y si importa, qué pasa”, que remete para a expressão frequente no español falado: ‘No pasa nada’.