Covid: esquemas para ajudar “já” e “a tempo” quem precisa em Lisboa

Com experiência em 2 bairros há mais de 20 anos, Paula conta o que os problemas novos que a Covid trouxe e as soluções ainda mais novas que apareceram.

A Margarida é a mãe do Iúri de 17 anos e o Ivo de 7. Morou 3 anos provisoriamente num quarto numa pensão do Chiado. Até que chegou o desejado dia em que o município de Lisboa lhe entregou as chaves de uma casa em Marvila.

Trabalhava num call center 5 horas por dia e ganhava 350 euros por mês.

Trabalhava num call center 5 horas por dia e ganhava 350 euros por mês. Sendo tão pouco, conseguiu pôr de parte uns dinheiros e comprou mobílias usadas, mas insuficientes para se mudar. Só que, entretanto, foi despedida. E quinze dias depois decretaram o estado de emergência. Conseguir emprego tornou-se ainda mais difícil. E, para mudar, ainda lhe faltavam umas mobílias, as indispensáveis.

A Junta de Freguesia e o Banco Alimentar estão a dar uma ajuda mesmo muito preciosa para um número, infelizmente a crescer, de pessoas que, sem essa ajuda, não teriam alimentos para cozinhar hoje. Mas acudir a uma situação como a da Margarida está fora das suas possibilidades.

Trabalho há mais de 20 anos numa associação onde articulamos com organismos públicos e privados para atender às necessidades sociais da população. De facto, algumas famílias que estão no nosso raio de acção recebem apoio alimentar diário de alimentos já cozinhados e quentes, através do projecto www.quietinhoemcasa.pt, e muitas recebem um apoio de cabaz mensal da Junta de Freguesia. Só que muitas vezes esse apoio não é suficiente em quantidade ou diversidade.

Como o confinamento multiplicou o número e a gravidade dos casos de carência, criámos um grupo de WhatsApp de cerca de 100 voluntários.

Como o confinamento multiplicou o número e a gravidade dos casos de carência, criámos um grupo de WhatsApp de cerca de 100 voluntários desejosos de colaborar que complementam essas ajudas sempre que necessário. Falei-lhes da Margarida. Desta vez não pedi comida, pedi mobílias. A ajuda não tardou e graças a isso a Margarida, o Iúri e o Ivo já estão numa casa mobilada que podem chamar sua.

Margarida e Ivo já estão numa casa mobilada que podem chamar sua.

Documentos e comida

A história da Elvira é diferente, e infelizmente não é rara. A junta de freguesia da sua zona só podia dar alimentos se ela antes apresentasse um notável ramalhete de documentos, que na altura não tinha como imprimir. Enquanto a associação tratou dos papeis, a família, naturalmente, precisava de comer. A Elvira tem quatro filhos de 3, 5, 12 e 22 anos (este é doente), o marido ganha o ordenado mínimo e pagam 430 euros de renda de casa. Ela é copeira e por causa do estado de emergência ficou sem trabalho.

Já a conhecemos há muitos anos e só pede mesmo quando precisa. De novo o grupo WhatsApp dos 100 foi o recurso e foi o remédio. Felizmente.

O vídeo da Associação Emergência Social: 15 anos sem ficar de braços cruzados.

O método

Encontrámos um modo simples, graças à ajuda eficaz da D. Lurdes, que tem uma mercearia que serve dois bairros onde nós operamos. É assim. Quando sabemos que há uma Margarida, uma Elvira, ou seja quem for, com uma urgência, contamos a história no grupo, e ao voluntário que se oferece sugerimos que telefone directamente à família a perguntar o que faz falta. A seguir há dois caminhos:

1. O voluntário faz a encomenda à D. Lurdes com indicação da pessoa a quem se destina, que vai lá levantar.

2. O voluntário faz a encomenda onde quiser e entrega, ou manda entregar, à D. Lurdes, também com indicação da pessoa a quem se destina, que a D. Lurdes cuida de que seja entrega a essa pessoa.

Qual é a varinha mágica?

Tenho outra história. Conhecemos um casal que tem um bebé de dois anos com paralisia cerebral que só come comida por sonda e têm de lhe triturar, com varinha mágica, a comida todos os dias. De tanto uso, o motor queimou e a varinha avariou. De novo, o grupo dos 100 resolveu logo o problema.

Várias vezes tive quase uma lista de espera de pessoas a quererem ajudar a mesma pessoa. Nenhum pedido ficou por resolver.

Afinal, a varinha mágica são estes nossos amigos. E pude comprovar que:

- as pessoas gostam de saber para que é que estão a ajudar

- a descrição do pedido de ajuda é fundamental

- a posterior indicação do retorno, quer por relato quer por fotografias, é também muito bom.

É surpreendente a rapidez da resposta e da ajuda. Várias vezes tive quase uma lista de espera de pessoas a quererem ajudar a mesma pessoa. Nenhum pedido ficou por resolver.