Fiar-se em Deus

Sem Cristo, não fazemos nada. Foi o ensinamento que o Mestre deu aos seus discípulos na cena da pesca milagrosa e que se repete nas nossas vidas.

Conta São Lucas que, numa ocasião, o Senhor pregava junto ao mar da Galileia e eram tantos os que queriam ouvi-l’O que teve de pedir ajuda. Uns pescadores lavavam as redes na margem. Tinham terminado a parte fundamental do seu trabalho e ocupavam-se noutras atividades acessórias, certamente com a ideia de ir quanto antes para casa e descansar. Jesus Cristo entrou numa das barcas, a de Simão, e daí continuou a falar à multidão.

O evangelista não se detém a contar-nos o conteúdo dos ensinamentos do Senhor. Nesta altura, há outros aspetos para os quais quer chamar a nossa atenção porque contêm lições muito importantes para a vida cristã.

Luta e confiança

Talvez Pedro e os seus companheiros pensassem que, ao terminar de falar, Jesus regressaria à margem e seguiria o seu caminho. Mas não foi assim, dirigiu-se a eles e pediu-lhes que recomeçassem a sua tarefa, que já estavam a dar por terminada. Ficaram surpreendidos, mas Simão teve a grandeza de ânimo de se sobrepor ao cansaço e responder: «Mestre, trabalhámos durante toda a noite e nada apanhámos; mas, porque Tu o dizes, lançarei as redes» (Lc 5, 5).

Tinham trabalhado toda a noite e tinha sido em vão. Sabiam trabalhar, era a sua profissão, tinham experiência. Mas tudo isso não foi suficiente. Tinham regressado cansados e sem nada. Não é ousado supor que estariam desanimados. Talvez a algum tivesse ocorrido que com aquela profissão não conseguiria nada e teria experimentado o desejo – mais ou menos contido – de deixar tudo porque o invadia uma sensação de inutilidade.

Sabemos que esta história termina com uma pesca abundantíssima. Se nos perguntarmos qual a diferença entre a eficácia desta pesca e o fracasso noturno, a resposta é imediata: a presença de Jesus Cristo. Todas as outras circunstâncias desta segunda tentativa parecem menos favoráveis do que as primeiras: não acabaram de lavar as redes, a hora é pouco apropriada, o cansaço físico e anímico dos pescadores…

O Senhor serve-se de tudo isto para lhes dar – e para nos dar – um ensinamento espiritual muito importante: sem Cristo, não fazemos nada. Sem Cristo, o fruto da luta será o cansaço, a tensão, o desânimo, a vontade de abandonar tudo; sem Cristo tentamos enganar-nos, atribuindo a culpa da nossa eficácia às circunstâncias; sem Cristo, seremos invadidos pela sensação de inutilidade. Pelo contrário, com Ele, a pesca é abundante.

A santidade não consiste no cumprimento de um conjunto de normas, é a vida de Cristo em nós. Por isso mais do que em fazer, está em deixar fazer, em deixar-se levar, mas correspondendo. «Tu, cristão, e por seres cristão filho de Deus, deves sentir a grave responsabilidade de corresponder às misericórdias que recebeste do Senhor com uma atitude de vigilante e amorosa firmeza, para que nada nem ninguém possa esbater os traços peculiares do Amor, que Ele imprimiu na tua alma»[1].

Quando lutamos por ser santos, o fio da nossa vontade encontra-se com o fio da Vontade de Deus e entrelaça-se com Ele para formar um tecido único, uma só peça que é a nossa vida. Essa urdidura deve tornar-se cada vez mais densa até que chegue o momento em que a nossa vontade se identifique com a de Deus, de tal modo que não seremos capazes de distinguir uma da outra porque querem o mesmo.

Quase ao fim da sua vida na terra, Jesus confia a São Pedro: «Em verdade, em verdade te digo: quando eras mais novo, tu mesmo atavas o cinto e ias para onde querias; mas, quando fores velho, estenderás as mãos e outro te há de atar o cinto e levar para onde não queres» (Jo 21, 18).

Antes apoiavas-te em ti, na tua vontade, na tua fortaleza, antes pensavas que a tua palavra era mais segura que a minha… (cf. Mt 26, 34-35) e já vês os resultados. A partir de agora, apoiar-te-ás em Mim e quererás o que eu quiser…e as coisas irão muito melhor.

A vida interior é uma tarefa da graça que requer a nossa cooperação. O Espírito Santo sopra e impulsiona a nossa barca. Para a nossa correspondência dispomos de dois remos, para o dizer de algum modo: por um lado o nosso esforço pessoal; por outro, a nossa confiança em Deus, a certeza de que Ele não nos deixa. Os dois remos são necessários e temos de trabalhar com os dois braços se queremos que a vida interior avance. Se falta um, a barca roda sobre si mesma e é muito difícil de governar; a alma caminha então como a pé-coxinho, não avança, esgota-se, acaba por desfalecer e cai facilmente.

Se faltar decisão eficaz de lutar, a piedade é sentimental, as virtudes escasseiam, a alma parece encher-se de bons desejos que resultam ineficazes quando chega o momento do esforço. Se, pelo contrário, se confiar tudo a uma vontade forte, no momento da luta, sem contar com o Senhor, o fruto é aridez, tensão, cansaço, fastio de uma luta que não traz peixes às redes da vida interior e do apostolado: a alma encontra-se como Pedro e os seus companheiros, na noite sem frutos.

Se virmos que alguma coisa disto nos sucede, se às vezes cairmos no desânimo por nos apoiarmos demasiado no nosso conhecimento ou experiência, na nossa vontade decidida e forte… e pouco em Jesus Cristo, peçamos ao Senhor que suba à nossa barca. Interessa-nos muito a sua presença, muito mais que os resultados do nosso esforço. O Senhor não promete uma grande pesca e Simão não a espera. Mas adverte que, de todas as formas, vale a pena trabalhar pelo Senhor: «In verbo autem tuo laxabo retia» (Lc 5, 5).

Abandono

Voltemos agora um pouco atrás e dirijamos o nosso olhar ao pedido de Jesus. «Faz-te ao largo; e vós, lançai as redes para a pesca» (Lc 5, 4).

Duc in altum. Leva a barca para as águas profundas. Para ter vida interior, há que renunciar a ter os pés em terra firme, totalmente dominada; é necessário avançar até às ondas, onde a barca se move e a alma se dá conta de que não controla tudo, onde se cairmos à água nos podemos afundar.

Não estaremos mais seguros na margem ou onde a água não suba acima dos joelhos ou da cintura ou, no máximo, até aos ombros? Talvez, efetivamente, nos sentíssemos mais seguros. Mas na margem não se pesca nada que valha a pena. Se queremos lançar as redes para pescar, temos de levar a barca para o alto mar, temos de afastar o medo e perder de vista a costa.

Quantas vezes Jesus repreende os discípulos pelo seu medo! «Porque temeis, homens de pouca fé?» (Mt 8, 26; cf. Mt 14, 31). Não merecemos nós essa mesma reprovação? Porque não acreditas? Porque queres dominar e controlar tudo? Porque te custa tanto caminhar quando o sol não brilha em todo o seu esplendor?

A alma tende instintivamente a procurar referências, sinais que lhe confirmem que vai bem. O Senhor concede-as em muitas ocasiões, mas não cresceremos na vida interior se nos preocuparmos demasiado a comprovar o nosso progresso.

Aliás, temos a experiência de que em momentos de inquietação em que não temos um julgamento claro sobre a nossa retidão e nos deixamos arrastar pelo desejo de procurar a todo o custo uma resposta, acabamos por atribuir a uma circunstância mínima um valor de que objetivamente carece: um olhar sorridente ou sério, um elogio ou uma correção, uma circunstância favorável ou não, bastam para colorir com o seu tom brilhante ou escuro factos com os quais não têm qualquer relação.

O crescimento na vida interior não depende de estarmos seguros de qual é a vontade de Deus. O afã desmedido de segurança é o ponto onde o voluntarismo se encontra com o sentimentalismo. Em algumas ocasiões, o Senhor permite uma insegurança que, bem dirigida, nos ajuda a crescer em retidão de intenção. O que importa é abandonar-se nas suas mãos e neste fiar-se n’Ele encontra-se a paz.

Com a nossa luta, não procuramos provocar em nós sentimentos agradáveis. Muitas vezes vamos tê-los, outras não. Um pouco de exame talvez nos ajude a ver que os procuramos com maior frequência de que imaginamos, se não em si mesmos, pelo menos como sinal de que a nossa luta é eficaz.

Damo-nos conta disso, por exemplo, ao experimentar desânimo perante uma tentação a que não cedemos, mas que persiste, ao sentir tristeza porque alguma coisa nos custa e – assim raciocinamos – não nos deveria custar; ao notar aborrecimento porque a entrega não nos atrai do modo arrebatador de que gostaríamos…

Temos de lutar no que podemos lutar sem nos atirarmos de cabeça contra o que não está na nossa mão dominar: os sentimentos não estão totalmente submetidos à nossa vontade e não podemos pretender que o estejam.

Temos de aprender a abandonar-nos, deixando nas mãos de Deus o resultado da nossa luta, porque só a confiança n´Ele vence essas inquietações. Se queremos ser pescadores de mar alto, temos de levar a barca para lá, onde não tivermos pé; temos de superar o desejo de procurar referências, de experimentar que vamos adiante, mas para o conseguir é decisivo apoiar-se na contrição.

Recomeçar

Simão e os seus companheiros seguiram o conselho do Senhor «e apanharam uma grande quantidade de peixes. As redes estavam a romper-se» (Lc 5, 6). Do fruto daquela audácia beneficiaram outros que vieram ajudá-los e as duas barcas encheram-se tanto que quase se afundavam. Abundância tão extraordinária levou Pedro a notar a proximidade de Deus e a sentir-se indigno de tal familiaridade: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador» (Lc 5, 8). Contudo, poucos minutos depois, «deixaram tudo e seguiram Jesus» (Lc 5, 11). E foram fiéis até à morte.

Pedro descobriu o Senhor naquela pesca extraordinária. Teria raciocinado da mesma forma se, na noite anterior, o trabalho tivesse corrido bem? Talvez não. Talvez tivesse reconhecido a ajuda de Jesus nos resultados excecionais, mas não se teria dado conta de que Deus estava tão perto e tudo se Lhe devia. Para que o milagre movesse a alma de Simão, convinha que a noite anterior tivesse corrido tão mal apesar do seu grande empenho.

O Senhor serve-se dos nossos defeitos para nos atrair a Si, sempre que nos esforcemos sinceramente por os vencer. Por isso, lutando, temos de querer-nos como somos, com os nossos defeitos. Ao fazer-se homem, o Verbo assumiu umas limitações: as próprias da condição humana, aquelas contra as quais, por vezes, nos insurgimos. No caminho de identificação com Cristo, é fundamental assumir os próprios limites.

Tantas vezes é precisamente a consciência serena da nossa indignidade que nos faz descobrir Cristo ao nosso lado porque vemos, nitidamente, que os peixes que há nas nossas redes não foram ali colocados pela nossa perícia, mas por Deus. Essa experiência enche-nos de gozo e convence-nos, uma vez mais, de que é a contrição a que nos faz avançar na vida interior.

Então, como Pedro, lançamo-nos aos pés de Cristo e, também, como ele, acabamos por deixar tudo, – até essa pesca extraordinária – para O seguir, porque só Ele nos interessa.

A prontidão para a contrição marca o caminho da alegria. «A tua vida interior deve ser isso precisamente: começar… e recomeçar»[2]. Que profunda alegria experimenta a alma quando descobre, na prática, o significado destas palavras! Não se cansar de recomeçar: eis aqui o segredo para a eficácia e para a paz. Quem tem essa atitude deixa trabalhar o Espírito Santo na sua alma, colabora com Ele sem pretender substitui-lo, luta com toda a energia e com plena confiança em Deus.


[1] São Josemaria, Forja, n. 416.

[2] São Josemaria, Caminho, n. 292.

J. Diéguez