Ester, uma vida plena

Ester Teijeira Arias faleceu em Lisboa, na madrugada de 13 de julho, com 102 anos de idade. De nacionalidade espanhola, Ester passou grande parte da sua vida em Portugal, ajudando a consolidar muitos centros do Opus Dei, com alegria e amor.

Ester Teijeira Arias nasceu em Corcubión, Espanha, a 24-03-1923. Pediu a admissão na Obra como numerária a 28-04-1948, já terminado o curso de enfermagem. No dia 1 de dezembro de 1951 chegou a Portugal, acompanhada por outras, para começar o trabalho apostólico da Obra com mulheres.


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Ficaram a viver na Administração do único Centro da Obra em Portugal e em março de 1953 arrendaram uma casa na Rua de Buenos Aires, a que chamaram Estrela. Pensaram lançar ali uma Escola sobre tarefas relacionadas com a casa e a família, pelo que a Ester viajou a Barcelona para recolher experiências numa Escuela Hogar, que funcionava nessa cidade. Quando regressou a Lisboa tirou um curso de Corte e Costura e outro de Cozinha. Embora não tivessem enveredado por este tipo de Escola, essa aprendizagem serviu-lhe para toda a vida, pois durante muito tempo dedicou-se a fazer ou orientar na confeção de roupa de Oratório, e também chegou ela própria a fazer alguma roupa para as mulheres da Obra que enfrentavam carências económicas nos inícios do trabalho apostólico. Anos mais tarde tirava partido dessas circunstâncias, com o seu sentido de humor característico.

Na Estrela começou a primeira residência de estudantes universitárias, a partir de 1953. A Ester, com a ajuda de outras, levou para a frente essa iniciativa. Aí conheceram a Obra muitas estudantes universitárias e profissionais, e surgiram as primeiras vocações. A Ester era muito apostólica e apelava à generosidade com grande vibração.

Era muito alegre e essa alegria transparecia no dia a dia, manifestando-se também nos meios de formação que dava, tornando-os amenos e atraentes. Sabia fazer-se querer por todos. Uma pessoa que conviveu bastante com ela, escreve: recordo vê-la sair de uma carrinha de caixa aberta, cheia de móveis, conduzida pelo marceneiro habitual, que a admirava tanto que era capaz de ir ao fim do mundo para fazer o que ela lhe pedisse!

No convívio diário contava habitualmente coisas divertidas, tirando partido de aspetos insignificantes. Fazia rir também com os seus próprios esquecimentos e confusões com os nomes. Por exemplo, com muita facilidade trocava o nome de um fornecedor de “Sr. Paixão” por “Sr. Quaresma”. Tinha boa voz e animava as tertúlias com canções que nos ia ensinando, quase sempre espanholas ou sul-americanas… Ao lembrar os primeiros tempos da Obra no país, costumava referir pouco as dificuldades que tiveram e, sem faltar à realidade, tirava partido humorístico das situações. Tendia a desdramatizar.

Também se ocupou da decoração e instalação de Centos da Obra durante muitos anos. Tinha uma grande capacidade de trabalho e de liderança, trabalhava com intensidade, ponderação, ordem e previsão, sem precipitações. Tinha um sentido prático notável. Quem conviveu com ela mais de perto apercebia-se de que trabalhava por amor a Deus, entregando-se a todo o tipo de tarefas, desde trabalhos de governo e de formação, até ao cuidado material de casa. Sabia acolher com carinho, como também sabia exigir.

Colaborou ativamente na expansão apostólica em Portugal, fazendo viagens a Coimbra, Porto, Viseu, onde conheceu pessoas que se aproximaram da Obra. Teve um papel ativo no começo da Casa da Serra, no Caramulo. Já mais velha viajava semanalmente às Caldas da Rainha para dar meios de formação.

Gostava de fazer descansar as outras com peças de teatro improvisadas e algumas saídas engraçadas, que provocavam boa disposição nas que assistiam. Nos cursos anuais de formação era certo e sabido que encenava algum show. Atraía pela sua naturalidade e simplicidade.

Era muito criativa para encontrar soluções para problemas económicos, por exemplo, com vendas de objetos ou fazendo trabalhos em estanho que se vendiam. Ponderava bem os gastos a fazer na instalação dos imóveis e acompanhava os operários, exigindo um trabalho bem feito. Vivia o espírito de pobreza cristã e simultaneamente cuidava o tom humano e o arranjo pessoal, tanto seu, como das outras. A pouco e pouco foi perdendo a visão, e apesar disso costumava dar conselhos pertinentes a outras pessoas sobre arranjo pessoal. Dentro da sobriedade que a caraterizava, tinha a preocupação de estar sempre bem arranjada e de adaptar as peças de roupa às alterações anatómicas que foi sofrendo com a idade. Como sabia de corte de costura, ajudava a costureira a fazer os arranjos necessários para que a roupa assentasse com elegância. A modista, bastante experiente, referiu várias vezes que, à custa dessas “exigências”, tinha aprendido muito e melhorado o seu desempenho profissional.

Era piedosa e zelava para que o fossem também as pessoas que se aproximavam da Obra e as que correspondiam à vocação. Preocupava-se com a qualidade dos meios de formação, que ajudavam a manter um nível alto na correspondência a Deus e a fortalecer o sentido sobrenatural da entrega. Não poupava esforços para ir ao encontro de alguém que estivesse a precisar. Vivia a fortaleza com naturalidade. Nalguma palestra de retiro comentava que se deve fazer o que é preciso, mesmo que custe – “e se me dá a fraqueza e caio?” “Pois cais e andas para a frente!” Era assim que vivia.

Era muito sensível ao sofrimento alheio, dando sugestões concretas para aliviar situações difíceis de doença. Durante anos, já com bastantes limitações de idade, dedicou-se a acompanhar especialmente a Chunxa, numerária doente de Alzheimer, incapaz de comunicar e imobilizada numa cama do centro onde vivia: sugeria a roupa que lhe podiam vestir ou comprar, para estar cómoda, mas bem arranjada. Rezava com ela, passava parte do dia a fazer-lhe companhia, cantando canções ou contando histórias que sabia que ela gostava, apesar de não receber qualquer feed-back.

Esteve acamada nos últimos 5 anos e tinha muita preocupação pelas pessoas que a cuidavam e pelas suas famílias. Era simples e sincera. Gostava de cantar e com frequência as da sua casa faziam-no no seu quarto. Um dia perguntaram-lhe: “cantámos bem?” e respondeu com a sua franqueza habitual, cheia de carinho: “se calhar têm de ensaiar mais…”

Morreu no dia 13 de julho de 2025 de madrugada, serena e discretamente. Deixa uma grande saudade e o exemplo de uma vida plena. Foi, no sentido mais profundo, uma mulher feliz.